OPINIÃO
JOSÉ LUÍS SEIXAS, ADVOGADO
DA VIDA E DA MORTE
I Peças de seda, pelo menos assim me pareciam, envolviam silhuetas que flutuavam em meu redor. Reconhecia os rostos, pelo menos alguns. Sentia-me impelido para o meio delas, envolvido pelos seus múltiplos braços, rodeado pelos panos que me tentavam aprisionar. Resisti o quanto pude. Depois caí num torpor que se aproximou do autêntico vazio. Acordei do coma. Mas estas imagens recorriam constantemente. Seriam os prolegómenos da morte? Estaria realmente vivo? Ou passara já para a dimensão etérea? Continuava deitado na UCI, preso à cama - tamanha a minha agitação - com personagens indistintas em permanente azáfama. Vi-me num comboio sem carris à espera não sei do quê. Como anteriormente me senti no alto de um guindaste abandonado aos céus. Como vi colegas e conhecidos a 112
quem implorava libertação e que persistentemente me ignoravam. Mas tudo me parecia real e verdadeiro. As alucinações enganavam-me e impunham-me o absurdo. Com elas, a ideia de estar cativo, amputado da minha liberdade e impossibilitado de cumprir as minhas obrigações. Não fruto da gravidade da doença – cuja dimensão ainda não descobrira – mas por uma estranha determinação de um colectivo frenético que se postara contra mim. Encontrava nos rostos gestos de escárnio, ameaças de agravamento e, finalmente, aprisionamento físico. A agitação que vivia era enorme. O pressentimento que estaria a chegar ao fim persistente. E não conseguia ver a minha mulher e
os meus filhos. Despedir-me deles. O fim é difícil. Doloroso. Sentido. Pode ser um momento, um segundo. Mas é sempre a partida. Sabe-se o que se deixa. Não se sabe o que se vai encontrar. Momento violento, como o de todas as partidas. Principalmente sendo a definitiva. Como homem de Fé, acredito que nada se confina à vida presente. Que há uma outra que aguarda o espírito despojado das amarras humanas.