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ALGARVE INFORMATIVO 20 de novembro, 2021
VÍTOR GUERREIRO | OSVALDO GONÇALVES | «DEVE HAVER MAIS QUALQUER COISA» «MEMÓRIAS DE BAMBARAM» | «ROMEU E ROMEU» | CALCETEIROS DE LETRAS 1 ALGARVE INFORMATIVO #316 «MONÓLOGO DE UMA MULHER CHAMADA MARIA COM A SUA PATROA»
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70 - «La Longue Marche» 16 - Vítor Guerreiro
84 - «Romeu e Romeu» 28 - Osvaldo Gonçalves
96 - «Memórias de Bambaram»
38 - Festival Calceteiros de Letras
OPINIÃO
54 - «Deve haver mais qualquer coisa» ALGARVE INFORMATIVO #316 ALGARVE INFORMATIVO #316
118 - Paulo Cunha 120 - Mirian Tavares 122 - Ana Isabel Soares 124 - Fábio Jesuíno 126 - Júlio Ferreira 8 8
104 - «Monólogo de uma mulher chamada Maria com a sua patroa»
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“ESTAMOS CÁ PARA ENFRENTAR AS DIFICULDADES E RESOLVER OS PROBLEMAS DA POPULAÇÃO”, AFIRMA VÍTOR GUERREIRO Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina ítor Guerreiro foi eleito, a 26 de setembro, para o seu terceiro e derradeiro mandato como presidente da Câmara Municipal de São Brás de Alportel, um concelho localizado no coração do Algarve e que viu alguns investimentos serem colocados em pausa, nos últimos dois anos, devido aos constrangimentos impostos pela pandemia por covid-19. De facto, de um momento para o outro foi necessário ALGARVE INFORMATIVO #316
reorganizar os serviços municipais e rever orçamentos e planos de atividades, para além de se afetar uma verba volumosa para salvaguardar a saúde e a segurança da população local e para apoiar as famílias e empresas do território. “Investimos também
bastante na educação, para que os nossos alunos tivessem condições para aceder ao ensino à distância. Tudo isto levou-nos, devido ao orçamento reduzido da Autarquia, a adiar alguns 16
projetos, nomeadamente intervenções de renovação urbana”, admite o entrevistado, o que não significa que não se tivessem concluído obras importantes como a Casa Memória da Nacional 2 ou o novo Terminal Rodoviário.
“Aliás, de acordo com dados da CCDR Algarve, São Brás de Alportel foi o concelho algarvio com maior taxa de execução de fundos comunitários”, revela Vítor Guerreiro. Entre os projetos adiados e que estão já a ser retomados encontra-se, por exemplo, a obra de renovação urbana no percurso de ligação entre a Rotunda do Centenário ao sítio de Almargens. Uma intervenção integrada na Estratégia de Reabilitação e Renovação Urbana do município que teve início no centro histórico, prosseguiu pela Avenida da Liberdade e que segue agora até Almargens, dotando este percurso de novas infraestruturas de águas pluviais, iluminação pública, telecomunicações, pavimentação e ainda a ampliação da Rede de Circuitos Pedocicláveis.
“Fizemos um grande esforço para manter os investimentos públicos, porque isso contribui para uma economia local mais dinâmica. Vejase a Casa Memória da Nacional 2, um sucesso tremendo, um espaço museológico que diariamente recebe imensos turistas e que acabam por almoçar e fazer compras em São Brás de Alportel. Não temos turismo de massas, mas somos bastante procurados por causa do nosso património histórico 17
e cultural e pela nossa qualidade de vida e, nesse sentido, continuamos a investir na preservação da natureza e da Serra do Caldeirão. A aposta nas potencialidades turísticas da zona serrana do nosso território tem como alavanca o futuro Núcleo Interpretativo da Serra do Caldeirão, que será certamente espaço de redescoberta dos produtos endógenos e de toda uma dinâmica direcionada para o ecoturismo”, sublinha Vítor Guerreiro. O trabalho do executivo socialista ao longo dos últimos quatro anos foi amplamente reconhecido pela população nas recentes Eleições Autárquicas e a lista encabeçada por Vítor Guerreiro obteve a maior votação a nível regional no dia 26 de setembro.
“Verificou-se uma abstenção bem superior a 2017, os outros partidos da oposição também tiverem menos votos. Durante a campanha notava-se um sentimento muito positivo em relação ao que tínhamos feito, mas várias pessoas diziam-nos que não iam votar porque as eleições estavam ganhas. Muitos idosos também evitavam sair de casa por causa da pandemia. Ficámos com menos um vereador por 47 votos, mas a vitória foi bastante expressiva”, analisa. “Procuramos sempre trabalhar ALGARVE INFORMATIVO #316
em parceria com as associações, as instituições e a população, envolvendo todos de modo a encontrar as melhores soluções para os problemas existentes, e isso tornou-se ainda mais notório neste contexto de pandemia que continuamos a atravessar. Demos isenções fiscais ao comércio e colocámos diretamente dinheiro na economia local através do «Vale Renda» e do «Vale Loja», dos vouchers para as lembranças de Natal aos funcionários, dos sorteios na Noite Vermelha, Noite Prata e Stock-Out. Tudo isso foi determinante para dar um balão de oxigénio aos espaços comerciais do concelho”, acredita. Olhando então para o futuro próximo, Vítor Guerreiro volta a colocar a prioridade nas pessoas e na sua qualidade de vida, o que depois se concretiza na requalificação dos espaços públicos e nas acessibilidades, quer da vila como dos sítios do concelho. “É essencial
investir na eficiência hídrica e, neste mandato, vamos renovar todas as ruas na envolvente do Mercado Municipal, depois de já termos reabilitado o Centro Histórico, a Rua Gago Coutinho, o Largo de São Sebastião e o primeiro troço da Avenida da Liberdade. E, nesta caminhada, renovamos e substituímos as infraestruturas subterrâneas, condutas de água que ALGARVE INFORMATIVO #316
estão obsoletas e que originam perdas de água, enterramos cabos elétricos, colocamos árvores onde elas não existiam e criámos circuitos acessíveis para todos, fundamentais para as pessoas com dificuldades de mobilidade”, descreve o edil sãobrasense, antes de abordar outro projeto que vai avançar, a melhoria da 18
entrada de São Brás de Alportel, pois a Câmara Municipal está prestes a concluir a aquisição de uma antiga fábrica de cortiça que tem muitos herdeiros. “É um
processo que tem cerca de 30 anos e que nos encontramos a finalizar com a compra da última parcela. Este espaço integra um projeto de requalificação urbana da zona envolvente ao Parque da Vila, onde vai nascer o Parque João Rosa 19
Beatriz, em homenagem ao fundador do concelho. Uma intervenção que irá permitir ampliar o estacionamento, valorizar o património existente e criar uma zona de convívio e vivência da população, com mais árvores e sombras e melhores acessibilidades”. ALGARVE INFORMATIVO #316
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MAIS RESPOSTAS SOCIAIS E MAIOR DINAMISMO ECONÓMICO São Brás de Alportel foi, segundo os Censos 2021, o concelho algarvio que mais cresceu em termos populacionais na última década, algo que já era sentido pelo executivo camarário, que não tem poupado esforços na melhoria do ensino. Nesse sentido, é intenção ampliar um jardim-de-infância e criar mais salas de pré-escolar e creche. Outro aspeto essencial para a vitalidade e qualidade de vida de uma população é o desporto, daí pretender-se cobrir o polidesportivo de São Brás de Alportel para se oferecer mais modalidades indoor, ao mesmo tempo que se vão colocando mais equipamentos desportivos informais ao longo da circular e noutros espaços urbanos. Uma das grandes apostas deste mandato são as respostas sociais, tendo a Câmara Municipal um terreno, a sul do Terminal Rodoviário, na Rua das Comunidades Portugueses, onde irá nascer um Campus Social em parceria com diversas instituições particulares de solidariedade social, entre as quais, claro, a Santa Casa de Misericórdia de São Brás de Alportel. “Estamos a preparar
candidaturas e projetos para ali construir respostas para as pessoas com deficiência e uma unidade de cuidados continuados”, revela Vítor Guerreiro. “São investimentos significativos com uma grande importância também para a economia social, porque vamos 21
criar mais postos de trabalho. É igualmente crucial atrair mais empresas para São Brás de Alportel e, para esse efeito, temos um projeto aprovado para um Parque Empresarial na Alfarrobeira da Tumba, o que implica requalificar-se a ligação ao nó da Via do Infante na zona do Pereiro. São investimentos avultados para os quais submetemos uma proposta ao Plano de Recuperação e Resiliência”. Falar-se em acessibilidades é falar-se, de imediato, na requalificação da Estrada Nacional 2 que liga São Brás de Alportel à Via do Infante e a Faro, tendo sido apresentado recentemente pela Infraestruturas de Portugal o seu projeto à Agência Portuguesa do Ambiente, para se aferir da necessidade, ou não, da realização de um estudo de impacto ambiental.
“Esperemos que seja uma realidade neste mandato”, desabafa Vítor Guerreiro, consciente da importância desta obra para a concretização de todo o potencial do concelho que lidera. “Temos muitos
estrangeiros que elegem São Brás de Alportel para viver – alguns até já residiam noutros concelhos do Algarve – por causa do nosso circuito de percursos acessíveis e de toda uma dinâmica cultural e desportiva que existe e que é essencial manter, trabalhando ALGARVE INFORMATIVO #316
sempre em parceria com a comunidade e a população. Só assim conseguimos fazer mais com menos dinheiro”, assume o entrevistado. Toda esta dinâmica agrava, entretanto, a problemática da habitação, até porque São Brás de Alportel se tornou, há uns anos, muito apetecível para quem trabalhava nos concelhos vizinhos comprar casa, o que levou, em primeira instância, à subida dos preços e, finalmente, à escassez de fogos para arrendar ou adquirir. “É um drama
sentido em todo o país e a maior parte das famílias são-brasenses não consegue chegar aos preços que neste momento se praticam no concelho. Estamos a fechar a nossa Estratégia Local de Habitação para entregar ao IHRU – Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, vamos concorrer ao «1.º Direito» e estamos a preparar um investimento a rondar os 11 milhões de euros. A Autarquia possui terrenos próprios e quer adquirir casas nos sítios do concelho, depois de termos feito um levantamento de todas as casas devolutas, porque é fundamental renovar os núcleos urbanos fora da vila”, defende Vítor Guerreiro, não escondendo a satisfação que é percorrer, todos os dias, um centro histórico de São Brás de Alportel praticamente todo reabilitado. “Vamos
requalificar o património, acabar com os problemas de salubridade e ALGARVE INFORMATIVO #316
riscos de incêndios e criar novas respostas para quem delas necessita. E, desta maneira, atraímos mais pessoas para os sítios da serra, que vão perdendo habitantes”, explica. Uma estratégia que não é isenta de problemas, por se falar, precisamente, da Serra do Caldeirão e dos vários 22
instrumentos de ordenamento do território em vigor. “Gostaríamos de
um papel importante na prevenção de incêndios”, aponta
ter mais poder para decidir sobre essa matéria, porque apenas podemos comprar e reabilitar casas que já existem, construção nova é muito complicada”, lamenta o autarca. “Se temos casas e habitantes, temos vida, as pessoas limpam e tratam os terrenos e desempenham
Vítor Guerreiro, admitindo também o papel que as «estradas digitais», ou seja, a rede de telemóvel e internet, desempenha no povoamento do interior. “Para se atingir uma
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verdadeira coesão territorial temos que pensar, de facto, em estradas físicas que nos permitam ALGARVE INFORMATIVO #316
chegar aos locais com conforto e segurança, e na acessibilidade digital. Dentro do próprio Plano de Recuperação e Resiliência está previsto um investimento significativo para uma maior cobertura digital, porque é um fator determinante para se combater a desertificação do interior. Aliás, a pandemia veio reforçar essa necessidade, porque tínhamos crianças que sentiam dificuldades em aceder ao ensino à distância por causa da cobertura da internet”. A Serra do Caldeirão é um dos pulmões do Algarve, o que motivou um investimento de cerca de um milhão de euros, nos últimos quatro anos, da Câmara Municipal de São Brás de Alportel ALGARVE INFORMATIVO #316
na proteção civil e prevenção de fogos.
“Executámos vários quilómetros de faixas de combustível, cuja manutenção tem que ser feita de dois em dois anos, e ampliamos a nossa rede de caminhos rurais. Há cerca de dois meses, uma noite de chuva torrencial encheu-nos uma barragem nova que construímos este Verão na Cabeça do Velho, mas causou logo grandes estragos nos caminhos”, indica Vítor Guerreiro. “Cada vez gastamos mais dinheiro na manutenção, mas é algo essencial para as pessoas acederem aos seus terrenos para os limpar e para que, em caso de incêndio, os
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bombeiros consigam chegar rapidamente ao local”, justifica. Em tempo de pandemia a cultura e animação são-brasenses foram áreas bastante afetadas, não se tendo realizado os dois principais eventos do concelho – a Feira da Serra e a Festa das Tochas Floridas – nos formatos habituais, mas,
“com imaginação e vontade da parte da população e das associações, a dinâmica não desapareceu”. “Celebrámos os 30 anos da Feira da Serra com uma edição especial online, bem como a Festa das Tochas Floridas e criámos outras iniciativas como o espetáculo de originais «Sons de São Brás» ou «Dançando nos Passos de Bernardo», a titulo de exemplo”, enaltece Vítor Guerreiro. “Esperamos retomar, em 2022, o que não aconteceu nestes dois anos, mas continuamos mergulhados em incerteza. Estamos a preparar a Noite Vermelha para dia 4 de dezembro, e depois a chegada do Pai Natal ao Largo de São Sebastião, com muito artesanato e animação, porque reconhecemos que estes eventos também são importantes para o bem-estar psíquico das pessoas, a par da economia local. Não estamos focados em criar eventos novos, mas sim em retomar, em segurança e com toda a dinâmica, aquilo que já fazíamos. E, mesmo em tempos de pandemia, 25
fez-se um trabalho bastante interessante em matéria cultural em São Brás de Alportel”. São Brás de Alportel não parou, existem muitos projetos prontos a avançar e, com maioria absoluta na Câmara Municipal, Assembleia Municipal e Junta de Freguesia, seguem-se então quatro anos de bastante trabalho, mas com estabilidade governamental. “O que a
população deseja e espera de nós é que tenhamos capacidade para responder às dificuldades e para lhes resolver os problemas. Temos pela frente novos desafios que se podem tornar em grandes oportunidades, como é o caso da transferência de competências, que se vai concretizar em abril de 2022, porque as autarquias conseguem gerir e adequar melhor os investimentos às necessidades da população. Também precisamos ter projetos em carteira para aproveitar as verbas do próximo quadro comunitário e do Plano de Recuperação e Resiliência, e tudo isso potencia a melhoria da qualidade de vida dos sãobrasenses e daqueles que escolhem este concelho para residir” .
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“NUNCA FOI FÁCIL FAZER NADA EM ALCOUTIM, MAS AS COISAS ESTÃO A ACONTECER”, REFERE OSVALDO GONÇALVES Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina s Eleições Autárquicas de 26 de setembro ditaram, no concelho de Alcoutim, uma maioria absoluta na Câmara Municipal, Assembleia Municipal e Juntas de Freguesias para o PS, mas Osvaldo Gonçalves sabe que o seu terceiro e último mandato à frente dos destinos deste território do interior algarvio não será uma «pera-doce».
“Temos algum conforto em termos ALGARVE INFORMATIVO #316
da pressão decisória dos assuntos, mas isso está longe de nos aliviar as dores de cabeça e, quanto maior são as vitórias, maior é a nossa responsabilidade e maior terá que ser o nosso envolvimento e empenho em procurar responder às expetativas das pessoas. Mas é muito gratificante ter tido sempre uma maioria expressiva nestas três eleições, é o maior estímulo 28
que se pode dar a um autarca para trabalhar em prol da população”, entende o presidente da Câmara Municipal de Alcoutim.
ou 2026, mas os anos vão passar depressa para quem já espera há tanto tempo”, reforça Osvaldo Gonçalves.
Um mandato de despedida que ficará marcado, ao que tudo indica, pela tão ambicionada construção da ponte entre Alcoutim e Sanlúcar de Guadiana, apesar de muitos continuarem a ser os céticos que só acreditam na obra quando ela estiver, de facto, concluída. “Em todo o
Uma ponte que irá, certamente, ter um impacto positivo para as próximas gerações, com o autarca a dar o exemplo do que sucedeu com os «vizinhos» de Mértola, aquando da construção da ponte entre Espanha e Portugal em Chança. “A economia
lado existem crentes e descrentes, os tais «velhos do Restelo», e respeito todas as opiniões, até porque foram muitos e muitos anos a falar-se desta ponte e o processo nunca avançou. Este será um sucesso partilhado por todos aqueles que acreditaram e acreditam que a ponte vai ser uma realidade, apesar de todas as dificuldades com que, ainda hoje, continuamos a esbarrar. O certo é que, ao longo deste período, têm sido alcançadas muitas «pequenas» conquistas, o financiamento já está garantido e há um grande envolvimento da parte da Câmara Municipal de Alcoutim, da CCDR Algarve, do Ministério da Coesão Territorial e das autoridades espanholas competentes”, destaca o
local teve um crescimento enorme, a começar com a restauração, sempre cheia de espanhóis aos fins-de-semana, e esse aumento da procura impulsionou outros negócios. Uma ligação transfronteiriça rodoviária e pedonal em Alcoutim vai incrementar ainda mais o nosso turismo de natureza, nomeadamente as caminhadas, devido às várias rotas existentes no concelho. E essas pessoas vão trazer o desenvolvimento que desejamos para Alcoutim”, antevê
entrevistado. E, embora lamente que as coisas não andem mais depressa, garante que “não vamos jogar a toalha ao chão”. “Estamos a dar os passos
que tinham que ser dados, num horizonte temporal que vai até 2025 29
o edil, acreditando na atração de projetos de maior dimensão para este território de baixa densidade. “Aliás,
assim que os governos de Portugal e Espanha assumiram o compromisso da construção da ponte, e depois de assinado o contrato para o financiamento da obra, notou-se logo uma maior procura de terrenos no concelho, e do outro lado do Rio Guadiana provavelmente sucedeu o ALGARVE INFORMATIVO #316
mesmo. É uma ligação que vai marcar para melhor o futuro destas duas margens, destes dois povos”. Um desenvolvimento que terá os seus obstáculos, sobretudo no que diz respeito ao ordenamento do território, um dilema com que se debate Alcoutim há algumas décadas porque a construção nova, de raiz, é muito difícil nesta parte do Algarve. “Vão sempre existir
constrangimentos, mas lá diz o ditado que «água mole em pedra dura, tanto bate, até que fura». Estamos, neste momento, a rever o nosso Plano Diretor Municipal e ao longo destes anos fomos identificando os locais onde é possível alterar as coisas, sempre no respeito total pela natureza e pela biodiversidade. Os autarcas são os maiores amigos do ambiente, porque somos os guardiões do território, não temos é autonomia para fazer grande coisa nessa matéria”, desabafa, com um encolher de ombros, lembrando ainda outra complicação para o crescimento dos territórios do interior, a cobertura da rede de telemóvel e internet. “O Algarve
sem turismo é muito pior, nunca deixará de ser a atividade predominante na região, mas a diversificação da nossa base económica implica o aumento da cobertura da rede móvel e da fibra ótica. São «estradas» cruciais para atrair outras atividades, ALGARVE INFORMATIVO #316
nomeadamente para o interior”, defende. Grande aposta neste mandato, como se verifica um pouco por todo o Algarve, será a habitação, não apenas a de perfil social, mas também para os jovens casais, para os profissionais liberais, para os nómadas digitais, para os trabalhadores da hotelaria e restauração. “Não basta criar
postos de trabalho, porque, depois, todos eles precisam de casas que consigam pagar com os 30
ordenados que auferem, caso contrário, não vêm para cá. E a verdade é que, neste momento, não há casas disponíveis”, frisa o presidente da Câmara Municipal de Alcoutim, que para esse efeito definiu uma Estratégia Local de Habitação que contempla investimentos na ordem dos 4,6 milhões de euros. E Alcoutim, com o IC27 a ligar ao litoral algarvio e ao Alentejo, e a futura ponte sobre o Rio Guadiana, poderá, de facto, tornar-se bastante atrativo para novas famílias, concorda o entrevistado. “Esse 31
diagnóstico está feito e inauguramos, em setembro, um terreno para 26 lotes de autoconstrução em Martim Longo e, em Alcoutim, também está contemplada a construção de alguns fogos. O problema é que, enquanto esperamos pelas tais alterações do PDM, não é possível construir em muitos locais. Mesmo assim, só de uma vez disponibilizamos mais de 30 lotes ALGARVE INFORMATIVO #316
para venda e com incentivos bastante aliciantes, porque uma família pode beneficiar da redução até 80 por cento do valor do lote”, destaca Osvaldo Gonçalves.
MAIS ALUNOS SÃO BEM-VINDOS E DESESPERA-SE POR MÉDICOS Maior dinamismo económico é o que se deseja para Alcoutim, se bem que não seja de esperar a chegada de grandes empreendimentos turísticos ou empresas, um cenário que, para Osvaldo Gonçalves, não constituirá um problema.
“Se olharmos para a economia portuguesa numa perspetiva macro percebemos que o grosso dos postos de trabalhos está nas micro e pequenas empresas. Não tenho a certeza se termos grandes indústrias ou empreendimentos em Alcoutim seria positivo, mas termos micro e pequenas empresas seria muito favorável e é, sem dúvida, o cenário mais expectável de acontecer”, observa o entrevistado, explicando que foi precisamente a pensar nisso que se construiu um parque industrial com as dimensões que ele possui. “Os lotes têm sido vendidos,
a construção não tem sido por aí além, mas estão em curso duas obras, dois pavilhões que serão depois arrendados para criar mais vida e para promover os produtos endógenos de Alcoutim. Não tem sido um caminho fácil, como não tem sido fácil fazer coisa alguma ALGARVE INFORMATIVO #316
neste concelho, mas elas estão a acontecer”, aponta o edil alcoutenejo. Entretanto, assim que a Estratégia Local de Habitação começar a dar os seus frutos, é de esperar uma maior pressão sobre o parque escolar, mas Osvaldo Gonçalves responde prontamente que esse será um «problema» muito bem-vindo. “A
diminuição de crianças fez com que uma das escolas do agrupamento praticamente fechasse e deixamos de ter o 2.º e 3.º ciclo em Alcoutim, concentrando-se tudo em Martim Longo, por decisão da tutela por ser mais central em relação aos concelhos vizinhos. Temos duas escolas novas e com condições extraordinárias para acolher novos alunos”, assegura o entrevistado, uma situação que acontece, também, no que toca às infraestruturas físicas no campo da saúde. “Sentimos é uma
dificuldade enorme em ter profissionais de saúde a trabalhar, nomeadamente médicos de família. Neste momento, um entrou em licença de parentalidade e ainda não foi substituído e o outro já está em idade de reforma. É lamentável chegar-se ao ponto de não haver médicos para só depois se começar a pensar em como se vai «tapar o buraco»”, critica o 32
presidente de câmara. “O governo
quer combater a desertificação e o despovoamento do interior, mas não pode pensar apenas naquilo que os autarcas podem fazer. E não é só a dar-nos mais competências que os problemas se resolvem, é dar-nos também os meios financeiros e outros para podermos trabalhar. Quem percebe da tenda é o tendeiro, nós estamos cá para apoiar em tudo o que é necessário, mas há situações que nos ultrapassam”. Da educação e saúde saltamos para o desporto, onde Alcoutim é sobejamente conhecido pelos resultados obtidos na canoagem e futsal, e para a cultura, onde Osvaldo Gonçalves lamenta sobretudo a não realização do Festival do Contrabando. “Prevejo que 2022 seja 33
um ano bastante complicado, porque vão existir cortes significativos nas transferências do Estado para os Municípios, ao mesmo tempo que vão aumentar as despesas correntes, principalmente por causa do custo do combustível – e nós gastamos muito dinheiro a transportar as crianças para as escolas – e da energia. Na iluminação pública, por exemplo, o valor do novo procedimento lançado tem uma base 271 por cento superior ao último contrato que nós fizemos. Entre diminuição de receita e aumento de despesa, estamos a falar de um impacto de 1,5 milhões de euros, para um orçamento total de 11 milhões”, avisa o presidente da ALGARVE INFORMATIVO #316
Câmara Municipal de Alcoutim. “Temos
uma situação financeira estável e boas condições para aceder aos fundos comunitários, mas temo que possamos perder alguma desta almofada financeira. O Festival do Contrabando só foi possível realizar com o apoio do 365 Algarve, criouse uma imagem de marca e um potencial enorme de atração de pessoas que dignificam toda a região, e agora não há, preto no branco, financiamento para o evento”, critica o entrevistado. Novas competências a caminho, menos recursos financeiros, desafios importantes pela frente, está visto, portanto, que o mandato 2021-2025 não se avizinha nada fácil, mas Osvaldo Gonçalves gostaria muito de ver a ponte entre Alcoutim e Sanlúcar de Guadiana já em construção – ou até mesmo concluída – antes de dizer adeus ao cargo. Do mesmo modo, há que implementar a Estratégia Local de Habitação, para atrair mais pessoas e atividade económica para o concelho, assim como assegurar a total cobertura de rede móvel e de sinal de internet. “A pandemia aguçou o
apetite por territórios menos densos em termos populacionais e, se calhar, havendo condições para isso, as pessoas até preferem viver numa aldeia ou monte do que numa grande cidade. Nós temos qualidade de vida, precisamos é de pequenas coisas que aumentem a nossa atratividade, e nem são obras de ALGARVE INFORMATIVO #316
milhões de euros. E, enquanto concelho amigo do ambiente e que dá um forte contributo para a produção de energia alternativa, nomeadamente eólica, podíamos ter uma energia mais barata ou outros incentivos que nos motivassem a conceder mais licenças de produção”, aponta o autarca, que não terminou a conversa sem falar, claro, da escassez da água. 34
“Penso que não aproveitamos bem os recursos de que dispomos e são conhecidas as minhas posições relativamente aos açudes ou barragens. Temos uma bacia hidrográfica enorme para a albufeira de Odeleite, mas temos outras que podiam ser aproveitadas para as ribeiras da Foupana e do Vascão, o que nos permitiria ter uma reserva de água estratégica 35
para o concelho de Alcoutim e para toda a região do Algarve, por via da Barragem de Odeleite. Assim teríamos um perímetro de regra que poderia atrair novos investimentos no setor primário, que não está condenado, simplesmente não é compatível com as condições que atualmente existem no território” . ALGARVE INFORMATIVO #316
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FESTIVAL CALCETEIROS DE LETRAS TROUXE MELHORES DA SPOKEN WORD A FARO Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina e Irina Kuptsova
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Gimnásio Clube de Faro voltou a trazer ao Algarve, de 12 a 14 de novembro, o que de melhor se faz a nível nacional na área do Spoken Word, com a quinta edição do Festival Calceteiros de Letras. Foram três dias de palavra dita, poesia e performance, numa abordagem contemporânea que funde a arte da palavra com dança, música, teatro e vídeo e na qual o público também foi convidado a partilhar textos e poemas em serões de «microfone aberto» em que o único limite é a vontade de participar. O festival abriu, no dia 12 de novembro, com dois micro espetáculos: «Nos Olhos da Noite», de Tiago Marcos (a noite como o local de acolhimento para uma viagem interior do «Eu» à procura de si); e «O ALGARVE INFORMATIVO #316
esculpir da sombra», de Sara Martins (que nos leva a descobrir que a dor é bela e faz-nos bem), ambos acompanhados de música e vídeo. Seguiu-se a antestreia nacional de «2700. Dias de Ferro», no qual os performers Nuno Piteira e Luís Perdigão encetaram uma viagem de comboio pela Linha de Sintra, repleta de rimas, batidas, paisagens sonoras e gente que vai e vem. No dia 13, nova estreia, desta feita do espetáculo «Incompletude», em que duas pessoas, Armando Correia e Sofia Brito, se descobrem através da poesia, com a paisagem sonora ao vivo da cantora Ana Dacosta. Seguiu-se o performer Nílson Muniz, com «Palavra Corpo e Som», coletânea de poemas autorais onde explora a multiplicidade poética através do universo imagético e sonoro da palavra. Durante a parte da 40
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tarde realizou-se «O ritmo de um verso», workshop de poesia experimental e spoken word que explorou o ritmo, o movimento e a potencial sonoridade que existe em cada palavra, transformando poemas em corpos vivos e dinâmicos. Ao longo de uma viagem holística, repleta de múltiplas paisagens e triggers sonoros, Nuno Piteira e Luís Perdigão convidaram os participantes a mergulharem fundo na alquimia de sons e palavras que cada um guarda dentro de si. No dia 14, foi a vez do Gimnásio Clube de Faro receber os anfitriões «Calceteiros de Letras» e o músico e escritor Fernando Pessanha com o seu micro espetáculo de piano «Raposinha». Em cena esteve: «Até o desejo se queixar que dói», um rendezvous onde o movimento e a palavra refletem a história de quatro mulheres (Ana Rio Vieira, Catarina Ricardo, Elsa Fernandes e Patrícia Gabriel) que amam,
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mesmo quando não há ninguém – além – para amar na transversalidade do tempo; «A Insulina sai à Rua», a comemoração dos 100 anos de insulina pelo Centro Hospitalar Universitário do Algarve e a Associação para o Estudo da Diabetes Mellitus e de Apoio ao Diabético do Algarve; e «A melhor maneira de viajar é sentir», pelo Projeto Incorpora, coordenado por Filipa Rodrigues. O final de tarde de domingo culminou com a entrega do prémio «Calceteiros de Letras», com Nuno Piteira e Luís Perdigão, de olhos postos no relógio para não perderem o comboio de regresso a Lisboa, a serem completamente apanhados de surpresa com esta distinção que pretende enaltecer artistas ou entidades que ao longo dos anos tenham contribuído para a difusão da palavra e da poesia de forma criativa e original .
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NOVA PRODUÇÃO DA FOLHA DE MEDRONHO RECORDA VIVÊNCIAS NUM CAMPO NAZI Texto: Daniel Pina | Fotografia: Jorge Gomes
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eve Haver Mais Qualquer Coisa» é a nova criação teatral da associação Folha de Medronho, estreada no dia 7 de novembro, no Cineteatro Louletano, em Loulé. Com base no livro «Manifesto Corvo», do escritor espanhol Max Aub, trata-se do testemunho de um Corvo, do que viu, incrédulo, no campo de concentração onde habitou, em Vernet, França. O mesmo campo onde Max Aub esteve preso, nos anos 40. “Aub sobreviveu e,
através de «Manuscrito Corvo», mostra-nos esse horror absurdo que ALGARVE INFORMATIVO #316
aqui adaptamos para duas atrizes, porque não podemos esquecer as atrocidades de que o homem é capaz, por motivos mesquinhos como fronteiras, nacionalismos, religião, dinheiro, burocracias ou poderes fátuos. É fundamental não esquecermos a História, refletir sobre ela sem subterfúgios e aprender com os erros, para não perpetuarmos este ciclo em que ainda vivemos – assistimos todos os dias, no conforto dos nossos aparelhos eletrónicos, a homens que 56
maltratam outros homens como se fosse normal – meros danos colaterais do acto de vivermos em sociedade”, refere João de Mello Alvim. Para o encenador, “entre mediáticas
crises de refugiados e todas as guerras que as sustentam, minorias continuamente desrespeitadas, iniquidade na distribuição dos recursos, a ascensão das extremas direitas em todos o mundo, as suas tentativas de reescrever a História e o encorajamento da clivagem entre um Nós e um Eles, parece banalizarse a violência”. “Mas esta violência não é banal. Não chegamos longe se
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nos virarmos uns contra os outros. A cada acto violento corresponde, pelo menos, um seu contrário. Por isso o Corvo fica confuso: deve haver mais qualquer coisa”, acrescenta João de Mello Alvim. A peça é uma coprodução da Folha de Medronho e do Cineteatro Louletano, com o apoio da Câmara Municipal de Loulé e do GEPAC, e conta com as interpretações de Alexandra Diogo e Mariana Vasconcelos. A adaptação e dramaturgia é de Helena Malaquias, com encenação e espaço cénico a cargo de João de Mello Alvim .
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PURGA levou La Longue Marche de Rodrigo Teixeira ao Centro Cultural de Lagos Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina
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os dias 12 e 13 de novembro, o Centro Cultural de Lagos – Auditório Duval Pestana foi palco de mais uma excelente produção da Associação Cultural Purga, num acolhimento do TEL – Teatro Experimental de Lagos, desta feita «La Longue Marche», com direção artística, coreografia e interpretação de Rodrigo Teixeira, num elenco constituído ainda por Ana Silva, Felix Lozano, Andreia Serrada e Catarina Marques.
“Multiplico-me para me lembrar de tanta coisa, que me esqueci de me ver a envelhecer. E também me esqueci de jantar com as pessoas. Não se faz. Esqueci-me do tempo e das rugas num dia com tanto movimento. Contaram-me da levedura escarlate que o céu trazia, ALGARVE INFORMATIVO #316
que passei a lembrar-me dele como uma recordação minha. E depois foi fácil. Inventei recordações à medida que duvidava se não as teria vivido na realidade, se essas pessoas com quem vivo não me teriam roubado as lembranças. Roubado não, apropriado. É mais moderno”, indica Rodrigo Teixeira. “Volto a lembrar-me, e o sabor a céu passame para a boca e depois para o corpo todo. É aí que alguns músculos adormecem e decidem não me dar troco. Com tanta urgência, esqueci-me que o corpo começa a não dar troco. As palavras envelhecem como os movimentos, e o ambiente fica pesado, torna-se torto e estéril. Não há músculo que salve nem suor que excite. Num dia como o 72
de hoje. Cáustico. O meu rosto começa a desvanecer e a invisibilidade lateja. Começo a não existir, começo a não insistir porque a morte está certa. Parece uma mancha, parece uma marcha. Por vezes, tenho saudades das coisas que não vivi porque não as inventei. Como estas palavras, como este momento”, aponta o diretor artístico e encenador. «La Longue Marche» contou com o apoio do Teatro Experimental de Lagos, Companhia Olga Roriz, Centro Musibéria, Teatro do Eléctrico, Coletivo Sillyseason, Escola de Mulheres, Armazém 22, Centro Cultural de Lagos e Quinzena de Dança de Almada e foi financiado pela República Portuguesa através da Direção Geral das Artes .
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«ROMEU E ROMEU» E «MEMÓRIAS DE BAMBARAM» ANIMARAM ÚLTIMOS DIAS DO FESTIVAL MOCHILA Texto: Daniel Pina Fotografia: Daniel Pina e João Catarino
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rganizado pela Companhia LAMA Teatro, o MOCHILA – Festival de teatro para crianças e jovens, apresentou, no Auditório do Instituto Português do Desporto e Juventude, no dia 12 de novembro, uma sessão dupla, para escolas e público em geral, «Memórias de Bambaram», da responsabilidade do Teatro Improviso de Intervenção. O espetáculo nasceu no âmbito do ESTOJO – Laboratório Pedagógico do LAMA Teatro e abordou estórias que se contam e que se escutam e que preservam memórias, que são fontes de conhecimento e criam a própria história. Em palco estiveram quatro jovens ALGARVE INFORMATIVO #316
mulheres de diferentes países, etnias e nacionalidades – Ludimila Andrete, Manuela Trigo, Karina Frechauth, Vanessa Farhart – que recriaram um espaço de partilha de memórias ancestrais, que lhes foram contadas e, outras, vividas por elas, desde os tempos de Bambara. “Há estórias
que nos fazem rir, outras, quase chorar. Há estórias que nos fazem, simplesmente, pensar e outras que nos transportam para as nossas próprias memórias, numa viagem em que o retorno se desloca sempre do ponto de partida e os sonhos se cruzam com múltiplas realidades”, 86
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sublinham as encenadoras Teresa Coutinho e Teresa Henriques. No dia 14 de novembro foi a vez da LAMA Black Box acolher «Romeu e Romeu», uma produção da LAMA Teatro protagonizada por João de Brito e Nuno Preto. “Quem matou o amor? Esta é
a primeira pergunta do espetáculo, uma pergunta que se veste de conferência. Uma conferência que não o é, porque o amor é muito mais que palavras como resposta”, conta a dupla, que partiu de uma ideia de amor de Shakespeare na sua obra
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primordial, «Romeu e Julieta», para criar este «Romeu e Romeu» “um
lugar de provocação, de provocações sobre a inevitabilidade”. “Parece uma palavra fatal, assim como o destino de Romeu e Julieta, mas, se esta fatalidade não existisse, provavelmente estaríamos a falar de outros dois nomes, porque é inevitável um destino destes para que ele seja recordado. Ou não?”, questionam os atores .
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SARA BARROS LEITÃO TROUXE O MONÓLOGO DA SUA MARIA AO CINETEATRO LOULETANO Texto: Daniel Pina | Fotografia: Jorge Gomes
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onólogo de uma mulher chamada Maria com a sua patroa» é o título roubado clandestinamen te a um texto do livro «Novas Cartas Portuguesas» e que dá o mote para a criação de Sara Barros Leitão que foi a cena, nos dias 12 e 13 de novembro, no Cineteatro Louletano, conforme revela a também intérprete da peça. “Partimos da criação do
primeiro Sindicato do Serviço Doméstico em Portugal para contar a história, ainda pouco conhecida, pouco contada, pouco reconhecida, pouco valorizada, do trabalho das mulheres, do seu poder de organização, reivindicação e mudança. É a história das mulheres
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que limpam o mundo, das mulheres que cuidam do mundo, das mulheres que produzem, educam e preparam a força de trabalho. Esta é a história do trabalho invisível que põe o mundo a mexer”, explica a autora. «Monólogo de uma mulher chamada Maria com a sua patroa» é coproduzido pela 23 Milhas, Fundação Centro Cultural de Belém, A Oficina, Cineteatro Louletano, Teatro Académico Gil Vicente, Teatro do Noroeste – Centro Dramático de Viana, Teatro Municipal Baltazar Dias, Teatro Nacional São João e Teatro Viriato e contou com financiamento da República Portuguesa através da Direção Geral das Artes .
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OPINIÃO Nem oito nem oitenta! Paulo Cunha (Professor) or certo, já ouviram a expressão «don’t throw the baby out with the bathwater» (não jogue o bebé fora com a água do banho), usada quando alguém quer alertar-vos para não rejeitarem uma coisa boa apenas por estar junta a outras com má aparência, enfim: alertar-vos para não se precipitarem. Acredita-se que esta expressão surgiu na Idade Média, quando os banhos eram tomados numa única tina, grande e cheia de água quente. Nessa altura, o chefe da família tinha o privilégio do primeiro banho na água limpa. Depois, sem trocar a água, vinham os outros homens da casa, por ordem de idade, as mulheres, também por idade e, por fim, as crianças. Os bebés eram os últimos a tomar banho. Quando chegava a vez deles, a água da tina já estava tão suja que era possível «perder» um bebé lá dentro. Volvidos vários séculos até aqui chegarmos (a idade da revolução tecnológica), é hoje possível verificar que em termos hierárquicos houve uma total inversão de valores desde então. Os mais novos, que antes estavam no final da escala de importância para as famílias, passaram a usufruir o poder de neles terem concentrada toda a atenção, mordomias e primazia. ALGARVE INFORMATIVO #316
"Aprender a ser um pequeno ditador é muito fácil, é muito cómodo. É muito fácil ser tirano se temos alguém que aceita ser escravo", relata o psicólogo e terapeuta espanhol Javier Urra, autor dos livros «O pequeno ditador» e «O pequeno ditador cresceu». Segundo este estudioso, a agressão começa em crianças muito pequenas, ao insultarem e estragarem coisas. Depois ameaçam e, de seguida, passam aos maus-tratos verbais/emocionais e, nalguns casos, atingem a violência física. Javier Urra não tem dúvidas de que há mais violência de pais contra filhos do que o contrário, mas ainda assim sabe que são cada vez mais as famílias que convivem com a realidade da violência filio-parental, impensável há uns anos, e muito silenciada, por vergonha e sensação de culpa. É a atual geração das «crianças tiranas» e dos «pais mártires». Há quem diagnostique a «síndrome do imperador» às crianças e adolescentes que abusam dos seus pais sem a menor consciência. De acordo com os especialistas, existem diferentes fatores que podem coroar um imperador em casa: a pouca dedicação dos pais, a falta de limites e ser filho único. Com a exceção dos transtornos psiquiátricos, a síndrome do imperador é produto de uma disfunção educativa que pode ser 118
assistimos a um progressivo aumento de filhos tiranos.
corrigida, bastando para isso fomentar o desenvolvimento da inteligência emocional e a consciência, ensinar a cultivar habilidades não violentas e fixar limites. A pedagoga Montse Domènech, autora de numerosos livros sobre crianças e adolescentes, afirma que muitas vezes os pais hesitam em tomar posições firmes e intransigentes por medo de que a reprimenda seja exagerada. A solução, segundo ela, passa por explicar os limites e reforçar os aspetos positivos da criança. A clareza nessas barreiras, o reforço positivo e, principalmente, dedicar-lhes tempo proporcionar-lhes-á a segurança necessária para se desenvolverem como pessoas autónomas e felizes. Atualmente, as crianças dos países ditos desenvolvidos têm mais direitos do que deveres, colocando em causa, sistematicamente, a educação que lhes é dada e tendendo a construir e a viver numa sociedade onde tudo gira à sua volta. Perante pais e avós extremamente permissivos e anuentes, obviamente, 119
Hoje, quantos professores conseguem trabalhar sem verem, constantemente, as suas palavras e atitudes escrutinadas e postas em causa pelos «príncipes» e «princesas» de seus pais? Hoje, quantas famílias reagem e não permitem birras aos seus pequenos «reis» e «rainhas»? Hoje, quantos pais é que tratam os filhos - apenas - como filhos e não como «os melhores amigos»? Hoje, quantos pais conseguem resistir ao impulso de fazer todas as vontades aos seus pequenos «imperadores» e «imperatrizes»? Se estiverem atentos à realidade que vos rodeia, provavelmente, responder-me-ão: poucos. É caso para usar a estafada frase «Nem oito nem oitenta!». No meio, mais uma vez, reside a virtude. Não deitemos o bebé fora com a água suja, da mesma forma que não o coloquemos num pedestal coberto de ouro. Basta educar os filhos desde que nascem! Como? Transmitindo-lhes regras que os moldarão e diferenciarão enquanto indivíduos e seres sociais: obedecer aos pais, respeitar os outros, não bater (nos pais, irmãos, amigos), não mentir, não responder com maus modos, não gritar quando se zangam, não interromper os mais velhos quando estão a falar, não partir ou estragar coisas da casa e da escola, não tirar coisas aos irmãos e/ou amigos e respeitar os horários para almoçar, jantar, estudar, brincar e ir para a cama. É caso para dizer: é simples, mas… obviamente, dá trabalho! .
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OPINIÃO Da ansiedade Mirian Tavares (Professora universitário) “Compositor de destinos Tambor de todos os ritmos Tempo tempo tempo tempo Entro num acordo contigo Tempo tempo tempo tempo” (…) Caetano Veloso ou ansiosa. Sempre fui ansiosa. Mas a minha ansiedade é produtiva. Antes de entrar em parafuso, ajo. Faço alguma coisa, qualquer coisa. Ocupo-me. Se a mente vazia é o jardim do diabo, o corpo desocupado é o parque de estacionamento de tensões que se acumulam, de tarefas por fazer, de pendências e também de preguiça – que gera mais tensão, pois adiamos o inevitável, o que vai bater à nossa porta, às vezes às 4h05 da manhã quando o sono, finalmente, se apoderou de nós. Estar, e manter-me ocupada, é uma solução para mim. Não digo que seja uma receita universal, há quem consiga lidar com a ansiedade meditando, ou recolhendo-se em si mesmo. Nos meus estados ansiosos, eu quero é fugir de mim. Faço palavras cruzadas ou jogo qualquer jogo parvo para crianças de 5 anos, baseado em repetições e/ou em puzzles fáceis de resolver. Leio romances policiais, vejo filmes ou séries policiais, vejo vídeos de gatos e de cães. Quando ALGARVE INFORMATIVO #316
vejo vídeos de gatos, pergunto-me porque os meus gatos são tão inúteis e não sabem fazer nada de jeito que possa render uma página no Instagram ou uma conta no Twitter. Mas eles sentem a minha ansiedade e caminham, literalmente, sobre ela, ou melhor, sobre mim, quando estou no sofá ou na cama a ler, a jogar ou a fazer palavras cruzadas. Uma amiga dizia, outro dia, que eu pareço alguém que acabou de sair da aula de yoga. Tenho mesmo esse ar calmo e relaxado. Já fui acusada de lassidão – por alguém que não sabe que me levanto todos os dias às 7h da manhã e antes das 8h30 já tenho a casa aspirada, os gatos tratados, a roupa arrumada e a louça lavada. Ou que, enquanto cozinho, faço outras coisas para não ter esse espaço vazio, sem nada a fazer. Se bem que gosto desses espaços vazios, principalmente quando somos obrigados a confrontá-los, ou a desfrutá-los. Gosto do trajeto entre os lugares, quando viajo sozinha e não consigo ler ou trabalhar, porque enjoo, e fico ali nesse espaçotempo da viagem a desfrutar do nada a fazer. Tenho uma lista que encolhe e que 120
Foto: Victor Azevedo
cresce todos os dias. Preciso de uma lista para ter uma ideia vaga de que sou organizada e produtiva. De que cumpro as tarefas que me esperam, ou que esperam que eu cumpra, porque tem de ser, porque me meti nisso, porque não sei dizer que não, porque não consigo estar quieta. Tem uma criatura dentro de mim que qualquer dia vai levar um enxerto de porrada. É uma criatura inquieta que levanta a mão mal aparece um trabalho, que se voluntaria, que não se esconde das tarefas e missões. Quando vim viver aqui, há quase 20 anos, pensava que ia ter uma vida tranquila: dar aulas, escrever uns textos, participar nuns congressos, e tinha a vida arrumada. De lá para cá já me meti em mil coisas e, apesar de estar a cada dia mais contida, continuo a conviver com essa criatura inquieta, que também sou eu, e que me empurra para todo o lado. Às vezes, como agora, a 121
minha ansiedade é improdutiva. Tenho livros à frente, ecrãs vazios, saltito entre páginas e temas e não faço nada de jeito. Nessas alturas, olho para a minha lista e procuro as tarefas mais burocráticas e automáticas para que me ocupem o corpo, e a mente, para que me aquietem essa ansiedade que é fruto da sensação absurda de que tenho muito a fazer, e de que devo estar a esquecer qualquer coisa. Pareço o Coelho de Alice, estou atrasada, estou atrasada. Mesmo que raramente me atrase, pois normalmente a minha ansiedade faz com que me adiante, que chegue antes da hora. O filho e o marido odeiam viajar comigo de avião. Faço-os chegar sempre muito antes da hora. Mal sabem eles que gosto de chegar antes porque assim desfruto dos momentos de calma da espera. A minha ansiedade trata da minha ansiedade, evitando que eu fique ansiosa . ALGARVE INFORMATIVO #316
OPINIÃO Trigésima sexta tabuinha - Prazeres Ana Isabel Soares (Professora universitária) m dos meus tios foi viajante – o meu avô Manuel já o era antes dele, dizia-se almocreve, e este filho, Manuel como o pai, seguiu-lhe as pisadas. Muitas vezes, literalmente, pois fazia as mesmas rotas que o pai. Era conhecido dos fregueses, o meu tio, como o Martins, que já era o apelido pelo qual já conheciam o meu avô. Linhagens de trabalho. Nem imagino as histórias que ficaram por contar do meu avô. Assobiava mais do que falava. (Ensinou-me a assobiar, só para depois me dar ralhetes, sorrindo, já eu era adolescente, “Menina que assobia sua sorte desvia”. Gosto de pensar que foram os versos, ou melhor, as rimas, que me salvaram de sentir que aquilo me era dirigido: pensava que a rima era entre “assobia” e “desvia”, por isso, no lugar de “Menina” tanto fazia que estivesse “mulher”, “homem”, “rapaz”, “passarinho”, “ramo de árvore” – e que, portanto, o dito era indiferente porque não marcava nada nem ninguém. Não desrespeitava o meu avô por isso. Jamais o confrontei com o meu salvífico raciocínio. Mas ficava na minha e continuava a assobiar. Afinal, fora ele que me ensinara). Os nossos diálogos eram de silêncios, gestos, olhares. Também gosto de pensar que nos compreendíamos muito bem. Eu era obediente: “Traz-me lá os sapatos”, pediame. Ou que os engraxasse. Ou que o ajudasse a chegar ao fim do corredor, para ALGARVE INFORMATIVO #316
se sentar numa cadeira baixa com fundo de bunho e fazer ali a ginástica aos joelhos: um tronco bem rolado debaixo dos pés, roda para fora, roda para dentro, malditas artroses. Silêncios, olhares e gestos mudos, era assim – nem eu usava muito da voz, nem da curiosidade. Ia mais depressa procurar sozinha do que procurava a alguém. Ia escrevendo, ainda pouco, mas falar era o falavas. Calada. Era adulta, já de curso feito, quando, por pressão de um professor, dei em atrever-me. Diz José Saramago, em dois dos seus parcos versos, “Que quem se cala quanto me calei / Não poderá morrer sem dizer tudo”. A referência do Nobel será a um silêncio literário, ou político, que sei eu...? – o meu quase silêncio vinha-me menos da falta de à-vontade do que de me sentir muito bem com um modo de conversa que não passava por vozear palavras. Enfim. Perdi histórias, ou ficaram elas num lugar de onde hão de sair nalgum outro tempo, por outras lembranças. Hoje caço as que posso, e o meu tio Manuel – o segundo Martins viajante – entregou-me há dias uma. Andaria ele nas suas voltas e, porque seria profissional capaz e homem de simpatia (que segue sendo), aconselhavam-no, indicavam-lhe freguesia – e alguém lhe acabou por falar acerca de uma mercearia para os lados de Ourique, posse de um tal Francisco Prazeres Júnior, que seria bom negócio para ele. “São gente boa e darão bons fregueses, Martins – você sai de lá é doido, mas são gente boa”. “Como é isso, 122
então?”, perguntava o Martins, mas, como resposta, quem assim lhe falava encolhia os ombros e dava só meio sorriso. (Gente de falas curtas e gestos longos). Tanto lhe falaram da mercearia para os lados de Ourique, que ele lá foi: apresentou-se, acertou os termos e passou a integrar no seu périplo a venda do Senhor Prazeres. Eram, sem dúvida, os fregueses bons que se apregoava. Certos, cordiais, gentilíssimos. Mas a pessoa vinha doida de cada vez que lá ia. Contou-me o meu tio que, quando lá chegava, encontrava os mesmos três homens atrás do balcão: o Senhor Prazeres Júnior, dono da venda, o filho dele e um empregado. Alinhados, só deixavam entre eles e o meu tio o balcão de madeira sobre o qual, como em todas as mercearias, haveria o maço de papel pardo, a balança e uma faca, aparafusada à banca, para cortar bacalhau. “Bom dia, meus senhores, então que tal vai isso?”. “Como está, Senhor Martins? Não tem dúvida, vai-se andando”. Eram as hostilidades a abrir-se, a cordialidade em exercício. “Vamos lá a ver, então”, e o meu tio procurava pelas quantidades e pelos produtos que na mercearia faziam falta, tinham acabado, precisavam de nova encomenda. “Açúcar, quanto querem que traga? Trezentos, quinhentos quilos?”. O velho Prazeres virava-se então para o filho, ao lado, e repetia a pergunta: “Diga lá de quanto precisamos de açúcar”. O filho do merceeiro olhava para o seu lado e, dirigindo-se ao empregado, prosseguia: “Senhor Zé, então de açúcar, quanto é que se encomenda ao Senhor Martins?”. O empregado lá informava, precisavam de tanto – e o filho do Senhor Prazeres tornava 123
Foto: Vasco Célio
ao pai e dizia que deveriam encomendar tanto de açúcar, ao que o velho dono da venda, voltando-se agora para o meu tio, fechava: “São tantos quilos, Senhor Martins, fazendo favor. E muito obrigado”, que em simpatia não poupavam, nem no respeito por aquela cadeia de transmissão informativa. Ainda perguntei ao meu tio se entre os três se dariam mal, se o merceeiro não falaria diretamente ao empregado, mas ele que nada disso: havia vezes em que o velho Prazeres se dirigia primeiro ao empregado e este passava a questão ao filho do merceeiro, que respondia ao empregado, o qual, subsequentemente, informava o dono da venda, que transmitia ao meu tio a informação. Mas estavam em divisões diferentes? Nada, tornava o meu tio: “Isto era com os quatro na mesma casa, na mercearia, só o balcão entre eles e eu”. Fabuloso, pensava para mim. E o meu tio, abanando a cabeça, confirmava: “Eram belíssimos fregueses, não falhavam com conta nenhuma, e do mais educados que havia – mas uma pessoa saía dali maluco” . * Ao poema que termina com estes versos chamou Saramago «Poema a boca fechada» e publicou-o em Os Poemas Possíveis (ed. Caminho, 1981), que, com Provavelmente Alegria (ed. Caminho, 1985) completa, mais coisa menos coisa, a obra poética do escritor. ALGARVE INFORMATIVO #316
OPINIÃO O fim das redes sociais começou, chegou a era do metaverso Fábio Jesuíno (Empresário) metaverso ganhou grande destaque nas últimas semanas por causa da mudança de nome e de estratégia da empresa que possui as maiores redes sociais do mundo. Desde o dia em que Mark Zuckerberg anunciou a mudança de nome do Facebook para Meta e a grande aposta no metaverso, dizendo que será a próxima evolução da Internet e uma nova forma de comunicação humana, criou um grande destaque sobre o tema. O metaverso é um mundo digital onde as pessoas interagem através de avatares, uma espécie de Internet 3D onde vamos comunicar e fazer negócios de uma forma imersiva. Esse universo envolve várias tecnologias, as principais são a realidade virtual e as criptomoedas.
Stephenson no livro «Snow Crash», onde as personagens usavam computadores para entrarem num mundo virtual, ficou conhecido com o lançamento do «Second Life» em 2003, um jogo onde os utilizadores podem realizar várias actividades, como socializar, trabalhar, comprar e vender propriedades, entre outras. O interesse no metaverso é enorme, já estão envolvidas grandes empresas tecnológicas de todo o mundo, para além no Facebook/Meta, existe a Microsoft, Nvidia, Epic Games entre outras. Vai demorar ainda alguns anos para que estas tecnologias estejam totalmente desenvolvidas e aplicadas na sua total capacidade, mas já começamos a ver o seu potencial de mudar a forma como nos comunicamos. Vai ser o grande sucessor da Internet, com base em blockchains e aplicações descentralizadas, sejam bem vindos ao novo mundo .
O conceito de metaverso já não é novo, nasceu em 1992, através do escritor norte-americano Neal ALGARVE INFORMATIVO #316
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OPINIÕES, REFLEXÕES E DEMAIS SENSAÇÕES
“Aquilo que vai ficar de um povo é a sua cultura” Júlio Ferreira (Inconformado Encartado) cidade ideal é um projeto político coletivo, pelo menos assim vem sendo entendida desde Aristóteles, para quem o homem é um «animal político». Mas o homem é também um «ser simbólico», um produtor de cultura e comunicação. As cidades ideais são entidades dinâmicas, onde os direitos políticos e os direitos culturais sejam direitos de cidadania. Ok, até eu sei (que nem dinheiro tive para poder tirar uma qualquer licenciatura), porque vou lendo umas coisas, falando com quem sabe e vendo e ouvindo o que de melhor se faz (na minha humilde opinião) no país e no estrangeiro, que a cidade ideal é uma utopia. Por isso só resta partilhar a minha opinião, aproveitando o que alguns já escreveram sobre o assunto, lutar, sonhar e esperar apenas pelas prometidas melhorias. Que espero que aconteçam o mais rapidamente possível, porque se forem as certas, levam tempo a ser implementadas e ainda mais tempo a ver resultados. Num tempo em que respirar em público sem máscara é quase um ato de rebeldia, esta reflexão/exorcismo no campo cultural, ALGARVE INFORMATIVO #316
vem confirmar a tese de vários especialistas na matéria. Não falo daqueles/daquelas que estando numa qualquer divisão de cultura te olham de lado ou com a sobranceria de que só eles/elas sabem e que tu não «pescas» nada daquilo, mas dos outros que fazem as coisas acontecer e não se limitam à «chave na mão» porque tudo o resto dá muito trabalho. Mais do que uma característica essencial de uma sociedade, a cultura pode ser considerada como o elemento principal que difere uma região, uma nação de outra. Os costumes, a música, a arte e principalmente, o modo de pensar e agir, fazem parte da cultura de um povo e devem ser preservados para que nunca se perca a singularidade do coletivo em questão. Sempre que se abordam temas como este, correm-se riscos acrescidos devido a um conjunto de múltiplos fatores: fraca estruturação, intermitência de certas atividades, forte conflitualidade interna. A própria relação com o campo político afigura-se potencialmente conflitual. Mas é importante que a discussão sobre a cultura se aprofunde em todas as frentes para viabilizar uma cultura em toda a cidade, a arte que afete todos os setores, que dialoga com a cidade, com a saúde, 126
crescimento económico centrado no valor. São exemplo disso mesmo, as duas cidades algarvias Loulé e Faro e mais algumas espalhadas por este país. Mas, afinal, o que é isso de política cultural?
com a educação, que forme público, colocando arte e cultura como parte integrante da vida e não como um bônus. A cultura é parte da vida e um direito que tem que ser garantido. Ainda é frequente a cultura ser encarada não como um domínio merecedor de uma política relativamente autónoma, mas um acréscimo de legitimação do poder político que se apresenta e representa através das mediações simbólicas: visibilidade, espetáculo, festa, arena, entretenimento das massas, alienação das mesmas... Neste sentido, jamais se poderá falar de uma autêntica política cultural. A Cultura e o turismo nas cidades, são instrumentos poderosos e fundamentais para a criação de um novo paradigma de 127
Como sabemos, a política cultural é uma invenção francesa. Uma política, qualquer que seja, requer uma intencionalidade, o acionar de recursos tendo em vista alcançar determinados objetivos. E os recursos variam de acordo com o grau de poder disponível. O campo cultural cruzase, por isso, com o campo da distribuição de poder. Medidas avulsas, euforias súbitas, investimentos efémeros, sem sistematicidade podem ser tudo menos uma política. Eu dou exemplos: Política cultural jamais será mostrar publicamente o apreço por uma pessoa e por um evento em detrimento de outro, dificultar tudo o que venha de algumas pessoas e outras não, acertar lugares e funções e futuras parcerias para gestão de espaços ou eventos… só porque sim. Aparecer pela primeira vez num evento que já tem alguns anos de duração e sair a meio do evento com desculpas sem sentido. Que falta de respeito pelos organizadores, pelo público presente e pelos artistas em palco! Que arrogância política e intelectual! Como explicar? Pois, não sei, esperava com este meu exorcismo encontrar respostas, mas, pelo contrário, só surgem ainda mais e mais questões tenho histórias que dá para escrever mais uns quantos artigos destes. Uma política cultural não acredita em automatismos, nem tão-pouco em fatalismos. Insiste, pelo contrário, num trabalho longo, subterrâneo e por vezes ALGARVE INFORMATIVO #316
doloroso, junto das escolas, associações e outros agentes, direcionado para eles o envolvimento direto enquanto praticantes culturais de pleno direito e não apenas confinados ao papel de consumidores, apostando, entre outras estratégias, na captação dos grandes temas do seu quotidiano, cruzando-os com preocupações estéticas nas diferentes formas de expressão artística e a vários níveis de cultura (popular, erudito, de massas). Assim, em vez de uma mera procura de audiências, pugna-se, doravante, pela educação de novos públicos, pelo envolvimento desses mesmos públicos em processos expressivos, ao mesmo tempo que se defende o seu alargamento em termos de capital escolar e social, para que a médio longo prazo tenhamos jovens e adultos que encham salas e se interessem por obras que hoje não levam mais de 30 pessoas a salas com capacidade para 300. A cultura educa, afeta e transforma. Por meio dela, nós vamos mudar corações e mentes. Na realidade, todos conhecemos municípios portadores de graves défices de dinamização social e cultural, mas alguns abusam por uma pessoa ou mais que detém o poder de um pelouro que deve ser determinante e não secundarizado ou mesmo esquecido como instância de condicionamento e estagnação, abdicando do seu papel de dinamizador e catalisador de uma sociedade civil emancipada e plural. Mais do que se falar de apoios, de dinheiro, é importante e essencial falar de uma política cultural que é algo que infelizmente em muitos municípios não existem. Perguntar a quem entra num gabinete, com um saco cheio de dinheiro “quem vamos contratar para atuar no teatro? O que gostavas de ver e ouvir?” é ALGARVE INFORMATIVO #316
falar de contabilidade e de gostos pessoais de funcionários e passar ao lado de um problema estrutural. Uma efetiva política cultural, não é jogar milhares de euros para o mercado enchendo bolsos sempre aos mesmos agentes. Aprendam lendo a série de artigos que Paulo Pires escreveu no Jornal Público em 2020. Bom…provavelmente nem sabem de que vos falo, quem é este algarvio que neste momento é assessor da Ministra da Cultura e que com a sua equipa levou Loulé a um patamar a que chamamos «Liga dos Campeões» desta coisa que envolve tantas outras coisas, chamada cultura. É necessário mais do que promessas e palavras de circunstância. Atitude! Respeito! Ninguém pode levar a sério pessoas com responsabilidade na área da cultura de uma cidade, de um concelho ou região que não tenha curiosidade em ver e ouvir o que se faz noutras zonas do país. Como e porque determinados conteúdos ou eventos com anos de existência atingiram um sucesso assinalável. Um responsável político tem a obrigação de estar atento ao que de mais relevante se passa na sua cidade, na sua região, no seu país, sobretudo quando o que se passa diz respeito ao pelouro que lidera. Conheço bem os argumentos dos que acham que esta é mais uma daquelas polémicas alimentadas sem sentido, sem qualquer relevância. Mas estão enganados "Aquilo que vai ficar de um povo é a sua cultura" António Lobo Antunes (Jornal Público 26 de Outubro de 2012). Não percam as cenas dos próximos capítulos… . 128
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