REVISTA PIXÉ
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CARTA AO CAPITAL Caro amigo, Andando-se três léguas sete dias por semana com dez litros na cabeça, a água fica mais cara Arando-se três alqueires sete dias por semana com dois bois levando relho, o milho fica mais caro
Que mistério enfim nessas roupas que se gastam assim que saem das butiques chiques, fugazes como uma pele gris trocada por estar morta? Caro amigo,
Catando-se três arrobas sete dias por semana com dois sacos na cintura o pano fica mais caro Caro amigo, Que mistério há nas torneiras que não secam nos garrafões de vinte litros cheios e lindos como balões azuis de festas de aniversário?
Não há falta de limites sem carência e crédito sem lastro é doce ilusão O suor é a medida do que se faz com o corpo A dor é a medida do que se faz com a alma A dor sua, a minha, a dor alheia Deixo-te um abraço, um carinho Deixo-te o que não tem preço Dou-te tudo o que é de graça pra te saciar e vestir E, por favor, não agradeça meu caro, a caridade
Que mistério há em tantos frutos sem época nas prateleiras dos mercados limpos, lustrosos como maçãs sutis de polpas envenenadas?
Everton Almeida Barbosa É filho de nordestinos vindos da região rural da cidade de Pombal, no sertão da Paraíba, para Cuiabá na década de 70. Vive em Tangará da Serra/MT. Nasceu em Cuiabá e se especializou em Literatura, desde a graduação e mestrado na Universidade Federal de Mato Grosso, até o doutorado na Universidade Federal de Minas Gerais, sendo professor de Literatura na Universidade do Estado de Mato Grosso desde 2006. É também músico. Foi instrumentista e diretor musical da Cia. de Teatro Mosaico (Cuiabá) e membro do grupo vocal Candimba (Cuiabá). Hoje coordena o projeto Corpo & Cordas, de música, poesia e contação de histórias, na UNEMAT em Tangará da Serra.