INTERAÇÃO E INTERVENÇÃO NA MODA Bianca Prodossimo1 Daniele Moraes Lugli2
RESUMO A interação e a intervenção dentro da moda apresentam diversas possibilidades ao usuário, permitindo que o mesmo explore sua criatividade através de um universo lúdico, com elementos e peças que se transformam. A partir dessa proposta, a forma final do produto surge nas mãos do usuário, contribuindo também para a sustentabilidade na moda, uma vez que estas peças possuem mais de uma possibilidade de uso, visando diminuir o descarte em um curto período de tempo após a compra. Contudo, as ferramentas de interação e intervenção também contribuem para a experiência do usuário durante o uso do produto, agregando valor por meio do aspecto emocional que a peça carrega. Palavras-chave: Moda, Interação e intervenção, Desenvolvimento sustentável. 1 INTRODUÇÃO Atualmente, o ciclo de vida de um produto de moda – o período que vai desde à extração da fibra até o momento do descarte - tem sido cada vez mais curto. Como resultado do consumo em ritmo acelerado, os impactos são diversos e englobam desde questões ambientais, quanto sociais. Para Salcedo (2014), diferentemente do que acontece nos demais enfoques, o slow fashion enxerga o consumidor e seus hábitos como importante parte da cadeia. A moda lenta não é um conceito baseado no tempo, e sim na qualidade. A maior conscientização de todas as partes envolvidas, a velocidade mais lenta e a ênfase na qualidade transformam as relações: estilista e produtor, fabricante e as peças, a roupa e o consumidor. A partir desse contexto, podemos começar a pensar em quais recursos poderiam ser aplicados no desenvolvimento de uma coleção para que se amplie o ciclo de vida do produto de moda. Visto que não há mais uma relação duradoura entre os consumidores e o produto, na mesma velocidade em que os produtos de moda são consumidos, se dá o descarte, por diversos fatores, podendo incluir a falta de motivação por 1 2
Aluna do 6° período do curso superior de Design de moda. Professora orientadora.
parte do usuário em usar determinada peça, a baixa qualidade de materiais, entre outros. Tendo em vista que os impactos para a sociedade e para o meio ambiente são negativos e vêm se agravando, o presente estudo tem sua relevância uma vez que ressaltará algumas ferramentas rumo ao design sustentável, visando promover a maior durabilidade dos produtos de moda. Pensando nisso, o presente estudo tem como objetivo definir o consumo e a sustentabilidade na moda, identificar processos de interação e intervenção na moda e, por fim, realizar experimentações através de protótipos. E como principal objetivo, o desenvolvimento uma coleção de roupas femininas, visando ampliar a vida útil do produto de moda, a partir de conceitos do slow fashion. Para tal, foi realizado um levantamento bibliográfico com a finalidade de descrever o consumo e a sustentabilidade na moda, identificar práticas de desenvolvimento sustentável e estudar recursos de interação e intervenção na moda. Sequenciando o desenvolvimento do presente estudo, são adotadas as ferramentas de interação e intervenção que são ponto de partida para o projeto de coleção. Após a seleção dessas ferramentas, inicia-se o desenvolvimento da coleção, que segue o modelo de planejamento de Treptow (2009). Em sua metodologia de projeto, o autor aborda itens que vão desde a definição do mix de produtos, pesquisa de tendências, briefing da coleção, tema de inspiração, definição da cartela de cores, estampas e materiais, e por fim, desenhos manuais e técnicos e fichas técnicas dos produtos. Esse processo também inclui modelagem, prototipagem, corte e costura.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 CONSUMO CONTEMPORÂNEO DE MODA
As transformações ocorridas no sistema econômico global, influenciam e direcionam o estímulo a compra, conforme aponta Sant’anna (2009). O século XX demonstra um exagero relacionado ao impulso consumidor para o desejo, ao contrário do que acontecia no século XIX, onde a produção e o consumo correspondiam ao simples ato de atender quaisquer necessidades. Paralelamente, Salcedo (2014), afirma que as roupas estão cada vez mais baratas, seguem tendências de moda cada vez mais rápidas e são produzidas e vendidas cada vez em maior escala. As pessoas compram por impulso ou simplesmente devido aos preços convidativos e grande oferta do sistema atual de moda, mais conhecido como fast fashion ou, em português, como “moda rápida”. Nesse sentido, Svendsen (2010) considera que as mercadorias não são criadas para durar, são consideradas simplesmente como objetos funcionais e seu valor simbólico se desgasta de forma ainda mais rápida. O valor inerente das coisas torna-se menos importantes, e seu tempo de vida fica sujeito às mudanças da moda, como podemos ver em seu texto: Procuramos identidade e compramos valores simbólicos, sabendo perfeitamente que eles nunca duram. Para neutralizar essa falta de durabilidade estamos em constante busca de algo novo. Tornamo-nos grandes consumidores de coisas novas, lugares novos e pessoas novas. O foco em valores simbólicos faz com que a renovação dos estoques se dê em ritmo cada vez mais rápido porque é controlada pela lógica da moda (SVENDSEN, 2010, p. 150).
Em contrapartida, ainda é possível explorar o resgate ao valor intrínseco dos produtos de moda, através de desenvolvimento de produtos que perdurem ao longo do tempo, ou pelo menos, alcancem um tempo de vida maior do que obteriam, seguindo os padrões atuais de consumo e produção.
2.2 SUSTENTABILIDADE: SLOW FASHION
Por mais que a moda sustentável represente um conceito que concerne a algo novo, as primeiras preocupações e práticas já foram desencadeadas na década de 60. Apesar de o foco ainda prevalecer sobre o tipo de material utilizado, a indústria moderna do vestuário já possui diversos caminhos de desenvolvimento sustentável, paralelos à questão da matéria-prima, de acordo com Salcedo (2014). Nesse âmbito, a autora considera que a integração de moda e sustentabilidade pode ser compreendida das seguintes formas: ecomoda (ou moda ecológica), que abrange todas as peças de roupas feitas por métodos de menor impacto no meio ambiente; moda ética, que demonstra preocupação nas condições de trabalho das pessoas na indústria do vestuário e com a saúde dos consumidores. E, por fim, o slow fashion (moda lenta), que trata de um enfoque por uma maior conscientização de estilistas, compradores sobre o impacto das roupas sobre o ecossistema. Não se baseia no tempo, mas enfatiza a qualidade, priorizando a relação da roupa e o consumidor. Para Gwilt (2014), um ponto importante a ser lembrado é que a peça de roupa apresenta um ciclo de vida que se estende para além da sua presença em uma loja. Tradicionalmente, a cadeia de suprimentos se preocupa com o design, a confecção e a distribuição das roupas. Mas é vital reconhecer que as peças têm uma fase de uso e descarte. A autora acrescenta ainda, que o conceito e a velocidade da moda podem ser questionados. Uma peça de roupa pode, por exemplo, ser complementada com um sistema de serviço e usada por toda uma vida.
2.2.1 Tempo de vida do produto de moda
A duração de vida de um produto de moda é complexa, pois depende de diversos aspectos. Conforme aponta Gwilt (2014), o ciclo de vida refere-se à jornada que o produto percorre desde à extração da fibra bruta até o momento do seu descarte, e inclui o processo de design, a confecção da peça, a logística e distribuição e o uso e a manutenção.
O papel do usuário, que envolve a manutenção da peça, o manuseio e a forma de vestir, é um fator significativo para a durabilidade de um produto. Paralelamente, é possível citar outros fatores que determinam o período de vida de produtos de moda, tais quais a baixa qualidade dos materiais; a busca constante do consumidor por novidades; as próprias tendências, que datam os produtos, facilmente tornando-os sem graça com o surgimento constante de novidades, diminuindo a motivação do indivíduo para utilizar determinada peça de roupa. Outro detalhe importante relativo ao ciclo de vida, e que é bem ressaltado por Fletcher (2011), é que, em um curto período de tempo, as peças já não despertam mais interesse em seus usuários e os impactos são diversos, entre eles ambientais e sociais. Possivelmente, a maior crítica enfrentada pelo setor da moda seja a sustentabilidade, desafiando-a em seus detalhes. Uma indústria da moda mais sustentável deve identificar formas de produzir roupas que promovam o maior compromisso entre o consumidor e a peça, de tal maneira que a vida da peça seja maior, ameaçando assim, sua obsolescência programada (SALCEDO, 2014, p. 41 ).
As colocações da autora conduzem a uma percepção de que, apesar de ser um desafio para os criadores e marcas de moda, é possível encontrar e aderir soluções sustentáveis para que o período de vida dos produtos de moda seja prolongado.
2.2.2 Relação emocional e a experiência do usuário
Uma das formas de abordar a sustentabilidade na moda é através da relação emocional, que visa estabelecer e criar laços com o consumidor, sendo essa também uma alternativa para prolongar a vida das roupas. Os valores simbólicos atrelados à uma marca ou à um produto específico são os principais fatores do vínculo afetivo. O princípio da moda é criar uma velocidade constantemente crescente, tornar um objeto supérfluo o mais rápido possível, dando lugar a um novo. As pessoas buscam novas necessidades porque as velhas as entediam. Estamos
viciados em experiências, e as experiências são uma questão de estímulo emocional, alega Svendsen (2010). Ainda sobre a questão emocional e a experiência do usuário na moda, pode-se ressaltar que: Em Jordan, lemos que o conceito de usabilidade (produtos que funcionam bem e são fáceis de usar) não é (mais) suficiente. Diante desse cenário, vemos emergir o conceito de agradabilidade (em outros termos, são produtos que funcionam bem, são fáceis de usar e proporcionam benefícios emocionais). Enquanto isso, Jordan aponta para aquilo que estamos defendendo nesse livro: o efeito que os produtos ocasionam nos consumidores. Esses bens não são meras ferramentas: tais mercadorias podem ser vistas como objetos vivos com os quais as pessoas se relacionam. Ao ter em mãos um produto que faz parte da sua vida, o consumidor entrelaça sentimentos conectados diretamente a esse objeto, com o qual mantém sensações únicas e de extrema importância no que diz respeito ao fator emocional (JORDAN, 2000 apud SENAI Brasília, 2012, p. 83).
As pessoas constantemente almejam e buscam novas experiências, e no âmbito do consumo não é diferente. O momento de compra é essencial para a satisfação e envolvimento do consumidor com a marca. Em contrapartida, existe um campo ainda a ser explorado, que consiste na experiência do usuário com o produto após a compra. Conhecida como “fase de uso”, essa é a etapa em que o usuário descobre possíveis maneira de utilizar um produto, quais são os pontos positivos, negativos, o que o agrada ou desagrada, entre outros.
2.2.3 Roupas versáteis
Constantemente somos entediados de nós mesmos e de nossa forma de expressão. Por isso, roupas versáteis que podem ser alteradas de tempo em tempo, tornam possível expressar-se de diversas maneiras através da mesma peça, e então contribuir para sua longevidade, usando-a por mais tempo. (MOUWITZ, 2013). Sobre isso, Fletcher (2011) ainda afirma que: As pessoas são instáveis e emotivas, volúveis e inconstantes, e vivem em uma sociedade cujos valores e crenças estão em contínua transformação. Embora a própria moda evolua com o tempo para refletir a sociedade e a cultura, os produtos fabricados em escala industrial, ainda que versáteis, são fisicamente estáticos. As peças multiuso tratam de lidar com essa inércia, construindo uma relação mais sólida e duradoura entre produto e consumidor, por meio de múltiplos níveis de envolvimento (FLETCHER, 2011, p.79 ).
Dentro dessa ótica, Salcedo (2014), considera que uma solução seria desenhar peças modificáveis ou personalizáveis, o que poderia resolver problemas como a variação das tendências ou as mudanças corporais. O design de peças multifuncionais ou reversíveis é uma opção que ajuda a aumentar a vida útil do produto, e diminuir, dessa forma, a necessidade do consumo. Gwilt (2014) afirma que, durante a etapa do design, é possível elaborar estratégias que permitam ao usuário adaptar a peça tanto em caráter temporário quanto permanente. Pode-se desenvolver, por exemplo, uma peça que possa sofrer reformas durante o uso, indo de uma forma para outra. Ou então dar ao usuário informações importantes e indicar materiais para a peça possa ser transformada por ele mesmo. Mudar a forma das roupas também remodela a relação entre designer e usuário: ambos se tornam ativamente receptivos um ao outro, diferentemente de quando seu único foco é a venda e a compra de uma peça de roupa estática. Paradoxalmente, conforme designer e usuário se envolvem mais um com o outro, também se tornam menos apegados – o designer, a suas próprias ideias, permitindo que a forma final da roupa surja nas mãos do usuário (FLETCHER, 2011, p. 64).
Sendo assim, a transformação da roupa por meio do usuário permite além da interação entre ambos, uma maior longevidade da peça nas mãos do usuário que tão facilmente não se cansará da mesma. 2.3 INTERAÇÃO E INTERVENÇÃO
A palavra interação, segundo o dicionário Priberam (2016), pode ser compreendida por: “influência recíproca de dois ou mais elementos”, ou então, “ação recíproca entre o usuário e um equipamento”, ou seja, uma ação que antecede à uma resposta. Já intervenção, tem sua definição por “ato ou efeito de intervir”. A palavra intervir, tem como significado “sobrevir, tomar parte em/ participar, interferir, interceder, sobrevir e suceder”, ou até mesmo, “entrar como parte em um processo” (DICIONÁRIO PRIBERAM, 2016). Em um contexto de moda, a interação pode ser compreendida por apresentar um “feedback” ao usuário. Uma ação do usuário sobre a peça de roupa que pode envolver a criatividade, preferências pessoais, montagem e desmontagem e etc. Esta determinada ação sobre uma peça, a modificará em
sua natureza. A “resposta” que será apresentada, então, será a de modificação em sua função (FLETCHER, 2011). Já para definição de intervenção na moda, Fletcher (2011) afirma que a intervenção pode aumentar a promessa de envolvimento do usuário com a roupa. Acrescenta ainda que a manipulação de uma peça pode proporcionar uma solução prática para uma questão específica, como o caimento. A intervenção pode caracterizar-se pela modificação de um artigo. Diferentemente de intervenção, o termo “upcycling”, em conformidade com Gwilt (2014), pode ser descrito como a técnica de agregar valor à um determinado produto ou material que já está em desuso e, portanto, seria jogado fora. Essa técnica permite aumentar o aproveitamento e valor de um material e ainda prolongar sua vida. As duas principais aplicações práticas são: pequenas alterações ou detalhes decorativos; e criar roupas inteiras a partir de retalhos e sobras de tecidos e objetos. As colocações acima conduzem a uma percepção de que, ao transformar uma peça, em sua essência, o usuário está colocando em prática o que pode ser considerado como interação na moda. Por outro lado, ao modificar uma peça de forma construtiva, sem alterar sua natureza, o usuário estará praticando a intervenção na moda. A partir dos conceitos de interação e intervenção citados acima, foram identificados exemplos de soluções e práticas sustentáveis, que visam a relação entre produto e usuário.
2.3.1 Exemplos de interação
Como exemplo de interação, é possível citar o colete transformável de Phillip Lim, que pode ser utilizado tanto como colete, quanto como mochila, como mostra a Figura 4 (3.1 PHILLIP LIM, 2016).
FIGURA 4 - COLETE TRANSFORMÁVEL
FONTE: 3.1 PHILLIP LIM (2016)
Sob ótica semelhante, a marca Lemuria, se auto-intitula a primeira a trabalhar com roupas multifuncionais. A designer Susanna Goia está à frente da criação das peças conversíveis, dos quais é possível obter até 10 variações utilizando a mesma peça, conforme mostra a Figura 5. FIGURA 5 – LEMURIA
Fonte: Lemuria Style (2016)
Paralelamente, também é possível citar a designer de moda conceitual Galya Rosenfeld, que desenvolve e constrói roupas e bolsas modulares através de quadrados cortados em feltro. Esse conceito oferece uma variedade quase infinita de possibilidades de construção, além de ser um meio para que o usuário
satisfaça o desejo afetivo de variedade e mudança, permitindo a desmontagem e a montagem de produtos completamente novos (FLETCHER, 2011). Um de seus modelos pode ser visto na Figura 6. FIGURA 6 – VESTIDO MODULAR DE GALYA ROSENFELD I
FONTE: Millie (2010)
As roupas modulares possibilitam a participação lúdica e criativa do usuário, e, por se adaptarem a necessidades e preferências pessoais, podem trazer essa sensação duradoura de satisfação (FLETCHER, 2011). Se a peça modular for transformada em uma outra peça ou um acessório de outra natureza, como um lenço ou uma bolsa, por exemplo, como apresentados abaixo (Figuras 7 e 8), pode ser considerado intervenção. Se permanecer na mesma categoria, é considerado interação.
FIGURA 7 - LENÇO MODULAR DE GALYA ROSENFELD
FONTE: FABULOUSLY GREEN... (2006)
FIGURA 8 - BOLSA MODULAR DE GALYA ROSENFELD
FONTE: GALYA ROSENFELD (2002)
Diante
dos
discursos
apresentados,
evidenciam-se
inúmeras
possibilidades de desenvolvimento sustentável à partir do slow fashion, que envolvem aspectos funcionais e emocionais e que são possíveis de serem categorizados como interação com o usuário ou intervenção do mesmo sobre as roupas. A partir disso, foi desenvolvida uma lista sumarizada de ferramentas e recursos, que serviram como base para o desenvolvimento da coleção. As ferramentas, então, se encontram listadas e categorizadas, conforme o quadro 1 apresentado na sequência.
2.3.2 Exemplos de intervenção
Como exemplo de intervenção na moda, pode-se destacar a marca brasileira de acessórios Schutz, que recentemente lançou a coleção “Schutz vibes”, de bolsas inspiradas nos emojis, conforme é possível visualizar na Figura 9. São peças customizáveis e possuem pins que podem ser fixados por botão de pressão, de acordo com o humor da usuária (BOLSAS SCHUTZ VIBES, 2016).
FIGURA 9 - BOLSAS SCHUTZ VIBES
FONTE: Blog Starving (2016)
Já no segundo exemplo de intervenção (Figura 10), vemos a criação do primeiro vestido do mundo com estampa preto e branco para ser colorido à mão, da estilista Berber Soepboer com o designer gráfico Michiel Schuurman, inspirado em livros de colorir. O modelo foi criado para uma exposição de design funcional chamada “Repita, por favor”. Segundo a estilista, o The Colour-in Dress, como é chamado o vestido, é simples e possui uma estampa preto e branco que foi particularmente desenvolvida para ser preenchida por canetas coloridas próprias para tecido, assim, cada usuário interpreta a estampa da maneira que mais gosta.
FIGURA 10 - THE COLOUR-IN DRESS
FONTE: YATZER (2016)
Segundo Soepboer, o vestido não foi criado para ser produzido em larga escala, contudo, a demanda pela peça foi tão grande que alguns acabaram sendo produzidos sob encomenda, e vinham com dois pacotes de canetas para tecidos com cores ousadas (THE COLOUR-IN DRESS..., 2016). No projeto inspirado no ensaio "Esthétique de la disparition" de Paul Virilio (1979), o designer de moda Ying Gao fabricou um par de vestidos que se contorcem e se iluminam quando alguém os olha. A linha composta por dois vestidos, foi feita com fio foto-luminescente e com a tecnologia de rastreamento ocular, que é ativada pelo olhar de um espectador. Os vestidos ativados pelo olhar são incorporados com tecnologia de rastreamento dos olhos que responde ao olhar de um observador ativando pequenos motores para mover partes dos vestidos em padrões fascinantes, e com as luzes apagadas eles criam um efeito semelhante a criaturas marinhas brilhantes, como vemos na Figura 11. O projeto foi exibido no Museu de Arte
Contemporânea de Xangai, e depois no Museu Têxtil do Canadá, na primavera de 2014 ((NO)WHERE (NOW)HERE..., 2016). FIGURA 11 - VESTIDOS INTERATIVOS
FONTE: (NO)WHERE (NOW)HERE... (2016)
Diante
dos
discursos
apresentados,
evidenciam-se
inúmeras
possibilidades de desenvolvimento sustentável, a partir do slow fashion, que envolvem aspectos funcionais e emocionais, que são possíveis serem categorizados como interação com o usuário ou intervenção do mesmo sobre as roupas. A partir disso, foi desenvolvida uma lista sumarizada de ferramentas e soluções, que posteriormente serviram como base para o desenvolvimento da coleção.
As ferramentas, então, se encontram listadas e categorizadas,
conforme a tabela a seguir:
QUADRO 1 - INTERAÇÃO x INTERVENÇÃO
FONTE: A autora (2016)
3 DESENVOLVIMENTO DA COLEÇÃO
O primeiro passo para o desenvolvimento da coleção foi identificar e definir quais seriam as ferramentas de interação e intervenção que seriam utilizadas. A partir destas soluções definidas, iniciou-se o processo criativo do desenvolvimento da coleção, com definição do público alvo, macrotendências, tendências específicas de produtos, gerações de alternativas e a definição de cartela de cores e materiais. A COLEÇÃO
Fonte: A autora (2016)
O público alvo são mulheres que residem na região sul ou sudeste do país, com faixa etária entre 21 e 29 anos, de classe média alta. Podem estar cursando a faculdade ou recém-formadas / inseridas no mercado de trabalho. Suas profissões variam entre diversas áreas, entre elas design e arquitetura, áreas da saúde, comunicação social, entre outros. Valorizam a família acima de
tudo e vivem uma rotina de estudo e trabalho diariamente, alternando com momentos de laser, onde priorizam estar com amigos e familiares em programas como jantar, cinema, cafés e bares. Na moda, buscam produtos diferenciados, com maior durabilidade, podendo variar com relação a modelagem entre peças mais justas ou amplas, dependendo da ocasião de uso. Na cartela de materiais foram utilizados tecidos como neoprene, crepe, couro sintético e sarja. Os principais aviamentos utilizados foram botões de pressão, zíperes invisíveis, fivelas, entre outros.
3.1 EXPERIMENTAÇÕES
A coleção visa trazer as ferramentas da interação e da intervenção para o vestuário de diferentes maneiras. Antes de iniciar a processo de criação das peças, foi necessário que elas passassem pela prototipagem através da técnica de moulage, verificando a viabilidade e usabilidade das mesmas, que também foram prototipadas no tecido original, já sendo possível observar o caimento que este teria posteriormente.
A seguir, serão mostradas as fotos do processo de experimentação das peças, que intencionalmente foram realizados no tecido em que seriam confeccionadas posteriormente, visando trazer uma maior proximidade com o produto final, possibilitando a visualização do caimento, da vestibilidade e da verificação de materiais. Os testes foram desenvolvidos em um mini manequim, utilizando-se da técnica de modelagem tridimensional, mais conhecida como moulage, podendo ser realizada diretamente no corpo ou em manequim. A Figura 12 retrata um exemplo de peça que permite a intervenção do usuário através de babados que são destacáveis por meio de botões de pressão. Os babados podem ser aplicados no busto, na cintura, nas costas e na vertical da peça. Da mesma maneira, a saia apresentada na Figura 13 possui também quatro possibilidades de diferenciação através do uso dos babados em diferentes posições, e em uma destas possibilidades, sem os babados.
FIGURA 12 - TESTE COM BABADOS DESTACÁVEIS
FONTE: A autora (2016)
FIGURA 13 - SAIA COM BABADOS DESTACÁVEIS
FONTE: A autora (2016)
Na Figura 12 é possível observar um exemplo de intervenção na blusa representada, sendo que a mesma pode ter a sua frente utilizada nas costas ou a parte de trás utilizada na frente, oferecendo duas possibilidades de uso com a mesma peça.
FIGURA 12 - BLUSA CONVERSÍVEL
FONTE: A autora (2016)
A Figura 15 traz uma peça modular, exemplo de interação e intervenção sendo utilizados na mesma peça. A modularidade das peças se dá através de módulos de tecido unidos por meio de botões de pressão, fazendo com que uma blusa possa ser transformada em em saia ou até mesmo em shorts, como vemos a seguir. FIGURA 15 - PEÇA MODULAR
FONTE: A autora (2016)
A Figura 16 também apresenta um exemplo de intervenção, trazendo faixas que podem ser utilizadas entrelaçadas entre si ou até mesmo usado sem as faixas. FIGURA 16 – VESTIDO COM FAIXAS ENTRELAÇADAS
FONTE: A autora (2016)
A Figura 17 apresenta os testes de estamparia, processo que foi desenvolvido manualmente a partir da referência do efeito Moiré, que forma padrões através da sobreposição de diferentes planos. Os testes foram produzidos em plásticos PVC de diferentes gramaturas e posteriormente estampados diretamente em tecido.
FIGURA 17 - TESTES DE ESTAMPA
FONTE: A autora (2016)
E, por fim, como exemplo de intervenção, vemos na Figura 18 a experimentação da calça de neoprene que transforma-se em jaqueta através da utilização de zíperes invisíveis e botões no gancho, ou no entrepernas. FIGURA 18 - CALÇA TRANSFORMÁVEL EM JAQUETA
FONTE: A autora (2016)
3.2 RESULTADO - PEÇAS CONFECCIONADAS
A destacabilidade pode ser observada nas peças através de botões e colchetes de pressão. Foi confeccionado uma blusa e uma saia com babados destacáveis. Ambas possem pelo menos três possibilidades de uso em diferentes posições da peça, e também há a opção de não utilizá-los, como está representado nas figura 19:
FIGURA 19 – BLUSA E SAIA COM BABADOS DESTACÁVEIS
FONTE: A autora (2016)
Como exemplo de aplicações sobre a roupa, a coleção apresenta patches bordados, patches para colorir e chaveiros. Os patches para colorir vêm com um kit de canetas para tecido, possibilitando que o usuário customize-o da maneira que desejar, enquanto os chaveiros foram cortados a laser no acrílico e alguns possuem estampas com efeito moiré, que podem ser aplicados com mosquetão às peças que possuem argolas.
FIGURA 20 – PATCH PARA COLORIR E PATCH CHAVEIRO
FONTE: A autora (2016)
Os patches podem ser aplicados em qualquer peça da coleção, ao contrário dos chaveiros, que só podem ser aplicados nas peças que possuem as argolas, além de poderem ser utilizados como acessório.
As peças transformáveis que foram confeccionadas são a calça que se transforma em saia através de zíper invisível, conforme a figura 21. Já na figura 22, pode-se observar a calça que se transforma em jaqueta, abrindo no entrepernas através de botões, e que forma o decote através de abertura com o uso de zíper invisível.
FIGURA 21 - CALÇA TRANSFORMÁVEL EM SAIA
FONTE: A autora (2016)
FIGURA 22 - CALÇA TRANSFORMÁVEL EM JAQUETA
FONTE: A autora (2016)
A coleção também possui com um macacão transformável, que pode ser usado como short saia, confeccionado em sarja. A parte do corpo da peça é em tecido duplo, sendo que a parte interna é colorida para quando for utilizada como
short-saia causar efeito visual devido ao uso das cores. A peça possui alça removível para quando for short-saia, para isso o corpo do macacão abre com botão de pressão, fazendo com que a parte superior da peça desça. FIGURA 23 – MACACÃO TRANSFORMÁVEL EM SHORT-SAIA
FONTE: A autora (2016)
As peças confeccionadas em couro sintético, sendo elas saia e vestido, possuem vazados onde podem ser entrelaçadas faixas de diferentes cores e tecidos, como o neoprene e o couro sintético metalizado, que podem ser utilizadas cruzando entre si, com diversas possibilidades de combinações. Caso o usuário não queira utilizar as faixas, o forro estampado permite que a peça seja utilizada sem as mesmas, conforme figuras 24 e 25.
FIGURA 24 – SAIA COM VAZADOS QUE PERMITEM AMARRAÇÕES COM FAIXAS
FONTE: A autora (2016)
FIGURA 25 – VESTIDO COM VAZADOS QUE PERMITEM AMARRAÇÕES COM FAIXAS
FONTE: A autora (2016)
Já top de neoprene é uma peça conversível, possui alça que cruza nas costas e a frente com amarração. Pode ter a frente utilizada nas costas ou o contrário, conforme mostra a figura 26:
FIGURA 26 – TOP CONVERSÍVEL
FONTE: A autora (2016)
Os módulos das peças modulares possuem estampa geométrica, para que quando os módulos mudem de direção conforme o abotoamento, através de botões de pressão de plástico, a estampa resulte em um efeito visual diferente do anterior. Além disso, a peça pode se transformar em uma blusa diferente, através da rotação dos módulos. Foram verificados alguns problemas com relação à efetividade e funcionalidade desta peça, seriam necessários mais alguns estudos e até a confecção de novos testes devido aos botões e a rotatividade da peça, que não alcançou o resultado desejado. FIGURA 27 – BLUSA MODULAR
FONTE: A autora (2016)
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao dar início na revisão de literatura, percebeu-se que a interação e a intervenção do usuário na roupa pode trazer múltiplos benefícios, como a diminuição do descarte e o poder de aguçar a criatividade de quem está vestindo a peça, pois este está, de certa forma, criando juntamente com o criador. Seguindo com os exemplos do que já havia sido criado e da listagem de possibilidades por meio da interação e intervenção, iniciou-se então o processo de prototipagem das peças que futuramente seriam confeccionadas, permitindo a visualização prévia da viabilidade, funcionalidade das peças. Conforme as peças foram desenvolvidas, percebeu-se que nem todas as obtiveram o resultado desejado, pois necessitariam de outras experimentações e testes de materiais e de uso, de forma que ficassem ergonomicamente corretas ou cumprindo seus objetivos estéticos e funcionais. Como exemplo, a peça modular, onde os botões não se encaixaram de maneira certa em todos as extremidades, sendo necessário novos testes. Contudo, a realização deste trabalho e a projeção das peças trouxe a realidade de que existem inúmeras possibilidades para o desenvolvimento sustentável, a partir da exploração de elementos de interação e intervenção, conforme foram utilizados na coleção desenvolvida, através de peças transformáveis, conversíveis, modulares, entre outros. O usuário tem, então, a possibilidade de adaptar a peça ao seu próprio estilo. Finalmente,
espera-se
que,
ao
oferecer
ao
usuário
diferentes
possibilidades de uso através de elementos interativos, as peças apresentem maior durabilidade em comparação à produtos de fast-fashion, por exemplo. O aspecto emocional está atrelado à experiência conforme o uso, visando um maior engajamento entre usuário e a roupa.
REFERÊNCIAS
3.1 PHILLIP LIM Transformable Sleeveless Top. Disponível em: <http://emilysthefashionjournal.blogspot.com.br/2012/04/31-phillip-lim-transformablesleeveless.html>. Acesso em: 18 nov. 2016.
BOLSAS SCHUTZ VIBES. Disponível em: <starving.com.br/2016/bolsas-schutzvibes/>. Acesso em: 17 mai. 2016.
BROWN, S. Eco fashion. Reino Unido: Laurence King Publishing, 2010.
DO IT YOURSELF DRESS. Disponível em: <https://www.yatzer.com/do-ityourself-dress>. Acesso em: 20 out. 2016.
MODULAR
FELT
BAGS.
Disponível
em:
<http://www.galyarosenfeld.com/modular-felt-bags.html>. Acesso em: 18 out. 2016. FLETCHER, K. Moda & Sustentabilidade: Design para mudança. São Paulo: Editora Senac, 2011. GALYA
ROSENFELD:
FASHIONABLE
FELT.
Disponível
em:
<http://fabgreen.com/2006/06/17/gayla-rosenfeld-fashionable-felt/>. Acesso em: 19 out. 2016. GWILT, A. Moda sustentável: um guia prático. São Paulo: GG Moda, 2014.
LEMURIA
PERMANENT
COLLECTION.
Disponível
em:
<http://lemuriastyle.com/en/permanent-collection/star-overall>. Acesso em: 19 out. 2016.
MILLIE.
Galya
Rosenfeld
Dress.
Disponível
em:
<milliesthreads.blogspot.com/2010/05/galya-rosenfeld.html>. Acesso em: 13 out. 2016.
(NO)WHERE (NOW)HERE. Disponível em: <https://www.yatzer.com/do-ityourself-dress>. Acesso em: 13 out. 2016.
PRIBERAM. Dicionário Priberam de Língua Portuguesa.
Disponível em:
<http://www.priberam.pt/Produtos/Dicionario.aspx>. Acesso em: 17 mai. 2016.
SALCEDO, E. Moda Ética para um futuro sustentável. Barcelona: Editora G. Gili, 2014.
SANT'ANNA, M. R. Teoria da Moda - Sociedade, Imagem e Consumo - 2ª Ed. Estação das Letras e Cores, 2009.
SENAI, DN. Biomas do Consumo. Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial. Brasília, 2012. SVENDSEN, L. Moda: uma filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.
THE COLOUR-IN DRESS. Disponível em: <https://www.yatzer.com/do-ityourself-dress>. Acesso em: 13 out. 2016. SVENDSEN, L. Moda: uma filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.
TREPTOW, Doris. Inventando Moda: Planejamento de Coleção. 4. Ed. Brusque, 2007.