Sal, educação e empoderamento feminino: conheça os poderosos projetos da Amurt-Haiti
Série especial
2018
somos universalistas na prática?
edição #3
editorial
3a edição: começamos pequeno, mas pensamos Dharma for all Journal começou focando exclusivamente em projetos e pracarakas brasileiros. Mas, desde a sua concepção, sua vocação sempre foi a de conectar boas novas globalmente. Por isso, agora damos mais um passo para nos mover de nosso pequeno começo para nosso grande sonho: o de divulgar pessoas e projetos inspiradores de diversas culturas. Nesta edição, além de muita inspiração brasileira, você vai: 1) Conectar-se com Pashupati, acarya de família nos EUA, e Jyoshna, a lendária compositora e cantora de kiirtan neozelandesa, presenteando-nos com suas visões únicas sobre Universalismo, o tema central de nossa nova série especial. 2) Ler a resenha exclusiva escrita por Acarya Nabhaniilananda Avadhuta, coordenador de Dharma Pracar nos EUA, recomendando-nos a leitura do livro 10% Mais Feliz, de Dan Harris, para termos recursos para explicar meditação de um jeito simples. 3) Acompanhar a 3a parte da série especial “Trabalhadores de Dharma Pracar” e entender o que levou a italiana Madhuri e o argentino Viveka a 01 | Dharma for all Journal
grande!
deixarem seus países e famílias para tornarem-se LFTs (local fulltimers) no Paraguai e no Brasil, respectivamente. Além disso, você vai saber mais sobre o amplo e bem-sucedido trabalho dos centros educacionais criados por Avadhutika Ananda Jaya Acarya na periferia da cidade de São Paulo (Brasil), e conhecer Jayadevi, nosso perfil do mês – uma devota de Baba que trabalhou por muitos anos no Instituto Visão Futuro, criado pela Avadhutika Ananda Mitra Acarya, e hoje lidera com Dada Vishvarupananda a formação em yogaterapia (sobre a qual falamos na edição passada), além de outras iniciativas. E, vale lembrar: agora você pode acompanhar o Journal pelo nosso site (https://journal.d4all.org), onde é possível pesquisar matérias por seção, por exemplo. Você também está convidado a receber nossa revista digital, com todos os conteúdos de edições anteriores, diagramados de forma bonita e acessível. Entre no site e faça sua assinatura gratuita! Seguimos juntos! Namaskar! por Gurucaran (Gustavo Prudente)
* foto de Harideva (Rodrigo Carmargo)
editorial
Grupo de estudo Pracaraka Samgha aproximando-nos cada dia mais! Nesta edição vamos falar sobre o Grupo de Estudos Pracaraka Samgha, uma iniciativa do Dharma for all que tem o intuito de incentivar os sadhakas (praticantes espirituais) a compreender melhor a filosofia e se alinhar com nosso propósito no eixo de Formação de Pessoas. O Brasil possui um território vasto e há muitos praticantes sinceros e dedicados, que nem sempre têm acesso a troca de ideias, grupos de estudos, aulas ou outra oportunidade de se aprofundar nos conceitos expressados por nosso Mentor. O Pracaraka Samgha é um grupo de estudos criado para minimizar esses obstáculos, diminuindo as distâncias entre as pessoas, entre os que têm bastante experiência e os que iniciam novas vivências, enfim, entre a teoria e a prática. O grupo acontece online e tem sido facilitado por um margii ou um acarya,
com base nos ensinamentos consolidados nos livros de Shrii Shrii Anandamurti. O primeiro livro que estudamos foi “Filosofia Elementar da Ananda Marga” com a facilitação do Acarya Rainjitananda Avadhuta, um monge brasileiro que atualmente tem seu posto de trabalho nos Estados Unidos. Em seguida, passamos para o estudo do livro “Ideia e Ideologia”, também com a orientação do Dada Rainjitananda. E nesse mês de junho, acabamos de iniciar o estudo do livro “Namah Shivaya Shantaya” com a facilitação do Devashish (Donald Acosta).
Os encontros para estudo acontecem às terças-feiras, das 19h30 às 21h e são gravados para que os que não podem estar online neste horário possam assistir em um momento mais propício. Dharma for all Journal | 02
Esses encontros, tem sido um momento de aprendizado e revisão para mais de 50 margiis atuantes do Brasil. Os encontros estão abertos a todos, mas tem pré-requisitos como: estar estabelecido na missão, possuir no mínimo a 3a. lição e estar seguindo uma dieta sátvica (alimentação prescrita por Baba). Temos margiis de vários pontos do país participando e, embora estejamos bem distantes fisicamente, este é um momento de proximidade semanal. Além desses encontros, estimulamos o encontro presencial entre todos, e já fizemos isso três vezes no último ano. Nesses encontros, meditamos bastante, partilhamos boa vibração, boa comida e boas experiências. Já participaram como convidados especiais e facilitadores desses enEDIÇÃO GERAL Gurucaran SUPERVISÃO Prashanti EDIÇÃO GRÁFICA Iasodara Julia Koch
contros: Devashish, Shanti Maya, Acarya Rainjitananda Avadhuta, Acarya Nabaniilananda Avadhuta, Ghrii Acarya Kamaleshvara (Christian Franceschini) e, no último, Ghrii Acarya Dhyanesh (Peter Fleury). Os relatos que temos recebido nos inspiram a seguir em frente, pois muitos afirmam que essa é uma excelente oportunidade de estudo e de mergulho nas práticas espirituais. Se você se sente motivado a participar desses momentos online conosco, entre em contato. Ainda dá tempo de participar neste último módulo. E outros mais virão. Veja mais detalhes em nossa webpage d4all.org. Namaskar a todos! Dharma for all
* estes editoriais são textos opinativos, de autoria do Conselho Gestor da Dharma for all, organização que criou o Journal, e não configuram como reportagem jornalística.
REPORTAGENS DISTRIBUIÇÃO Taruna & gratuita colaboradores PERIODICIDADE TRADUÇÃO mensal Devashish EDIÇÃO#3 CAPA Brasil / 2018 Jessica Obert
CONTATO journal@d4all.org https://journal.d4all.org f b.com/dharmaforalljournal
JOURNAL
03 | Dharma for all Journal
NESTA EDIÇÃO
5
Vida fora da caixa
9
Projetos da AMURT-Haiti
14
Série especial: Trabalhadores de dharma pracar 3
18
Série Especial: Universalismo Parte 1
22
Meditação com o o livro 10% mais feliz
24
A Panna Cotta de coco
de Iasodara
Você deve lembrar que a vida humana não é como uma única flor; é como um buquê ou um jardim de flores desabrochando com muitas variedades de flores. E esta variedade de flores aumenta a beleza coletiva do jardim. Se houvesse apenas magnólia graniflora ou uma variedade de rosa apenas florescendo no jardim, embora essa única flor pudesse ser muito atraente, ainda assim o jardim como um todo não seria muito bonito. Um jardim é ainda mais bonito por causa das flores de vários tipos e matizes. Shrii Shrii Anandamurtii
profile
Vida fora da caixa como Jayadevi uniu Tantra e abordagens corporais para apoiar pessoas em seu aprofundamento espiritual
Na caminhada de um pracaraka, é comum haver muitos desafios, alegrias e até choques. No tantra é assim, quando uma luz se acende, outra já pede para ser trocada. A trajetória de Jayadevi (Germana Lucena), paraibana da capital, também é marcada de inquietações, buscas, tombos e vôos. Formada em Fisioterapia, ainda na faculdade ela não se contentava com o que o atendimento tradicional na área da saúde oferecia: negociação com convênios médicos, número limitado de sessões e foco em tirar a dor e a inflamação. “Eu queria trabalhar com consciência corporal, ver o sujeito inteiro além da dor, pro05 | Dharma for all Journal
tagonista de si mesmo”, ela nos conta. Na procura de uma capacitação paralela, Jayadevi encontrou a hatha yoga e também conheceu o budismo. Mas foi quando ouviu Baba nam kevalam pela primeira vez, há 15 anos, que os anjos sopraram em seus ouvidos um sentimento de paz e bem aventurança. “O kiirtan me tocou profundamente”, lembra. Na época, conheceu Avadhutika Ananda Sutapa Acarya e Avadhutika Ananda Mitra Acarya, que a convidaram para participar do programa Stress ao seu favor. “O formato científico e integrativo de cuidar do estresse me interessou muito, conectou com minha busca profissional”.
Em poucos meses, Jayadevi ingressou no curso intensivo de Biopsicologia, oferecido pela Didi Ananda Mitra, no interior de São Paulo. “Foi meu primeiro contato com o tantra e com Baba. Na volta para casa, uma semana depois, minhas amigas ficaram impressionadas como eu estava diferente”, ela recorda. Algum tempo depois, já atuava oferecendo alguns cursos e a prática do dharmachakra na Paraíba. Em seguida, orientou o conteúdo de anatomia
na formação de instrutores de yoga. Em paralelo, conheceu no método Feldenkrais uma forma de abordar a anatomia vivencial de forma prática, usando a consciência corporal. O método é conhecido pelas inusitadas estratégias e por seus movimentos gentis para melhorar postura, flexibilidade, coordenação e equilíbrio. Ao juntá-lo com o Tantra, Jayadevi diz ter chegado “na fórmula que uniu meu trabalho profissional ao espiritual”.
Dharma for all Journal | 06
Ame-o ou deixe-o Quando ainda começava a mergulhar na filosofia de Ananda Marga, como frequentadora do Instituto Visão Futuro, um novo desafio se apresentou: tornar-se vegetariana. Morando no nordeste, cresceu em meio a uma forte tradição de comer frutos do mar em casa, na praia. Foi brusco: ou tornar-se vegetariana ou não poder ser facilitadora de tantra yoga. “Eu não me enxergava em outro caminho, então passei 2 anos dizendo: só por hoje não como carne”. E lá se vão 15 anos. Mas as provações não pararam por aí. No encontro com uma didi tailandesa, de passagem pelo Brasil, Jayadevi abriu-se novamente para suas inquietações. “Meu mestre é Jesus, então está muito estranho dizer que é Baba”, contou à monja. “Ela não deu cabimento, como se diz aqui no Nordeste. Ao invés disso, me passou uma lição, eu fiquei meditando, fui me envolvendo, sentindo uma única energia, a Consciência Suprema, e então me lancei. O questionamento foi embora”, ela nos conta. Para Jayadevi, essa vivência foi um divisor de águas e lhe trouxe quietude. Ela até podia voar para outros lugares espirituais e terapêuticos, mas tinha encontrado um chão, um lugar de pouso. “Eu estava livre pra viver outras experiências, afinal a energia cósmica é uma só, mas a linha mestra é o tantra e minha relação com Baba é o caminho”. 07 | Dharma for all Journal
Vontade de autonomia Num dado momento da sua jornada, Jayadevi sentiu necessidade de expandir a autonomia criativa em seu ofício e alinhar-se cada vez mais com Yama e Nyama, princípios da yoga de harmonia com os outros e consigo mesma. Foi quando se desligou dos trabalhos que desenvolvia no Visão Futuro. Acabou encontrando um novo pouso e uma satsanga no curso que já vinha desenvolvendo, a convite de Dada Vishuarupananada, o monge e professor universitário Peter Sage: a formação em Yogaterapia, em Japaratinga, Alagoas (leia a matéria sobre o curso aqui). Junto com outros profissionais, criou-se um coletivo de trabalho, uma egrégora espiritual que se nutre e se retroalimenta. Jayadevi também criou, em parceria com Susmita (Silvia Fuller), uma irmã espiritual e atriz, o programa online Meditar é possível, que, por meio das lições do método Feldenkrais, prepara o corpo e a atenção do aspirante para a prática meditativa. “A maioria das pessoas medita menos do que gostaria porque o corpo se incomoda, sente dor. As lições são uma meditação em movimento, com foco no mantra, na respiração, na ideação do amor cósmico e na manifestação divina em tudo. Quando termina, a pessoa está em um estado mental diferenciado, e o corpo organizado para o movimento e para a pausa”, ela explica. Hoje seu pracar, que tem alcançado centenas de pessoas no Brasil, é fruto do uso de sua sabedoria de maneira autônoma. “Quando a gente cai, imediatamente quer procurar uma referência externa, um modelo, uma organização”. Mas seu grande desafio foi justamente aprender a não mais fazer seu trabalho como resposta à demanda de uma organização. “É minha convicção interna oferecer meu serviço e facilitar que outras pessoas vivam uma experiência que transcende o ordinário pelo corpo e pela saúde, tendo o Tantra Yoga e a filosofia da Ananda Marga como esteio”. Por Taruna (Tatiana Achcar) * fotos de Harideva (Rodrigo Carmargo) Dharma for all Journal | 08
dharmapracar
Projetos da
AMURT-Haiti Capacitação de educadores, produção de sal e grupos de apoio entre mulheres: conheça os inovadores projetos da Amurt Haiti
As estratégias da AMURT no Haiti se concentraram em dois pilares fortes do desenvolvimento: educação e empreendedorismo social (PROUT na prática). Em resposta ao terremoto que atingiu o país em 2010, a organização direcionou seus esforços, por dois anos, a oferecer educação de emergência para 3.000 crianças que vivem em alguns dos campos de refugiados mais 09 | Dharma for all Journal
difíceis da capital. Gradualmente, o escopo dos programas evoluiu de modo a incluir o desenvolvimento profissional de professores, em particular metodologias neo-humanistas com foco na criança. Em 2014, a AMURT entrou em parceria com a instituição de ensino superior mais reconhecida do Haiti, a Universite Quisqueya, e estabeleceu o InnovEd
– o Instituto de Educação Inovadora (www.innoved.uniq.edu). Sarita (Sara Wolf), coordenadora de programas do Instituto, descreve o modelo pedagógico da InnovEd – a “escola vibrante” – como o de uma comunidade voltada para a exploração e troca de experiências, de forma alegre e espontânea. “Antes, eu era um robô que falava o tempo todo. Agora, graças à InnovEd, eu facilito o engajamento dos alunos utilizando estratégias de participação”, afirma um dos professores em uma das avaliações independentes. “Antes, eu era a única pessoa que falava nas minhas aulas. E eu era o chefe que açoitava os alunos constantemente. Hoje, a InnovEd me transformou”, diz outro. Antes mesmo de introduzir inovações no campo educacional, a AMURT-Haiti vem trabalhando, des-
de 2004, para a melhoria da qualidade de vida da comunidade Anse Rouge, através de um modelo de desenvolvimento intergado e participativo. A Anse Rouge está situada em uma regiao da ilha isolada economica e socialmente, além de ambientalmente devastada. A erosão do solo e o desmatamento contínuos, juntamente com secas persistentes e ameaças de furacões, somados à falta de serviços e mesmo de infra-estrutura básica culminaram em um ambiente muito hostil onde não há presença de ONGs nem do governo. Dharma (Demeter Russafov), diretor nacional da AMURT-Haiti, conta que foram precisamente estas condições muito hostis e a enorme demanda local que o motivaram a liderar o estabelecimento de programas da AMURT no país. Dharma for all Journal | 10
Ele chegou ao Haiti como um LFT (voluntário em preparação para um estilo de vida iogue-monge) em 2004, atraído pelos desafios encontrados no pais e pela simplicidade e beleza de seu povo. Poucos meses após sua chegada e conseguinte ajuda na construcão de uma escola em Porto Príncipe, as enchentes do furacão Jean deixaram um rastro devastador de destruição e morte e empurraram grande parte do país para a crise. Depois de uma viagem de carona em um caminhão, Dharma alcançou a região mais isolada entre as afetadas pelas inundações, Anse Rouge. Uma vez estabelecido um relacionamento com as comunidades locais 11 | Dharma for all Journal
e após ter compreendido suas necessidades, em uma semana Dharma convenceu o Programa Mundial de Alimentos a apoiar a recém-criada AMURT, e sua jovem equipe de voluntários começou a oferecer refeições quentes e programas psicossociais para 4000 crianças e idosos em 6 aldeias. Em uma madrugada, ao ser acordado por ruídos constantes, ele saiu de sua tenda e viu as silhuetas de caravanas de crianças andando pelo deserto levando jarros vazios em suas cabeças. Ele as seguiu por todo o caminho até uma fonte de água situada a quilômetros de distância, mais acima nas montanhas,
antes de retornar com as crianças bem a tempo de elas se prepararem para a escola. Ele logo descobriu que a falta de água nas aldeias costeiras era devido a um conflito hídrico entre aldeias que já levava uma década e resultou na destruição do sistema de água. Dharma decidiu que o principal foco de sua equipe de voluntários e residentes locais seria a reabilitação do sistema de água. Eles foram bem-sucedidos e, assim, conquistaram a confiança das comunidades locais, bem como do governo e das agências de financiamento, e a reputação da AMURT começou a crescer a cada ano. Entre os frutos das múltiplas intervenções da AMURT estão mais de um milhão de árvores plantadas, dezenas de bacias hidrográficas e ravinas preservadas, várias escolas e clínicas construídas, e canais de irrigação e reservatórios fornecendo água e ajudando a transformar terras desérticas em fazendas cultiváveis. No entanto, foram as inovações na produção de sal que se tornaram a conquista mais importante e potencialmente transformadora da AMURT. Ao observar as dificuldades enfrentadas pelos produtores de sal tradicionais, tentando tirar seu sustento de buracos de lama profundos cheios de água do mar, Dharma e sua equipe de voluntários se conscientizaram das incríveis complexidades que envolvem a produção de sal no Haiti.
As mulheres conseguiam extrair apenas duas safras de sal por ano em condições muito perigosas e difíceis, e o sal era de qualidade e quantidade muito aquém, além de conter muitas impurezas. Ao mesmo tempo, o distúrbio de deficiência de iodo é um grande problema de saúde para 50% da população haitiana, causando graves consequências para a saúde. A produção de sal na maioria dos países evapora eficientemente a água do mar em bacias superficiais interligadas e resulta em 32 colheitas anuais de sal de alta qualidade. Dharma sabia que essa produção eficiente de sal provaria ser um divisor de aguas não apenas para Anse Rouge, mas para a luta do país com a deficiência de iodo. Para resolver isso, ele primeiro se concentrou em estabelecer gradualmente a confiança da comunidade e as estruturas organizacionais, especialmente as das mais vulneráveis, as mulheres. O modelo por eles adotado se concentrou na criação do Grupo de Autoajuda: redes formadas por grupos de mulheres de baixo poder aquisitivo. Um grupo de autoajuda é composto por vinte mulheres que se reúnem semanalmente, criam suas próprias regras e fazem contribuições regulares para um fundo usado para oferecer microempréstimos aos associados. As mulheres discutem seus problemas em grupos e encontram soluções em conjunto, reforçando os laços de solidariedade e resolvendo conflitos e desafios. Dharma for all Journal | 12
De acordo com uma participante, Marie-Anette, 32 anos, mãe solteira de três filhos, antes da AMURT dar início aos grupos de autoajuda, as mulheres se encontravam no extremo inferior da escala social. “Não posso dizer quantas vezes ouvi falar de mulheres sendo espancadas, mulheres que não podiam deixar seus maridos porque não tinham para onde ir. Agora somos 250 mulheres só na nossa aldeia – organizadas e muito mais fortes juntas”, diz ela. Passados 6 anos desde a formação dos primeiros grupos de autoajuda, conta-se agora mais de 3.000 mulheres organizadas em 160 grupos, com mais de 195.000 dólares em fundos de microcrédito autogerados. Nesses grupos, as mulheres são introduzidas a práticas de respiração e movimentos de yoga para gerenciar o estresse. “É um processo psicossocial de práticas compartilhadas. Iniciamos as reuniões fechando nossos olhos e nos conectando com o poder do coração”, diz Dharma. Ele enfatiza que estas práticas são apresentadas de uma forma muito sutil, para não reforçar a ideia dominante de que a yoga seria uma religião. 13 | Dharma for all Journal
O método dos Grupos de Autoajuda sustenta três pilares da sociedade rural: econômico, social e político. Os grupos enviam representantes para formar o próximo nível representacional: as associações, que eventualmente elegem representantes para formar o terceiro e mais alto nível – a federação. A liderança rotativa garante ao grupo a escolha de seus representantes nas associações e na federação. Quando uma federação é formada, chega-se a 4.000 mulheres organizadas, criando um modelo de organização rural altamente eficiente, o qual a AMURT pretende reproduzir em outras partes do Haiti. Esta organização comunitária progressista é a base da cooperativa de produção de sal (ESPRI, em ingles). O empreendimento social reinveste seus lucros no desenvolvimento de capacidades e de microcrédito para mulheres associadas ao grupo de autoajuda. Como afirma Violet, 36 anos, participante do grupo de autoajuda: “Não é somente uma nova maneira de se produzir o sal, é uma nova maneira de se viver”. Da Redação Fotos de Jessica Obert
article
Série especial: Trabalhadores de dharma pracar – Parte 3
Para quem quer conhecer profundamente a Ananda Marga, tornar-se um LFT (local fulltimer, ou voluntário em tempo integral, tradução livre) pode ser uma grande oportunidade. Primeiro, o candidato deve fazer um treinamento, guiado por um acarya, com uma rotina que inclui jejum, trabalhos variados, estudos sobre regras de conduta e filosofia espiritual, além da prática diária de meditação e ásanas. Ao final do treinamento, realiza-se o SPT (sadhana pitta trai-
ning), uma imersão de sete dias que consiste em manter um voto de silêncio e comer uma vez durante o dia. Enquanto as mulheres realizam essas tarefas dentro do centro de treinamento, no caso dos homens, deve-se mendigar comida nas ruas, pronunciando apenas um mantra específico, sem quebrar o voto de silêncio. O treinamento para LFT termina com um exame, em que são avaliados os conhecimentos sobre ideologia, filosofia, práticas e regras. Dharma for all Journal | 14
O candidato aprovado passa a tra-
nar acarya renunciante ou voltar ao
balhar como voluntário em tempo
seu cotidiano anterior, incorporando
integral para Ananda Marga, sob a
agora conhecimentos, experiências
tutoria constante de um acarya. Ao
e práticas aprendidas, e, se quiser, dedicando-se a se tornar elegível para tatvika ou ghrii acarya (acarya de família). Logo, o papel de LFT, o terceiro da série especial “trabalhadores de dharma pracar”, é a ponte entre o pracaraka que escolhe a vida de família ou a de renunciante. Quem entra nessa ponte pode decidir atravessá-la para qualquer um dos lados. Conversamos com duas pessoas que decidiram encarar a “ponte”: Madhurii (Beatrice Pellegrini), italiana, margii desde 2015, e que atualmente trabalha como LFT em Assunção, no Paraguai; e Viveka (Francisco Irigoyen), argentino, margii desde 2013, que serve como LFT em Araruama, Rio de Janeiro, no Brasil. Suas histórias são distintas, e mostram como são necessárias abordagens variadas para que públicos diversos
mesmo tempo, dedica-se à discipli-
se sintam atraídos pelo caminho es-
na diária de práticas espirituais. Des-
piritual. Ao mesmo tempo, encon-
sa forma, vivencia como é a vida de
tram-se na coragem de sair da zona
um monge e, a partir daí, pode deci-
de conforto para se lapidar como
dir realizar o treinamento para se tor-
aspirantes espirituais.
15 | Dharma for all Journal
fia chamou a atenção de Madhurii.
der a meditar, uma amiga indicou a
Ela foi sendo apresentada à filosofia
Viveka um dharmacakra, que passou
de Ananda Marga de forma homeo-
a frequentar semanalmente desde
pática e, após um tempo, foi inicia-
então. Madhurii, por sua vez, foi fis-
da por um acarya de família, Ghrii
gada pelo racional. Ela tinha muitas
Acarya Kamalesvara (Christian Fran-
restrições a monges, pois vinha de
ceschini), que também lhe serviu de
uma tradição católica e achava bas-
modelo, por ter uma vida estável,
tante enfadonha a ideia da disciplina
trabalhar tanto quanto um wholeti-
espiritual. Entretanto, ela acabou se
mer (acarya renunciante) e ser um
inspirando pela postura de Yogendra
exemplo no dia a dia. Em seguida,
(Jacopo Ceccarelli), um professor de
durante uma meditação, ouviu o cha-
cursos de formação de instrutores
mado para vir à América do Sul para
de yoga em Florença, na Itália, que
o treinamento de LFT. Seu treinamen-
já havia sido praticante da Ananda
to em Sapucai, Paraguai, na Unidade
Marga. Sua personalidade alegre,
Mestra Ananda Laliita, foi desafiador,
engraçada, e ao mesmo tempo com
e a fez encarar questões internas im-
profundo conhecimento da filoso-
portantes, além da saudade de casa.
Madhurii (Beatrice Pellegrini)
Sabendo de seu desejo por apren-
Dharma for all Journal | 16
Viveka decidiu ser LFT “porque sen-
oportunidade para nos fazer evoluir.
tia um desejo de fazer uma entrega
Nosso corpo e nossa mente mudam.
mais profunda”. O seu
Nossa visão das coisas e desejos se modi-
prática espiritual inten-
“É uma luta para ir de comportamentos e hábitos passados para outros melhores, mais sutis. Essa luta é uma oportunidade para nos fazer evoluir.”
sa, e enfrentou estar
Viveka
mente e que não deve
treinamento, na Unidade Mestra de Ananda Daksina, Viamão/ RS, Brasil , durou dois meses, durante os quais ele
submergiu
numa
longe de sua família,
ficam”, diz. Madhurii e Viveka
experimentam,
hoje, diferentes abordagens de pracar. Trata-se de algo, para Madhurii, que vem naturalser forçado. Ela acre-
amigos e cidade. Para ele, o treina-
dita que os uniformes de LFT e de
mento potencializa uma grande mu-
acarya atraem a atenção e são, em
dança interna para quem o vivencia.
si, uma forma das pessoas se apro-
“É uma luta para ir de comportamen-
ximarem. Ao ser abordada com
tos e hábitos passados para outros
perguntas, ela passa a convidá-las
melhores, mais sutis. Essa luta é uma
a conhecer mais sobre a filosofia.
17 | Dharma for all Journal
Madhurii
e
a
acarya que lhe orienta,
a
dhutika da
AvaAnan-
Divyarupa
Acarya, dão aulas de yoga numa escola, que atende crianças desde o jardim de infância até o nono ano. Viveka nas da
ajuda atividades
jagrti
local,
Viveka (Francisco Irigoyen)
junto ao Acarya Siddhesvarananda Avadhuta, seu tutor. Ele cozinha, trabalha na horta, no jardim, faz pintura, trabalha com crianças, colabora nos retiros e outros eventos, dá aulas de yoga e pequenas palestras, além de tocar kiirtan. O papel de pracaraka, segundo ele, não tem diferença se exercido por um margii ou por um LFT. O importante para o pracar é “a firmeza nas práticas, ter clara compreensão sobre o que se quer transmitir e clareza e humildade na transmissão, sentindo-se um instrumento do mestre”. Da Redação
Dharma for all Journal | 18
article
Série Especial:
Universalismo – Parte 1
Somos universalistas
na prática?
19 | Dharma for all Journal
P.R. Sarkar enfatiza o universalismo
que esforços precisam ser feitos
como um ideal a ser alcançado. Para
para caminharmos nessa direção.
que isso seja possível, o ser humano deve lutar contra duas tendên-
Nas
cias: i) geo-sentimento, expressado
abordar como o universalismo é
por um sentimento de superiorida-
vivido e sentido por pracarakas
de por conta do próprio solo na-
que fazem parte de grupos tra-
tivo, país ou pedaço de terra; e ii)
dicionalmente
sócio-sentimento, manifestado na
na sociedade, como, por exem-
defesa dos privilégios e interes-
plo, as mulheres, os negros, os es-
ses de um grupo social em detri-
trangeiros e o público LGBTQ+.
edições
seguintes,
iremos
desprivilegiados
mento de outros. Este é um esforço essencial para todos os seres.
A percepção de que a filosofia da Ananda Marga é universalista é, em
Na prática espiritual, esse esforço se
geral, consensual. Já a avaliação do
relaciona com a atividade de pracar?
quanto esses princípios acontecem
Como promover o universalismo na
na prática, é bem controverso. Se-
sociedade em geral? Nos dias de
gundo o Ghrii Acarya Pashupati (Ste-
hoje, existe coerência entre o uni-
ven Landau), existe universalismo
versalismo, a base que os pracarakas
na Ananda Marga “até certo ponto”.
desejam disseminar no mundo, e o
Para ele, não existem barreiras raciais
que temos encontrado dentro da
ou religiosas. Mas existem barreiras
comunidade da Ananda Marga?
de sócio-sentimentos expressas nas atuais divisões organizacionais. A
Para investigar essas questões es-
Avaduthika Ananda Advaeta Acarya,
tamos inaugurando uma série de
por sua vez, entende que esse mo-
reportagens sobre universalismo.
vimento “é algo necessário para a
Nesta primeira matéria, conversa-
Ananda Marga virar de verdade uma
mos com alguns acaryas e mar-
organização universalista”. “Estamos
giis buscando perceber: (i) em que
no caminho da imperfeição para
ponto estamos deste ideal; e (ii)
a perfeição. É um processo”, diz. Dharma for all Journal | 20
Para Renu (Renata Camargo), que está a frente do movimento Mulheres em cooperação coordenada, um grande obstáculo para o universalismo em Ananda Marga é o machismo. “A gente escuta que os homens são mais firmes nas práticas que as mulheres, mas ao mesmo tempo, durante os retiros, os homens estão lá meditando e as mulheres estão cuidando das crianças”, relata. Ela denuncia uma “violência psicológica” que estaria arraigada na Ananda Marga, que faz com que a mulher seja vista como mais emocional, e até mesmo como “louca”. Ela ressalta que o universalismo é um “chamado para a luta contra todas as formas de injustiça social, seja a pobreza ou qualquer tipo de discriminação”. Para Anuragha (André Lucas), “o povo de descendência africana ainda não demonstra um volume expressivo de sadhakas atuantes, seja na comunidade, como na organização dos departamentos de Ananda Marga”. Num país em que mais de 50% da população é negra, ele afirma ter contado no último retiro setorial brasileiro cerca de 15 pessoas que, como ele, possuem a pele negra, dentro de um universo de mais de 400 pessoas. Em contrapartida, ele elogia o fato de ter sentido, no mesmo retiro, maior acolhimento do “legado da ancestralidade e da cultura afro-brasileira, através da música, poesia e da dança”. Jyoshna é homosexual assumida desde o início de sua vida como margii, na década de 70, e sofre com o preconceito até hoje. “As pessoas do Terceiro Gênero (lésbicas, bisexuais, gays e trânsgeneros) não são tratadas com o mesmo respeito, são excluídas de cargos organizacionais em vários países, e até proibidas de frequentarem o DMS (Dharma Maha Samelian, grande encontro mundial de Ananda Marga), em alguns países. Quando alguém é tratado como cidadão de segunda classe por ser ‘diferente’, fica difícil não internalizar a negatividade e o sentimento de inferioridade, o que impede o progresso individual e coletivo”. 21 | Dharma for all Journal
Existem, entretanto, movimentos se formando para discutir questões de discriminação, como o de mulheres e o LGBTQ+ (e que serão abordados com mais profundidade nos próximos capítulos desta série). Satyavan (Rogério Meggiolaro), destaca que existem acaryas fazendo esforços reais em dialogar com diversos setores da sociedade. Além disso, ele acredita na tradução dos livros de Baba para a maior quantidade de línguas possíveis, como ferramenta de esclarecimento, bem como no fortalecimento de Rawa, o departamento artístico de Ananda Marga. “Os artistas devem ter o neo-humanismo correndo na veia e serem pessoas com uma mente atual, que traduzam para uma linguagem mais acessível esses valores que estão implícitos na vasta literatura deixada pelo Guru”. “Existem tantas pesquisas que apoiam o universalismo e a diversidade, por
que não lemos e discutimos e lidamos com essas questões juntos?”, sugere Jyoshna. Gaotami (Carla Arantes de Souza) propõe a incorporação, dentro da prática da Ananda Marga, de metodologias como a CNV (Comunicação Não-Violenta), os círculos restaurativos e a mediação. Kalyanii Souza acredita em retomar a ferramenta de conversa open space (espaço aberto), já utilizada em retiros do Brasil e dos EUA, nos quais todos podem propor atividades e serem escutados. Como você vive o universalismo dentro e fora da Ananda Marga? As questões levantadas nesta matéria ressoam com a sua vida? Que outras questões afetam a prática do universalismo em sua vida? Quais os caminhos que você enxerga para consolidar o universalismo na comunidade de Ananda Marga e na sociedade como um todo? Da Redação Dharma for all Journal | 22
review
Explique meditação para qualquer pessoa com o livro
10%
Mais Feliz de Dan Harris por Acarya Nabhaniilananda Avadhuta
Este livro é uma aula sobre como explicar o valor da meditação até mesmo para o maior dos céticos. O conhecido apresentador da ABC News, Dan Harris, nos guia na sua jornada de auto-destruição até auto-conhecimento, de alguém que tinha grande dúvidas sobre meditação até tornar-se um zeloso defensor da mesma. Extrema habilidade na escrita e em contação de histórias são os pré-requisitos básicos para um jornalista do seu nível, então, não deveria ser uma surpresa que o livro é extremamente bem escrito. O que me surpreendeu foi o quão candidamente ele expôs a sua própria fraqueza. Percebemos sua auto-consciência crescer enquanto ele se pega procurando por cabelos brancos no espelho (de novo), e, brincando, faz graça com sua própria personalidade narcisista de “personalidade de televisão”. Ele parece divertido. Mas Harris não chegou neste caminho por sua vontade própria. Ele foi arrastado pelas circunstâncias. Após um longo tempo como correspon23 | Dharma for all Journal
(colaborador convidado)
dente de guerra, e sofrendo de um Transtorno do Estresse Pós Traumático não diagnosticado, ele abrigou-se nas drogas como um mecanismo de lidar com a situação. Mas quando ele quase arruinou a carreira dos seus sonhos, congelando em frente a milhões de pessoas, ele se viu forçado a admitir que seus hábitos com a cocaína estavam fora de controle. Então, ele buscou ajuda, e sob o conselho de um sábio psicólogo, aprendeu mindfullness (meditação da atenção plena). Ele descreve, de maneira divertida, sua resposta ao ler o Poder do Agora, de Ekhardt Tolle. Ele estava fascinado e incrédulo, em um momento absolutamente cético, e no próximo hipnotizado pela simples verdade do que ele estava lendo e o efeito que essa contemplação resultou na sua mente. Um fato muito curioso para deixar de lado: ele decidiu buscar as respostas entrevistando muitos dos professores mais proeminentes do mundo.
Então ele embarcou na sua jornada de meditação pessoal, estudando mindfullness, frequentando retiros e escrevendo seu livro e lançando um programa de treinamento próprio para ajudar a popularizar a meditação. Como um pracaraka, eu achei esse livro tremendamente valioso. Ele me ensinou muito sobre como comunicar de forma simples, sem jargões, em uma linguagem poderosa e bonita, sobre meditação. Confira o vídeo (em inglês) do Dan Harris e você verá o que eu quero dizer: h t t p s : / / w w w. y o u t u b e. c o m / watch?v=FAcTIrA2Qhk
Esta é a melhor explicação de meditação que eu já ouvi que pode ser dada a uma pessoa leiga em cinco minutos. Assista ao vídeo se você quer saber o que dizer da próxima vez que alguém lhe perguntar o porquê dela dever meditar. By Acarya Nabhaniilananda Avadhuta Dada Nabhaniilananda é instrutor de meditação, monge yogui, palestrante, autor e músico. Dada já compartilhou o palco com Dalai Lama, ensinando ou performando em mais de 40 países e fez palestras para o TEDx, NVIDIA, Google, CISCO, Lam Research Intel e Facebook. Nascido na Nova Zelândia, ele tornou-se acarya em 1979 e atualmente trabalha como Secretário de Dharma Pracar da Ananda Marga do setor de Nova Iorque. 10% Mais Feliz está disponível em diversos sites de compra online, em inglês, espanhol e português
Dan Harris
Algo a que você ou eu não temos acesso. Então, ele criou uma série para o canal ABC e entrevistou muitas figuras populares ligadas à meditação, inclusive Eckart Tolle, Deepak Chopra e Dalai Lama. Suas impressões são perspicazes e hilárias.
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pracarakachef
A Panna Cotta de coco de Iasodara, pracaraka que cresceu em Ananda Marga
Iasodara Ruiz-Tagle, mais conhecida como Iaso, nasceu na Bahia, filha de pais margiis. Quando tinha quatro anos de idade, sua família conheceu o Acarya Pavanananda Avadhuta e se mudou para Porto Alegre (RS), Brasil. Lá, sua mãe, Supriya, passou a trabalhar na escola local da Ananda Marga. A partir daí, Iaso, Supriya, Shiva (seu irmão) e Caetanya (seu pai) foram viver na Unidade Mestra Ananda Daksina, onde 25 | Dharma for all Journal
Iaso morou até seus 19 anos. “Foi a melhor infância que se pode ter” diz. Na unidade mestra, Iaso cresceu rodeada por crianças (eram oito da mesma faixa etária) e acaryas. O Acarya Jaghadevananda Avadhuta, por exemplo, cuidava dela e do irmão quando os pais iam trabalhar. O Dada fazia jantar e muitas vezes era em seu colo que eles dormiam até seus pais chegarem, tarde da noite.
A relação de Iaso com a filosofia da Ananda Marga veio naturalmente, portanto. Hitendra, seu companheiro, conta que ela é “margii por cultura”. Ela diz que nunca procurou por Baba, pois “minha família trouxe ele até mim e eu simplesmente me sentia bem e segura perto Dele. Não me imagino com outro mestre”. Ao ver fotos de Baba pela casa, seus amigos achavam que se tratava de seu avô. Suas férias eram quase sempre nos retiros, nos quais reencontrava seus “amigos de retiro”, junto dos quais brincava com os acaryas e montava acampamento no salão para virar a noite no akhanda kiirtan. “Era tudo muito leve e divertido, visto pelos olhos de uma criança”, comenta. Baba estava presente nas situações mais cotidianas da sua vida: quando tinha medo de vacas e, ao atravessar a rua correndo, junto à amiga Jaya, repetia “Baba nam kevalam” para espantar o medo. Ou quando, após vários dias consecutivos de pesadelos intensos, sua mãe desenhou com giz de cera laranja um patrik na parede ao lado de sua cama, o que terminou com os pesadelos imediatamente. Assim como a filosofia, o pracar também entrou na sua vida de forma natural. Começou a dar aulas
de yoga aos 17 anos, ajudando sua mãe na jagrti de Porto Alegre. Com o tempo, foi tomando gosto pelo trabalho, fez formações com professores renomados e ensinou yoga por oito anos. Em seguida, começou a estudar moda e abriu a sua empresa, a marca de roupas Alecrim. Seu pracar ganhou mais força há cerca de cinco anos, quando se mudou para a unidade mestra de Ananda Kiirtana, na zona rural de Belmiro Braga (MG), e começou a ajudar na organização dos retiros. O projeto que mais lhe inspirou foi o Leve, um mini-retiro criado por ela e outros margiis, e direcionado a pessoas com pouco ou nenhum contato com a filosofia de Baba, no qual o conteúdo era passado de forma gradual e sutil. O projeto teve uma primeira edição bem sucedida. Entretanto, ainda durante a sua produção, ela e outra margii do grupo organizador descobriram que estavam grávidas. Helena (filha de Rainjanii e Gurucaran) e Nina (filha de Iaso e Hitendra) participaram de todo o processo dentro das barrigas de suas mães. “Agora com as babys maiorzinhas, já sinto vontade de pensar no próximo Leve”, afirma. Com o nascimento de Nina, Iaso continua o ciclo iniciado por seus pais, formando mais uma família ananda margii. Dharma for all Journal | 26
Mais recentemente, Iaso recebeu o convite para participar do Dharma for all Journal, onde é responsável pela edição gráfica. Além disso, espera iniciar novos projetos em Botucatu, para onde sua família se mudou recentemente. E, no meio tudo isso, ela continua uma de suas vertentes mais fortes no trabalho de pracar: a culinária.
Sua mãe dava cursos de culinária vegetariana, dos quais era ajudante – até que ela mesma começou a dar cursos. Há alguns anos, organizou um blog de receitas sátvicas, que deverá retomar num futuro breve, agora com o nome www.comoflor.com. Para Iaso, ser um pracaraka é “ter a sensibilidade para entender o outro e adaptar uma forma de passar a mensagem. É encontrar no outro as semelhanças de pensamentos e conseguir trazê-lo pra mais perto. Quanto mais a pessoa se sente próxima, mais aberta a sua mente estará para receber novas ideias”. Ela, então, nos traz mais para perto de seu mundo, com um receita especial – confiram! Da Redação
Shiva, Dada Jagha e Iaso
Segundo Iaso, cozinhar é “a grande paixão desde os tempos de criança, em que eu fazia bolo de terra com flores” diz. Aos nove anos, já cozinhava circundada pelos temperos indianos dos acaryas de Ananda Marga. Hoje em dia, em cima de seu fogão, há mais de cinquenta temperos. Iasodhara tem boas lembranças dessas comidas da infância, quando as refeições dos retiros eram feitas pelos acaryas, em panelas gigantes – “não tinha essa de contratar cozinhei-
ro de fora, era muito inspirador” diz.
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Panna Cotta de coco com especiarias Receita Ingredientes: -1 xic de leite de coco -1 xic de leite de amêndoas -50g de açúcar cristal -1 col de sopa de agar agar da marca kanten -Sementinhas de 1 cardamomo -1 pau de canela -3 cravos -Baunilha de verdade (opcional) -Lascas de coco queimado e canela em pó para decorar. Para acompanhar: Banana da sua preferência Óleo de coco Açúcar Numa panela, junte o leite de coco com o açúcar, as especiarias e o agar agar. Assim que ferver, mantenha no fogo por mais 30 segundos, mexendo sempre. Retire do fogo e acrescente o leite de amêndoas. Misture bem, coe o líquido para deixar as especiarias de fora e sirva nas forminhas individuais, fôrma de pudim ou em copinhos transparen-
tes e leve à geladeira por duas horas. Dicas: se você for desenformar o doce, unte levemente a forma com óleo de coco. Na hora de servir, doure fatias de banana numa frigideira anti aderente ou grill, com um pouquinho de óleo de coco e açúcar pra ficar levemente caramelada. Desenforme a panna cotta e sirva junto com a banana ainda quente. Decore com as lascas de coco e canela a gosto.
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