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DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA, CEARÁ - SÁBADO E DOMINGO, 1 E 2 DE ABRIL DE 2017
CONTRAPLANO DRAMA
AÇÃO
Aventura em um mundo futurista
A
Com direção de João Pedro Rodrigues, drama português “O Ornitólogo” estreia em Fortaleza após colecionar elogios da crítica especializada
Uma jornada pessoal e mística Destaque no Festival de Locarno, “O Ornitólogo” explora o que há de melhor no cinema contemporâneo DIEGO BENEVIDES Crítico de cinema
O
fascínio do cinema contemporâneo está nas formas que os realizadores buscam para contar suas histórias. São filmes que separam o comercial do autoral, muitas vezes restritas a um circuito limitado e que nem sempre chegam ao conhecimento do grande público. Obras como “O Ornitólogo”, dirigida por João Pedro Rodrigues, são essenciais para entender as fronteiras da linguagem e os valores essenciais ao se construir um filme hoje. A densidade da trama é um jogo a parte, demandando atenção e entrega para acompanhar a jornada de um homem na natureza.
O roteiro acompanha a história de Fernando, um ornitólogo que observa pássaros em uma floresta portuguesa. As primeiras cenas trocam os diálogos pelo som da natureza, criando um clima de isolamento que não é apenas geográfico, mas também interno do protagonista. A força da água faz com que o barco de Fernando, interpretado com vigor por Paul Hamy, perca o controle e entre em uma viagem sem volta. A partir disso, o personagem entra em contato com o lado místico da natureza, com direito a aparições folclóricas, seres de outros mundos e rituais estranhos.
Experiência Ao contrário do que seria óbvio, o diretor não trata essa experiência de Fernando com exagero. Rodrigues opta pelo contato naturalista do real com o que é supostamente místico ou religioso para interferir na existência daquele homem. Fernando conversa com um suposto namorado pelo telefo-
ne, que controla seus remédios. Com o tempo e com a vivência no meio da mata, ele vai se desconectando do mundo exterior para descobrir o que existe dentro de si. Os elementos místicos não são assustadores para Fernando, talvez porque suas crenças precisem de novas formas de interpretar o mundo.
Paralelos As metáforas e referências funcionam com primor, principalmente ao destacar o lado religioso de Fernando, em um paralelo com Santo Antônio. Na trama, Jesus é um jovem garoto surdo que se envolve sexualmente com Fernando. O filme ousa especificamente nessa relação possível, simbiótica, entre cristianismo e sexualidade/identidade. A ousadia, no entanto, não tem pretensão de chocar, mas de pensar a vida de um homem comum da cidade que entra em uma vivência erótica, religiosa e psicológica.
DIEGO BENEVIDES
Cearenses
diego.benevides@diariodonordeste.com.br
Formas de poder AS HISTÓRIASDE heróisque vestemuniformes ebrincam desalvar omundorendem franquias inacabáveisno cinema.Emuma nova perspectiva,aFoxe aMarvel lançaram asérietelevisiva“Legion”, vendida como“algodentrodo universo X-Men”,queencerrou sua primeira temporadaestasemana. Nãoénecessariamenteuma história sobresuper-heróis comuns, já queem “Legion”os superpoderessão elevadosauma novaatmosfera. Memória,sonhos e ilusõesconstroem aambientaçãoda históriadeDavid Haller,umpoderosotelepataque buscacontrolarsuasvozesinteriores. Inicialmentediagnosticado com esquizofrenia,adinâmica naturalista fazdeste umprodutomais interessantedo quefilmes comuns de super-heróis.Asériecomeçaconfusa, comuma montagemturbulenta, mas depoisengancha em umatrama instigantee perigosa.
FOX E MARVEL oferecemhistória intrigantenasérie“Legion”, protagonizadaporDan Stevens AlémdeDan Stevens, queestáótimo comooprotagonista, ogrande destaqueéa atrizAubrey Plaza, que entregaumainterpretaçãoliteralmente monstruosa.Éumalívio perceberque umatemática tão recorrentepode encontrarformas deexistir, especialmentesem subestimara inteligênciadopúblico.
“O Ornitólogo” é uma experiência tão profunda de humanidade e do próprio fazer cinematográfico que certamente existem outras camadas a serem descobertas e pensadas. O diretor João Pedro Rodrigues, dos ótimos “Morrer Como um Homem” (2009) e “A Última Vez que Vi Macau” (2012), mostra não apenas que é um dos cineastas mais interessantes da atualidade, como comprova a ascensão e vitalidade do cinema feito em Portugal, preocupando-se não só no conteúdo, mas com a forma de dar vida a ele. Depois de um período pósOscar e de um mês repleto de blockbusters sendo lançados nas telonas, é bom ter “O Ornitólogo” como opção estratégica para mostrar que o cinema deve ir além do banal e que precisa se perceber como obra artística, cuja vitalidade e importância possam durar muito mais do que duas horas de projeção. O cinema sempre tem que ir além.
Mostra O longa-metragem carioca “Xale” (foto), dirigido por Douglas Soares, será a grande atração da noite de abertura da IX Mostra Outros Cinemas, que acontece de 10 a 14 de maio na Caixa Cultural Fortaleza. O evento estimula a discussão sobre fazer cinematográfico brasileiro, aproximando o diálogo entre realizadores e público. A programação, inteiramente gratuita, vai exibir os longas “A Misteriosa Morte de Pérola” (CE), de Guto Parente, e “Um Filme de Cinema” (SP), de Thiago B. Mendonça, além de 24 curtas-metragens, entre eles “A Balada do Sr. Watson” (CE), de Firmino Holanda; “Outubro Acabou” (RJ), de Karen Akerman e Miguel Seabra Lopes; “Stanley” (PB), de Paulo Roberto, e “Voar” (CE), de Cesar Teixeira.
A 10ª edição do Curta Taquary, que acontece de 17 a 21 de abril em Taquaritinga do Norte, interior pernambucano, exibirá curtas-metragens cearenses em sua programação. A Mostra Competitiva Nacional contará com as produções “Abissal”, de Arthur Leite, e “O Brado Retumbante”, de Marcelo Ikeda e Fábio Rogério. Já na Mostra Diversidade, voltada a filmes que discutem identidade e sexualidade, estará o documentário “Close”, de Rosane Gurgel.
representação de novas sociedades no cinema é um assunto batido. O que diferencia tantas propostas recorrentes, no entanto, é a profundidade de suas tramas e, claro, a aplicação da tecnologia da época para criar cenários pomposos e personagens dinâmicos e poderosos. “A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell” bebe de uma trama que sozinha inspirou tantas outras desde o lançamento do mangá original, em 1989. Nesse tempo, a história alimentou outras mídias (ganhou anime e filmes) e chega às telonas pelas mãos de Rupert Sanders. Visualmente, o longa-metragem é primoroso. Cada detalhe da construção da cidade é impressionante, envolta em uma atmosfera cyberpunk de encher os olhos. Os efeitos visuais são dinâmicos e não deixam a desejar, seja mostrando a transformação da personagem Major em uma máquina ou criando sequências dinâmicas de ação. O filme entra para a categoria da indústria da nostalgia e provavelmente agradará os fãs do material original. Entretanto, visto de fora, “A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell” parece genérico. Não há em seu conteúdo nada realmente original, talvez porque outros filmes já exploraram ideias parecidas bem antes e incansáveis vezes. O roteiro dos pouco experientes Jamie Moss e William Wheeler segue os padrões da típica heroína cujo passado está pres-
tes a se revelar. A busca pela verdade desloca o enredo para um drama bobo que, no fim, não importa muito. Se descobrir enganada por uma corporação poderosa para se encontrar como ser humano é batido e o filme não foge a nenhuma regra de como contar isso. Estão lá os personagens duvidosos, os vilões nada ameaçadores que guardam segredos pessoais e a protagonista que, quando descobre quem é, não se transforma. Até mesmo o possível teor político que a trama não é forte o suficiente, já que produção está mais preocupada com os jogos estéticos da imagem e em seguir os padrões do gênero do que criar algo novo, ressignificando uma visão de mundo futurista que pode estar mais próxima do que imaginamos. Johansson tem experiência com filmes de ação, mas, por mais que ela seja uma ótima atriz, suas heroínas estão em uma mesma linha de caracterização. Não fosse pela tonalidade do cabelo, seria complicado diferenciar as personas deste, de “Lucy” (2014) e até mesmo “Os Vingadores” (2012-2015). Mesmo genérico, o maior erro de “A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell” é falhar ao não servir, pelo menos, como um entretenimento razoável, onde você torça e se importe com a protagonista e se anime com as sequências de ação coreografadas. No fim, fica só a sensação de déjà vu mesmo. (DB)
Em “A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell”, Scarlett Johansson interpreta uma mulher com o corpo ciberaperfeiçoado em busca de seu passado
Éhorademorfar!
Cannes A 70ª edição do Festival de Cannes estampou em seu cartaz oficial uma homenagem à atriz italiana Claudia Cardinale, estrela de filmes como “Era Uma Vez no Oeste” (1968) e “Fitzcarraldo” (1982). O sorriso de Cardinale se sobrepõe ao vermelho e ao dourado que dão requinte à peça. A atriz se disse encantada. “Essa foto me faz lembrar das minhas origens, e de um tempo em que eu nunca tinha sonhado em subir os degraus da sala de cinema mais famosa do mundo”.
ADAPTAÇÃO A nova versão de “Power Rangers” é a grande aposta da Lionsgate para emplacar mais uma franquia de sucesso, levando nostalgia aos fãs antigos e conquistando novos espectadores. Ainda que não seja um grande filme, o roteiro de John Gatins tenta tirar a caretice da história original, humanizando seus personagens. O humor rápido é um alívio para uma trama que termina do jeito que a série convencionou. Sem elementos surpresas, o filme acaba divertindo e, talvez, mais do que a maioria das histórias megalomaníacas de super-heróis de quadrinhos. O estúdio planeja um arco narrativo de seis filmes, mas tudo depende da bilheteria e de um direcionamento coeso para as tramas que estão por vir.