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DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA, CEARÁ - SÁBADO E DOMINGO, 1 E 2 DE JULHO DE 2017
CONTRAPLANO AVENTURA
A fábula da menina que ama Exibida na competição do Festival de Cannes, a produção original da Netflix “Okja” fala com o coração DIEGO BENEVIDES Crítico de cinema
O
encantamento em torno de “Okja”, produção original da Netflix dirigida pelo sul-coreano Bong Joon-ho, começou durante o Festival de Cannes, quando participou da competição mais cobiçada do cinema. Já disponível na plataforma de streaming, a fábula sobre a amizade entre uma garotinha e uma superporca mágica se inspira nas grandes histórias infantojuvenis dos anos 80 e 90, quando as aventuras feitas para crianças encantavam pela magia com que eram narradas, a exemplo do clássico “E.T. - O Extraterrestre” (1982), do diretor Steven Spielberg. O roteiro de “Okja” é carregado de uma ingenuidade natural, onde os personagens conseguem quase tudo um pouco fácil. Justamente por explorar o universo da fantasia, o longa se permite navegar em situações surreais e criar personagens exagerados, fora dos padrões de verossimilhança com o mundo real, sem exagerar na dose e possibilitando o envolvimento fácil do público na trama. Okja é o nome de um dos superporcos criados em laboratório pela multinacional Mirando. Há 10 anos, a empresa espalhou esses animais em diversas partes do mundo para serem cuidados por fazendeiros de acordo com suas respectivas culturas. Okja cresceu em uma floresta ao lado da garotinha Mija e do seu avô, na Coreia do Sul. A paz é interrompida quando a Mirando decide resgatar o animal para uma exposição que culminará em sua transformação em comida. De Seul a Nova York, Mija luta para trazer sua amiga de volta e, pelo caminho, encontra alguns amigos que podem ajudá-la. Muito além de retratar a amizade entre humanos e bichos, a obra se aprofunda em
Cineasta sul-coreano Bong Joon-ho assina “Okja”, superprodução da Netflix, com elenco formado por nomes como Tilda Swinton, Jake Gyllenhaal e Paul Dano
A perseverança de Mija em busca de sua amiga faz com que o filme ofereça ótimas cenas de ação, como a perseguição entre caminhões dentro de um túnel, e uma dose de humor. Ahn Seo-Hyun segura muito bem todos os desafios propostos pelo roteiro.
uma relação familiar constituída no meio da natureza, onde o respeito pelo meio ambiente é visto nos pequenos gestos. Não há uma racionalização brega disso pelo roteiro, que permite que as mensagens apa-
reçam de forma sutil sem parecerem lições forçadas. A partir do deslocamento de Okja para Nova York, a trama entra no cenário ético das grandes corporações, dispostas a tudo para ganhar dinhei-
DIEGO BENEVIDES
Brasília
diego.benevides@diariodonordeste.com.br
Cine Ceará 2017 APOUCOMAIS deum mêspara a realizaçãodesua 27ªedição, oCine Ceará–FestivalIbero-americano de Cinemaanunciouos filmes queirão comporas mostras competitivas. Consolidadocomo umdos mais importantesdo circuito nacional,o eventoexibirá nanoite deaberturao chileno“Uma MulherFantástica”, novo trabalhodeSebastián Lelio,do elogiado“Gloria” (2013). Odrama transgênerovenceu oUrso dePrata de Roteirono último FestivaldeBerlime colocouem evidência aatriztrans DanielaVega.Aliás,a temáticaLGBTI estápresenteem outros longasda competição,abrindo espaçopara dar visibilidadeàs questões degênero. Outrosdestaquessãoo filme argentino“Ninguém Está Olhando”, de JuliaSolomonoff;acoprodução Cuba/França“Santa eAndrés”, de CarlosLechuga,e “ÚltimosDias em Havana”,deFernando Perez,todos em tornodo temada diversidade.
“UMAMULHER FANTÁSTICA”, de SebástianLelio,abrirá ofestival de cinemacearense, em agosto Tambémforamselecionadospara a competiçãoprincipal oslongas “O HomemqueCuida”, deAlejandro Andújar;“Malasartes eoDuelo com a Morte”,dePaulo Morelli,e “Pedro Soba Cama”,dePaulo Pons.Aprogramação gratuitaacontece de5 a11 deagosto noCineteatroSão Luize emdiversos pontosdeFortaleza.
ro e cientes do poder do marketing e da fragilidade do público/cliente. A ambição ganha novos contornos com a atuação da sempre excelente Tilda Swinton, criadora do projeto dos superporcos.
Produção local Além dos cinco curtas locais que integram a mostra competitiva nacional do Cine Ceará, outras 23 produções locais competem na Mostra Olhar do Ceará. A curadoria desse ano foi assinada pela Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine), que buscou um recorte representativo da identidade da produção cearense. Vale destacar que 12 dos 23 filmes são dirigidos ou codirigidos por mulheres. Entre os selecionados estão “Jonas Banhado em Sangue” (foto), de Mateus Bandeira; “Close”, de Rosane Gurgel; “Soturna”, de Léia Ávila; “Sítio Veiga”, de Carla Moreira, e “Superdance”, de Pedro Henrique. As exibições acontecerão gratuitamente no Cinema do Dragão e serão seguidas de debate com os realizadores.
Reta final para submeter curtas e longas-metragens na edição comemorativa de 50 anos do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, principal vitrine do cinema nacional. As inscrições para a Competitiva Nacional estão abertas até 7 de julho, enquanto as mostras Futuro Brasil e Brasília – Troféu Câmara Legislativa recebem filmes até 10 de julho. Esse ano, todos os selecionados para a competição principal receberão cachê de participação, somando R$340 mil.
Realização O fato de ser uma produção original da Netflix não é maior do que o envolvimento do diretor Bong Jooh-ho no projeto. Elogiado por filmes como “Tokyo!” (2008), “Mother – A Busca Pela Verdade” (2009) e “Expresso do Amanhã” (2013), o sul coreano consegue driblar as intenções primeiramente comerciais da Netflix e deixar, de alguma forma, seus traços autorais. O diretor usa sua perspicácia para emocionar no momento certo e angustiar quando for preciso. A entrada de Mija no abatedouro, perto do fim da projeção, ganha um ar de filme de terror. Por mais que
jogue um olhar em torno da indústria alimentícia, Bong mede com cautela suas problematizações, que ficam mais no subtexto, mas que são fáceis de identificar. Interessa ao realizador, sobretudo, mostrar os desdobramentos dos laços fraternais entre as duas protagonistas. Além de um diretor destemido e criativo, Bong não poupa a nostalgia em relação às grandes histórias infantis clássicas, com referências claras à obra do infalível Hayao Miyazaki e às animações do Studio Ghibli, em especial a “Meu Amigo Totoro” (1988). Os efeitos visuais também não decepcionam e o design de Okja e dos bichos de sua espécie chegam a impressionar, com destaque para as cenas de interação na floresta. A trilha sonora e a efetiva direção de fotografia enriquecem a construção desse cenário peculiar da obra. “Okja” também conta com as ótimas participações de Jake Gyllenhaal e Paul Dano, essenciais para pensar as questões éticas da história, sem se limitar à dicotomia do que é certo ou errado. Acima de qualquer justiça que o filme queira fazer, Bong incentiva o amor entre as pessoas e a natureza em um mundo com relações rápidas e programadas. O problema de “Okja” é sua origem. É como se a Netflix realizasse seu primeiro blockbuster, sendo que impede que seus usuários apreciem uma obra tão encantadora no cinema, sem a imersão que só a experiência de estar dentro de uma sala de projeção de verdade possibilita. É frustrante a impressão de que “Okja” seria um espetáculo na tela grande, que suas proporções estão erradas ao ser visto de forma tecnicamente limitada. “Okja” é um fábula criada para falar com o nosso coração e que precisa ser vista para revitalizar a pureza (dos homens e do cinema), que parece cada dia mais distante. Mija e Okja são sobreviventes de uma sociedade cujos princípios estão em decadência e essa história vai ecoar por um bom tempo.
Cinemaemcasa
Paris A 19ª edição do Festival de Cinema Brasileiro de Paris, realizado no cinema Arlequin, premiou o drama “Como Nossos Pais”, de Laís Bodanzky, como o melhor filme do ano. A obra competiu com outros fortes concorrentes, como “Não Devore Meu Coração”, de Felipe Bragança, e “Era o Hotel Cambridge”, de Eliane Caffé. Estrelado por Maria Ribeiro na pele de uma mulher que precisa lidar com os problemas cotidianos, “Como Nossos Pais” estreia no dia 31 de agosto.
STREAMING Para aproveitar a temporada de férias, o NOW disponibilizou filmes de vários gêneros para quem prefere assistir de casa. Entre as novidades que entraram na plataforma está “Fragmentado” (foto), o mais recente trabalho do cineasta indiano M. Night Shyamalan, lançado oficialmente nos cinemas em março desse ano. O suspense protagonizado por James McAvoy mostra um homem de múltiplas personalidades com um destino incerto. O catálogo também traz o Especial Minhas Férias Favoritas, com animações para o público infantil, como a franquia “Meu Malvado Favorito” e “Os Smurfs”, além do recém-lançado “Divinas Divas”, de Leandra Leal, atualmente em cartaz nos cinemas brasileiros.