Coluna Contraplano | Caderno 3 | Jornal Diário do Nordeste | 02/12/17

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DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA, CEARÁ - SÁBADO E DOMINGO,2 E 3 DE DEZEMBRO DE 2017

CONTRAPLANO TERROR

MISTÉRIO

Novas armadilhas fora da jogada

Assassinato sob investigação

Sem saber para onde ir, novo filme da franquia "Jogos Mortais" desperdiça uma trama que um dia foi eficiente DIEGO BENEVIDES Crítico de cinema

P

ara além de seu fator comercial, a grande questão de ter mais um filme da franquia “Jogos Mortais” é saber por quais formas o vilão John Kramer continua preparando suas armadilhas. Assassinos sempre voltaram das formas mais esdrúxulas em sequências de filmes, então a responsabilidade principal de “Jogos Mortais: Jigsaw”, dirigido pelos pouco conhecidos irmãos Michael e Peter Spierig, seria de apontar para novos caminhos a partir do sucesso iniciado em 2004 por James Wan. Novos crimes começam a aparecer e as evidências apontam para o falecido John Kramer, interpretado por Tobin Bell. Polícia e médicos legistas tentam decifrar as novas peças do quebra-cabeça, enquanto as vítimas derramam sangue em busca da vida. As atrocidades cometidas por John Kramer no passado são motivos de admiração por fãs anônimos e suspeitos começam a aparecer. O primeiro “Jogos Mortais” impressionou pela narrativa simples, mas extremamente criativa. A ideia de um vilão “justiceiro” foi bem concebida por James Wan, que assinou a direção do filme original e produziu os outros seis. Se com James Wan, que hoje está atrelado a outras franquias de sucesso como “Invocação do Mal” e “Sobrenatural”, a história de John Kramer descambou a partir do quarto filme, imagina em um reboot dez anos depois que aparentemente não sabe para onde pretende ir. Isso porque “Jogos Mortais: Jigsaw” falha no que se convencionou fazer: uma história envolvente onde as reviravoltas e

Dez anos depois do último filme da franquia “Jogos Mortais”, o ator Matt Passmore interpreta um médico legista que participa da investigação de novos casos aparentemente criados por John Kramer, o serial killer Jigsaw

dão o tom criativo da obra. O roteiro de Peter Goldfinger e Josh Stolberg perde a oportunidade de criar um retorno triunfal de um dos ícones do cinema de terror da década passada. Além disso, as armadilhas do “novo Kramer” tentam se inspirar em outros jogos passados, especialmente no que diz respeito às várias fases de um mesmo jogo, mas nada é divertido ou realmente perigoso. Há uma sensação de déjà vu e não parece ser a intenção do roteiro fazer com que as armadilhas sejam homenagens à franquia.

Desdobramentos A história também tenta emaranhar seus suspeitos e a relação tempo/espaço, também já explorada com grandeza no terceiro filme, mas não tem tempo suficiente para desenvolver o mistério e as motivações dos personagens periféricos. Assim, o filme perde ao revelar suas verdadeiras intenções, porque não há profundidade alguma no que é dito. Pelo contrário, fica mais claro ainda que “Jogos Mortais:

Jigsaw” tinha a única e desesperada vontade de voltar aos cinemas de qualquer forma, subjugando as pessoas que acompanharam, durante sete anos, a decadência de uma franquia que funcionou bem até “Jogos Mortais 3” (2006). Era o momento de parar mesmo, pois as ideias de um “universo krameriano” passou a não convencer mais ou a repetir os próprios padrões. O elenco é incapaz de convencer no drama, no mistério e nos crimes que são propostos. As vítimas dos jogos se restringem a berrar e a proferir frases de efeito cujo tom cômico é inevitável. As mortes e o boneco maldito andando em um triciclo não impressionam mais como antes. No núcleo da investigação, as caras duplas dos personagens não têm tempo para se desenvolverem e a revelação final é deficiente ao criar ganchos para um próximo filme. Os irmãos Spierig também são incapazes de pensar em soluções visuais interessantes para ajudar o roteiro frágil. A

DIEGO BENEVIDES

Drama

diego.benevides@diariodonordeste.com.br

Entre fronteiras ESTREIA EM circuitocearense limitadoopremiadodrama amazonense“Antesdo Tempo Não Acabava”,codirigido pelos cineastas SérgioAndrade eFábio Baldo. Aobra,exibidaem importantes festivaiscomoBerlim, Queer Lisboae Brasília,mostraos conflitosdeum jovemíndio quese vêentre a preservaçãodesuastradiçõese o conhecimentodeumnovo mundoa partirda descobertadesua sexualidade.“Anteso TempoNão Acabava”é dirigidocom requinte, explorandooscenáriosda periferia de Manaus,onde os líderestentam mantervivas astradições deseupovo. Aodiscutir odeslocamentosociale a ancestralidade,aobra tambémse mostranecessária para pensara representatividadeindígena no cinema.OprotagonistaAnderson, interpretadopeloíndioAnderson Tikuna,carregacom competência as difíceistransiçõesda história.

“ANTES O TEMPO NÃOACABAVA” marcaaparceriadeSérgio Andrade e FábioBaldo na direção Omundoque setransforma ao seu redoré,ao mesmo tempo,mágico e opressor,ecabe aelebuscarnovas formasdese relacionarcom elemesmo ecom osoutros. Entrea florestae a cidade,a jornadadeAndersontransita entreo realismoeo místico,escolha certeirados diretores para abriros simbolismosdianteda câmera.

violência gráfica, característica principal da franquia, não acontece de forma fluida, com os diretores mostrando mais o resultado do que o processo em si, como em planos estáticos do sangue disparado na cara dos personagens e o impacto dos corpos deformados pelas armadilhas. “Jogos Mortais: Jigsaw” prova que a história de John Kramer demorou a acabar e uma revista só se justificaria com ideias completamente frescas que contemplem tanto os fãs da saga original quanto os novos apaixonados por terror. Sem isso, não fica difícil defender uma obra preguiçosa, feita a toque de caixa para satisfazer os caprichos do mercado que já respondeu bem. Com US$10 milhões de orçamento, o filme já ultrapassou US$90 milhões de arrecadação até agora e deve faturar mais. E em filmes como esse, os números são essenciais para que novas réplicas aconteçam, mesmo que a essência de seu vilão se afogue em uma poça de sangue.

#Screamers O formato de falso documentário em histórias de terror já não é mais novidade. O que se tenta hoje é dar novas utilidades a essa escolha narrativa. Assim, o suspense “#Screamers”, dirigido por Dean Ronalds, não dá nenhum passo a frente em sua proposta. A história acompanha um grupo de profissionais que trabalha em um famoso site que viraliza vídeos. A premissa é interessante, ainda que discuta de forma superficial o que se faz para atrair a atenção dos usuários da grande rede. Por outro lado, a história de terror que nasce a partir de um vídeo amador, que o grupo vai investigar sua procedência, não funciona pela falta de ritmo ao criar suspense com uma possível manifestação fantasmagórica que, no fim das contas, não faz diferença.

Em cartaz no Cinema do Dragão, “O Outro Lado do Paraíso” é o mais recente trabalho do cineasta finlandês Aki Kaurismäki, dos elogiados “O Homem Sem Passado” (2002) e “O Porto” (2011). O diretor segue mesclando sua abordagem política a partir da crise de refugiados na Europa, sem deixar de lado uma comicidade quase involuntária das situações criadas pelo roteiro. Violência, opressão e esperança se misturam nessa fábula possível.

E

ra 1974 quando Sidney Lumet resolveu dirigir o roteiro de Paul Dehn a partir do livro clássico de Agatha Christie, escrito em 1934. Como estratégia de produção, um elenco estelar dava cara aos suspeitos de um assassinato em um trem. Nomes como Albert Finney, Lauren Bacall, Ingrid Bergman, Sean Connery, Vanessa Redgrave e Jacqueline Bisset, entre outros, formaram um elenco invejável, que ainda rendeu a Bergman um Oscar de melhor atriz coadjuvante pela obra, além de outras cinco indicações. Mais de quatro décadas depois do primeiro filme, a Fox recria “Assassinato no Expresso do Oriente” pelas mãos de Kenneth Branagh, que atua e dirige a nova adaptação. Já não causa tanto efeito a reunião de nomes importantes do cinema, até porque isso se tornou banal e até mesmo filme de super-herói faz isso sem muito esforço. Especialmente se o roteiro de Michael Green subaproveita o talento de um time de estrelas como Judi Dench, Michelle Pfeiffer, Penélope Cruz, Josh Gad, Willem Dafoe e Johnny Depp, entre outros. O texto, no entanto, tenta acrescentar novidades no desenrolar da trama, ainda que não perca a essência investigativa e o miolo narrativo criado por Agatha Christie. Ainda assim, o impacto de acompanhar uma história tão marcante, seja na literatura ou no cinema, não é o mesmo. Ken-

neth Branagh está bastante confortável como diretor da obra, que exige dele requinte na reprodução da época e na decupagem do filme. Branagh confere um ritmo mais dinâmico e óbvio, se comparado com Lumet, mas de fácil compreensão se adequar ao público de hoje. Ao protagonizar seu próprio filme, Branagh não economiza em sua presença em cena, o que ofusca participações relevantes, como de Michelle Pfeiffer e Josh Gad. A persona de Hercule Poirot, o investigador do crime, transita entre a perspicácia e a comicidade, reforçado por um bigodão quase cartunesco. Há quem ache divertido. Visualmente, “Assassinato no Expresso do Oriente” não deixa a desejar, inclusive no uso de efeitos visuais sem exageros. O desabamento de neve é um exemplo eficaz de concepção de imagem. É um trabalho com boas intenções, mas que não diz ao que veio após tantas leituras no teatro e na TV, por exemplo, da mesma história. A pegada divertida revela a tentativas de conceber um filme mais acessível (hoje tudo parece que descamba para o toque cômico), que possa cair no gosto do público mesmo sem grandes e excitantes reviravoltas. A proposta da Fox é iniciar, com este filme, uma nova franquia de adaptações de Agatha Christie, já tendo oficializado a produção de “Morte no Nilo”, próxima investigação de Hercule Poirot no cinema. (DB)

Kenneth Branagh atua e dirige nova adaptação da obra literária “Assassinato no Expresso do Oriente”, com estrelas do cinema no elenco

Odisseiacoreana

Comédia O novo filme do diretor cearense Halder Gomes coloca os personagens nordestinos como protagonistas de uma história ambientada em São Paulo. Ainda que não assine o roteiro como em suas obras anteriores, seu humor particular está evidente na trama. Esquetes exploram os absurdos dos personagens, revelando um humor desgastado que extrapola o estereótipo equivocado em situações que falham consideravelmente em divertir.

AÇÃO Exibido fora de competição do Festival de Cannes, “A Vilã” é uma experiência visual impressionante. As inspirações do cineasta sul coreano Jung Byung-gil vão de Quentin Tarantino a Luc Besson, sem abrir mão de sua própria originalidade. Não há economia na violência gráfica e a atriz Kim Ok-bin mergulha em todas as nuances da protagonista, uma mulher treinada para matar que vê sua vida desmoronar. As sequências de ação, em especial a do início e a corrida de motos na cidade, são perfeitamente orquestradas e mostra o olhar requintado e o conhecimento vasto sobre linguagem cinematográfica do cineasta. Byung-gil brinca com as possibilidades da câmera, confiando na montagem para criar sequências orgânicas e de ritmo insano. Do segundo para o terceiro ato, o roteiro se atrapalha um pouco na interseção entre os gêneros de ação e drama familiar, mas os exercícios de estilo deixam uma boa impressão ao fim da sessão.


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