8 | Caderno3
DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA, CEARÁ - SÁBADO E DOMINGO, 4 E 5 DE FEVEREIRO DE 2017
CONTRAPLANO AÇÃO
DRAMA
As feridas que não cicatrizam
O
Ben Foster e Chris Pine interpretam dois irmãos que, após falência, começam a fazer pequenos assaltos a bancos e viram alvos da polícia civil americana
Foras da lei em faroeste texano Indicado a quatro estatuetas do Oscar, “A Qualquer Custo” faz boa mistura de western, ação e drama político DIEGO BENEVIDES Crítico de cinema
A
complexidade dos protagonistas de “A Qualquer Custo”, dirigido pelo inglês David Mackenzie, é a principal marca do roteiro escrito por Taylor Sheridan, responsável pelo elogiado “Sicario: Terra de Ninguém” (2015). Fazendo uma abordagem mais visceral do thriller policial no West Texas, o longa-metragem explora as circunstâncias que levam dois irmãos a cometerem pequenos roubos a bancos. Sem escancarar seus motivos com didatismo, o roteiro traz, em doses homeopáticas, as motivações dos dois. Muito além de tentar fugir da polícia, os anti-heróis tentam fu-
gir de seus problemas pessoais, que desmoronaram após o rigoroso controle imobiliário. A busca pela solução mais fácil pode gerar consequências irreversíveis, principalmente na relação entre eles. A decadência econômica da região e o lado emocional abalado para lidar com situações inesperadas se unem em uma trama que não poupa nas cenas de ação e referencia os grandes clássicos dos filmes de faroeste, em uma produção de alto bom gosto que atualiza as propostas narrativas do gênero e inclui questões políticas pertinentes não somente aos personagens, mas todos ao seu redor.
Elenco Ben Foster interpreta Tanner, o irmão desajustado que topa entrar para o mundo do crime proposto por Toby, interpretado por Chris Pine. O primeiro é mais destemido e determinado, enquanto o segundo precisa se desamarrar das convenções civis para
fazer com que o plano deles seja eficiente. Atrás dos anti-heróis está Marcus Hamilton, papel de Jeff Bridges, um detetive prestes a se aposentar que vê nesse caso sua última chance de fazer um bem para o Estado e, talvez, para si mesmo. Os três atores alcançam ótimas interpretações ao fazer bom uso do script carregado de diálogos opressores e conflitos corporais que remetem aos problemas mais profundos da sociedade americana. Sem esconder as naturais referências aos reis do gênero, John Ford e Sergio Leone, “A Qualquer Custo” se sobrepõe também por questionar a moralidade e a resistência social, dentro de um cenário onde o erro parece ser a única alternativa para sobreviver dentro de um sistema que não perdoa os mais fracos.
Visual Mackenzie dirige uma obra visualmente eficiente que faz
DIEGO BENEVIDES
Crescimento
diego.benevides@diariodonordeste.com.br
Dança das cadeiras EM OUTUBRO doano passado,o cineastaKleberMendonça Filho entregouocargo decoordenadorda FundaçãoJoaquim Nabuco (Fundaj), emPernambuco,após 18anosde atividades.Desde então, ocríticoLuiz Joaquim,que trabalhahá 15 anos comoprogramador da instituição, ocupouinterinamente aposição, que incluicuidarda curadoriado Cinema daFundação edo Cinema do Museu. Eleseria, portanto,aescolha mais adequadapara assumiro posto,mas LuizOtávioCavalcanti, presidenteda Fundaj,acabounomeando ajornalista efotógrafa Ana Elizabeth Farachepara ocargo.Adecisão gerou controvérsia nomeio cinematográfico,visto que o trabalhorealizado até então pela Fundajera exemplar. Naterça-feira (31),Luiz Joaquimtambém anunciouo desligamentopara cuidardeoutros projetos,queincluia coordenaçãodo cursodeCinemae Audiovisualda AESO(FaculdadesIntegradasBarros
FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO,em Pernambuco,agoraconta com ocrítico ErnestoBarros comoprogramador Melo).Adança dascadeirasda Fundaj terminouno mesmodia, com a nomeaçãodo crítico ErnestoBarros parao cargodeixado por LuizJoaquim. Profissionalíntegro e experiente, Ernestoapaziguaum engodoque a Fundajparece não seimportar deter criado,e renovaas esperançasdeuma boagestãodaquipara frente.
bom proveito dos cenários aparentemente remotos, de onde surgem as sequências de ação. O diretor explora as nuances dramáticas, de aventura e de western, resultando em uma obra superior ao que se tem tentado fazer nos últimos anos, como o próprio “Os Oito Odiados” (2015), dirigido por Quentin Tarantino, e até mesmo o premiado “Onde Os Francos Não Tem Vez” (2007), de Ethan e Joel Coen. Ao realizar o enfrentamento das questões éticas, seja dos anti-heróis, seja do detetive, o roteiro coloca todos ao redor em um mesmo conflito moral, encurralados socialmente sem perspectiva de final feliz. A trama fluida, beneficiada pelas excelentes montagem e trilha sonora característica, faz deste um filme obrigatório dessa temporada de premiações de Hollywood. É uma obra que flerta com o passado sem esquecer de propor novas abordagens para o cinema contemporâneo.
Animação Começou na última semana o projeto Enel Compartilha Animação, que oferece curso de Cinema de Animação, ministrado por Telmo Carvalho, na Casa Amarela Eusélio Oliveira, para estudantes de Fortaleza. Por meio de aulas teóricas e práticas, a turma vai realizar um curta-metragem animado com a temática da sustentabilidade. O resultado será apresentado durante o 27º Cine Ceará – Festival Ibero-americano de cinema, marcado para o período de 5 a 11 de agosto na Capital. Em nove anos de atuação, o projeto já beneficiou mais de 2 mil crianças de escolas públicas de Fortaleza e outras cidades do interior do estado, realizando oficinas de cinema de animação com foco no meio ambiente e na importância de se preservar os recursos naturais.
A Agência Nacional do Cinema (Ancine) publicou um balanço do segmento de exibição em 2016. Foram lançados143 filmes brasileiros, uma marca histórica. O total de ingressos vendidos atingiu 30,4 milhões, o melhor resultado desde 1984. A participação de público dos filmes nacionais chegou a 16,5%, contra 13% no ano anterior. A crise não chegou ao cinema, que vendeu no total 184,3 milhões de ingressos. As receitas de bilheteria superaram R$2,6 bilhões.
cineasta americano Kenneth Lonergan ficou mais conhecido pelos roteiros que escreveu de filmes como “Máfia no Divã” (1999) e “Gangues de Nova York” (2002). Como diretor, fez os razoáveis “Conte Comigo” (2000) e “Margaret” (2011), mas é com “Manchester à Beira-mar” que Lonergan se estabelece como um criador apaixonado pela intensidade e densidade das histórias que deseja contar. Indicado a seis prêmios no Oscar 2017, o drama acompanha Lee Chandler, interpretado por Casey Affleck, que trabalha como faz-tudo em Boston. Apesar da aparência pacata, ele não sabe lidar com as pessoas e tem um temperamento hostil. O silêncio do olhar guarda feridas do passado que revivem quando ele precisa voltar à sua cidade natal, Manchester, em Massachusetts, após a morte do irmão. Chegando lá, Lee recebe a missão de cuidar do sobrinho adolescente Patrick, papel do ótimo Lucas Hedges. As questões familiares vão se desdobrando no decorrer da projeção, sempre com calma, inspiradas em um naturalismo das atuações e conflitos. Casey Affleck poderia ter escolhido o overacting para criar um personagem conturbado, mas a frieza contida se mistura com explosões psicológicas que contribuem para o contexto das relações familiares cheia de danos que tentam se reconstruir.
Essa sutileza foi o que faltou, por exemplo, no recente “É Apenas o Fim do Mundo”, dirigido por Xavier Dolan, que opta pela abordagem histérica para falar sobre o declínio familiar. Ao contrário, Lonergan detém total controle do arco dramático, sem pretensão de confortar quem assiste, ainda que traga uma mensagem de esperança de uma forma ou de outra. A precisão técnica de Lonergan, amparada por uma montagem simples que varia entre presente e passado, fazem de “Manchester à Beira-mar” uma experiência arrasadora. O diretor cutuca as feridas dos personagens, que se mostram para a câmera às vezes até de forma inesperada. A profundidade do argumento não deixa de lado a sensibilidade com que as relações acontecem. É impossível tirar o olho da convivência entre tio e sobrinho, em busca de compreender suas atitudes. A dor que existe ali, internalizada ou não, pode ser lida por meio dos gestos, do cenário gélido da cidade e dos sentimentos que surgem como um vulcão enquanto tudo parece querer desabar. Dos filmes indicados ao prêmio principal do Oscar que já estrearam até agora, “Manchester à Beira-mar” é o mais seguro e tecnicamente impecável. Sua principal preocupação é contar uma boa história e ser um bom cinema, o que é louvável numa indústria que aclama histórias vazias. (DB)
Casey Affleck arrisca certo em atuação contida ao interpretar personagem completamente abalado por questões familiares em “Manchester à Beira-Mar”
Umaespiãclássica
Festivais Realizadores de cinema podem submeter seus curtas-metragens em dois festivais locais. A IX Mostra Outros Cinemas, que acontece de 10 a 14 de maio na Caixa Cultural Fortaleza, recebe produções de todos os estados brasileiros. Já o VI Festival de Jericoacoara – Cinema Digital, que acontece de 7 a 13 de junho, retomou as inscrições após quase um ano do anúncio de suspensão do evento. Interessados podem enviar suas obras até 28 de fevereiro.
EM BREVE A atriz francesa Marion Cotillard interpretará uma espiã em “Aliados”, ambientado na Segunda Guerra Mundial, que estreia no dia 16. A obra aborda a lealdade durante uma época em que morte e devastação causam muitos estragos. “Adorei o fato de ser uma obra de entretenimento, mas, ao mesmo tempo, com essa complexidade e profundidade de emoções”, afirma a atriz. Com direção de Robert Zemeckis, o filme varia entre o tradicional e o contemporâneo. “Há um estilo das antigas produções de Hollywood neste filme, mas nada pode ser tão clássico assim por conta de quem está dirigindo. Bob Zemeckis é um verdadeiro visionário. Ele inventou coisas, mudou o cinema e faz coisas em seus filmes que nunca haviam sido feitas. Então foi interessante ver o encontro entre esse estilo bem mais antigo filmado por alguém que nunca será clássico e cujo trabalho nunca será velho”, finaliza.