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DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA, CEARÁ - SÁBADO E DOMINGO, 4 E 5 DE MARÇO DE 2017
CONTRAPLANO ENTREVISTA
DRAMA
Produzir cinema de qualidade
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Dirigido por Asghar Farhadi, do elogiado “A Separação”, novo drama familiar “O Apartamento” aborda insegurança social e agressão contra as mulheres
Conflitos familiares em demolição Vencedor do Oscar 2017 de Melhor Filme Estrangeiro, “O Apartamento” estreia no Cinema do Dragão DIEGO BENEVIDES Crítico de cinema
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epois de vencer o Oscar em 2012 pelo excelente “A Separação”, o cineasta iraniano Asghar Farhadi teve outro trabalho premiado como Melhor Filme Estrangeiro no Oscar desse ano. Trata-se de “O Apartamento”, seu novo drama sustentado em conflitos familiares atuais que testam a humanidade de seus personagens. Dessa vez, Farhadi opta por uma estrutura narrativa mais clássica, a partir do olhar do personagem Emad, interpretado por Shahab Hosseini. Ele e a esposa são obrigados a mudar de apartamento após uma ameaça de desmoronamento.
Ao encontrar um novo lar, a esposa Rana, papel de Taraneh Alidoosti, tem a casa invadida por um desconhecido. O acontecimento vai abalar a relação entre o casal, com os vizinhos e com os possíveis suspeitos da violência. O longa-metragem dialoga com os ótimos e recentes “Elle”, de Paul Verhoeven, e “O Silêncio do Céu”, do brasileiro Marco Dutra, ao abordar as consequências de uma agressão para a vítima no cenário onde vive. O medo e o silêncio são partes do processo de reabilitação do trauma, enquanto a desmoralização parece inevitável.
Roteiro A diferença de “O Apartamento” é que o desenrolar da trama demora muito para acontecer e parece não conseguir se desligar de conceitos religiosos e familiares tradicionais. A piedade de Rana em relação ao seu agressor não se comunica muito bem com o desejo de vingança de seu marido.
Isso acaba indo contra o que Farhadi mais sabe fazer, que é colocar em diálogo os conflitos morais dos personagens enquanto elabora novas camadas para o problema inicial do filme. Ainda que o filme reconheça a sociedade machista atual, inclusive pelas motivações do próprio protagonista durante a narrativa, a trama se restringe ao convencional, perdendo uma ótima oportunidade de discutir e denunciar o tema, assim como aconteceu com mais clareza nos filmes de Verhoeven e Dutra. Por outro lado, Farhadi continua um diretor primoroso na condução do filme. Especialmente no terceiro ato, o cineasta traz sequências repletas de suspense que são bem-vindas, apagando o começo morno do longa-metragem, sustentado em uma tentativa de metáfora com as encenações da peça “A Morte de um Caixeiro Viajante”, que permeia parte da obra e às vezes soam forçadas.
DIEGO BENEVIDES
Curitiba
diego.benevides@diariodonordeste.com.br
Uma gafe histórica FOI IMPOSSÍVEL não ficar constrangidocom aconfusão quese instaloudurante oanúncio do principal prêmiodoOscar,domingo passado (26).Nãohá registrosdecaso semelhanteonde umfilmefoi destronadodessaformacruel. Aexpectativaera que“La LaLand: CantandoEstações”fosse ogrande vencedordanoite, não necessariamentepormerecimento,já queexistiamfilmes mais contundentesnalista principal, mas umdescuidoda produçãofezcom que WarrenBeatty e FayeDunaway anunciassemerrado opremiado. Atroca deenvelopesgerou uma confusãoeos atores,infelizmente, deramcaraao erro daorganização do próprioevento.No fim dascontas, “Moonlight:Sob aLuz do Luar”recebeu aestatuetaprincipal, obrigando a equipede“LaLa Land:Cantando Estações”adeixar opalco deforma arrasadora.Poroutro lado,avitória do
“MOONLIGHT: SOBA LUZ DOLUAR” desbancouofavoritismode“La La Land:CantandoEstações” noOscar dramadirigidopor BarryJenkins cabe nocenário queaAcademia trouxepara oOscar desseano,além deser umfilme cujadramaturgiae concepção visual sãoirreparáveis.Avitória legítima de “Moonlight:Sob aLuz do Luar”fez bem àindústriae abriu osolhospara um cinemacom camadasmais políticase deimportânciauniversal.
As melhores referências, no entanto, são aquelas que podemos tirar do perigo de desabamento do apartamento, da falta de segurança nas ruas e do julgamento das pessoas de fora, nada além do óbvio. Farhadi conta com o talento impressionante do ator Shahab Hosseini, que transita entre as variadas sensações de seu personagem, indo do desprezo pela mulher à ira ao agressor dela. Ao insistir em uma história naturalista, o diretor e o elenco aproximam o público de uma sociedade que vive de autocríticas, mas não resiste às tentações. Em “O Apartamento”, o lugar da vítima é silencioso e ancorado pelo olhar masculino, como se a mulher não pudesse lutar pelo seu corpo de forma legítima. Estamos em uma época onde a arte discute o que acontece ao nosso redor. A cautela que algumas obras ainda preservam, no entanto, podem prejudicar a experiência crítica de visão de mundo.
Cannes Onze produções nacionais foram selecionadas pela Agência Nacional do Cinema (Ancine) para participar da 21ª edição do Programa Encontros com o Cinema Brasileiro. A iniciativa da Ancine pretende aumentar a visibilidade do cinema brasileiro no mercado internacional, investindo na aproximação das relações com os curadores dos principais festivais do mundo. Os filmes selecionados serão exibidos aos curadores François-Michel Allegrini, da Seleção Oficial, e Anne Delseth, da Quinzena dos Realizadores do Festival de Cinema de Cannes. Entre as obras contempladas estão “Modo de Produção”, de Dea Ferraz; “Praça Paris”, de Lucia Murat (foto); “O Último Pajé”, de Luiz Bolognesi, e “Mar Verde, Terra Preta”, de Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira.
A sexta edição do Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba segue com inscrições abertas até 13 de março pelo site oficial. Realizadores podem inscrever suas obras, de preferência inéditas. Atenta às tendências do cinema mundial e ao que acontece em grandes festivais internacionais, a curadoria do Olhar de Cinema tem feito deste um dos eventos mais interessantes e autorais. A programação acontece entre os dias 7 e 15 de junho.
e 2000 para cá, o produtor Rodrigo Teixeira se divide entre produções dentro e fora do Brasil. Atuar no cinema internacional sempre foi um desejo, até que ele conseguiu se consolidar como profissional disputado no cinema alternativo. Essa semana, Teixeira ganhou um dos prêmios mais cobiçados do circuito, o Independent Spirit Awards, considerado o Oscar do cinema independente, pelo drama de suspense “A Bruxa”, lançado nos cinemas no ano passado. A obra dirigida pelo norteamericano Robert Eggers venceu nas categorias de Melhor Filme de Estreante e Roteiro de Estreia. “Não é um prêmio natural para um filme de gênero, o que faz com que nós fiquemos mais felizes ainda”, conta. O que mais interessa a Teixeira como produtor é o que se convenciona chamar de cinema de arte, propostas narrativas menos fabricadas. “O Brasil me gera reconhecimento e pouco público, enquanto nos Estados Unidos eu tenho mais público e reconhecimento”, analisa. Além de “A Bruxa”, outro filme produzido pela RT Features, empresa capitaneada por Teixeira, também foi indicado a Melhor Roteiro. O drama familiar “Melhores Amigos” foi escrito pelo também brasileiro Mauricio Zacharias com direção de Ira Sachs, dos ótimos “Deixe a Luz Acesa” (2012) e “O Amor é Estranho” (2014). O interesse em produzir roteiros com um direcionamento
mais artístico vem de sua influências do cinema americano dos anos 70 e 80. “Tenho interesse pelo cinema brasileiro, um interesse em fazer filme para um público específico. Não sei fazer cinema comercial e fico feliz porque o público está assistindo. Mas eu não faço”, diz o produtor. Ciente de que o cinema de arte ainda sofre com a restrição de público, se comparado com as comédias que chegam ao circuito comercial, Teixeira acredita que essa é uma questão cultural. “Cinema brasileiro é um gênero por si só e o cinema de arte é um subgênero do cinema brasileiro. É uma questão de formação de plateia; é preciso melhorar a educação cinematográfica das pessoas”, reflete. Para criar novos espaços para o cinema alternativo, Teixeira acredita que é algo a longo prazo e que precisa partir de pequenas mudanças, como os filmes exibidos na programação das emissoras de TV. Ainda esse ano, Teixeira produzirá “Ad Astra”, estrelado por Brad Pitt e dirigido por James Gray, do elogiado “Era Uma Vez em Nova York” (2013). O produtor também segue com os projetos nacionais e em breve lançará “O Animal Cordial”, longa-metragem de Gabriela Amaral Almeida. “Acho a Gabriela uma grande profissional. Esse é um dos filmes que eu estou colocando minhas fichas que vai ser sucesso”, elogia a diretora dos premiados curtas “A Mão que Afaga” (2011) e “Estátua!” (2014). (DB)
Premiado no Independent Spirit Awards, o suspense “A Bruxa” foi produzido pelo brasileiro Rodrigo Teixeira, que fala sobre os desafios do cinema alternativo
Sobrerepresentatividade
São Paulo Com uma proposta diferenciada no circuito, o In-Edit Brasil – Festival Internacional do Documentário Musical abre inscrições para a nona edição, que acontece entre os dias 14 e 25 de julho em São Paulo. A competição nacional aceita apenas documentários de longa-metragem, inéditos no circuito comercial, cujo tema principal seja a música, não importando o gênero ou época. As inscrições seguem até o dia 31 de março pelo site oficial.
DOCUMENTÁRIO Depois de passar por diversos festivais nacionais e internacionais, o documentário “Waiting For B”, dirigido pelos estreantes Paulo Cesar Toledo e Abigail Spindel, estreia em circuito. O filme acompanha a saga de fãs da cantora Beyoncé que acamparam em frente ao estádio do Morumbi, em São Paulo, durante dois meses antes do show que a diva fez em 2013. Além de tratar da questão do fanatismo, o documentário faz um excelente serviço ao refletir sobre desigualdade social, feminismo e homofobia, representados pelo trabalho da cantora. O longa assume um caráter político a partir da experiência de observação dos diretores ao conviver com esses jovens que buscam se encontrar no mundo.