Coluna Contraplano | Caderno 3 | Jornal Diário do Nordeste | 04/11/17

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DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA, CEARÁ - SÁBADO E DOMINGO, 4 E 5 DE NOVEMBRO DE 2017

CONTRAPLANO EM CARTAZ

DRAMA

Por trás das linhas inimigas “Invisível” estreia dia 9 de novembro nos cinemas. O diretor Pablo Giorgelli estará em Fortaleza no dia 10, às 20h, para debate com o público do Cinema do Dragão

O silêncio das decisões

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xiste um silêncio ensurdecedor na composição de Ely, interpretada por Mora Arenillas, protagonista de “Invisível”, coprodução Argentina/Brasil. Aos 17 anos, ela fica grávida de um colega do trabalho casado e se vê forçada a amadurecer antes do tempo. O impasse se desenrola de forma introspectiva no novo trabalho do cineasta argentino Pablo Giorgelli, do elogiado “Las Acacias” (2011). Ely passa a buscar alternativas para não ter o filho, ainda que a ideia de fazer um aborto ilegal seja acompanhada de incertezas. Não há um instinto maternal na garota, até porque a própria relação com o colega é casual. Mas Ely entende que não existe assistência social ou médica para resguardá-la. O roteiro de Giorgelli não é panfletário. O cineasta deixa claro, de forma bastante sutil, o que pensa sobre o assunto, mas poupa seus personagens de julgamentos. Isso faz com que as decisões de Ely no decorrer da trama sejam naturais.

Em “Terra Selvagem”, Taylor Sheridan denuncia crimes em área de preservação indígena americana DIEGO BENEVIDES Crítico de cinema

O

isolamento do cenário onde se passa “Terra Selvagem” é essencial para entender suas entrelinhas. Com o filme, o ator e roteirista Taylor Sheridan encerra o que pode ser chamada de “Trilogia da Fronteira”, após escrever os bem-sucedidos “Sicario: Terra de Ninguém” (2015) e “A Qualquer Custo” (2016), que lhe rendeu uma indicação ao Oscar. A diferença dessa vez é que Sheridan assume a direção de seu próprio roteiro, com o compromisso de preservar os principais detalhes de uma história violenta ambientada em uma remota área de preservação indígena nos Estados Unidos. Ali, no meio da neve, o protagonista Cory, papel de Jeremy Renner, encontra o corpo de uma garota e começa a ajudar a agente Jane Banner, do FBI, a descobrir os mistérios por trás do caso. A chegada de Jane, interpretada pela sempre competente Elizabeth Olsen, não é bem vista pelos policiais locais. Isso porque, aos olhos dos machistas da região, ela não tem capacidade para resolver o possível homicídio. Aos poucos, porém, Jane vai conquistando a atenção e a confiança dos moradores que vivem praticamente isolados do mundo.

Conflitos O principal acerto de Sheridan como roteirista é colocar na mesa as questões de gênero, ainda que de forma cautelosa. Cory perdeu a filha três anos antes, por isso se sensibiliza tanto em tentar resolver o mistério por trás do assassinato mais recente, que vitimizou uma garota que ele conhecia. O desenrolar da história mergulha no cotidiano dessa região, onde a cultura indígena tenta resistir à chegada dos brancos. Há uma guerra decla-

O filme dá pistas também sobre a estrutura familiar de Ely. Morando apenas com a mãe, que vive uma aparente depressão, Ely não encontra apoio dentro de casa, representando a falta de diálogo que existe nas famílias de hoje. Giorgelli conta uma história silenciosa que se contrapõe às fortes emoções que o roteiro proporciona para seus personagens. Por isso, a obra muitas vezes parece arrastada, com uma aparente densidade confundida com os espaços vazios da narrativa. É possível se importar com Ely, mas nunca parecemos realmente perto dela. Assim, é um filme que se atrapalha em sua própria concepção. O roteiro fala sobre clandestinidade, gravidez na adolescência e de uma classe média em decadência, mas nunca parece romper a crosta dessas questões. Nunca parece ir além, sair do óbvio. Não necessariamente mostrar alternativas, mas tentar pensar as razões de, em pleno século 21, o tema ainda ser visto como tabu. (DB)

LANÇAMENTO

A volta do show de horrores Jeremy Renner interpreta um pai que perdeu a filha na fronteira americana. Ao se deparar com um novo assassinato, ele se junta a uma agente do FBI, interpretada por Elizabeth Olsen, para descobrir o que há por trás das árvores e da neve

Taylor Sheridan dirige último filme da “Trilogia da Fronteira”, após “Sicario: Terra de Ninguém” e “A Qualquer Custo” rada ou, melhor dizendo, quase vencida. Martin, pai da garota assassinada, tem papel fundamental no filme para mostrar os rompimentos de uma hereditariedade ameaçada no mundo atual. Se por um lado falar sobre ancestralidade e misoginia é positivo em “Terra Selvagem”, Sheridan se entrega a analogias batidas para representar essa caçada. Cory é um caçador que se camufla na neve, protegendo o povoado de animais violentos. O vermelho do sangue na neve branquíssima perde o impacto nas repetições e Sheridan não parece ter muitas soluções visuais criativas para a trama. A direção de fotografia tenta explorar a geografia silen-

ciosa e aparentemente pacata da região, que se transforma em uma cena de crime. A investigação de Cory e Jane dribla o óbvio até chegar na revelação dos fatos. O inimigo está em torno de nós e a fronteira também parece uma prisão para quem vive ali. Como diretor, Sheridan registra o básico, tendo como principal destaque uma inesperada cena de tiroteio que puxa a atenção do espectador de volta à trama. Para além disso, empenha-se em mostrar a relevância de sua narrativa. Ele conta que seu papel como diretor foi justamente cumprir uma promessa com o povo da região de que os perigos que rondam ali seriam retratados com respeito e zelo. O filme defende tratar-se de uma área basicamente desassistida, que registra inúmeros desaparecimentos nunca resolvidos, especialmente do povo indígena. É uma zona de guerra onde todo mundo perde.

Elenco O ator Jeremy Renner está bastante confortável na pele do protagonista, localizando o lu-

to pela filha entre a tristeza e o desejo de vingança. O discurso solidário para o pai da garota recém-assassinada é um dos momentos mais inspiradores da trama. Destaque também para Elizabeth Olsen, mulher forte entre homens opressores tentando resolver o caso de uma jovem oprimida. Olsen também transita entre a Jane profissional e a Jane humana, fazendo dessa mistura algo palpável. A sintonia entre Renner e Olsen ajuda na caçada ao assassino, essencial também para que não só a dupla, mas todos em volta abalados com o caso, exorcizem seus demônios, mesmo que temporariamente. Afinal, trata-se apenas de mais um caso entre muitos que, infelizmente, continuarão acontecendo. Sheridan faz de “Terra Selvagem” uma experiência amarga, quase mórbida, sobre um tema delicado, o que atrapalha um pouco o ritmo entre os dois atos finais. A pouca experiência dele como diretor fica clara, mas não chega a prejudicar em excesso as boas intenções da obra.

F

oi um ano produtivo para as adaptações de Stephen King, tendo como maior êxito o longa-metragem “It: A Coisa”. O autor, aclamado por suas histórias criativas, retorna às prateleiras das livrarias com sua primeira HQ, “Creepshow”, criada a partir do filme homônimo dirigido por George A. Romero em 1982. King e Romero se inspiraram em quadrinhos clássicos dos anos 1950 para o filme, que marcou a estreia de King como roteirista de cinema. Dosando humor e horror da forma que só essa dupla consegue, o longa virou um clássico instantâneo. Pouco tempo depois da estreia, King resolveu adaptar o roteiro do filme para os quadrinhos, reforçando sua homenagem à fonte original e recriando o horror também em forma de gibi. Lançada pelo selo DarkSide Graphic Novel, da DarkSide Books, “Creepshow” reúne cinco contos: “Dia dos Pais”, os hilários “A Solitária Morte de Jordy Verrill” e “A Caixa”, “Indo com a Maré” e “Vingança Barata”. As ilustrações são de Bernie Wrightson e a capa, de Jack Kamen. As histórias partem de situações absurdas para explorar o desconhecido, sem deixar de lado o humor ácido eficiente. Com 70 anos de idade completados em setembro, King já escreveu mais de 50 livros e vendeu mais de 300 milhões de exemplares. Ele foi reconhecido

GRAPHIC NOVEL

Creepshow RoteirodeStephenKing, ilustração deBernie Wrightson capadeJack Kamen DARKSIDEBOOKS 2017,64páginas R$49,90

pelo Guinness Book como o autor vivo com o maior número de adaptações para o cinema. Além da edição especial de “Creepshow”, a DarkSide também homenageou o autor com o relançamento da biografia “Coração Assombrado”, que desmembra fatos e curiosidades envolvendo seu processo criativo. O lançamento de “Creepshow” no Brasil também presta homenagem a George A. Romero, que faleceu em julho desse ano. O cineasta segue como referência de realizadores no mundo inteiro, que encontram no horror formas criativas de contar uma história arrepiante. (DB)


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