Coluna Contraplano | Caderno 3 | Jornal Diário do Nordeste | 06/05/17

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DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA, CEARÁ - SÁBADO E DOMINGO, 6 E 7 DE MAIO DE 2017

CONTRAPLANO DRAMA

NACIONAL

Pequenos homens em construção

A incapacidade de divertir

Em “Melhores Amigos”, cineasta Ira Sachs retrata a infância em um mundo adulto desprivilegiado DIEGO BENEVIDES Crítico de cinema

Q

uestões familiares estão sempre em evidência no cinema. Seja por olhar para a cultura de cada povo ou para realidades no convívio comum em sociedade. Um bom filme sobre famílias contemporâneas geralmente mistura a carga emocional e pode assumir um tom mais crítico e comportamental. É assim que “Melhores Amigos”, mais recente produção do americano Ira Sachs, pode ser vista. Como é comum em sua filmografia, que tem os ótimos “Deixe a Luz Acesa” (2012) e “O Amor é Estranho” (2014), Sachs se interessa pelas rotinas de seus personagens e em como os conflitos surgem naturalmente. É uma forma de filmar o banal, mas que não demora para mostrar sua relevância dramática. Dessa vez, Sachs conta a história de dois garotos Jake e Tony, que passam a conviver diariamente após o falecimento do avô de um deles. A aproximação foge do burocrático, fazendo com que o público entenda rápido o nascimento dessa amizade. É uma juventude que deixa os smartphones de lado e dá espaço para os videogames tradicionais e os sleepovers. Por um momento, o roteiro de Sachs, realizado em parceria com o brasileiro Mauricio Zacharias, brinca com a percepção do público se aquela relação poderia ser ou não amorosa, mas deixa tudo subjetivo por não interferir em nada o argumento principal. A sexualidade não é o foco e, mesmo se fosse, dentro dessa história não faria a menor diferença. No meio deles está o enfrentamento do mundo ao redor pelo olhar de seus respectivos

Os jovens Theo Taplitz e Michael Barbieri são destaque em “Melhores Amigos”, novo trabalho de Ira Sachs. Enquanto se aprofunda nos traumas familiares, muitas vezes silenciados, o filme reflete sobre jovens em amadurecimento

parentes. As rusgas entre os adultos também aparecem em tela de forma mais naturalista. Sachs acerta em cheio ao fazer uma abordagem leve, mas não menos política, de uma classe média em crise e, por não aceitar a perda de antigos privilégios, pode ser cruel com seus semelhantes. Também está ali a falsa tolerância com os imigrantes, a disputa entre idiomas que teoricamente privilegiaria os americanos em detrimento dos latinos. O mais interessante das obras recentes de Sachs é como ele consegue fazer um filme simples à primeira vista, mas que ganha camadas de percepção com o passar dos conflitos. É o trabalho de um bom diretor apaixonado por contar histórias e que tira do comum algumas lições.

Gerações A geração mais velha cujos princípios se corrompem também é um bom contraponto à dos meninos, que tentam en-

tender seus lugares no mundo. A chegada da adolescência vem com a responsabilidade de ser alguém. Jake é bom no desenho e na pintura, enquanto Tony gosta de interpretação. Aqui, mais uma vez, Sachs deixa sua marca ao mostrar o poder de transformação da arte. Aliás, a cena em que Tony e seu professor de interpretação improvisam um embate textual é de uma imprevisibilidade bonita dentro da abordagem do filme. A performance desprendida dos jovens atores Theo Taplitz e Michael Barbieri, especialmente deste último, mostra o bom trabalho de direção de elenco de Sachs, sempre focado no poder da imagem que ultrapassa o texto (não à toa, a direção de fotografia é tão precisa, sem deixar de ser sentimental). No elenco adulto, o destaque fica com Greg Kinnear e Paulina Garcia como o pai e a mãe de Jake e Tony, respectivamente. O enfrentamento de

DIEGO BENEVIDES

Coprodução

diego.benevides@diariodonordeste.com.br

Produção nacional QUANDOPENSAMOS em cinemabrasileiro, não podemos restringiras referênciasapenas aos filmes,emsua maioria comédias,que estreiamem circuitosdeshoppings. Temdetudo naproduçãonacional, tantoemtermos degênero quantode formatoepropostas narrativas.Para compreenderocinema brasileiro comoferramenta deexpressão artística,é preciso seaproximar de outrasproduções e daratenção especialaoscurtas-metragens, que alcançamgrandes carreirasem festivaisdecinema.AMostra Outros Cinemas,querealiza sua nonaedição de10a14demaio naCaixa Cultural Fortaleza,tem amissãodeapresentar asmaisvariadas propostasdecinema brasileiro,em especialdos curtas-metragens.Esseano,serão exibidos24curtase trêslongas, com sessõesseguidasdedebate, uma ótimaoportunidadedeentender a mentecriativados realizadores

CURTACEARENSE“Janaína Overdrive”,deMozartFreire,integra agendada Mostra OutrosCinemas brasileirose estenderodiálogo além da exibição.Entre osdestaques da programaçãoestão olongacearense de suspense“AMisteriosaMorte de Pérola”,deGuto Parente,e os premiadoscurtas“OutubroAcabou”, de KarenAkerman eMiguel SeabraLopes, e“Janaína Overdrive”,deMozart Freire.Assessõessãogratuitas.

suas diferenças, que na verdade nem dividem um cenário tão diferente assim, explora as relações humanas atuais, baseadas em tirar do outro para se sentir um pouco menos desprivilegiado. Ira Sachs faz o que se espera dele, uma história simples com multicamadas e, mais ainda, um sentimentalismo que foge do barato por ser coeso e completamente possível. O diretor extrai de um simples abraço e de um olhar denso situações que provam que ele, por enquanto, está interessado em contar boas histórias sem deixar seu coração generoso em cena e sem se render ainda aos rótulos comerciais. Não à toa, seu cinema está em fase de crescimento, dividindo opiniões não de forma polêmica. Goste ou não, a indiferença não existe em seus filmes e ele tem provado que suas histórias podem ser profundas com uma abordagem fácil de digerir e que dialoga com o público em geral.

Destaque Mesmo com as salas de cinema lotadas com blockbusters e filmes de aventura, o excelente drama “Paterson”, dirigido por Jim Jarmusch e exibido no Festival de Cannes, alcançou a nona colocação no ranking de bilheteria brasileira desde sua estreia original, em 20 de abril. A trama se passa na cidade de Paterson, em Nova Jersey, e acompanha um jovem, que também se chama Paterson e trabalha como motorista de ônibus local apaixonado por poesia. No papel principal está Adam Driver, que prova seu talento a cada novo projeto. O longa-metragem segue em cartaz no Cinema do Dragão, em Fortaleza, e em outras 16 cidades cujo trabalho de curadoria e programação foca especialmente no potencial dos filmes artísticos.

Estão abertas até 27 de julho as inscrições para o edital de coprodução Brasil-Chile. A Ancine e o Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE) divulgaram a Chamada Pública do Programa Brasil de Todas as Telas. O edital binacional, lançado em parceria com o Conselho Nacional da Cultura e das Artes (CNCA), do Chile, prevê investimentos equivalentes a US$ 200 mil em dois projetos de longas-metragens de ficção, documentário ou animação.

O

princípio básico da comédia é a busca pelo riso por meio de situações que podem ser comuns ou não. O riso, no entanto, não precisa ser escrachado para acontecer. O humor negro encontra oportunidades nos roteiros ao criar situações essencialmente engraçadas que podem ser constrangedoras. As comédias nacionais geralmente repetem suas fórmulas, muitas vezes baseadas na linguagem televisiva, para que consigam se comunicar com o público e se dar bem na bilheteria. A mais nova produção desse gênero é “Ninguém Entra, Ninguém Sai” que, por mais que siga os padrões, não consegue divertir em momento algum. Mesmo inspirado em uma situação criada por Luis Fernando Veríssimo, o roteiro explora uma situação que provavelmente não aconteceria. Afinal, o grande mote é o encontro de vários casais em um motel que entram em quarentena e nesse meio tempo decidem fazer uma grande festa juntos. Tudo bem quando se trata de uma comédia que bebe do absurdo, pois vai na contramão do que realmente aconteceria na vida real. Afinal, um motel é um local de discrição, onde os casais não querem ser vistos. Mas o roteiro artificial cria situações tão esdrúxulas para os personagens que é impossível acreditar que eles estejam realmente se divertindo enquanto estão presos no lugar.

O que acontece em “Ninguém Entra, Ninguém Sai” é uma série de esquetes de humor que tentam minimamente fazer o público se divertir quando, na verdade, não são nem um pouco engraçadas. Os personagens são unidimensionais demais para demonstrarem alguma vulnerabilidade naquela situação, até porque não passam de meras caricaturas. O texto chega a ser pavoroso, tentando justificar que, mesmo que se passe em um motel e fale sobre sexo, fala também sobre questões familiares, profissionais e de relacionamento. Nem mesmo a experiência do elenco com o gênero faz com que a duração do longa-metragem seja fluida, pois estão todos ali repetindo o que sempre fizeram na televisão e no cinema. É possível não se importar nem um pouco com aqueles personagens (e são muitos!), justamente porque não há atrativo na narrativa que prenda a atenção até o final. Ver Danielle Winits vestida de dominatrix, negando para o filho que está ali no motel enquanto fala sobre sua ausência materna em casa é totalmente incompreensível. O diretor Hsu Chien até tenta fazer com que a dinâmica entre os personagens aconteça, mas a montagem problemática e o humor estúpido impedem que “Ninguém Entra, Ninguém Sai” seja, ao menos, uma história sem compromisso, que não faz o básico do que se propõe: divertir a plateia. (DB)

Letícia Lima e Emiliano D”Ávila estrelam comédia de absurdo que peca no básico do gênero ao não divertir nem ser minimamente engraçada

OfuturodoAranha

Prazo final Terminam neste domingo (7) as inscrições para a 27ª edição do Cine Ceará – Festival Ibero-americano de Cinema (cineceara.com), que acontece de 5 a 11 de agosto em Fortaleza. Podem ser submetidos filmes brasileiros de curta duração, além de longas de realizadores da América Latina, Caribe, Portugal e Espanha. A prioridade na seleção será para obras ainda não exibidas no estado e os selecionados vão disputar o troféu Mucuripe.

HERÓI A passagem de Tom Holland pelo Brasil gerou ainda mais expectativas sobre a nova franquia do Homem-Aranha. O intérprete do herói recebeu a imprensa em São Paulo com muito bom humor, ao lado da atriz Laura Harrier, e parece estar bem satisfeito com o resultado do longa-metragem, que estreia em 6 de julho. Pronto para entrar no Universo Cinematográfico Marvel, que unirá diversos heróis no cinema nos próximos anos, Holland foi questionado sobre sua relação com Deadpool. Na internet, fãs sempre brincaram que os dois poderiam ter um relacionamento gay, mas Holland desconversou e apenas disse: “Acho que seria muito engraçado. Não sei se a gente formaria um casal no filme, mas seríamos amigos”.


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