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DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA, CEARÁ - SÁBADO E DOMINGO, 8 E 9 DE ABRIL DE 2017
CONTRAPLANO SÉRIE
Uma disputa clássica As duas continuaram se odiando até a morte de Crawford, em 1977, quando Davis teria dito: “Bem, a vadia morreu hoje! Ela estava sempre em tempo”.
Ryan Murphy lança “Feud”, série antológica que mostra a rixa histórica entre Bette Davis e Joan Crawford DIEGO BENEVIDES Crítico de cinema
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epois de alcançar o sucesso com “Glee” (2009-2011), levando de volta para a TV o gênero musical, o diretor Ryan Murphy conquistou respeito na indústria do entretenimento. Buscando preencher lacunas, Murphy também trouxe um novo olhar ao formato antológico com “American Horror Story”, com temporadas independentes que falam sobre o mesmo assunto, histórias de terror. E agora ele segue no formato com o lançamento da série “Feud: Bette and Joan”, também em formato de antologia, sobre rixas históricas. A primeira temporada, que já passa da metade dos episódios, estreou na Fox cercada de alta expectativa, já que a primeira rivalidade abordada é uma das mais clássicas do cinema: o ódio entre as divas Bette Davis e Joan Crawford.
Problemas Depois de uma trajetória de sucesso, Davis e Crawford entraram em decadência. A idade chegou e os papéis ficaram mais raros. Procurando voltar aos holofotes, Crawdford con-
Susan Sarandon e Jessica Lange interpretam as atrizes icônicas Bette Davis e Joan Crawford, respectivamente, em “Feud: Bette and Joan”
vidou sua rival para um filme adaptado do livro “O Que Terá Acontecido a Baby Jane?”, lançado em 1962. Claro que a provocação já adiantava o que viria pela frente: as duas não se suportavam e as gravações foram turbulentas. Somado a isso, a imprensa passou a alimentar esse ódio. O filme que poderia salvar as duas do esquecimento tinha tudo para ser um fracasso: diretor instável, orçamento limitado e tom de produção B. Entretanto, a presença de Da-
Muito além de uma questão de ego entre duas gigantes da interpretação, a trama mostra como o mercado do cinema pode massacrar grandes ídolos com o tempo
vis e Crawford foi essencial para que estourasse em bilheteria, inclusive entre o público mais jovem. Muito antes das filmagens, as divas já não se suportavam. Contam que Davis saiu da Broadway e foi para Hollywood em 1930, quando Crawford já era uma atriz aclamada. Davis acabou vencendo o Oscar antes de Crawford, por “Perigosa” (1935), enquanto essa teria casado com um homem por quem aquela era apaixonada. Anos depois, Davis levou o segundo Oscar, por “Jezebel” (1938), enquanto Crawford perdia força no cinema com o fim do contrato com a MGM. As duas viraram estrelas da Warner Bros. e os encontros eram inevitáveis. Somente em 1946 Crawford foi reconhecida pela Academia por “Alma em Suplício”. Apesar da disputa de egos e do assédio da imprensa, o que existia ali, mesmo de forma obscura, era uma admiração mútua. Em “Feud: Bette and Joan”, Murphy mostra isso de forma sutil, abordando os conflitos profissionais, feministas
DIEGO BENEVIDES
APRESENÇA feminina no audiovisualtemsido constantemente discutidapor realizadores, pesquisadorese críticosdecinema.A aberturadeespaçoséimportante para garantiruma variedadede pensamentos,principalmente emum tempoondeo feminismoé essencial paracausartransformações. Umdos marcosrecentes quejá promovema descentralizaçãodegênero no audiovisualfoia criaçãodo ElvirasColetivodeMulheresCríticas de Cinema.Asparticipantesdo coletivo escrevemcríticascinematográficas e/ouproduzem reflexãoteórica sobre audiovisual.Elastambém atuamna formaçãodecineclubes,debates e júrisespeciaisem festivais, viabilizandoavoz e otexto de mulheresemumcenário predominadoporhomens. Com participantesdetodo oBrasil, oElviras mantémumapágina noFacebook ondesãocompartilhados assuntos
COLETIVOELVIRAS reúne mulheres quetrabalhamcom críticadecinema no Brasile lutapelaigualdade relevantessobre ouniversofeminino, estimulandoaproduçãonão apenas quantitativa,mastambém qualitativa deconteúdocríticofemininonos quatrocantosdo Brasil. Onome do coletivohomenageiaElvira Gama, consideradaa primeiramulherno Brasilaescrever sobre aimagem em movimento,entre 1894e 1895.
e pessoais de ambas. As gravações de “O Que Terá Acontecido a Baby Jane?” foram tumultuadas, com insultos constantes e até agressão física (Davis teria batido em Crawford durante uma cena), mas tudo piorou quando Davis se tornou a favorita ao Oscar
Selo Bechdel
diego.benevides@diariodonordeste.com.br
Mulheres no cinema
Susan Sarandon e Jessica Lange vivem com primor o conflito ácido entre duas estrelas de Hollywood em decadência
Seminário A Ancine realizou no dia 30 de março, no RJ, o Seminário Internacional Mulheres no Audiovisual. Debora Ivanov (foto), diretora da Ancine, apresentou resultados da segunda edição da pesquisa “Participação Feminina no Audiovisual na Produção Audiovisual Brasileira”. Em 2016, a marca de diretoras mulheres para curtas e médias foi de 26%, enquanto para longas foi de 15%. Os dados apontam a pouca variação dos números, que entre 2009 e 2016 não passaram os 24% quando se trata de diretoras de longas. Entre as medidas iniciadas para reduzir a desigualdade estão a aplicação da paridade de gênero nas comissões de seleção do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) e a inclusão da declaração de gênero no sistema da Ancine.
Ainda durante o Seminário, Ivanov recebeu a sueca Ellen Tejle, promotora do selo Bechdel, que mede a presença feminina nos longas. Entre os filmes brasileiros que passaram no teste está o longa “Aquarius”, que tem a atriz Maeve Jinkings no elenco. Para receber o selo, a obra deve responder positivamente a três perguntas: “O filme tem duas personagens femininas?”; “Elas têm nome?”; “Elas contracenam em mais de uma cena e não falam só de homens?”,
pelo filme. A não indicação de Crawford como coadjuvante deixou a atriz devastada, fazendo com que ela iniciasse uma campanha contra a parceira de cena. Em 1963, Crawford tinha convencido as concorrentes de Davis à categoria de melhor atriz do Oscar que não participassem do evento, que ela mesma receberia o troféu. Davis perdeu o prêmio (ela poderia se tornar a primeira com três Oscars) e a vencedora foi Anne Bancroft por “O Milagre de Anne Sullivan” (1962). Ao ser anunciada vencedora, Crawford subiu ao palco e fez um agradecimento em nome da “colega”. Foi o fim para Davis.
BabyJane “Feud: Bette and Joan” conta essa história épica entre duas mulheres que poderiam ser amigas, mas nunca tentaram. Para encarnar as protagonistas, Susan Sarandon e Jessica Lange trazem a experiência de sempre e se entregam aos diálogos venenosos, irônicos e tristes. Sim, a decadência delas e o assédio da mídia era sobretudo triste, um desrespeito com o legado que elas construíram durante anos. A série também fala sobre preconceitos, principalmente com as mulheres. Na época, o cinema era tomado por homens (mudou pouco) e as mulheres eram vistas como acessórios. O quarto episódio, “More, or Less”, discute o feminismo com grandiosidade e mostra que intervir pela participação feminina é essencial, bem como exigir respeito e não se entregar aos abusos. O programa também refilma com detalhes algumas cenas do filme original, que é um convite para revisitar um dos clássicos obrigatórios do cinema. Ver Sarandon e Lange como Davis e Crawford é arrepiante. Destaque também para os ótimos Alfred Molina e Sarah Paulson. A temporada terá oito episódios e se encerrará. Entre erros e acertos em sua carreira, o que não podemos negar é que Ryan Murphy ama e conhece histórias como essa. É como se ele mesmo tivesse visto de perto tudo o que aconteceu, resultando na criação dos ótimos roteiros. “Feud: Bette and Joan” não é apenas uma história sobre rivais, mas sobre duas grandes estrelas tentando não cair no esquecimento (nunca caíram). Para o próximo ano, a segunda temporada mudará de história e se chamará “Feud: Charles and Diana”, focando na história de Príncipe Charles e Princesa Diana.
ParaísoPerdido
Incentivo Recentemente, a Avon apresentou uma plataforma voltada à valorização das profissionais do audiovisual. O projeto investirá em produções dirigidas ou roteirizadas por mulheres, por meio de leis de incentivo. Como experiência piloto, a empresa já está dirigindo investimentos a três longas: “Diálogos com Ruth de Souza”, dirigido por Juliana Vicente; “Jamais Estive Tão Segura de Mim Mesma”, de Monique Gardenberg, e “Pedro”, de Laís Bodanzky.
FILMAGENS A diretora baiana Monique Gardenberg, que assinou “Benjamim” (2003) e “Ó Pai, Ó” (2007), faz seu retorno ao cinema autoral com “Paraíso Perdido”, cujas filmagens terminam hoje (8) em São Paulo. O longa narra a saga da excêntrica família de José, interpretado por Erasmo Carlos. Marcados por perdas e desencontros, eles buscam ser felizes em Paraíso Perdido, uma boate parada no tempo, onde cantam música popular romântica. Também estão no elenco Hermila Guedes, Julio Andrade, Seu Jorge, Jaloo, Julia Konrad e outros. Ao abordar sentimentos como a paixão, traição e vingança, o filme traça um paralelo entre as temáticas passionais da "música brega". A produção musical é assinada por Zeca Baleiro.