Coluna Contraplano | Caderno 3 | Jornal Diário do Nordeste | 10/12/16

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DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA, CEARÁ - SÁBADO E DOMINGO, 10 E 11 DE DEZEMBRO DE 2016

Contraplano CLÁSSICO

CRISE

A despedida de uma família

P

Primeiro filme em inglês do cineasta italiano Michelangelo Antonioni, “Blow-Up” recebeu duas indicações ao Oscar, por melhor direção e melhor roteiro

A realidade pela lente da câmera Relançado após 50 anos, “Blow-Up” continua uma experiência indispensável do cinema de Antonioni DIEGO BENEVIDES Crítico de cinema

A

pós se consagrar em seu país de origem com filmes como “A Noite” (1961) e “O Eclipse” (1962), o cineasta italiano Michelangelo Antonioni fez uma série de trabalhos em inglês. O primeiro deles foi “Blow-Up – Depois Daquele Beijo” (1966), rodado na Inglaterra, que estreou originalmente há 50 anos e agora retorna às telonas em cópia restaurada. Pelas lentes de um fotógrafo ambicioso e temperamental, o drama mostra o interesse de Antonioni em se aprofundar nas questões mais humanas, criando alegorias da percepção da realidade em si. Na trama, David Hemmings interpreta Tho-

mas, fotógrafo bem conceituado que trabalha no ramo da moda. De um lado, as modelos se submetem ao seu método grosseiro de trabalhar. Do outro, ele se encanta, durante uma caminhada pela cidade, por um casal em um parque. Ao fotografá-los sem permissão, ele conhece uma mulher que tem interesse em ficar com as fotos. Durante o envolvimento deles, Thomas vai descobrir que naquele cenário onde o casal estava pode ter acontecido um assassinato e que sua câmera pode ter captado.

Retrato Fazendo um registro de uma geração, a tirar pelo comportamento psicodélico de um grupo de jovens que aparece no início e no fim da projeção, Antonioni também discute o vazio existencial de uma certa classe burguesa. As metáforas que a imagem faz da própria imagem, como na sequência final do longa, funcionam de forma assertiva dentro dessa investigação do

comportamento de uma sociedade sessentista. Após cinco décadas, “BlowUp” envelhece quando se discute uma inevitável representação dessa época, mas a destreza sensorial de Antonioni se mantém viva e é sempre um prazer ver como o diretor constrói seus personagens e o que resta de diálogo com o hoje.

Ampliação Na sequência da revelação das fotos tiradas no parque (e da revelação dos próprios personagens), Antonioni se utiliza de uma montagem dinâmica para potencializar uma descoberta aterrorizante das ampliações (o blow-up). Ainda surpreende a forma inusitada com que ele brinca com a sensação de perigo, melhor do que tantos filmes realmente de suspense. O diretor também não abre mão do longos planos que ambientam momentos-chave, traduzindo a preocupação em criar uma atmosfera possível, onde as distrações fazem par-

DIEGO BENEVIDES

Sucesso

diego.benevides@diariodonordeste.com.br

Assunto delicado MUITOALÉMDA teoria, aprenderocinema napráticaé parte doprocesso natural deuma formação. Cientedisso,ocineasta, teóricoe críticodecinema Marcelo Ikeda elaborouum roteiroe orealizouao ladodeumgrupodealunosdo curso deCinemae Audiovisualda UniversidadeFederaldo Ceará(UFC). Oencontro rendeuocurta-metragem “UmAssuntoMeio Delicado”, que possibilitouaosjovensavivência em umsetprofissional.Ahistória reflete basicamentesobre os processosde comunicaçãodehoje,seja entreos própriosjovens, sejanaformação acadêmicae,principalmente, nonosso diálogocom o mundo.Apartir deum trabalhocênico dinâmico, ofilmetrata comironia questões necessáriasda juventude,quemuitas vezestem sua liberdadetolhida. Tambémse revela umfilmesobre relaçõesafetivase comoelaspassam portransformações, assimcomo opróprio fazer

“UM ASSUNTO MEIO DELICADO”é frutodetrabalho disciplinar docurso de Audiovisualda UFC cinematográficose transforma. MarceloIkeda opta porumrigor estéticoepolítico, possibilitandoque o filmetransiteem diversas camadas. Tambémrealizauma obraque saido lugarcomum doque sefaz na Universidadepara agregaropiniões urgenteseprovocarinquietações semprebem-vindas.

te do contexto. Em “Blow-Up”, é possível perceber também os flertes sexuais e de exposição do corpo que provocam o espectador. Por outro lado, Antonioni se vicia demais ao utilizar zooms inadequados que não acrescentam significado em termos de linguagem. Ao estudar a relação do indivíduo com a realidade em que está inserido, Antonioni conta com a entrega de David Hemmings para ser o mocinho e o vilão. Hemmings transita entre as inconstâncias que o roteiro permite e tem momentos que geram asco, como aqueles onde trata as modelos como meros bonecos de fetiche, e outros de sensibilidade extrema, em uma epifania final num campo de tênis. Ao questionar a sociedade e fazer política por meio da arte (do cinema e da fotografia), Antonioni sugeriu rumos que até hoje inspiram cineastas no mundo inteiro. Rever “BlowUp” é, antes de tudo, um agradecimento pelo legado precioso que ele deixou.

Lemonade As listas de melhores filmes do ano começaram a pipocar. Desde que lançou o álbum visual “Lemonade”, o trabalho da cantora Beyoncé foi questionado se seria um filme ou apenas uma compilação de videoclipes das músicas. Para a revista britânica Sight & Sound não há dúvida. “Lemonade” entrou na concorrida e prestigiada lista de melhores filmes de 2016, na 26ª posição. A superprodução que discute temas polêmicos, como a memória da história dos negros norte-americanos, dividiu espaço com filmes considerados favoritos para a temporada de premiações, como o alemão “Toni Erdmann”, de Maren Ade, que ocupou o primeiro lugar; “Eu, Daniel Blake”, de Ken Loach, vencedor do Festival de Cannes, e “Aquarius”, de Kleber Mendonça Filho.

Falando em “Aquarius”, o filme arrecadou cerca de R$7 milhões dentro e fora do Brasil, número que representa o dobro de seu orçamento. A obra também continua aclamada pela crítica. Além da Sight & Sound e da Cahiers du Cinéma, o filme entrou em três listas de melhores do ano do The New York Times. “Aquarius” também venceu o disputado Fénix – Premio Iberoamericano de Cine de melhor direção para Kleber Mendonça Filho e melhor atriz para Sonia Braga.

ersonificar casais em crise é um tema recorrente. Quando os filmes fogem dos padrões, principalmente daqueles que sempre colocam as mulheres como histéricas e os homens como infiéis, resta um substrato mais denso e pertinente sobre as relações amorosas contemporâneas. É o que o cineasta belga Joachim Lafosse traz para o drama “A Economia do Amor”, título genérico que mais sugere uma comédia romântica besteirol, mas que é, na verdade, um drama em larga escala sobre a desconstrução de uma família tradicional. Logo no início da trama, acompanhamos a rotina de Marie, interpretada pela sempre ótima Bérénice Bejo, indicada ao Oscar por “O Artista” (2011), e suas duas filhas. O marido Boris, papel de Cédric Kahn, ainda divide a mesma casa, mas não demora muito para o público entender que aquele casamento não é mais feliz. O convívio é por falta de opção, já que eles ainda estão decidindo como vai ser o processo de divórcio e a consequente separação de bens. A incapacidade de separação física faz com que a vivência dessa família se transforme em um pequeno inferno particular. É nessa casa onde os personagens não escondem suas verdadeiras facetas, principalmente as mais detestáveis. Eles brigam o tempo todo, resultado de uma convivência abalada por uma

crise não apenas sentimental, mas também financeira. A independência de Marie, jovem mimada e com condições financeiras, e a marginalização de Boris, o típico homem arrogante que não tem onde cair morto, não trazem esperança de acerto. Assim, “A Economia do Amor” explora situações limites entre os personagens, pais de duas meninas gêmeas, que rebatem todo o estresse cotidiano. O roteiro escrito a oito mãos é prejudicado por uma série de conflitos repetidos que não se encaminham para desdobramentos dramáticos originais. Apenas no terço final, a partir de uma falsa esperança de pacificação entre os personagens, o filme tenta se encontrar. Por outro lado, “A Economia do Amor” acerta ao mostrar um relacionamento que desandou por questões não tão superficiais assim. Além do amor que acaba, há um contexto de crise econômica que estoura nessa família e revela um convívio quase parasitário, o que permite que Marie e Boris não sejam exatamente as pessoas mais empáticas do mundo, exagerando um pouco na histeria, que pode incomodar. Lafosse opta por uma linguagem burocrática, que espreme o mínimo de sentimento que ainda resta entre o casal. Ao mostrar essa quase falta de amor, o filme perde por não envolver a plateia de uma forma mais natural e menos dolorosa.

Dirigido por Joachim Lafosse, “A Economia do Amor” traz os atores Bérénice Bejo e Cédric Kahn enfrentando conflitos sentimentais e financeiros

OFilhoEterno

Star Wars No livro “Memórias da Princesa”, Carrie Fisher, intérprete da Princesa Leia, de “Star Wars”, abre seu baú de memórias. “Não sou tola a ponto de contar qualquer detalhe além das informações e descrições mais genéricas a respeito do que aconteceu entre o Sr. Ford e eu naquela fatídica noite de sexta-feira, em maio de 1976. Isso se aplica também a tudo o que ocorreu entre mim e Harrison nas sextas-feiras subsequentes em horários profanos”, sugere a atriz.

ADAPTAÇÃO A partir da história do premiado livro de CristóvãoTezza, o cineasta Paulo Machline acertou ao trazer Marcos Veras para o centro de “O Filho Eterno”. Famoso pelos papéis cômicos, Veras traz densidade para o papel de um pai surpreendido com a chegada de um filho portador de Síndrome de Down. O filme, assim como o texto original, relata o doloroso processo de compreensão de que o amor familiar deve se sobrepor a tudo. Mesmo que a trilha sonora interfira em uma maior sutileza de uma história naturalmente emocionante, “O Filho Eterno” abandona resquícios de folhetim barato em troca de uma obra esteticamente correta, que tem em seus personagens sua maior força.


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