Coluna Contraplano | Caderno 3 | Jornal Diário do Nordeste | 10/06/17

Page 1

8 | Caderno3

DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA, CEARÁ - SÁBADO E DOMINGO, 10 E 11 DE JUNHO DE 2017

CONTRAPLANO NACIONAL

ENTREVISTA

Crônica do conhecimento

O passado que bate à porta

C

O protagonismo inusitado de uma vaca em “Animal Político” revela um processo de criação bem humorado e de desejo social pelo inexplorado

Em “Animal Político”, o cineasta pernambucano Tião cria uma alegoria à inquietação e à autodescoberta DIEGO BENEVIDES Crítico de cinema

L

ogo no início de “Animal Político”, somos apresentados a uma protagonista diferente. Uma vaca ocupa diversos espaços comuns aos seres humanos, como um restaurante, uma academia e uma balada. Enquanto narra suas inquietações, a personagem inicia uma jornada em busca de autoconhecimento. A trama inusitada do cineasta pernambucano Tião, premiado pelos ótimos curtas-metragens “Muro” (2008) e “Sem Coração” (2014), que dirigiu em parceria com Nara Normande, é naturalmente carregada de humor. Afinal, a protagonista enfrenta dilemas comuns à rotina de qualquer ser humano. Mas é onde está o ponto mais interessante da obra. Ao eleger

uma vaca o personagem que filosofa sobre a vida, Tião faz com que o público acompanhe aquelas situações com certa leveza e desconfiança, o que, nesse caso, é positivo por inverter a relação de identificação entre filme e espectador. Ao entrar na jornada da vaca, é possível que o público olhe para si e encontre suas próprias inquietações de forma natural. E mais, é possível que, a partir do que a vaca vivencia, o público meça realmente o peso de cada conflito de suas rotinas. Também é curiosa a forma como Tião contrapõe homens e bichos, cujos destinos são alterados por uma porcentagem mínima de genética, que faz com que eles sejam uma mesma espécie, mas separada. A protagonista tem uma vida perfeita, com pais humanos que a amam, condições financeiras e uma vida cômoda. Em busca de conhecimento, ela decide estudar e aprender sobre a cultura do mundo. Há também algo de divino na vaca, que peregrina pelo deserto, exposta à sede e à fome, e encontra outros animais, sejam

eles racionais ou não. As situações criadas pelo roteiro são sempre inventivas, essencial para que o filme não caia no marasmo e na repetição.

Representação Ao criar uma representação da sociedade contemporânea, os questionamentos de Tião não levam o filme a um embate extremamente filosófico, mas alimentam as inquietações das tangentes. O diretor não parece querer mudar o mundo, mas instigar as ambiguidades do mesmo e a construção das relações e dos afetos a partir do que é, à primeira vista, banal em sua obra. A lógica narrativa de “Animal Político” também impressiona, seja no trato ao dirigir um animal de forma extraordinária (destaque para a sequência vertiginosa em que a vaca fica à beira de um “precipício”), ou mesmo no cuidado dos elementos visuais da trama. A direção de fotografia é primorosa e explora os cenários de forma criativa. A segurança de Tião com essa história é tanta que ele se

DIEGO BENEVIDES

Platino

diego.benevides@diariodonordeste.com.br

Políticas públicas PARA COMEMORAR os 15anos dacriação daAgência Nacional do Cinema(Ancine),ainstituição publicou aversão digitaldolivro “Uma Nova Políticapara o Audiovisual:Agência Nacionaldo Cinema, osPrimeiros 15 Anos”,com umpanoramados últimos anosdapolítica pública do audiovisual brasileiro.Aobra foiescritapelo jornalistaecrítico Pedro Butchere está disponívelpara download nositeda Ancine(ancine.gov.br). Omercado audiovisualatravessou um processodereestruturação e experimentouumcrescimento nunca antesalcançado,com todososelos da cadeiaprodutiva atendidosde maneiraarticuladae planejada. Aobratambém abordatambém a aprovaçãodo PlanodeDiretrizes e Metas(PDM),criadoem 2012,e o lançamento, em2014,do Programa BrasildeTodas asTelas, que consolidamapolítica audiovisualem seusplanosteóricos e práticos.O título

DOCUMENTÁRIO“Cinema Novo”, dirigidoporEryk Rocha, lançadonos cinemasem2016 tambémexplicao novo paradigma parao setorbaseado em seis vetores: expansãodo mercado, política multifocal;atençãoàs transformações domercado audiovisuale da sociedade noBrasile nomundo, inclusão, internacionalizaçãoefortalecimentoe democratizaçãoda produçãoeda difusãodoconteúdo brasileiro.

permite quebrar a suspensão dos conflitos ao inserir um curta-metragem, chamado “A Pequena Caucasiana”, no meio da projeção. O estranhamento inicial logo revela o contraponto entre as duas histórias. No curta, uma mulher vive na natureza, em uma alegoria à decadência da classe média, a uma suposta inversão de privilégios. Enquanto a vaca é sagrada e pode partir em busca de seu eu, a moça está presa geograficamente aos pertences materiais e à solidão de uma ilha. Há quem diga que “Animal Político” peca por uma superficialidade política travestida de filme de arte, feito para festivais de cinema, mas, goste ou não, Tião faz algo memorável. Não extraordinário, mas que é impossível tirar da mente após a sessão, seja pelo humor refinado que a trama agrega, seja pelas inquietações de um animal irracional e as formas que ele encontra de se resolver. É uma obra bem-vinda especialmente por refrescar as temáticas políticas do cinema pernambucano.

Terra em Transe A paradisíaca praia de Jericoacoara recebeu a abertura da sexta edição do Festival de Cinema Digital, na última quarta-feira (7), e contou com a presença ilustre de Paloma Rocha, filha de Glauber Rocha. Ela falou sobre os 50 anos do imprescindível “Terra em Transe”, obra homenageada do evento. “A história se passa em qualquer país da América Latina, mas sobretudo fala muito sobre o janguismo no Brasil, a queda das esquerdas, depois a queda das direitas também. O que está acontecendo agora que está caindo tudo. E depois o que sobra é o triunfo da beleza, da poesia”, disse Paloma. Ontem (9), ela também participou do o Seminário “Terra em Transe: 50 Anos”, em que discutiu a importância da obra na filmografia nacional.

Tem filme brasileiro na quarta edição dos Prêmios Platino do Cinema Iberoamericano, que acontece no dia 22 de julho, em Madri. “Aquarius” foi indicado a melhor ficção, diretor e atuação feminina para Sonia Braga. “Cinema Novo” foi indicado a melhor documentário. Coprodução Brasil/Espanha, “Bruxarias” está entre as melhores animações. Por fim, Diego Garcia concorre na categoria de melhor direção de fotografia por “Boi Neon”.

om produção original da HBO e disponível nas plataformas HBO GO e HBO On Demand, o longa-metragem “A Vida Imortal de Henrietta Lacks” é o mais recente trabalho de Oprah Winfrey como atriz. Inspirada em fatos reais a partir do livro escrito por Rebecca Skloot, a trama se passa em 1951 e acompanha uma mulher afro-americana de 31 anos que estava morrendo de câncer. Sob as luzes de um centro cirúrgico, médicos extraíram células do seu tumor, que se revelaram impressionantemente imortais e mudaram a medicina. No entanto, sua identidade e a história dessa doação de células involuntária ficaram desconhecidas por muito tempo. Winfrey interpreta Deborah Lacks, filha de Henrietta. Com a ajuda da jornalista Rebecca Skloot, papel de Rose Byrne, Deborah saiu em busca de informações sobre a mãe que ela não conheceu para entender como a extração de células cancerígenas levou a uma descoberta que mudou inúmeras vidas. A atriz conta que conheceu o livro em 2010. “Estou sempre à procura de histórias que apresentem insights para a trajetória afro-americana de luta e triunfo. Eu queria comprar os direitos para fazer o filme, e conversei com a Rebecca Skloot sobre como eu respeitaria a essência do que ela escreveu, devido ao meu respeito pela escrita como algo sagrado”, conta. A apresentadora já produziu filmes como “Selma: Uma Luta pela Igualdade” (2014) e “O

Grande Debate” (2007), que dão visibilidade à histórias vividas por negros. Em “A Vida Imortal de Henrietta Lacks”, a direção de George Wolf foi fundamental para que Winfrey também aceitasse atuar na obra. “Eu não queria ter um papel, sinceramente. Não queria interpretar a Deborah. Sempre pensei que seria outra pessoa, tinha vários outros nomes na cabeça. Só aceitei porque queria muito trabalhar com o George Wolfe”. Mesmo experiente em frente às câmeras, Winfrey teve aulas de teatro para encontrar a personagem. “Você está no set de filmagem e todo mundo está falando sobre outras coisas, mas você precisa ficar mergulhado naquilo. Então eu tento entrar e ficar mergulhada naquilo, onde quer que seja. Tento viver nesse universo o tempo que for necessário, só sair depois”, reflete Winfrey. Além de um filme que mostra os avanços médicos a partir da descoberta das células HeLa e que rebatem na questão racial opressora na época, Winfrey fala que é sobretudo um filme sobre família. “Milhões de famílias no mundo, não só famílias afro-americanas, vivem com segredos. São coisas que aconteceram, mas a família nunca falou sobre isso, nunca tratou disso, ficou escondido. Depois, quando o que estava em segredo vem à tona, o impacto na vida das pessoas é diretamente proporcional a quão fundo isso tinha sido enterrado. Todas as famílias são assim”, finaliza. (DB)

Novo trabalho de Oprah Winfrey como atriz é no filme original da HBO intitulado “A Vida Imortal de Henrietta Lacks”, inspirado em fatos reais

Websériemusical

BrLab A sétima edição do BrLab – Laboratório de Desenvolvimentos de Projetos está com inscrições abertas até o dia 10 de julho. O encontro acontece entre os dias 19 e 27 de outubro, em São Paulo, durante a 41ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. As atividades do laboratório são direcionadas ao desenvolvimento de projetos de longa-metragem de ficção da América Latina e da Península Ibérica e à qualificação de profissionais da região.

GONZAGÃO Com estreia prevista para 12 de junho, a websérie “Orquestra Sanfônica de Exu”, rodada em Exu, interior pernambucano e na região do Cariri, vai homenagear o músico Luiz Gonzaga. Uma orquestra com 20 sanfoneiros foi formada especialmente para a produção. Para conduzir o grupo, a produção levou para a cidade a atriz e cantora Lucy Alves, paraibana e sanfoneira, e os mestres Luizinho Calixto e Targino Gondim. A websérie conta a história de Gonzagão desde a infância pobre no pé da Serra do Araripe à consagração nacional como expressão da música e da cultura nordestina e brasileira, ressaltando sua memória marcante junto aos moradores. Os episódios estarão disponíveis no site de O Boticário.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.