8 | Caderno3
DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA, CEARÁ - SÁBADO E DOMINGO, 13 E 14 DE MAIO DE 2017
CONTRAPLANO SCI-FI
ORIGINAL
Nos termos da criação humana
O suspense que resiste ao tempo
lhor suspense é aquele sugerido, aqui ele opta pela violência física incapaz de causar qualquer sensação de perigo. Talvez seja apropriado para o público contemporâneo, acostumado com brigas épicas no cinema, mas para o contexto no qual a franquia foi iniciada, acaba se perdendo. As sequências de ação são em sua maioria pobres, com uma exceção em especial: a da batalha envolvendo um gancho que prende o inimigo. Os efeitos visuais foram aprimorados, o que já era esperado, mas não saltam aos olhos.
O diretor Ridley Scott e a atriz Katherine Waterston durante as filmagens de “Alien: Covenant”
Em novo filme da franquia “Alien”, Ridley Scott sofre com a história sucateada no decorrer dos anos DIEGO BENEVIDES Crítico de cinema
R
idley Scott retornou ao universo que o consagrou como cineasta em 2012, quando lançou “Prometheus”, vendido como um prelúdio de “Alien, o Oitavo Passageiro” (1979), um dos filmes mais aclamados da última década. A experiência não foi das melhores, já que tentou justificar muita coisa até então subentendida na obra original. Dessa vez, Scott lança “Alien: Covenant”, que se passa dez anos após os fatos de “Prometheus”. Ao adotar o nome da franquia novamente, “Alien”, o cineasta assume uma responsabilidade inevitável, de dialogar com a trama clássica e, ao mes-
mo tempo, trazer novos elementos para os dias de hoje. Entretanto, assim como “Prometheus” foi uma falha dentro da longeva franquia, que ganhou outras três sequências no decorrer dos anos, este novo filme não cria nada de especial. Dessa vez, uma nave de colonização está em direção a um planeta identificado como habitável. No meio do caminho, os tripulantes são atraídos por outro planeta que também aparenta ter as mesmas características. Por questões de logística e curiosidade, decidem fazer uma parada e explorar o local – que, claro, vai revelar ser habitado também por seres sanguinolentos.
Camadas O processo de concepção de “Alien: Covenant” é permeado especialmente pelos princípios da criação, ensaiados em “Prometheus”, onde seres humanos, androides e alienígenas questionam suas existências como ocupantes de um universo intergaláctico. A no-
va trama tenta criar camadas filosóficas que nem mesmo o filme original considerou ser relevante para aquele momento. Afinal, em 1979, Scott tinha nas mãos um típico filme de terror, com caráter hitchcockiano que dosa muito bem o suspense psicológico com a violência gráfica. Além da tecnologia impressionante para a época, o original se mostra bem mais fresco do que qualquer uma de suas sequências e derivados, justamente por se sustentar na disposição dos elementos dramatúrgicos em cena. Em “Alien: Covenant”, a impressão que fica é que a eterna luta entre humanos e alienígenas se desgastou tanto a ponto de não ter mais para onde ir. Se o próprio criador do filme original teve duas chances de revitalizar a franquia e não conseguiu, o problema se torna patológico e aparentemente irreversível. Se há algumas décadas Scott compreendia que o me-
DIEGO BENEVIDES
Olhares
diego.benevides@diariodonordeste.com.br
Jogo encerrado OFESTIVAL Cine PE, que aconteceriade23 a29demaio, foi suspensoapós amovimentaçãode seterealizadores quepedirama retiradadeseusrespectivos filmes da competição.Em nota oficial,eles afirmamdesconfortoem participar deumaseleção juntoafilmes considerados“dedireita”, referindo-seaoslongas“O Jardimdas Aflições”,sobre Olavo deCarvalho,e “Real–O PlanoporTrásda História”. Paraalém dessaquestão,o Cine PE nuncase mostroupoliticamente neutro,aindaquedeformamenos escancarada.Depoisqueumdeseus diretores,AlfredoBertini, ocupou a SecretariadoAudiovisual durantea gestãodopresidente MichelTemer e facilitouuma supostaperseguição ao filme“Aquarius” comorepresentante brasileironoOscar,os ruídos se ampliaram.Claro queos diretores sabiamdesse contrapontoe, mesmo quetenhamenviado seusfilmes
“ABISSAL”, curta-metragemcearense dirigidoporArthur Leite,foiumdos que pediramasaída doFestival Cine PE espontaneamente,têm odireitode reconsiderarepedir aretirada. Da mesmaformaque osque permaneceramnacompetição têmo direitodeusar oespaçopara dialogar sobreas questões políticasqueos dizemrespeito.Os profissionaisdo setorse dividiramsobre a atitudedos diretores,que não deixadeser uma formaderesistênciapolítica eartística.
Personagens A nova heroína é interpretada por Katherine Waterston que tenta dar profundidade à sua existência, mas não chega perto do que Sigourney Weaver fez ao imortalizar Ripley. Ao mesmo tempo que Waterston não segura o filme sozinha, o elenco secundário é tolo. Temos o personagem que se isola sem motivo aparente apenas para virar vítima dos aliens, além das repetições das rixas entre os tripulantes. Michael Fassbender interpreta novamente, após “Prometheus”, o androide David, dessa vez jogado no limbo. Sua trama particular tenta surpreender no terceiro ato do longa-metragem, mas suas ações não surpreendem quando o desfecho chega. Scott um dia foi visionário o suficiente para pensar um mundo futurístico de maneira invejável dentro da ficção científica, e é isso que faz com que filmes como “Alien, o Oitavo Passageiro” tenha durado de forma fresca quase quatro décadas depois. Por outro lado, a indústria comercial da nostalgia de hoje, que alimenta o público com repetições e realiza filmes como “Alien: Covenant”, abrindo mão do compromisso artístico para se render às bilheterias. Às vezes vira entretenimento bobo; outras, um filler sem necessidade de existir.
Cineclube O Cine Rebuceteio estreia no Cinema do Dragão na segunda-feira (15), às 19h. A sessão de lançamento será com o longa “Histórias que Nosso Cinema (Não) Contava”, de Fernanda Pessoa, inédito em circuito cearense. A obra se comunica diretamente com a proposta do cineclube, que recebeu este nome em homenagem ao clássico “Oh! Rebuceteio” (1984), dirigido por Claudio Cunha, que ficou com estigma de pornochanchada grosseira. Em “Histórias que Nosso Cinema (Não) Contava”, Fernanda Pessoa parte da própria pornochanchada para refletir sobre a ditadura militar no Brasil, através de sons e imagens desses filmes característicos, que mostravam mais sobre o País do que o público imaginava.
Atualmente um dos festivais de cinema mais preocupados com as propostas estéticas e narrativas do cinema, o Olhar de Cinema terá sua sexta edição de 7 a 15 de junho, em Curitiba. Além de fazer um recorte da produção internacional, os filmes brasileiros também sempre são colocados em evidência. Obras como “Navios de Terra”, de Simone Cortezão; “A Casa de Lucia”, de João Marcelo e Lucia Luz; “Meu Corpo é Político”, de Alice Riff, serão exibidos no festival.
O
lado bom de tantas sequências e reboots que a ambiciosa Hollywood lança todos os anos é justamente a possibilidade de sempre poder voltar aos filmes originais. Quase 40 anos depois, “Alien, o Oitavo Passageiro” inspira jovialidade e perspicácia cinematográfica. Se em 1968 Stanley Kubrick realizou uma viagem espacial inacreditável para a época ao lançar “2001: Uma Odisseia no Espaço”, o filme de Ridley Scott não fica atrás. Ambos se utilizam do que há de melhor da tecnologia para construir cenários futurísticos, mas não é apenas o conjunto de efeitos visuais que faz desses dois filmes bons exemplos do passado. Especialmente em “Alien, o Oitavo Passageiro”, Scott entende a perfeita construção do suspense, quase hitchcockiana, ao colocar os seres humanos em conflito com seres de outro mundo. No filme, esse contato revela muito mais do que uma ameaça à humanidade, mas também reflete sobre a curiosidade sobre o universo. Um dos pontos interessantes do filme original é que Scott precisa apenas de um vilão para elaborar toda a jornada perigosa da nave Nostromo. Os tempos do filme são utilizados com primor, a partir da construção do silêncio e da atmosfera de perigo e isolamento. Scott entende que o seu monstro é letal, mas não entrega logo
de cara o que ele é capaz de fazer. Ainda hoje é possível se assustar com a trama, não exatamente pela questão gráfica do inimigo, mas por todo essa dramaturgia. Scott também faz de Ripley, papel eternizado pela atriz Sigourney Weaver, uma heroína forte, empoderada e inteligente. Ela não é a típica mocinha boba que se salva por ser bonita. Pelo contrário, ela é a heroína por saber lidar com a crise que se instala em sua equipe. “Alien, o Oitavo Passageiro” continua atual, seja em termos tecnológicos ou narrativos. A sensação de novidade também favorecia o filme na época e, anos depois, por mais que não seja inovador, Scott conseguiu deixar sua marca criativa que foi tantas vezes reproduzidas no decorrer do tempo. Depois desse grande exemplar, a franquia “Alien” não conseguiu se manter original. Usada como vitrine para novos cineastas em seus respectivos anos de lançamentos, deu oportunidade a nomes como James Cameron, David Fincher e JeanPierre Jeunet, que jamais conseguiram repetir o feito de Scott. Aliás, a visão de Cameron em “Alien, o Resgate” (1986) de transformar um suspense psicológico em um filme de guerra pode ter contribuído para o sucateamento do universo alien inicialmente proposto, fazendo sua parte para que a série aderisse à megalomania desnecessária e sem volta. (DB)
A atriz Sigourney Weaver imortalizou a personagem Ripley em “Alien, o Oitavo Passageiro” (1979), que continua atual quase 40 anos depois de seu lançamento
Memóriaindígena
Fantasia Gary Whitta, um dos roteiristas de “Rogue One: Uma História Star Wars”, teve seu primeiro romance publicado no Brasil, pela editora Darkside Books. “Abominação” é um romance de fantasia dark que reconta um dos capítulos mais sangrentos da história da Inglaterra: as invasões vikings do século IX. Investindo em elementos que transitam entre fantasia, ficção científica, mitologia nórdica e gore, a obra é um mergulho obrigatório no universo dos bárbaros.
DOCUMENTÁRIO Depois do elogiado e premiado “Martírio”, imersão documental e antropológica sobre os Guarani-Kaiowá dirigida por Vincent Carelli, Ernesto de Carvalho e Tita, os diretores Henrique e Marcela Borela lançam “Taego Ãwa”. O filme lida com imagens de arquivo que se misturam a registros recentes dos índios Ãwa. Temática sempre necessária para ser discutida, o longa-metragem goiano faz um registro etnográfico sobre a preservação e a identidade da cultura indígena, criticando a violência sofrida por esse povo. Ainda esse ano, mais um filme com temática indígena deve se destacar nas telonas. Trata-se da ficção “Antes o Tempo Não Acabava”, de Sergio Andrade e Fabio Baldo, rodado em Amazonas.