Coluna Contraplano | Caderno 3 | Jornal Diário do Nordeste | 14/10/17

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DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA, CEARÁ - SÁBADO E DOMINGO, 14 E 15 DE OUTUBRO DE 2017

CONTRAPLANO FESTIVAL DO RIO

DRAMA

Três gerações em conflito

A profundidade das imagens

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Integrante da Mostra Expectativa do Festival do Rio, “Barrage” representa Luxemburgo na corrida por uma indicação ao Oscar 2018 entre os filmes estrangeiros

Universo familiar espinhoso é tema do drama feminino “Barrage”, dirigido por Laura Schroeder DIEGO BENEVIDES Crítico de cinema

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m seu primeiro filme de destaque internacional, a cineasta Laura Schroeder conseguiu reunir a atriz Isabelle Huppert e sua filha na vida real, Lolita Chammah, em um drama que investiga o desmoronamento familiar. Lolita interpreta Catherine, que retorna a Luxemburgo após dez anos morando na Suíça. A filha Alba, vivida pela magnética Themis Pauwels, foi criada pela avó Elisabeth, papel de Huppert. Essa rachadura entre as três, provocada pelo tempo e pela distância, começa a descascar um conflito de gerações turbulento, onde as duras consequências são inevitáveis.

O roteiro de Schroeder, em parceria com Marie Nimier, apresenta situações naturalistas que poderiam acontecer em qualquer família. Aos poucos, é possível imaginar e, às vezes, constatar o que aconteceu entre aquelas mulheres. O mais interessante, no entanto, é que a trama não alivia para nenhuma delas. As três, incluindo a jovem Alba, têm reações questionáveis e fica difícil interceder por alguma delas no decorrer da história. Isso mostra a perspicácia do roteiro de não apelar para situações fáceis demais, ciente de que as marcas do passado serão sempre motivadoras de mudanças hoje, ainda que nem tudo saia como planejado.

Rupturas Contra a vontade da mãe, Catherine se isola em uma casa com a filha Alba, na tentativa de reconquistá-la. Ainda existe afeto entre elas, mas toda vez que ele é manifestado pode causar o efeito reverso. To-

Isabelle Huppert estrela filme ao lado de sua filha na vida real, a jovem Lolita Chammah,em um drama sobre chegadas e partidas das ali omitem algo e suas versões nem sempre são realmente confiáveis. Os conflitos surgem com espontaneidade, mérito de um roteiro que prima por uma construção narrativa sólida. Por mais que Huppert apareça pouco em cena, as interpretações de Lolita e Themis rendem momentos que variam entre o delicado e o raivoso, em um retrato duro das relações afetivas entre três gerações de mulheres. Aliás, “Barrage” foi concebido por uma equipe técnica formada majoritariamente por mulheres. Destaque para a bri-

DIEGO BENEVIDES

Documentários

diego.benevides@diariodonordeste.com.br

A mulher no cinema APROGRAMAÇÃO doCanal Brasilreceberá uma sérieespecial de seisepisódios sobre aparticipação femininaea importânciada lutapela igualdadedegêneronoaudiovisual. A partirdo dia24 deoutubro (terça-feira),sempreàs 21h,oCanal Brasilexibea mostraCine-Delas, formadaporfilmes assinadospor diretoraspremiadasem festivais nacionaiseinternacionais. AjornalistaSimone Zuccolotto investigaopapel femininonocinema brasileiro,em entrevistascom algumasdasmais inspiradoras realizadoras,cineastas, atrizes, produtoraseroteiristas dastelas. Serãoseis episódios,cadaum discutindotemas distintos.No iníciode cadaepisódio,aatrizMaeve Jinkings lêtrechos deescritosdeSimone de Beauvoir,literata francesaíconedo movimentofeminista. AatrizFernandaMontenegro fala sobrea diferençadoolhar feminino

ANNAMUYLAERT estáentre as entrevistadasdesérieespecial do Canal Brasilsobre asmulheres nocinema emfunçõesatrás dascâmeras. A documentaristaHelenaSolberg discorresobre machismoe Helena Ignezfalasobre ochoquetrazidopor“A Mulher deTodos”(1969), deRogério Sganzerla.Asérie trazainda entrevistascom Anna Muylaert,Laís Bodansky,LúciaMurate Ana Maria Magalhães,entre outras.

lhante diretora de fotografia Hélène Louvart, que também fez um trabalho primoroso em “Pina” (2011), de Wim Wenders. Louvart elabora imagens sensíveis que tentam penetrar no universo das personagens principais. Como sugere a metáfora do título, a barragem é uma barreira que impede o fluxo de água, peixes e resíduos. No filme, é nessa barreira que as personagens estão, sempre tentando ultrapassá-la com dificuldade. “Barrage” é sobre as feridas familiares que nunca cicatrizam. É sobre a confiança colocada à prova no lugar, nas nossas próprias origens, onde ela precisava ser pura e inquestionável. Com previsão de estreia para novembro desse ano nos cinemas brasileiros, “Barrage” integra a extensa programação do Festival do Rio e, nos próximos meses, disputa uma vaga no Oscar de melhor filme estrangeiro como representante oficial de Luxemburgo.

Cinema africano Em sua décima edição, a Mostra Internacional de Cinema Africano apresenta programação diversa de filmes entre os dias 16 e 20 de outubro, no Auditório Rachel de Queiroz (CH2/UFC). A mostra gratuita carrega o tema “10 Anos de História e de Cinema em torno de Sotigui Kouyaté e de Moustapha Alassane”. Kouyaté (foto) e Alassane foram realizadores do Mali e Níger, respectivamente, e colaboraram com a disseminação da cultura africana em suas obras audiovisuais. Entre os filmes de destaque estão os curtas-metragens “O Anel do Rei Koda” (1962) e “Samba o Grande” (1977), ambos de Alassane, e o documentário “Sotigui Kouyaté un Griot Moderne” (1995), dirigido por Mahamat-Saleh Haroun.

Mais uma publicação impressa da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine) chega ao mercado. O livro “Documentário Brasileiro – 100 Filmes Essenciais” reúne ensaios sobre produções documentais de diversas épocas e formatos, além de 20 textos que enfocam movimentos que marcaram a história do gênero no Brasil. O livro será lançado dia 26 de outubro, às 19h, na livraria Blooks, como parte da 41ª Mostra de Cinema de SP.

urante o Festival de Cannes do ano passado, o diretor sul coreano Hong Sang-soo aproveitou o cenário francês para rodar “A Câmera de Claire”, retomando a parceria com Isabelle Huppert após “A Visitante Francesa” (2012) e sua musa Kim Min-hee, atriz recorrente em seus filmes. O resultado é um filme com pouco mais de uma hora de duração, que mais parece um prólogo do excelente “Na Praia à Noite Sozinha”, que está em cartaz nos cinemas brasileiros. Seguindo a lógica narrativa adotada nos últimos trabalhos, Sangsoo parte de rotinas comuns para mostrar que as histórias podem ser mais complexas do que a lente da câmera é capaz de mostrar. O Festival de Cannes é o cenário periférico onde se desenvolve a história de Manhee e Claire, duas mulheres que se conhecem ocasionalmente. Seguindo a ordem não cronológica dos fatos, que dá um sabor instigante na trivialidade da história, vemos duas mulheres que encontram um espaço para conversar sobre suas vidas. Manhee foi demitida, em pleno festival de cinema, por aparentemente ter tido um caso com o diretor So (trama que também move “Na Praia à Noite Sozinha”). Sua chefe, no entanto, alega falta de confiança em seu trabalho, ainda que outrora tenha considerado a jovem uma profissional promissora.

Em suas andanças, ela conhece Claire, uma professora francesa que tem o hobby de fotografar o que ela considera bonito no mundo. Entre elas, assuntos sobre o passado das duas surgem e, de alguma forma, elas se conectam para traçar suas possibilidades de futuro. O grande desafio de Sangsoo é construir uma história tão bem articulada e aberta ao improviso com o mínimo de recursos técnicos. Para isso, a competência de Huppert e Min-hee é essencial para que os desdobramentos da história tenham o efeito desejado em cena. Filmando fora de seu país de origem, é evidente a competência do cineasta em elaborar histórias que se comunicam universalmente com o público e que partem não apenas dos conflitos ordinários de seus personagens, mas também dos cenários por onde eles passam. Tudo em quadro aponta para uma informação necessária. No decorrer da projeção, os personagens vão se revelando de formas imprevisíveis e as pequenas surpresas que Sang-soo oferece são deliciosas. Um dos cineastas mais inventivos do cinema contemporâneo, tanto em dramaturgia quanto em truques de como pensar uma obra eficiente, Sang-soo continua incansável ao colocar em perspectiva as reproduções do cotidiano, por meio de narradores que falam não apenas das outras pessoas, mas também dele mesmo. (DB)

Kim Min-hee e Isabelle Huppert estrelam novo drama do diretor sul coreano Hong Sang-soo, exibido na Mostra Panorama do Cinema Mundial, do Festival do Rio

BladeRunner2049

Curadoria Entre os dias 24 e 28 de outubro, a Caixa Cultural Fortaleza ofertará o curso “Curadoria em Cinco Movimentos”, com cinco profissionais experientes em seus campos de atuação. O curso prevê um denso diálogo sobre a curadoria de arte nos dias hoje, área que tem se destacado cada vez mais em museus, exposições e festivais de arte e de cinema. As vagas são limitadas e as inscrições são gratuitas pelo site: curadoriaemcinco.com.br.

EM CARTAZ Em tempos de nostalgia cada vez mais presente em todas as plataformas de consumo, a chegada de “Blade Runner 2049”, dirigido por Denis Villeneuve (dos ótimos “Incêndios”, “O Homem Duplicado” e “A Chegada”), é a aposta da vez para repensar a história originalmente conduzida por Ridley Scott. É notável o quanto Villeneuve se esforça no cargo de diretor para fazer deste um filme minimamente relevante, assumindo a grandiloquência que o blockbuster exige, sem deixar seu lado criativo autoral. Por outro lado, o roteiro tropeça ao esticar a história além do que precisava, criando núcleos sem necessidade dramática e, o principal, sem grandes surpresas ou carisma de seu protagonista, vivido por Ryan Gosling.


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