Coluna Contraplano | Caderno 3 | Jornal Diário do Nordeste | 15/04/17

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DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA, CEARÁ - SÁBADO E DOMINGO, 15 E 16 DE ABRIL DE 2017

CONTRAPLANO DRAMA

CEARENSE

Encarcerado do lado de fora

E

Com previsão de estreia para 27 de abril nos cinemas brasileiros, drama dirigido por Charly Braun é estrelado pelas atrizes Martha Nowill e Maria Manoella

A arquitetura da interpretação Misturando ficção e documentário, “Vermelho Russo” discute o processo de criação de personagens DIEGO BENEVIDES Crítico de cinema

D

uas atrizes em crise profissional e pessoal viajam para a Rússia para participar de um curso focado no método teatral de Stanislavski, famoso por ter estudado e desenvolvido técnicas que possibilitassem aos atores interpretações verdadeiras, capazes de fazer o público acreditar que aquele personagem existe. Essa é a premissa de “Vermelho Russo”, dirigido por Charly Braun, de “Além da Estrada” (2010) a partir de anotações da atriz Martha Nowill, que foram publicadas na revista Piauí, em 2009. Ao lado da atriz e amiga Maria Manoella, ela revive essa aventura que mergulha no pro-

cesso de encenação teatral e, principalmente, nas relações construídas ou destruídas de um mundo artístico. Desde o início da projeção, a câmera de Braun se aproxima das personagens, denunciando a intimidade com que vai tratar essa viagem de autodescoberta. Assim, a mistura entre realidade e ficção cai bem por possibilitar que até situações encenadas possam ser interpretadas como improviso. É interessante perceber como o roteiro, premiado no Festival do Rio do ano passado, vai aos poucos mostrando as tensões entre as duas mulheres, cuja amizade também é exposta sem filtros. Do começo ao fim, elas vivem momentos de glória e tristeza em uma terra estrangeira, onde passam pela dificuldade não só do idioma, mas também dos testes que elas se submetem no teatro. Esse naturalismo dos cenários e dos diálogos cabe muito bem com a proposta inicial de pensar o trabalho do ator e a

construção dos personagens nos palcos. Martha Nowill e Maria Manoella se entregam às situações que também permitem a exploração do humor inteligente, como as conversas que elas têm quando conhecem a Embaixada do Brasil na Rússia.

Encenação Martha Nowill, que ganhou visibilidade no cinema com “Entre Nós” (2013), tem um trabalho magnético, ancorada pela competência de Maria Manoella. A cumplicidade entre elas é testada, bem como as questões relativas à profissão e ao ego feminino. As questões metalinguísticas de “Vermelho Russo” são sutis, quase óbvias, mas nunca incômodas. Isso porque Braun tira de seus personagens ao redor situações que mantém o interesse na trama, ainda que faça pouco proveito de alguns deles, como a atriz portuguesa Soraia Chaves. Mas estão lá outras vozes que discutem com espontaneidade o que é

DIEGO BENEVIDES

Fronteiras

diego.benevides@diariodonordeste.com.br

De olho em Cannes OANO SÓ COMEÇA mesmo depoisdo anúncio da seleçãooficialdo FestivaldeCannes,atualmente amais importantevitrinepara ocinema mundial.Apartirdeagora será possívelacompanhar odesempenho dosprincipais filmes quedevem daro quefalar nodecorrerdo ano.A comissãodo festivalfrancêsdivulgou oslongas-metragensqueestarãona competiçãooficiale emmostras paralelas.Acuradoria desseano privilegiounomesconsagradosdo cinemainternacional,como Todd Haynes,com “Wonderstruck”; Michael Haneke,com “HappyEnd”; Hong Sangsoo,com “Geu-Hu”;Naomi Kawase,com “Hikari”; FrançoisOzon, com“L’Amant Double”, e Noah Baumbach,com “TheMeyerowitz Stories”,entre outros.Apesar da farta seleção,nenhumaprodução da AméricaLatina irá competir.O Brasil participarácom ocurta-metragem “Vaziodo LadodeFora”,de Eduardo

“WONDERSTRUCK”, novo dramade ToddHaynes(“Carol”), integra a competiçãooficialdeCannes BrandãoPinto, namostra estudantil. “Barbara”,deMathieu Amalric, e “SanpoSuruShinryakusha”,deKiyoshi Kurosawa,sãoosdestaques do panoramaUnCertain Regard. A70ªedição doFestivaldeCannes aconteceráde17a28 demaioe teráo cineastaPedro Almodóvarcomo presidentedo júri.

viver de arte, mais especificamente de teatro e cinema, nos dias de hoje. A simplicidade de “Vermelho Russo” é benéfica por não fazer deste um filme ambicioso demais, reconhecendo sua pretensão apenas como reflexão artística. Tudo parece estar no lugar, confortável demais e, mesmo quando as personagens entram em conflito, há a sensação de que tudo vai ficar bem. Martha e Maria Manoella brincam com as camadas da construção do personagem, tanto no teatro quanto no cinema, ao mesmo tempo em que o público percebe o quanto elas se relacionam intimamente com eles. É justamente o fio condutor do que Stanislavski pesquisou, uma representação realista onde os limites entre ator e personagem sejam sutis e a ficção possa abraçar se misturar com situações reais a partir da memória afetiva e das experiências pessoais de seus intérpretes.

Destaque Além dos diretores renomados que irão passar pelo red carpet do Festival de Cannes, a atriz Nicole Kidman também promete brilhar, já que é a grande estrela de quatro produções selecionadas. Na competição oficial, Kidman é a protagonista do remake de “O Estranho que Nós Amamos” (foto), agora dirigido por Sofia Coppola, e “The Killing of a Sacred Deer”, do cineasta grego Yorgos Lanthimos. Fora de competição, Kidman atua em “How to Talk to Girls at Parties”, dirigido por John Cameron Mitchell, com quem ela trabalhou em “Reencontrando a Felicidade” (2010). A estrela também aparecerá na segunda temporada da série “Top of the Lake: China Girl”, que ganhará exibição especial no panorama de comemoração aos 70 anos do Festival.

Aliás, a seleção de Cannes não resistiu às produções televisivas e, além de “Top of the Lake: China Girl”, exibirá também os dois primeiros episódios da nova temporada de “Twin Peaks”, dirigida por David Lynch. Enquanto cede às séries de TV, Cannes também se afasta, esse ano, das grandes produções. Ano passado, Steven Spielberg exibiu “O Bom Gigante Amigo”, mas dessa vez o evento parece que pretende preservar as obras mais autorais e menos comerciais.

xibido no Festival de Tiradentes desse ano, o longa-metragem cearense “Corpo Delito”, dirigido por Pedro Rocha, acompanha a jornada de Ivan, um homem de 30 anos que saiu da cadeia depois de oito anos e entrou em liberdade condicional. Usando uma tornozeleira eletrônica, o personagem tenta sobreviver em sua nova prisão, dessa vez do lado de fora. Assumindo o teor híbrido entre ficção e documentário, o filme se vale da observação do que pode surgir das situações reais. Ivan é um personagem interessante e rende bons momentos, principalmente ao lado de seu amigo Neto, e está constantemente entre o desejo de levar uma vida normal após um passado de crime e a vontade de reintegração social. O reencontro de Ivan com o mundo, a família e a rotina traz reflexões profundas sobre o ser e estar no mundo hoje. Ele pode ter saído da prisão, mas está submetido a um sistema de controle. Mesmo assim, o protagonista sabe que ir contra o que a justiça determinou pode ter um preço mais caro. A liberdade que o diretor tem com Ivan e todos ao seu redor faz com que os conflitos sejam colocados em uma perspectiva onde o protagonista não seja visto exatamente como criminoso ou inocente, mas como um homem que

questiona o seu lugar no mundo dentro dos seus próprios termos. Rocha está acostumado com o cinema de observação e com temas políticos, já que fez parte do coletivo de mídia livre Nigéria, focado em produções que discutem direitos humanos no Brasil. Em “Corpo Delito”, ele discute a violência na sociedade e testa a ótica do espectador. Ao interferir pouco no conteúdo da obra, Rocha está aberto ao inesperado, a um roteiro que se constrói no decorrer da própria filmagem. Essa opção funciona bem, ainda que em algumas sequências os espaços vazios em relação ao que acontece de fato na vida de Ivan sejam notáveis. Mas isso não parece incomodar o realizador, que sabe que tem em mãos um tema e um personagem fluidos, que se comunica de forma acessível e se expõe sem temer ser julgado por quem assiste à obra. A experiência de Rocha com “Corpo Delito” assume sua própria identidade de fazer cinema no Ceará, sendo mais um bom exemplar da diversidade temática e das formas de fazer. Talvez isso seja o mais importante na obra, a possibilidade de poder contar boas histórias da forma que se acredita. E mais ainda, se jogar no mundo defendendo um posicionamento estético e político que é tão bem-vindo à nossa filmografia. (DB)

Documentário cearense “Corpo Delito”, dirigido por Pedro Rocha, está entre os futuros lançamentos da Sessão Vitrine Petrobras, com data a confirmar

Mergulhohistórico

Netflix Dando continuidade às produções originais brasileiras, a Netflix lançará no dia 19 de maio um documentário sobre a cartunista Laerte. Com direção de Eliane Brum e Lygia Barbosa da Silva, o filme intitulado “Laerte-se” faz uma jornada pela vida de uma das mentes mais criativas do Brasil. Laerte passou por três casamentos e três filhos. Aos 57 anos, decidiu revelar sua identidade como mulher transexual. O documentário se propõe a investigar o mundo feminino

EM CARTAZ Depois de uma trajetória marcante em festivais de cinema no ano passado, o documentário “Martírio”, dirigido por Vincent Carelli, em colaboração com Ernesto de Carvalho e Tita, leva para as telonas o resultado de uma pesquisa cinematográfica e antropológica de mais de 10 anos junto aos Guarani Kaiowá. Premiado no Festival de Brasília como Melhor Filme do Júri Popular e Prêmio Especial do Júri Oficial, o filme faz uma análise profunda das relações de luta e resistência das etnias indígenas. O longa entrou para a lista dos 100 melhores documentários na opinião da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine), ocupando a 23ª posição, comprovando sua importância sobretudo histórica.


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