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DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA, CEARÁ - SÁBADO E DOMINGO, 17 E 18 DE DEZEMBRO DE 2016
Contraplano THRILLER
DRAMA
Histórias de amor e vingança
Uma caçada a Pablo Neruda
Indicado a três prêmios no Globo de Ouro 2017, “Animais Noturnos” é o segundo longa do estilista Tom Ford DIEGO BENEVIDES Crítico de cinema
V
encedor do Grande Prêmio do Júri do Festival de Veneza e recém-indicado a três estatuetas do Globo de Ouro 2017, “Animais Noturnos” é a segunda aventura do estilista Tom Ford, que encontrou no cinema um novo desafio artístico. Ford já falou em entrevistas que a moda é algo que você trabalha e em pouco tempo vai embora, fica ultrapassada. Ao contrário dos filmes, que duram para sempre e podem ser revisitados quando diversas vezes. Ao contrário do que se pode imaginar, as duas artes se entrelaçam. Ford passou anos trabalhando com elementos que dialogam diretamente com o audiovisual: fotógrafos, figurinos, contação de histórias. E ele não tem feito muito feio, ainda que seus filmes careçam de certa maturidade que, provavelmente, ele deve adquirir com o tempo. Em 2009, sua influência no métier atraiu os atores Colin Firth e Julianne Moore para “Direito de Amar”, drama de época sensível, mas nada demais. Agora, Ford conta com mais um elenco grandioso em uma proposta bem mais arriscada. “Animais Noturnos” se aprofunda na psicologia das relações humanas, mais especificamente em elementos como a passagem do tempo, que afeta os casais. Susan, interpretada por Amy Adams, trabalha em uma galeria de arte e vive um casamento infeliz. Ela recebe um livro manuscrito do seu ex-marido Edward, papel de Jake Gyllenhaal, e fica atordoada com a história que lê por se projetar na pele dos personagens dessa violenta história de vingança.
Com previsão de estreia para 29 de dezembro, o drama acompanha uma diretora de uma galeria de arte que se vê atormentada com um livro violento escrito pelo ex-marido. Amy Adams é uma das estrelas do elenco
O roteiro brinca com as ficções dentro de uma mesma plataforma. Enquanto Susan lê a história escrita pelo ex-marido, ela se coloca naquele contexto e revisita seus próprios fantasmas familiares e sentimentais. A relação dos dois no passado vem à tona, principalmente o amor que acabou por incompatibilidade de interesses, quando ela considerou que Edward não teria futuro como escritor. O livro que ela recebe, dedicado ao seu nome, a atinge não apenas pela qualidade da trama, mas por retomar os erros de um passado não tão distante.
Identidade Ford tenta emular um pouco do universo do cineasta David Fincher, ainda que drama e thriller não engatem de forma infalível em “Animais Noturnos”. A sensação que dá é de um filme que quase acontece inteiramente, mas a pouca experiência de Ford não permite que ele transcenda um lugar base. A cena inicial, que questiona os padrões da beleza e da arte, trazem um impacto que não se conecta com o restante da trama.
Ainda no primeiro ato, Ford elabora uma sequência de emboscada noturna na estrada de tirar o fôlego, mas a precisão do cineasta vai se perdendo no decorrer da projeção para se resumir a um trabalho visual restrito e que, algumas vezes, não abre mão do cafona, a exemplo das imagens sobrepostas que tentam rimar os personagens em situações diferentes. Assim, Ford se sai melhor ao adaptar o roteiro a partir da obra de Austin Wright, sendo capaz de construir bons conflitos em todos os tempos narrativos. Por outro lado, a didática americana de ser autoexplicativa demais impede que o filme ganhe camadas profundas.
Elenco Dessa vez, o elenco é encabeçado por Jake Gyllenhaal, que encara seu personagem quase como um faroeste contemporâneo. Amy Adams está contida, mas ainda consegue ser magnética em cena. Aliás, esse foi um bom ano para a atriz, que estrelou o ótimo “A Chegada”, de Denis Villeneuve, e agora dá outro mergulho profundo na densidade do papel sob o comando de Ford.
DIEGO BENEVIDES
História
diego.benevides@diariodonordeste.com.br
Fora da disputa NÃOFOI SURPRESA verque “PequenoSegredo”, longa-metragem dirigidoporDavid Schurmanne escolhidopara representaroBrasil no Oscar2017, não conseguiuficar na listadenovepré-selecionados divulgadapelaAcademiadeArtes e CiênciasCinematográficasde Hollywood. Consideradopelopróprio diretor um filme“acara doOscar”, “Pequeno Segredo”dificilmente passaria da primeirapeneira,quecontou com 85 filmesinscritos para ocuparascinco vagasfinais da premiação. Odramafamiliar, quesegue os princípiosbásicos deuma ficção televisivaebusca atodo otempoque opúblicose emocione, sevendeu comoalgoalém do querealmenteé. Talvezjustifique ofatodequeofilme, depoisque foilançado, não recebeu grandesdestaques. Estreou quase silenciosamente.Nãoéruim, mas não representao quehá demelhorno
“PEQUENOSEGREDO”,de David Schurmann,fica deforadadisputa por umavaga noOscar 2017 cinemabrasileiro contemporâneo. Avergonhafoi maiorcom aexclusão de “Aquarius”,deKleberMendonçaFilho, dadisputa. Exibidoem Cannes,o destinoda obrapernambucana ainda resistenamemóriados cinéfilos e da imprensaespecializada,como uma ferramentaimportantede manifestaçãoartísticae política.
Ainda assim, o principal destaque do elenco é Michael Shannon, como um detetive da história escrita por Edward que tenta ajudar a resolver um assassinato. Shannon transita com segurança entre as nuances do personagem e é dele que surgem as melhores soluções para o desfecho da história. Como já era esperado, “Animais Noturnos” se preocupa com a beleza do que está na imagem, seja no figurino assinado por Arianne Phillips e principalmente na direção de fotografia de Seamus McGarvey, colaborador do cineasta Joe Wright que já fez trabalhos notáveis, como em “Desejo e Reparação” (2007) e “Anna Karenina” (2012). A trilha sonora do polonês Abel Korzeniowski é um bom acompanhamento para a trama, mas sem grandes destaques. Em “Animais Noturnos”, Tom Ford afirma seu interesse pelo comportamento humano a partir do imprevisível. Para um diretor com apenas dois filmes até agora, este já é um trabalho grande e ambicioso, que deixa claro que um inevitável amadurecimento de Ford no cinema pode trazer bons frutos em breve.
Estrangeiros Surpresa mesmo foi a ausência do drama francês “Elle”, de Paul Verhoeven, na lista de nove pré-candidatos ao Oscar 2017. A Academia excluiu o filme do processo, ao lado de outro bem cotado, o romeno “Sieranevada”, de Cristi Puiu. A temporada de ouro já começa diferente, quebrando algumas previsões e trazendo surpresas, como “É Apenas o Fim do Mundo”, de Xavier Dolan, na shortlist de filmes estrangeiros. Dos nove, apenas cinco serão anunciados no dia 24 de janeiro. Concorrem, além de Dolan, o favorito “Toni Erdmann” (Alemanha), “O Apartamento” (Irã), “En Man Som Heter Ove” (Suécia), “Ma Vie De Courgette” (Suíça), “Paraíso” (Rússia), “Tanna” (Austrália), “Terra de Minas” (Dinamarca) e “The King's Choice” (Noruega).
O autor Laurent Desbois lança o livro “A Odisseia do Cinema Brasileiro – Da Atlântida à Cidade de Deus”, publicação da Companhia das Letras, com uma extensa pesquisa sobre a identidade do cinema brasileiro. Desbois viaja pelo Cinema Novo, com foco em Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos, passa pelo Tropicalismo, pelo cinema marginal, Embrafilme e Retomada, etapas decisivas para a consolidação da arte cinematográfica no Brasil.
O
aclamado cineasta chileno Pablo Larraín já deixou claro que tem interesse em temas essencialmente políticos. Em “No” (2012), ele evidenciou a repressão chilena de forma crítica, ao jogar um olhar sobre a campanha contra a manutenção do ditador Augusto Pinochet no poder, em 1988. Com “O Clube” (2015), Larraín faz críticas severas à religiosidade em uma das obras-primas da década. Na trama, sacerdotes vivem isolados em uma casa, até que questionamentos sobre o passado sombrio de cada um voltam à tona. Dessa vez, em “Neruda”, o diretor entra no cenário pré-golpe de Estado a partir do olhar do poeta Pablo Neruda, uma das principais vozes de esquerda responsáveis por manter e incentivar os ideais libertários. A pedido do presidente, o policial Óscar Peluchonneau começa uma perseguição a Neruda, criando uma relação entre o real e o fantástico que justificam as motivações deles. “Neruda” tem interesse em falar sobre a temporada de exílio do personagem-título, mas sem amarras, apelando para uma maior liberdade de imaginar situações que nem mesmo a história teria documentado.
Ao optar pelo lirismo e por uma nova representação poética da obra de Neruda, a trama acerta ao não abrir mão da ironia e dos diálogos rápidos que fazem a história crescer, especialmente do segundo para o terceiro ato. Larraín deixa claro que “Neruda” é resultado de subversão narrativa e da imaginação, que transferem a história para outras perspectivas. Por isso, o longa não é exatamente uma cinebiografia e se aceita assim. Também se arrasta por uma história por vezes enfadonha, com narrativa repetitiva que privilegia apenas um jogo de egos. O ator Luis Gnecco interpreta Pablo Neruda de forma tão arrogante quando Gael García Bernal vive o policial Óscar, tom ideal para a personificação proposta pelo diretor. Nenhum é exatamente um herói, embora ambos queiram entrar para a história por realizar algum feito inesquecível. É essa relação entre eles que mantém o interesse no drama – que, ao final da projeção, talvez se revele uma obra inclinada a flertar com a política, com a história e com a poesia, sem se aprofundar, sendo uma representação fraca de um cinema mais vazio do que Larraín tem oferecido em sua carreira. (DB)
Gael Garcia Bernal persegue o poeta Pablo Neruda em drama dirigido pelo cineasta chileno Pablo Larraín e indicado ao Globo de Ouro 2017
OretornodeDonaHermínia
Terror O arquivos do controverso casal Ed e Lorraine Warren, que serviram de base para os filmes da franquia “Invocação do Mal”, foram reunidos pelo autor Gerald Brittle na obra “Ed & Lorraine Warren – Demonologistas”, lançado no Brasil pela DarkSide Books. A obra reúne casos reais que aconteceram, em sua maioria, durante a segunda metade da década de 1970. A edição luxuosa mexe com os nervos, principalmente no capítulo “Annabelle”, a boneca do mal.
SEQUÊNCIA Sucesso no teatro, na televisão e no cinema, o comediante Paulo Gustavo traz de volta um de seus personagens mais icônicos. Dona Hermínia, estrela de “Minha Mãe é uma Peça” retorna aos cinemas a partir do dia 22 de dezembro, do jeito que podemos esperar: divertidamente sem filtro. O segundo filme traz Hermínia tentando lidar com a liberdade dos filhos, que decidem sair de casa. A principal força do roteiro está nos diálogos e no espaço para improviso, que realmente se destaca entre tantas comédias descartáveis do cinema comercial. Por outro lado, ainda carrega aquela cara de especial de final de ano, com pouco ou quase nada de cinema, assumindo o posto de diversão sem compromisso.