Coluna Contraplano | Caderno 3 | Jornal Diário do Nordeste | 21/10/17

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DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA, CEARÁ - SÁBADO E DOMINGO, 21 E 22 DE OUTUBRO DE 2017

CONTRAPLANO MOSTRA DE SÃO PAULO

EM CARTAZ

A fragilidade da vida

Uma histórica guerra ao terror

Primeiro longa-metragem dirigido por Jeorge Pereira é inspirado em fatos reais. Protagonista tetraplégico busca se encontrar no mundo dentro de suas limitações

Protagonizado por Rômulo Braga, filme pernambucano “Organismo” estreia na Mostra de São Paulo DIEGO BENEVIDES Crítico de cinema

B

aiano radicado em Pernambuco, o cineasta Jeorge Pereira conta a tragédia de Diego, um rapaz tetraplégico, no drama “Organismo”, que realiza sua première durante a programação da 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. O diretor relata que a trama surgiu de experiências pessoais em ONGs que cuidavam de pessoas com lesões medulares. As histórias que ele ouviu durante os anos fizeram surgir o perso-

nagem Diego, interpretado por Rômulo Braga, que se vê preso a uma cadeira de rodas e totalmente dependente das pessoas. A narrativa de “Organismo” transita entre o presente e o passado do protagonista para tentar revelar sua humanidade. Ainda criança, a perda do pai faz com que ele questione as crenças religiosas impostas pela família. A espiritualidade é um tema constante na história, especialmente para refletir sobre seu trágico destino. Longe de ser um homem perfeito, Diego vive uma relação irregular com a namorada Helena, papel da ótima Bianca Joy Porte. Entre eles, temas como infidelidade, amor e apoio surgem com naturalidade.

Imagem A direção de fotografia assinada por Breno Cesar e Marcelo

Lordello tem o desafio de transitar entre a imagem sensível e a brutal, nas diferentes fases da vida do protagonista. A câmera sufoca Diego em seus momentos mais densos e a interpretação sempre profunda de Rômulo Braga, um dos melhores atores de sua geração, é essencial para que o público se sensibilize com todos os conflitos de Diego e das pessoas que o cercam. Rômulo Braga e Bianca Joy Porte protagonizam os melhores momentos do longa-metragem, com personagens extremamente humanos, ou seja, passíveis de erros, que escondem segredos, buscam suas necessidades individuais e se preocupam com o entorno. Ainda que o longa exagere nas narrações, os diálogos são dolorosos e o roteiro não se apieda dos personagens. Por

DIEGO BENEVIDES

Fundo Setorial

diego.benevides@diariodonordeste.com.br

Um culto moderno GRANDE ACERTO dasEdições SescSão Pauloao lançarumedição revistae ampliada dolivro “Sétima arte:um cultomoderno”, publicado originalmenteem1978porIsmail Xavier,umdos principais teóricos do cinemabrasileiro emundial. Oautor explicanasnotas do livro quea publicaçãonão altera otexto original, preservandoseupensamentona formacomose definiu. Ismailadiciona comentáriosatuaisnecessários de acordocom aevoluçãodo cinema eda crítica,abordando aconsolidaçãodo mesmocomo formadeartee deque maneiraaestéticacinematográfica se transformouem uma linguagem artísticafundamentalmente moderna, muitoalém doque apenasdiversão. Influenciadopor nomescomo Paulo EmílioSalles Gomese Antonio Candido,oautor desenvolve uma visãoanalítica docinema baseada em umamploconhecimentohistórico, socialecultural do Brasil,o que

OBRA CLÁSSICA deIsmailXavier, “SétimaArte: UmCulto Moderno” ganhanova ediçãorevista eampliada transformaessa esuasoutras obras em leiturasobrigatóriaspara quem se interessaem pensar ocinema como linguagemartística.

outro lado, a excessiva trilha sonora busca o envolvimento emocional do espectador, o que parece desnecessário, já que a própria história se encarrega de sensibilizar por meio de sua proposta narrativa. Felizmente, “Organismo” se afasta do tom de autoajuda funcional e aproveita a condição do seu protagonista para refletir sobre o ser e o estar no mundo, enquanto cutuca a linha tênue entre religiosidade e espiritualidade. Também discute o corpo que comporta a nossa alma e o que nós somos. Um dos mais de 60 filmes brasileiros na programação da Mostra de São Paulo, que esse ano exibirá quase 400 produções de vários países, “Organismo” é um filme pouco pernambucano que se debruça de forma mais universal sobre as questões humanas.

As Boas Maneiras Os cineastas Marco Dutra e Juliana Rojas comemoram os cinco prêmios no Festival do Rio: melhor filme de ficção, melhor atriz coadjuvante para Marjorie Estiano, prêmio da crítica e prêmio Felix (com temática LGBT). Premiado no Festival de Locarno, o suspense ainda não tem previsão de estreia nos cinemas brasileiros, mas exibições estão agendadas na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Na trama, Marjorie Estiano interpreta Ana, que contrata Clara (Isabél Zuaa), uma solitária enfermeira moradora da periferia de São Paulo, para ser babá de seu filho ainda não nascido. Conforme a gravidez vai avançando, Ana começa a apresentar comportamentos cada vez mais estranhos e sinistros hábitos noturnos que afetam diretamente Clara.

A Ancine e o BRDE anunciaram o resultadodo PRODECINE 01/2016 do Programa Brasil de Todas as Telas. Serão investidos R$ 45 milhões, em recursos do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), em longas com destinação para as salas de exibição. São 40 projetos de 13 estados e o Distrito Federal, sendo 25 ficções, 14 documentários e uma animação. O longa “Mais Pesado que o Céu”, do cearense Petrus Cariry, está na lista de contemplados.

A

cineasta Kathryn Bigelow encontrou nas tramas políticas um cenário rico para discutir a violência na humanidade. Primeira mulher a vencer o Oscar de melhor direção pelo ótimo “Guerra ao Terror” (2008), ambientado na Guerra do Iraque, agora Bigelow explora os conflitos sangrentos entre policiais e cidadãos negros que tomou conta de Detroit, nos Estados Unidos, no fim dos anos 60, em seu mais recente filme, “Detroit em Rebelião”. O grande trunfo de Bigelow é a espetacularização dos acontecimentos a partir de relatos reais vividos pelos moradores de Detroit. Não fosse sua extrema competência como realizadora, que transforma o roteiro assinado por Mark Boal (que colaborou com ela tanto em “Guerra ao Terror” quanto em “A Hora Mais Escura”, 2012) um épico de guerra, os exageros poderiam prejudicar a trama. Acontece o inverso. A forma como Bigelow proporciona uma imersão naquele universo violento e discriminatório é extremamente efetiva. Os pontos de vista colocados em cena, seja dos policiais ou dos manifestantes, dialogam com diversas possibilidades de interpretação. Claro que há uma crítica ferrenha à truculência da polícia americana, que abusa do poder da arma “em nome da pátria”, quando, na verdade, várias de suas ações são reflexos do preconceito racial histórico.

Outro ponto é que, por mais que seja uma história que aconteceu décadas atrás, Bigelow nos dá a dimensão de que a discriminação ainda existe e opera de formas semelhantes nos dias de hoje. Passado e presente se misturam para denunciar raízes sociais contaminadas pela intolerância. O ator Will Poulter impressiona ao encarnar um policial dissimulado, que abusa constantemente de seu poder. O filme é perturbador não apenas ao tratar o preconceito racial, mas também ao mostrar como o poder armado ignora qualquer resquício de dignidade social. Com um elenco gigante onde todos estão em sintonia e se entregam à perversão dos fatos, os atores Algee Smith e Anthony Mackie também se destacam. A câmera trêmula ajuda a acentuar o caos que cresce durante mais de duas horas de projeção, que passam em um piscar de olhos. Bigelow, mais uma vez, faz da câmera um elemento essencial para conferir ritmo à trama, explorando os cenários, ações e reações dos personagens. A montagem dos experientes William Goldenberg e Harry Yoon convida o público a ter uma experiência de guerra, onde o certo e o errado são subvertidos e escancarados para o nosso julgamento como espectador. A arma da justiça aponta para os mais fracos e exige, também por isso, que os movimentos sociais resistam. (DB)

Com o excelente “Detroit em Rebelião”, a cineasta Kathryn Bigelow dá as boas vindas à temporada que antecede as principais premiações do cinema

CafécomCanela

Cineteatro São Luiz O Cineteatro São Luiz, em Fortaleza, abre chamada para seleção de 20 curtas-metragens brasileiros produzidos no período de 2007 a 2017. Os filmes receberão cachê pelo direito de exibição em mostra específica no período de 22 a 24 de novembro de 2017. Após esse período, os curtas serão incorporados ao acervo permanente do São Luiz, que poderá dispor de novas exibições gratuitas. Cineastas podem inscrever seus filmes no site (bit.ly/2hJwehN).

EXIBIÇÃO Após receber os cobiçados troféus Candangos de melhor roteiro, atriz e prêmio do júri popular no 50º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, o longa-metragem baiano “Café com Canela” será exibido pela primeira vez em Fortaleza durante o Cine Rebuceteio, no Cinema do Dragão, segunda-feira (23), às 19h. Exemplo de um novíssimo cinema brasileiro popular que parte da narrativa tradicional para inserir novas formas de fazer e pensar cinema, a direção é assinada pelos jovens Ary Rosa e Glenda Nicácio. “Café com Canela” também está entre os 64 longas brasileiros que serão exibidos nas duas semanas da 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que esse ano contará com um total de 394 filmes de diversas nacionalidades na programação.


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