Coluna Contraplano | Caderno 3 | Jornal Diário do Nordeste | 22/04/17

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DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA, CEARÁ - SÁBADO E DOMINGO, 22 E 23 DE ABRIL DE 2017

CONTRAPLANO NACIONAL

DRAMA

O despertar político do herói

L

Adam Driver protagoniza o novo e imperdível drama do cineasta Jim Jarmusch, diretor de filmes como “Flores Partidas” (2005) e “Amantes Eternos” (2013)

A poesia de um homem silencioso Em “Paterson”, o diretor Jim Jarmusch discute a monotonia do cotidiano em contraponto à busca pelos sonhos DIEGO BENEVIDES Crítico de cinema

P

aterson é uma cidade de New Jersey e o nome do protagonista do novo drama dirigido por Jim Jarmusch, que foi recebido com elogios no Festival de Cannes do ano passado. Interpretado com segurança por Adam Driver, Paterson leva uma vida pacata como motorista de ônibus da cidade. Nos intervalos, ele escreve poesias em um caderno secreto, tendo como principal inspiração a obra de William Carlos Williams. Em “Paterson”, a estrutura narrativa se transforma durante a projeção. No início, a ideia de repetição (dos versos, dos planos, da montagem) existe para

registrar a melancolia do protagonista, mas ganha novos significados de acordo com os conflitos que aparecem em sua vida. Em contraponto à vida de Paterson, sua companheira Laura está sempre aspirando um futuro diferente, seja como cozinheira ou como cantora country, e influenciando que o namorado acredite na própria arte, mesmo que não tenha sucesso. O roteiro de Jarmusch evita entrar na esfera do vitimismo. Pelo contrário, Paterson está tranquilo com sua rotina e não se opõe quando a vida pede que ele participe do mundo exterior ao ônibus que dirige e ao caderno onde escreve. Todos os dias parecem iguais, mas não exatamente. Não que ele esteja feliz com a vida que leva, mas talvez ele não saiba como ou não queira sair daquela rotina segura. A literatura é uma possibilidade natural de mudança de perspectiva, mas também pode frustrar as expectativas de Paterson. Por enquanto, ele quer

apenas escrever, rimar e criar. O amanhã nunca se sabe, pode ser tudo igual ou não.

Abordagem O diretor explora a melancolia, a monotonia e a banalidade do mundo contemporâneo de forma extraordinária por tirar beleza poética do minimalismo. Até mesmo os versos que ocupam a tela enquanto Paterson escreve seus textos poderiam ser um capricho visual juvenil, mas cabem com o universo do personagem. Jarmusch também reverte as expectativas do público, criando situações de incerteza, seja quando Paterson é abordado por um carro ou quando, todas as noites, leva o cachorro Marvin para passear. Aliás, o animal é um personagem ativo na trama. Paterson passeia com Marvin todos os dias, mas não estabelece nenhum carinho por ele. A relação entre os dois abre possibilidades para um tom cômico, mas nunca exagerado.

DIEGO BENEVIDES

Gramado

diego.benevides@diariodonordeste.com.br

Dragão de cara nova ADECISÃODO Cinema doDragão dedescontinuara parceriacom a FundaçãoJoaquim Nabuco, de Pernambuco,marcauma novafase operacional.Aidentidade visual mudou,mas aprogramação defilmes nãodeveser impactada.OCinema do Dragãose estabeleceucomo lugar fundamentalpara o audiovisual contemporâneo,indo contraa correntedos complexos comerciais emprol do cinema percebidocomo arte.“A programaçãodo Cinema do Dragãoéummarco estabelecido na cidade.A curadoriados filmes que exibimossemprefoi econtinuará sendofeita únicaeexclusivamente pelaequipedo Dragão,deacordo com asdemandase particularidadesdo públicodeFortaleza.O fim da parceria coma FJNnão terá nenhumimpacto institucional,operacional oucuratorial, sempretivemostotal autonomiae respeitojuntoaosdistribuidores, desdeos depequenoaté osdegrande

CINEMADO DRAGÃO se desliga da FundaçãoJoaquim Nabuco edá inícioà novaetapadefuncionamento porte.Onosso perfildeprogramação nãosofrerá nenhuma mudança”, garanteoprogramador e críticode cinemaPedro Azevedo.Aemancipação certamentefoi motivada pelos conflitosdegestãoquea Fundação JoaquimNabuco passoudesde asaída deKleberMendonçaFilho edeLuiz Joaquimda equipepernambucana.

Adam Driver, mais conhecido pelo papel de Kylo Ren em “Star Wars: O Despertar da Força” (2015) e pela série “Girls”, entrega mais uma interpretação forte. Paterson não nega sua apatia, mas Driver faz com que ele seja sempre interessante em cena, mérito exclusivo dos bons atores. Já a atriz iraniana Golshifteh Farahani traz certa ingenuidade, que cabe perfeitamente com a personagem Laura. Mais uma vez, Jarmusch comprova seu talento como bom contador de histórias. “Paterson” é sobre vidas comuns que passam despercebidas, mas o diretor joga seu olhar primoroso para mostrar que o que parece ordinário pode não ser. Jarmusch coloca em confronto a comodidade e o desejo de ir além, a partir de um jovem que, acima de tudo, é apaixonado por poesia e que, independente do que aconteça, sabe que uma página em branco é sempre uma nova oportunidade para recomeçar.

Belo Jardim A cidade de Belo Jardim, no interior pernambucano, receberá a terceira edição do Festival Cine Jardim, que acontece de 22 a 27 de maio. Com o tema “Cinema social e de identidade”, o evento cumpre o papel de aproximar o público da cidade, que não tem salas de cinema, com o melhor da produção nacional do último ano. Entre os destaques da programação, que está bem mais enxuta em relação às anteriores, decisão acertada da equipe de curadoria, estão os longas “Xale”, de Douglas Soares; “Elon Não Acredita na Morte” (foto), de Ricardo Alves Jr., e “Jonas e o Circo Sem Lona”, de Paula Gomes. Além das exibições e dos debates com os realizadores, o Cine Jardim ainda oferece oficinas para a comunidade, estimulando o interesse pelo audiovisual.

O tradicional Festival de Cinema de Gramado está com inscrições abertas para as mostras competitivas de curtas-metragens brasileiros e longas nacionais e estrangeiros. Em 2017, o Festival de Gramado comemora 45 anos e distribuirá, além dos cobiçados troféus Kikitos, um total de R$280 mil em prêmios. Realizadores podem submeter seus filmes até o dia 21 de maio, de acordo com o regulamento no site oficial do evento (festivaldegramado.net).

ogo no início de “Joaquim”, vemos o protagonista decapitado, em um cenário chuvoso, enquanto narra como chegou até ali. Trata-se de Joaquim José da Silva Xavier, ou Tiradentes, que serviu de exemplo aos outros revolucionários ao trair a Coroa portuguesa, mas entrou para a História do Brasil. Apesar do tom de biografia, o cineasta pernambucano Marcelo Gomes se permite criar em torno da história do herói. Acompanhamos Joaquim ainda como alferes, apaixonado por uma escrava e em busca de ouro para libertá-la. A contextualização do roteiro, então, coloca o protagonista em diversos conflitos até que seja despertado nele sua consciência política, que resultaria na Inconfidência Mineira. Marcelo Gomes acerta ao optar por uma estética rebuscada, que não cai nos clichês do visual histórico tradicional. É um filme contemporâneo abordando fragmentos do passado, o que permite que o roteiro brinque com as quebras temporais e, principalmente, se comunique com os dias de hoje. Isso porque o foco político de Gomes está em sintonia com o Brasil de hoje ao questionar ideologias e a formação de movimentos. Tecnicamente, “Joaquim” é impecável. A câmera não para, seja durante as expedições em busca de ouro ou nas cenas de perseguição, e a direção de foto-

grafia realiza um trabalho exemplar ao registrar as paisagens mineiras. O trabalho de som também é notável, já que grande parte da trama se passa em espaços abertos e isolados. Entretanto, nem só de visual se faz um filme. Por mais claro que seja o objetivo de Gomes ao olhar para o passado, reescrever a história e colocá-la em diálogo com o presente, a trama cambaleia do segundo para o terceiro ato, mudando de foco e deixando lacunas abertas. É difícil se importar com Joaquim e não por já sabermos qual é o seu destino, mas porque o roteiro perde muito tempo divagando sem envolver o espectador nas motivações do personagem. O ator Julio Machado encarna Tiradentes de forma bruta e pouco confiável, o que atrapalha no momento de redenção em que ele precisa “se dar conta” do que acontece ao seu redor. Sua liderança como alferes parecia muito mais legítima do que como um líder do povo e suas transformações internas não convencem. Os excessos também existem, às vezes de forma proposital para reforçar o discurso, mas se desgasta pela falta de ritmo da narrativa. Visualmente competente, mas quase desinteressante em termos de história, o que fica de bom de “Joaquim” é a idealização política, que transformou a História no passado e ainda é arma para mudar o presente e o futuro. (DB)

Exibido na seleção oficial do Festival de Berlim desse ano, “Joaquim” é o novo trabalho do cineasta pernambucano Marcelo Gomes

Cowboysfranceses

Cabíria Seguem abertas até 25 de abril as submissões de roteiros inéditos para a segunda edição do Prêmio Cabíria, que busca dar visibilidade a roteiros de longas-metragens protagonizados por mulheres, aumentando a representação feminina na produção audiovisual brasileira. O melhor projeto será premiado com R$ 7 mil. São aceitos roteiros de ficção em português, que tenham de 70 a 120 páginas, e as inscrições estão abertas no site (cabiria.com.br).

DRAMA Primeiro longa dirigido por Thomas Bidegain, roteirista de “O Profeta”(2009) e “Ferrugem e Osso” (2012), o drama “Os Cowboys” é ambientado em uma parte da França onde a cultura country faz parte da rotina. Na trama, um pai procura pela filha que fugiu com um rapaz muçulmano. A história tenta amarrar os mais diversos conflitos familiares, religiosos e políticos não só entre franceses e muçulmanos, mas também com os americanos, o que dá instabilidade à trama por não decidir ao certo onde quer chegar. O principal problema, no entanto, é a direção pouco dinâmica de Bidegain, que repete estereótipos visuais americanos e tem dificuldade de fazer com que o público realmente se importe com os seus personagens.


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