Coluna Contraplano | Caderno 3 | Jornal Diário do Nordeste | 22/07/17

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DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA, CEARÁ - SÁBADO E DOMINGO, 22 E 23 DE JULHO DE 2017

CONTRAPLANO DRAMA

Desejo e reparação A partir da clássica peça de Maurice Rostand, o cineasta François Ozon volta a falar sobre a morte em “Frantz” DIEGO BENEVIDES Crítico de cinema

O

diretor François Ozon se tornou uma referência no cinema francês por ter construído uma filmografia sólida enquanto explora gêneros e temáticas diversas, misturando sensibilidade e força em suas histórias. Experiente no que faz, Ozon colecionafilmesobrigatórios,como a comédia musical “8 Mulheres” (2002) e a chamada trilogia da morte (ou do luto), formada pelos dolorosos “Sob a Areia” (2000), “O Tempo que Resta” (2005) e “Ricky” (2009). Com “Frantz”, recém-lançado nos cinemas brasileiros, Ozon retorna ao assunto do luto que tanto o fascina. O longa é baseadonapeçadeMauriceRostand, adaptada pela primeira vez para os cinemas no ótimo “Não Matarás” (1932), dirigido pelo alemão Ernst Lubitsch. A versão de Ozon não abre mão do tom clássico do texto, ambientado no pós-guerra entre AlemanhaeFrança.Atrama gira em torno do soldado alemão FrantzHoffmeister,papel deAnton von Lucke, que morreu na guerra. Diariamente, sua noiva Anna, vivida pela bela Paula Beer, deixa flores em seu túmulo vazio, até que ela encontra o jovem francês Adrien, papel de Pierre Niney, Sem conhecer a relação entre onoivoalemãoeofrancêsmisterioso, Anna começa a dividir seus dias e angústias do luto com Adrien. Além deles, os pais do falecido têm papel importante na trama, especialmente por se sentirem culpados ao incentivar que o filho se alistasse. Os mistérios vividos por esse quarteto, a partir da memória de Frantz, são desvendados aos poucos. Ozon joga com as percepções do público ao sugerir inicialmente uma coisa que se revela outra totalmente diferen-

C Os atores

Pierre Niney e Paula Beer brilham na mais recente obra do diretor François Ozon

cada um ganhe significado na vida deles. Niney faz de Adrien um rapaz angustiado,queestásempretentando se comunicar, mas não consegue por estar tomado pela dor. Já Beer interpreta a noiva desolada com um magnetismo absurdo, fazendo de suas simples ações grandes gestos que podem alterar todo o rumo da história.

te, para quem não conhece a obra original. Essa transição se dádeforma natural,semmenosprezar a inteligência de quem assiste ao filme.

A interpretação do elenco é uma das principais forças motoras de “Frantz”. A química entre Pierre Niney e Paula Beer salta da tela e faz com que o luto de

DIEGO BENEVIDES

Ministério

diego.benevides@diariodonordeste.com.br

Nolan em pauta DESTAQUE DA semanaque passou,ocineastaChristopher Nolan foialvo deduaspautas naimprensa. A primeirafoiagitada pelo TheGuardian, quealçouNolan ao “novoKubrick” do cinemacontemporâneo. As opiniões sedividiram nainternet. Enquanto muitosconsideram aobradeKubrick, querealizou“LaranjaMecânica” (1971)e“O Iluminado” (1980),entre outros,estáalém doque Nolan tem feitono cinema comercial,os fãs mais xiitasaproveitarampara aumentar as expectativaspara “Dunkirk”, que estreiadia27 dejulhono Brasil. Combons filmesno currículo,mas supersestimadopela indústria,Nolan falouao EMundoque aNetflix éuma modapassageirae quefilme temque servisto nocinema.Também dividiu opiniões,vistoqueaplataformadigital cadavezmaisconquistaadeptos. Por outrolado,ele nãodeixa deter certa razão– podiater sido menos donoda verdadeao falar isso. Aexperiência do

CHRISTOPHERNOLAN seprepara para lançarseunovo filmedeguerra, o aguardado“Dunkirk” cinemaé algoqueapenas ofatode estarem uma sala deprojeçãopode proporcionar.Por maisfilmes originais queaNetflix produza, aexperiência semprevaiparecer umpouco incompleta,comose ofilme pedissepor favorpara sair datelinha do computadore irpara atelona, lugarde ondenunca deviater saído.

Narrativa O roteiro, adaptado pelo próprio Ozon em colaboração com Philippe Piazzo, não se restringe apenas a mergulhar nas questões psicológicas da morte, mas tambémrelacionaasherançasdeixadas pela guerra nos dois lados da batalha. Parece que Ozon tenta apaziguar as mágoas entre franceses e alemães, já que deixa como mensagem que na guerra todo mundo perde.

Comissão A edição comemorativa de 50 anos do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro anunciou a comissão responsável pela curadoria dos curtas e longas da competição. Beatriz Furtado (foto), professora do curso de Cinema e Audiovisual e da pós-graduação em Comunicação da Universidade do Ceará (UFC), integra a comissão de longas ao lado dos críticos de cinema Heitor Augusto de Sousa e Marcus Santos de Mello e de Pablo Gonçalo, professor da Universidade de Brasília (UnB). Os selecionadores dos curtas serão a pesquisadora Amaranta Emília Cesar dos Santos, o cineasta e programador Daniel Queiroz, a produtora executiva Marisa Merlo e a produtora cultural Thayse Limeira Costa. O festival acontece de 15 a 24 de setembro, na capital federal.

De maio do ano passado para cá, o Ministério da Cultura da gestão Temer cambaleia por nomes que não se sustentam no cargo. O nome da vez é o jornalista Sérgio Sá Leitão, que tomou posse como diretor da Ancine há dois meses. Antes dele, Marcelo Calero pediu demissão após pressões de Geddel Vieira Lima, sendo substituído por Roberto Freire, que também pediria demissão em seguida. O cineasta João Batista de Andrade assumiu e desistiu um mês depois.

Ojogoentreverdadesementiras também aparece pela história como elemento essencial paraaexistênciadaquelespersonagens. Parece que eles estão sempre à beira de um precipício, perdidosnodesconhecimentodecomo lidar com a ausência de quem um dia foi importante em suas vidas. Em “Frantz”, o peso dramático é inevitável, mas Ozon traz uma sutileza ao longa-metragem e não pesa a mão nos conflitos abordados. É um filme silencioso, que permite a entrada da trilha sonora e dos diálogos apenas quando realmente convém. Àsvezes,aprojeçãotambémbeira a monotonia, que é quando revela as barrigadas do roteiro, mas não suficientes para causar desinteresse no público. Ozon também se utiliza da coloração da imagem em preto e branco para trazer um toque de

passado e tristeza nos cenários. Ele só permite que as cores surjam quando os personagens estão minimamente fora do contexto em que o filme se passa, como nas cenas com resquícios de alegria ou alívio. O diretor não se priva de usar a troca de cores constantemente como recurso narrativo, mas em momento algum isso acontece como algo piegas ou forçado. Por possibilitar uma imersão intelectualentre obra e espectador por meio da mise-en-scène e dos diálogos inspirados, o longa alcança o clímax com maturidade, preservando os sentimentos dos personagens e do público. Vale ressaltar também que Ozon é um mestre em inserir novos personagens de forma natural, elaborados para cumprir pequenas funções que, aqui, especialmentenoterceiroato,aparecem como pessoas possíveis na vida dos protagonistas. Em “Frantz”, Ozon também fala sobre o desejo entre dois personagens improváveis, atraídos pelo luto em que vivem. A necessidade humana de ocupar e substituir pessoas e sentimentos é constantemente abordada pela câmera de do diretor. Assim, também questiona os sentimentos e o que fazemos com eles. Mais ainda, discute quanto tempo duram e como se transformam a partir do que é imprevisível na vida. Onde há desejo, também há culpa. E a relação entre Adrien e Annaconsegueesculpirtodasessas camadas a partir de memórias conturbadas de um passado doloroso, bela e brilhantemente ilustradapelaimagemde“OSuicídio”, obra de Édouard Manet que aparece diversas vezes na película. Mais uma vez, Ozon comprovaqueéumdosmelhoresrealizadores de sua geração. “Frantz” é eficaz como cinema e não se rende à narrativa basicamente teatral ou literária. O diretor ressignifica uma história escrita tanto tempo atrás, mas que ainda dialoga politicamente com o mundo e psicologicamente com o ser humano. É delicado e cruel, assimcomo boa parte de suafilmografia, e deixa um gosto amargo quando sobem os créditos.

DeCançãoemCanção

Música A 14ª edição do Festival Mimo de Cinema está com inscrições abertas até o dia 4 de agosto. A programação convoca filmes que tenham a música como argumento principal de suas narrativas. A mostra faz parte do Mimo Festival, evento musical que acontece em Portugal e no Brasil, e que este ano percorrerá três cidades do País entre os meses de outubro e novembro. A mostra é aberta a produções brasileiras que não tenham entrado no circuito comercial.

ESTREIA Premiado por “A Árvore da Vida” (2011), o cineasta Terrence Malick estreia seu novo drama, “De Canção em Canção”, nos cinemas brasileiros. Ao tentar extrair algo existencialista de um escopo narrativo pobre, Malick realiza um filme enfadonho mais preocupado com a estética de comercial de perfume do que com a dramaturgia. Vindo de experiências um tanto questionáveis depois de “Amor Pleno” (2012) e “Cavaleiro de Copas” (2015), o diretor se perde ao tentar tirar romantismo de situações que não inspiram paixão, com personagens desinteressantes com um contorno musical que não funciona. Cabe apreciar o ótimo elenco de peso formado por Michael Fassbender, Ryan Gosling, Natalie Portman, Rooney Mara e Cate Blanchett, que estão ótimos.


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