Coluna Contraplano | Caderno 3 | Jornal Diário do Nordeste | 22/10/16

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DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA, CEARÁ - SÁBADO E DOMINGO, 22 E 23 DE OUTUBRO DE 2016

Contraplano COMÉDIA

Crise nervosa

DIEGO BENEVIDES Crítico de cinema

N

o auge dos seus quase 81 anos, Woody Allen é um dos realizadores mais ativos da indústria, com uma média de um longa-metragem lançado por ano. Por outro lado, nem todos os seus filmes recentes são tão bons quanto “Meia-noite em Paris” (2011) e “Blue Jasmine” (2013), muitas vezes transitando entre o mais do mesmo ou as autorreferências. Não que ele se importe com isso. Foi essa segurança de conhecero seu próprio espaço hoje que fez com que Allen aceitasse umaoferta irrecusávelpara criar uma série de TV para a Amazon, realizando o sonho de tantos outros canais que produzem séries. O cineasta nem sabia direito sobre o que seria a trama de “Crisis in Six Scenes” e chegoua falar por aí que teve dificuldades de pensar em um roteiro de forma episódica.Oresultadomaisparece um longa-metragem conven-

cional, aleatoriamente dividido em seis episódios. A trama é ambientada nos anos1960, emNovaYork.Arotina de Sidney J. Munsinger (Allen) e da esposa Kay (Elaine May) é interrompida quando a jovem revolucionária Lennie (Miley Cyrus), que está fugindo da polícia e do FBI, se instala na casa deles. “CrisisinSixScenes”acompanha basicamente o descontrole do protagonista, em mais uma atuação impagável e hilária de Allen, ao receber a jovem. O conflito de gerações parece ser a abordagem mais óbvia do roteiro, mas não se restringe a isso. Allen discute a política e a militância dos jovens naquela época, fazendo um paralelo sutil com a atualidade. É interessante perceber como, a cada episódio, o pensamento político de Lennie vaicontaminandoosdemaispersonagens, enquanto as discussões sociais se acentuam.

Humor Não é de se espantar que o humor rápido de Woody Allen predomine nos diálogos, com ele muito à vontade para interpretar mais um senhor neurótico ligeiramente adorável. Outro grande acerto da série é trazer de volta Elaine May aos holofotes. A última aparição de-

la nos cinemas foi em “Trapaceiros” (2000), também de Allen. Ela retorna sem muita cerimônia, como a líder de um clube de leitura para a terceira idade, que rende vários dos momentos mais divertidos da série. Por outro lado, não há muito espaço para Miley Cyrus. Talvez porque seu texto não seja tão inspirado quanto os de outros personagens. Mas não chega a comprometer,atéporqueelaserve de escada para a narrativa. Destaque também para o ator John Magaro, sempre ótimo em todas as suas aparições. Vistacomo série deTV, “Crisis inSix Scenes”sofre como desenvolvimento dos arcos narrativos entre episódios, o que seria um problema grave, não fosse o fato de ser uma série disponibilizada de uma vez só pela Amazon, favorecendo o “binge-watching” e reduzindo os danos inevitáveis de dramaturgia.

O ator argentino Leonardo Sbaraglia divide cena com Carolina Dieckmann em drama denso de Marco Dutra, mesmo diretor de “Quando Eu Era Vivo”

umdos maiorescineastas dahistória docinema pode serrevisitada em tela grandenos próximosdias. A“RetrospectivaFrançois Truffaut– 7 Filmespara Recordar”, organizada peloCinemadeArte da RedeCinépolis, trazalgumas dasprincipais obrasda carreirado cineastafrancês. “OsIncompreendidos” (1952)e“Jules eJim –Uma Mulherpara Dois” (1961) abrirama programação.Dehojeaté o dia26deoutubro, serão exibidos “BeijosProibidos” (1968), “ANoiva EstavadePreto”(1968), “Domicílio Conjugal”(1970), “O Amorem Fuga” (1979)e“O Último Metrô” (1980), estreladoporCatherine Deneuvee GérardDepardieu. Alémda capitalcearense, Natal eJoão Pessoatambém recebema programaçãosimultaneamente. A ideiaéqueas demais cidades de atuaçãoda Rede Cinépolis recebama Mostraaté omês denovembro.

“OÚLTIMOMETRÔ” (1980)integra programaçãoretrospectiva em homenagema François Truffaut Osfilmes fazem partedeum primeiro panoramaem homenagema Truffaute oprocesso decuradoriapassoupelas mãosdeumacomissão formadapor membrosda AssociaçãoCearense de CríticosdeCinema (Aceccine)ede outrasentidades especializadas emna linguagem.Apróximaleva defilmes deveserrelançadaapenas em2017.

dirige, roteiriza e estrela nova série de comédia com Elaine May e Miley Cyrus

Não será uma surpresa se Allen entrar no filão de atores favoritos para as próximas premiações da TV. Afinal, não é todo dia que vemos um dos maiores roteiristas do cinema como personagem regular da própria trama que criou. Mesmo assim, ainda não existem planos de criar uma nova temporada de “Crisis in Six Scenes”, o que reforça o fetiche urgente da Amazon (e do público, talvez) de ter, de qualquer jeito, Allenrealizandoumtrabalhoexclusivo como esse. O cineasta não se fecha totalmente aos ganchos para continuar a história, mas deixa uma sensação de missão cumprida ao entreter o público e discutir política de forma leve, sem muitos protocolos. No momento, ele se dedica a mais um novo longametragem surpresa, com previsão de estreia para o próximo ano, e sem título definido ou informações sobre o roteiro.

Cinema cearense

diego.benevides@diariodonordeste.com.br

PARTE DAFILMOGRAFIA de

U

O tão aguardado projeto da Amazon com Allen saiu do papel com muito bom humor, mas não deve ter uma segunda Futuro temporada

Woody Allen

“Crisis in Six Scenes” é puro Woody Allen e, mesmo não sendo tão inovadora assim e talvez criada com pouca paixão, não deixa de ser uma delícia assistir. Também é superior a alguns de seus filmes mais recentes, como “Magia ao Luar” (2014) e “Para Roma, com Amor” (2012).

DIEGO BENEVIDES

Recordar Truffaut

Sobre os medos de cada um ma cena de estupro abre “O Silêncio do Céu”, de Marco Dutra. Enquanto Diana, interpretada por Carolina Dieckmann, é violentada, o namorado Mário, papel de Leonardo Sbaraglia, fica incapaz de reagir contra os agressores. As cenas a seguir são de um luto velado para ambos. Diana não consegue falar sobre o que aconteceu e Mário entra em paranoia por não ter feito nada. A história é contada pelo ponto de vista dele, que não sabe muito bem como ajudar Diana. Adaptado do livro “Era El Cielo”, de Sergio Bizzio, o filme parece o projeto perfeito para Marco Dutra, que tem buscado desenvolver crônicas sociais nas quais o drama e o suspense andam de mãos dadas. Dutra foi um dos responsáveis pelo ótimo “Trabalhar Cansa” (2011), ao lado de sua parceira criativa Juliana Rojas, e criador de “Quando Eu Era Vivo” (2012), entre outros trabalhos significativos. Em “O Silêncio do Céu”, o cineasta está no auge da sua maturidade cinematográfica. A partir da visão de um mundo opressor onde as mulheres são vítimas, ele expande sua abordagem ao dar a sensação de que ninguém está seguro hoje. Os elementos dramáticos se misturam com um turbilhão psicológico que adquire tons pavo-

C

Série “CrisisinSixScenes” reafirmaoincansável trabalhocriativode WoodyAllen,mais neuróticodoquenunca

NACIONAL

Suspense O cineasta Mike Flanagan, elogiado por filmes de suspense como “O Espelho” (2013) e “Hush: A Morte Ouve” (2016), sabia do risco ao assumir a sequência de “Ouija: O Jogo dos Espíritos” (2014), que não foi muito bem aceito pelo público e pela crítica. Em entrevista, Flanagan chegou a afirmar que aceitou roteirizar e dirigir “Ouija – Origem do Mal”, atualmente em cartaz nos cinemas, porque tinha uma boa ideia para explorar. E tinha mesmo. As mãos do cineasta no segundo filme, que se passa antes do original, são essenciais para retrabalhar os clichês do gênero em uma trama que satisfaz em drama e suspense, além de trazer boas sacadas e uma dinâmica cênica instigante. Não é o melhor dele, mas certamente salva a franquia “Ouija” do fracasso duplo.

Cinco produções cearenses estão na programação da 8ª Semana dos Realizadores, um dos principais e mais requisitados eventos que discutem o cinema brasileiro autoral. São os curtas “Cisão”, de Yuri Firmeza, e “Ventania”, de Igor Câmara, e os longas “O Estranho Caso de Ezequiel”, de Guto Parente; “O Último Trago”, de Luiz Pretti, Pedro Diógenes e Ricardo Pretti, e a coprodução RJ/CE “Aracati”, dirigida por Aline Portugal e Julia de Simone.

rosos, no bom sentido, em relação ao destino dos personagens, interpretados com densidade por Dieckmann e Sbaraglia. As imagens e o trabalho de som minucioso constroem a atmosfera de perigo constante que o roteiro pede para, principalmente, trazer novas camadas para o tema principal. A tensão se desenvolve de forma gradativa, a partir de alegorias e representações sobre família e relacionamentos abusivos. A escolha de fazer com que os personagens contem em off seus medos privados e suas intenções é acertada, colaborando para a complexidade da trama. A destreza do cineasta ao expurgar esses sentimentos íntimos é impressionante, assegurada por uma direção que dá o rumo adequado para uma história violenta, mas que não deixa de ser sensível, na medida do possível. “O Silêncio do Céu” é quase um conto de terror psicológico, onde o susto se dá por meio do entendimento de que o ser humano precisa evoluir dentro de uma sociedade historicamente cheia de rachaduras. Com o olhar nesse universo tão longe e tão perto de nós, a obra revela sua importância temática, mas surpreende mesmo pelo domínio dos elementos narrativos utilizados na criação de mais um filme brasileiro obrigatório e de bom gosto. (DB)

Produçãouniversitária

Série documental Depois dedirigir e lançar o filme“Getúlio” e asérie “Amores Livres”,o cineasta João Jardim pegou maisum projeto do canal GNT.Em “Liberdade deGênero”, eleviaja pelo Brasilem busca de personagens que discutem a identidadede gêneroem suas maisdiferentesvertentes. O trabalhode investigação eo respeitopelos personagens fazemcom que a série seja um ótimoserviço para expandira mentee desconstruirideias erradassobre um assunto ainda novoepouco debatido.

FESTIVAL A edição de 15 anos do NOIA – Festival do Audiovisual Universitário vai reunir, além do cinema, mostras universitárias de bandas e de fotografia. A iniciativa abre o leque para a produção universitária sempre crescente. Entre os 19 curtas-metragens selecionados para a Mostra Competitiva Brasileira estão “Abissal” (foto), de Arthur Leite, premiado no É Tudo Verdade, o mais importante festival de documentários do Brasil; “Janaína Overdrive”, história cyberpunk de Mozart Freire, e “Balada para os Mortos”, novo trabalho de Lucas Sá. A programação gratuita acontece de 22 a 27 de novembro na Caixa Cultural. A lista dos selecionados está disponível no Blog de Cinema (blogs.diariodonordeste.com.br/blogdecinema).


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