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DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA, CEARÁ - SÁBADO E DOMINGO, 24 E 25 DE JUNHO DE 2017
CONTRAPLANO THRILLER
DRAMA
À beira do fim do mundo
O terror da queda familiar
Trey Edward Shults investe na trama familiar com toque de horror para falar sobre o apocalipse inevitável DIEGO BENEVIDES Crítico de cinema
U
ma epidemia se espalha pela cidade. Isolada em uma floresta, uma família tenta se livrar da contaminação que surge rápida e irreversível. “Ao Cair da Noite”, segundo longa-metragem do jovem cineasta americano Trey Edward Shults, parte de um mergulho na vida de uma família, assim como aconteceu no ótimo “Krisha” (2015), para revelar algumas feridas internalizadas fundamentais para definir o destino dos personagens. A família de Paul, interpretado com grandeza por Joel Edgerton, representa o provável declínio da classe média, cujos bens se foram à medida que a epidemia se alastrou. Sem privilégios e vivendo à margem do apocalipse, ele tenta proteger a esposa Sarah, vivida por Carmen Ejogo, e o filho Travis, papel de Kelvin Harrison Jr. Ao contrário do que seria óbvio fazer, o diretor elabora esse fim do mundo acontecendo dentro de uma simples cabana. São poucas as informações do que acontece fora da casa. A luta pela sobrevivência em um universo micro diz mais sobre quem são aqueles personagens do que se eles estivessem fugindo de zumbis ou algo do tipo no meio da cidade. Tudo muda quando Will, vivido por Christopher Abbott, invade a residência de Paul. Com medo de ele estar contaminado, Paul submete Will a tratamentos de tortura para descobrir mais sobre o rapaz. Ele tem uma esposa e um filho esperando por água e comida na floresta. Ao decidir confiar em Will, as duas famílias se juntam na mesma casa.
Diretor de “Krisha”, que se tornou febre em Cannes 2015, passa com louvor pelo teste do segundo longa-metragem. A obra anterior não foi sorte de principiante, já que “Ao Cair da Noite” se estabelece como filme contemporâneo obrigatório
Toda a mecânica roteirizada por Shults parece que já foi abordada exaustivamente pelo cinema de gênero, mas o diretor vai além. Os conflitos seguem como clichês, mas as resoluções são sempre brilhantes. É a forma que Shults tem para envolver o espectador no óbvio e, na sequência, mudar a recepção dele inesperadamente. Filmando com rigor estético, Shults faz um excelente uso do espaço claustrofóbico onde os personagens vivem. Quando decide correr pela floresta, a sensação de insegurança se amplia. O jogo de luz e a trilha sonora sempre eficaz, que já virou marca do cineasta, são essenciais para manter o clima inóspito e inseguro da trama.
Conflitos O desenvolvimento aparentemente morno das situações também leva a um desfecho cruel, que abre camadas sobre o comportamento humano. Shults questiona o que seria uma situação limite e o que se
pode fazer para se salvar do fim do mundo. Ele também brinca com a transformação das pessoas em selvagens, cujos princípios estabelecidos em um mundo real sem epidemia podem ser simples mecanismos práticos de convivência em sociedade. Ao juntar as duas famílias em um mesmo teto, Shults se aprofunda na organização social em um panorama micro, onde as regras são claras, mas difíceis de serem cumpridas. Mesmo que custem a vida e a serenidade entre eles, há sempre alguém seduzido pelo que há de mais estranho acontecendo ao redor da casa. Tanto que não seria imprudente relacionar “Ao Cair da Noite” com “Dogville” (2003), clássico de Lars von Trier que coloca seus personagens à beira do fim para recomeçar de alguma forma, mesmo cientes de que cada ação gera uma consequência e, muitas vezes, podem fugir do controle. Paul e sua família também estão
DIEGO BENEVIDES
Circense
diego.benevides@diariodonordeste.com.br
Domingo passado NO MEIODE tantahumilhaçãoque Maísa Silva,15 anos,passouolado dos apresentadoresSilvio Santos eDudu Camargo,noúltimo domingo, ao vivo noSBT,um pontoda conversa quase passadespercebido. Ajovem falaquedesejaestudar Cinema“paraentender comofunciona epoder dirigir”.Silvio simulaque ele seriao diretordo filme, enquantoela,a atriz.Maísaresponde:“não, eu soua diretora”.O apresentadora ignora solenemente,quando seria umaótima oportunidadepara falar sobreas mulheresnocinema. Maisdo quenuncahá uma lutapor igualdadedegêneronocinema.O mercadoainda épredominantemente masculino,masapresença das mulheresnão seresume mais ao elencoou aoscargostécnicos.“Cada mulherquevaicontandosua história, queapresenta sua temática,está inspirandooutra menina”,disse LeandraLeal,diretorado doc“Divinas
SILVIO SANTOS protagonizouumdos momentosmais constrangedores e machistasdoano até agora Divas”,emcartaz nos cinemas.Eé nessaresistência contraomachismoda indústriada arteem geral,não apenas nocinema, queé possívelencontrar algumconforto. Olamentável episódio sómostra oquantoanovageração tem espaçopara mudarperspectivasque ficarampararam notempoe não se aplicammais.
delimitados geograficamente e a relação com os recém-chegados é incerta. Ao contrário do que o trailer vende, “Ao Cair da Noite” não é um filme de terror tipicamente comercial, restrito a jogar em tela as aberrações gráficas que causam sustos aleatórios, ou mesmo utilizar o som para fazer a plateia pular da cadeira. Shults tem nas mãos um drama familiar cujas arestas de horror se evidenciam com os clichês que surgem, mais ou menos como aconteceu com “A Bruxa” (2016). É extraordinário exatamente por mostrar que existem formas de fazer um thriller sem apelar para o óbvio. Falar sobre as difíceis relações familiares conferindo a elas um tom de suspense é o que tem marcado a carreira de Shults que, desde já, se estabelece como um dos cineastas mais criativos, requintados e inventidos do cinema jovem contemporâneo.
Universitário O NOIA – Festival do Audiovisual Universitário está com inscrições abertas até 29 de julho para curtas-metragens brasileiros, exposição fotográfica e bandas cearenses. Consolidado como um dos mais importantes do circuito nacional que dá espaço à produção acadêmica, o NOIA está agendado para acontecer entre os dias 3 e 8 de outubro, na Caixa Cultural Fortaleza. Para a seleção de filmes, as obras precisam ter duração máxima de 20 minutos, com data de realização entre janeiro de 2016 e julho de 2017. Podem se inscrever curtas de ficção, documentário, animação ou experimental produzidos por realizadores brasileiros regularmente matriculados em instituições de ensino acadêmicas ou técnicas das redes públicas ou privadas.
Chico Diaz, Silvia Buarque, Gero Camilo e Everaldo Pontes, que compõem o elenco principal do longa-metragem cearense “Os Pobres Diabos”, dirigido por Rosemberg Cariry, participaram na última quinta-feira (22) do pré-lançamento da obra. Com previsão de estreia oficial para 6 de julho, o filme foi premiado pelo júri popular no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro de 2013 e agora, quatro anos depois, finalmente chega às salas comerciais.
B
aseado em um curta-metragem homônimo, “Krisha” foi exibido na Semana da Crítica do Festival de Cannes 2015, colocando não apenas o diretor Trey Edward Shults, mas também a atriz Krisha Fairchild em evidência. A partir de uma história real da própria família, o diretor misturou seus parentes com atores profissionais em um reencontro no dia de Ação de Graças. O retorno da protagonista que dá nome ao título traz de volta fantasmas do passado ainda não resolvidos. O prólogo do filme, um plano sequência de quase sete minutos, mostra o tom que a trama adotará até o fim. Krisha é uma personagem deslocada e que tenta reconstruir os laços, mesmo sabendo que é uma tarefa árdua. Para criar essa sensação de inadequação, a câmera sempre dinâmica de Shults explora os cômodos da casa com fluidez, mostrando os demais personagens em perfeita sintonia familiar, enquanto Krisha não cabe ali. A trilha sonora espetacular também colabora para aquele ambiente hostil. O roteiro descasca camadas do passado daqueles personagens, que não conseguem esquecer o que aconteceu. Não há espaço para o perdão. Krisha parece estar sempre sozinha no meio dos leões. Os motivos pelos quais ela se afastou da família são revelados de forma sutil e podem até pare-
cer banais à primeira vista, mas o longa-metragem não se poupa dos diálogos impiedosos. Shults tem uma obra rara em mãos por vários motivos. Além de uma história pessoal, o trabalho de ator que faz com seus familiares é exemplar. Por mais roteirizado que seja, o filme deixa uma sensação de registro real, em especial quando a avó do diretor protagoniza uma cena em específico. Sofrendo da doença de Alzheimer na vida real, ela rende uma das cenas mais angustiantes da obra. Enquanto o filme acontece, de maneira verborrágica e cruel, acumulamos sensações estranhas. Ao final, é possível ficar indiferente ou entrar em um profundo buraco negro sem volta pela angústia de ter visto a decadência de uma família que um dia se amou. Em seu filme de estreia, Shults escolheu dirigir um drama familiar com contornos de terror. Não dá medo e nem existem monstros, a não ser aqueles que voltam do passado para nos colocar à prova. Shults também não toma partido de nenhum dos lados e evita mergulhar demais em autoexplicações, o que cai bem justamente por convidar o público para, a partir de suas experiências pessoais, pensar sobre aquele caso de família. “Krisha” é uma obra crua que revela a pureza do cinema de autor ao revelar um filme pequeno que transporta o público a grandes proporções. (DB)
Disponível na Netflix, o drama familiar “Krisha” é o primeiro longa-metragem realizado pelo cineasta americano Trey Edwards Shults
MulherdoPai
Cancelado O Festival Cine Esquema Novo – Arte Audiovisual Brasileira, um dos mais importantes do Sul do Brasil, anunciou que não fará sua edição em 2017. Segundo os organizadores, “a ausência dos repasses de financiamento por parte de nosso principal parceiro correalizador, a Prefeitura de Porto Alegre, leva-nos a esta decisão”. A nota informou também que os pagamentos prometidos para a edição de 2016 ainda não foram realizadores.
ESTREIA A cineasta Cristiane Oliveira lança nos cinemas seu primeiro longa-metragem, o drama “Mulher do Pai”, estrelado por Maria Galant e Marat Descartes. Premiado no Festival do Rio e exibido na programação do Festival de Berlim, o filme venceu um total de oito prêmios em festivais nacionais, entre eles o de melhor Direção no Festival do Rio e Prêmio da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine) na Mostra Internacional de São Paulo. A trajetória de prêmios é um retrato da cinematografia atual produzida no Rio Grande do Sul, que tem se destacado cada vez mais no cenário nacional e internacional, com obras que ressaltam a qualidade técnica e artística das recentes produções.