Coluna Contraplano | Caderno 3 | Jornal Diário do Nordeste | 25/02/17

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DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA, CEARÁ - SÁBADO E DOMINGO, 25 E 26 DE FEVEREIRO DE 2017

CONTRAPLANO OSCAR 2017

Temporada de ouro Premiação do Oscar acontece neste domingo e busca a diversidade entre os principais indicados do ano DIEGO BENEVIDES Crítico de cinema

É

inegável o favoritismo de “La La Land – Cantando Estações” ao Oscar 2017, fruto de uma trajetória de prêmios e jogadas de marketing que elevaram o romance musical de Damien Chazelle a alcançar 14 indicações. Ao mesmo tempo, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, responsável pela premiação, busca trazer mais diversidade ao perfil dos indicados, principalmente no que diz respeito aos filmes que refletem a temática da história e da cultura afro-americana. O panorama desse ano foi construído após a Academia ter sido taxada de preconceituosa pela ausência de indicados negros na edição anterior. Não demorou para que novos membros fossem convidados a integrar o grupo, já refletindo um pouco as mudanças entre os indicados da temporada. Das nove obras que concorrem a Melhor Filme, três seguem esse caminho: “Moonlight: Sob a Luz do Luar”, “Estrelas Além do Tempo” e “Um Limite Entre Nós”. É curioso, no entanto, que a edição mais diversa do Oscar mantenha como favorito “La La Land – Cantando Estações”, um filme que não sai dos padrões afetivos nem discute nenhuma questão política, social, racial ou cultural.

Favoritismo É fácil gostar do musical estrelado por Emma Stone e Ryan Gosling, já que explora a temática da superação dos desafios, sempre muito bem-vinda aos votantes da Academia. O longa também faz uma homenagem à época de ouro dos musicais, alternativa nostálgica que também é truque fácil para conquistar os votantes e o público, que comprou muito fácil o romance ambientado em Los Angeles.

Mesmo nesse panorama de favoritismo, o único que aparentemente pode destronar o musical é “Moonlight: Sob a Luz do Luar”, um drama denso que mergulha em questões necessárias de segregação racial, sexualidade e entendimento de mundo. A partir de uma peça teatral, a direção de Barry Jenkins explora a linguagem e os recursos do cinema contemporâneo para se encontrar em tela, resultando em uma experiência humana e política. Em um mundo perfeito, outros indicados também teriam vez, não fosse toda a repercussão de “La La Land – Cantando Estações”. O drama “Manchester à Beira-mar”, de Kenneth Lonergan, faz a mescla perfeita entre forma e conteúdo para expor as relações familiares conturbadas e dolorosas. Lonergan tem nas mãos um filme potente, tecnicamente irreparável e conta com a entrega de Casey Affleck no papel principal. O ator é um dos favoritos ao prêmio, mas precisa desbancar Denzel Washington por “Um Limite Entre Nós”. Ao lado de “Moonlight: Sob a Luz do Luar” e “Manchester à Beira-mar”, mais dois não podem passar despercebidos. “A Chegada” e “A Qualquer Custo” exploram a pureza de seus gêneros, a ficção científica e do faroeste, respectivamente. Ainda em uma premiação ideal, eles mereceriam maior destaque por valorizar a contribuição artística.

Favorito do ano, o musical “La La Land – Cantando Estações” lidera com 14 indicações. “Moonlight: Sob a Luz do Luar” e “Manchester à Beira-mar” podem surpreender

do pelo excelente “Elle”, dirigido por Paul Verhoeven, que sequer foi lembrado na lista de produções estrangeiras. Entre os coadjuvantes, Mahershala Ali, de “Moonlight: Sob a Luz do Luar”, tem mais chances, mas Dev Patel pode surpreender por “Lion: Uma Jornada para Casa”. No time feminino, Viola Davis parece indestrutível em “Um Limite Entre Nós”, mesmo com o trabalho profundo de Naomie Harris em “Moonlight”. Como toda grande premiação, ausências e excessos sempre irão existir. Pegando carona na questão da diversidade e das temáticas transformadoras, o excelente “Mulheres do Século 20” recebeu apenas uma indicação a Melhor Roteiro Original e poderia muito bem figurar na categoria principal e de direção. Annette Bening, Greta Gerwig e Elle Fanning também estão extraordinárias, mas foram esquecidas, assim como Amy Adams e seu trabalho soberbo em “A Chegada”. Com o Brasil fora da disputa, o alemão “Toni Erdmann” é o favorito entre os estrangeiros, enquanto “O.J.: Made in America” gera controvérsia en-

Interpretações Além de Casey Affleck e Denzel Washington, que disputam a estatueta de melhor ator, temos Emma Stone e Isabelle Huppert como as mais fortes entre as atrizes. O favoritismo, claro, é da jovem Stone, ainda que Huppert tenha feito o trabalho de composição de personagem mais marcante do ano passa-

DIEGO BENEVIDES

Questões raciais

diego.benevides@diariodonordeste.com.br

Girl power no cinema DE ACORDO com um levantamentofeito peloinstituto The Centerforthe Studyof Women in Televisionand Film, oano de2016 teveomaiornúmero defilmes estreladospor mulheresnahistória do cinemahollywoodiano. Apesquisasomou 29produções entre os100 principais sucessosdo ano passado,entre elasosblockbusters “RogueOne– Uma HistóriaStar Wars” (foto)e“Caça-Fantasmas”. Os protagonistasmasculinossomaram 54%enquanto 17% representa protagonistasem conjunto.Em 2015, amarcafoi de22%.Asmulheres aparecemmaisem comédias(28%), dramas(24%)e filmesdeterror (17%), emcontraste com osprotagonistas masculinosquepredominamem dramas(30%)e filmesdeação (30%). Outrodado é que37% dasproduções quetrazemvários protagonistas tambémtêm mulheresentre as personagensprincipais.

FELICITY JONES foiumdos destaques entreas protagonistasmulheres em “RogueOne: UmaHistória Star Wars” Onúmeroainda estálongedeser o ideal,masjá mostra uminteresse crescenteem exploraro universo femininonomercado americano.O principalproblema, noentanto, éa baixarepresentatividade demulheres nadireçãodefilmes.O númeroainda é menoremoutros cargos técnicos,como ediçãoe direçãodefotografia.

Falha técnica O instituto também aponta outro levantamento que conclui que as mulheres ocuparam apenas 17% dos cargos de diretores, roteiristas, produtores, produtores executivos, editores e diretores de fotografia dos 250 principais filmes que foram sucesso de bilheteria. Apenas 7% delas estiveram na direção, considerado um dos mais importantes na realização de uma obra. Em outros cargos, como o de compositora, apenas 3% participam do processo. A presença feminina também é uma questão no cinema brasileiro. Ano passado, dos 21 curtas e longas-metragens que concorreram nas mostras principais do Festival de Brasília, a vitrine mais importante do circuito brasileiro, apenas 7 eram dirigidos por mulheres.

A lenta conquista da mulher na pomposa indústria do cinema não é apenas uma questão de gênero. Ainda existe muito a mudar entre os produtores de cinema nos quesitos raciais, onde os números são mais injustos e preocupantes. Ano passado, 76% dos personagens femininos eram brancos, contra 14% de negros, 6% de asiáticos, 3% latinos e 1% de outras raças. A porcentagem de brancos é a mesma em relação a 2015 e a de negros cresceu apenas 1%.

A Academia busca diversificar a lista de indicados e as abordagens temáticas dos concorrentes da 89ª edição do Oscar tre os documentários. A minissérie da ESPN virou o longametragem favorito contra outros documentários com “Fogo no Mar”, “A 13ª Emenda” e “Eu Não Sou Seu Negro”. O Oscar, afinal, é a opinião de um grupo de profissionais da indústria que buscam reconhecer o que mais importa para eles no momento. Como toda premiação, favoritos e questionamentos sempre existirão e nos permite pensar as fronteiras e desafios do cinema. Por mais importante que o Oscar seja, ele ainda não consegue abranger a diversidade de experimentações do cinema mundial, mas tenta, da sua forma, cantar a bola da vez, ganhe o melhor – um conceito que per si já diverge quando se trata de arte – ou o mais conveniente para o momento.

Olharparaahistória

Estar atento Ano passado, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, responsável pela premiação do Oscar, convidou 683 novos integrantes em busca de diversidade de gênero e raça. O número de mulheres aumentou de 25% para 27% e o de negros de 8% para 11%. A iniciativa já rendeu mudanças nos indicados ao Oscar 2017, aumentando a visibilidade racial. A ideia é incluir mais 500 negros e 1.500 mulheres nos próximos cinco anos.

DESTAQUE Em 2015, Ava DuVernay fez história ao ser a primeira diretora negra indicada ao prêmio de Melhor Direção do Globo de Ouro por “Selma: Uma Luta pela Igualdade” (foto), cinebiografia do pastor protestante e ativista social Martin Luther King, Jr. Esse ano, DuVernay se torna a primeira diretora afro-americana a concorrer na categoria de Melhor Documentário por “A 13ª Emenda”, produzido pela Netflix. Uma das vozes mais ativas quanto às questões políticas contemporâneas, DuVernay discute, no novo filme, o terrível impacto histórico da décima terceira emenda da Constituição dos Estados Unidos na vida dos afro-americanos. A emenda diz: “Não haverá, nos Estados Unidos ou em qualquer lugar sujeito a sua jurisdição, nem escravidão, nem trabalhos forçados, salvo como punição de um crime pelo qual o réu tenha sido devidamente condenado”. Um dos filmes imperdíveis da temporada está a um clique do seu computador.


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