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DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA, CEARÁ - SÁBADO E DOMINGO, 27 E 28 DE MAIO DE 2017
CONTRAPLANO DRAMA
SUSPENSE
Terror nacional à americana
Uma viagem de A descoberta a dois
Ao misturar ficção e experimental, “Muito Romântico” acompanha a jornada pessoal de um casal que se muda do Brasil para a Alemanha
“Muito Romântico” é uma jornada sensorial e inventiva sobre mudanças geográficas e temporais DIEGO BENEVIDES Crítico de cinema
N
ão existe beijo em “Muito Romântico”. Ao contrário do que se pode supor de um título que chega a ser genérico, a obra canaliza o afeto entre um casal a partir da mudança pessoal que eles vivem quando decidem ir embora para Berlim, na Alemanha. Entre eles, o hiato de deixar o passado e construir um novo futuro, tendo apenas eles mesmos como força. Melissa Dullius e Gustavo Jahn atuam, produzem, roteirizam e dirigem o drama, que vai além da ficção para adotar ideias experimentais. É o que tem se convencionado classifi-
car como cinema de invenção, no qual a preocupação em repensar as formas de fazer filme estão diretamente conectadas ao trabalho estético da imagem e de seus desdobramentos de linguagem. Inspirados pelos vanguardistas Jean-Luc Godard e Julio Bressane, a dupla confere um tom saudosista desde o início, na sequência da viagem de barco. As imagens granuladas dão a incerteza do período em que o filme passa, mas ajudam a trazer a característica de um filme memória, quase um diário de bordo onde eles precisam deixar se transformar.
Dramaturgia No meio das sequências ficcionais comuns, os realizadores inserem elementos que conferem o ritmo da narrativa, que se utiliza de fotografias, cores, musicalidade e elementos cenográficos para mostrar a mudança entre eles. O tema “casal” continua ali, mas de uma forma mais co-
mum. Não há romantização, pelo contrário. Eles parecem viver um estado mórbido de mudança, como se fosse um processo de fuga que não deu certo. “O Romantismo acabou e não voltará jamais, todos precisamos levar isso em conta hoje em dia”, lê em um livro um dos personagens. Nesse caleidoscópio de imagens, onde tudo e nada é possível acontecer em tela, Melissa e Gustavo discutem a imigração de uma forma mais íntima, descascando as velhas referências que não são abandonadas por nós em momentos de transição e as novas que se constroem em um outro cenário como Berlim, que está em constante transformação. A imagem conceitual jamais parece aleatória, mesmo quando os espaços de tempo são sublinhados entre os personagens. Eles não estão estáticos, pelo contrário. Estão em efervescência, em dúvida, em catarse. As escolhas visuais dos diretores muito contri-
DIEGO BENEVIDES
Financiamento
diego.benevides@diariodonordeste.com.br
Em destaque OFESTIVAL DECANNES chega aofim neste domingo(28), quando serãoanunciados osvencedoresda 70ªedição.Realizadoresbrasileiros queestãono festivalderamsuas impressõessobre oquefoi exibido.O cineastacariocaAndy Malafaiaaponta queasmaiores decepçõesforam “HappyEnd”,deMichael Haneke,e “Wonderstruck”,deToddHaynes. Jáa principalsurpresa foi“Good Time”, de Bennye JoshSafdie.“Em umano em quenotadamentefoi difícilcompor a gradeda competição oficialpor ausênciade grandesnomesdo cinema mundialcom filme para 2017,a curadoriaoptoupelocaminho mais fácil,pegandofilmes médiose ruins de realizadoresquejá exibiram seus filmesem Cannesem outras mostras. Oresultadoé apiorseleçãoem muitos anos”,conta. OcineastaRicky Mastro foiumpoucomais otimista.“O meu favoritofoiofilme deAgnes Varda que,apesardeestar forada
“GOODTIME”,deBenny e JoshSafdie, éestrelado porRobertPattinson efoi umdos destaquesda programação competição,é umdos melhoresdo ano pelasua sensibilidade,humanismoe emoção.O filmedeToddHaynes me transportoupara arealidade dos surdos,como eu jamaisimaginei. O filmedeJohn CameronMitchell é joveme ousado. ‘Jupiter’s Moon’ é incrívelnosentido decomotratao assuntodos refugiados”, diz.
buem para que essas sensações sejam construídas de forma natural, principalmente ao não se preocupar muito em explicar demais. Não que seja um filme confuso, pelo contrário, é claro até demais para um “experimental”, mas a obra tenta sempre se superar em suas formas de conversar, seja dentro da cena ou com o espectador. Abrindo mão da narrativa clássica, o que Melissa e Gustavo fazem é um trabalho inventivo que durou cerca de nove anos para ficar pronto. É um filme pessoal demais, mas que contempla as expectativas de quem o assiste ao questionar o lugar no mundo e em especial as mudanças físicas, sentimentais ou geográficas que estão sempre acontecendo. “Muito Romântico” é um filme de invenção e de imersão, que vai na contramão do tradicional para se encontrar em outra perspectiva audiovisual. Um mergulho profundo na existência humana.
Bolshoi A rede UCI Cinemas encerra a temporada de exibição de espetáculos do Balé Bolshoi no Brasil neste fim de semana, com “Um Herói de Nossos Tempos”. Inspirada na obra-prima do escritor russo Mikhail Lermontov, com coreografia de Yuri Possokhov e composição de Ilya Demutsky, a história é uma trágica viagem poética sobre Pechorin, jovem trabalhador que embarca em uma jornada através das montanhas majestosas do Caucasus, num caminho definido por encontros apaixonados. Desiludido e descuidado, ele causa dor sobre si e as mulheres ao seu redor. As exibições acontecem neste sábado, às 13h30, e no domingo, às 13h. Além de Fortaleza, outras nove cidades receberam a programação Bolshoi nas salas UCI.
“Baby”, segundo longa-metragem de Marcelo Caetano, foi o único projeto brasileiro contemplado pelo Hubert Bals Fund, fundo de financiamento administrado pelo Festival Internacional de Cinema de Roterdã. Como prêmio, a obra receberá cerca de 10 mil euros para o desenvolvimento do roteiro e do projeto pelo fundo da mostra Bright Future, voltada para jovens realizadores. Filmes como “Boi Neon” e “O Som ao Redor” já foram contemplados.
pesar da comédia ser o gênero mais famoso no circuito comercial do cinema brasileiro, os realizadores nacionais estão cada vez mais atraídos por outras experiências, especialmente nos curtas-metragens, onde o suspense e o terror têm sido explorados com certa frequência. O que faz de “O Rastro”, primeiro longa-metragem J.C. Feyer, um produto especial é o caráter de ser feito para as telonas, não para festivais, de um filme de gênero. Além disso, o cineasta também não tenta esconder os símbolos norte-americanos tão utilizados pelo cinema de horror dos EUA, reproduzidos sem limites. Assim, Feyer joga seu olhar de cinéfilo ao juntar todas essas referências em um filme que não necessariamente surpreende, mas que é notável pelo seu desempenho como estética. Não que isso seja um problema, já que até para referenciar uma filmografia é preciso certa competência para não parecer exclusivamente uma cópia batida. A história acompanha João, interpretado por Rafael Cardoso, médico responsável pelo redirecionamento de pacientes de um hospital que está prestes a fechar. No entanto, uma garota acaba sendo internada e some misteriosamente. Enquanto procura pela menina, João começa a descobrir esquemas invisíveis entre as instituições de saúde e a população. Como também tem sido comum no cinema mundial, os filmes de gênero têm tentado
seguir por um lado mais político, refletindo questões que atingem a sociedade de hoje. Em “O Rastro”, Feyer discute o sistema de saúde no Brasil, a corrupção integrada nas instituições e a pobreza do atendimento nos hospitais. Não chega a se aprofundar nisso, a não ser no terço final da projeção, pois o roteiro está mais preocupado em criar um tom de paranoia entre João e as pessoas ao seu redor, especialmente sua esposa, interpretada pela sempre competente Leandra Leal. Feyer segue todo o cardápio dos filmes de horror norte-americano, incluindo a garotinha bizarra, os sustos causados pelo som alto e os personagens ambíguos. Nada tão surpreendente em termos de história, mas que se mostra um bom exercício de imagem. A direção de fotografia, o design de produção e o desenho sonoro são milimetricamente bem pensados para compor a sensação de incerteza e perigo que a obra precisa. Ainda que esteja longe da qualidade de filmes de gênero efetivos realizados por cineastas como Juliana Rojas, Marco Dutra, Gabriela Amaral Almeida e Lucas Sá, para citar alguns, “O Rastro” se compromete com o público cinéfilo que já viu aquilo ali antes, mas está aberto a ver o cinema nacional pensar o circuito comercial de outras formas. Ao final da projeção, Feyer atiça a curiosidade para seus próximos projetos, em especial aqueles que ele coloque mais de si como realizador do que de suas referências. (DB)
Os atores Rafael Cardoso e Leandra Leal estrelam o suspense nacional “O Rastro”, primeiro longa-metragem dirigido por J.C. Feyer
BrilhoemCannes
Ambiental A sexta edição da Mostra Ecofalante de Cinema Ambiental, dedicada a temas socioambientais, acontece de 1ª 14 de junho, em São Paulo, e vai homenagear o documentarista e indigenista Vincent Carelli. Esse ano, o cineasta lançou “Martírio”, um importante registro histórico nos cinemas, realizado pelo projeto Vídeo nas Aldeias. Com quase três horas de duração, o filme faz uma análise profunda sobre as problemáticas vividas pelos Guarani Kaiowá.
RED CARPET Durante essa semana, não teve para outra celebridade no Festival de Cannes a não ser Nicole Kidman. Com três filmes e uma série de TV na programação do festival francês, Kidman apresentou “O Estranho que Nós Amamos”, de Sofia Coppola. Na foto, a estrela posa ao lado das colegas de elenco, Elle Fanning e Kirsten Dunst. Kidman aproveitou para apoiar a maior participação das mulheres na direção dos filmes. “Nós, como mulheres, devemos apoiar as diretoras mulheres, é evidente. Esperamos que isso mude com o tempo, mas todos dizem: ‘é tão diferente, agora’, mas não é. Vejam os números!”, falou. Além de Coppola, só outras duas mulheres estão por trás dos 19 filmes que participam esse ano do Festival. ‘Apenas 4,2% das grandes produções de cinema de 2016 foram dirigida por mulheres. É uma estatística do grupo Women in Film. E entre mais de 4 mil episódios de séries de televisão, só 183 foram dirigidos por mulheres”, disse. FOTO: ALBERTO PIZZOLI / AFP