Coluna Contraplano | Caderno 3 | Jornal Diário do Nordeste | 28/01/17

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DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA, CEARÁ - SÁBADO E DOMINGO, 28 E 29 DE JANEIRO DE 2017

CONTRAPLANO DRAMA

COMÉDIA

Herói de guerra desarmado

Uma celebridade cheia de manias

Após dez anos, Mel Gibson retorna ao cargo de diretor de cinema com o drama de guerra “Até o Último Homem” DIEGO BENEVIDES Crítico de cinema

A

indústria norte-americana segue alguns padrões tanto no que diz respeito aos filmes destacados nessa temporada pré-Oscar quanto nas relações subjetivas que fazem certos filmes despontarem como favoritos. O retorno de Mel Gibson ao cargo de diretor em “Até o Último Homem” já é um evento extra para conquistar a Academia, que gosta de enaltecer carreiras renascidas, o que se torna especial sendo Gibson, cuja trajetória é polêmica. Gibson é talentoso e mostrou, em suas poucas inserções como diretor, que sabe lidar com o peso das narrativas que propõe. “Até o Último Homem” é um típico drama histórico e a ambientação das cenas de guerra são muito bem orquestradas pelo cineasta. Acontece que elas duram menos da metade dos 140 minutos de projeção. O resto da película é uma introdução melodramática que revela um pouco mais da história de vida do protagonista Desmond Doss, vivido por Andrew Garfield. Antes da guerra, o longa-metragem não foge da narrativa açucarada da jornada do herói que, logo menos, vai ser lembrado por todos por sua coragem em campo. Assim, o roteiro começa cambaleando no mais do mesmo, com uma trilha sonora que insiste em não dar espaço para a história crescer sozinha. A trama ganha corpo quando a guerra contra os japoneses começa e Desmond se recusa a pegar em armas. A intenção dele ao se alistar era atuar como médico militar, cuidando dos combatentes feridos. Seus colegas de campo questionam a co-

O ator Andrew Garfield estrela filme ambientado na Segunda Guerra Mundial. Obra foi indicada a seis estatuetas do Oscar 2017, incluindo melhor filme e melhor direção para Mel Gibson

vardia do jovem e sua religiosidade na tentativa de fazer com que ele desista de ir a campo desarmado. Não dá certo e ele prova que sua presença no combate foi mais valiosa do que todos esperavam.

Heroísmo Baseado em uma história real, reforçada desnecessariamente por Gibson com trechos documentais no fim do filme, “Até o Último Homem” é um combo perfeito para premiações como o Oscar. Estão lá questões que nunca saem de moda, como o herói subestimado, a crença em Deus e o patriotismo unilateral que afaga o ego dos americanos. A obra não tem interesse algum em fazer uma contextualização política mais profunda, pois basta que o protagonista prove ser um grande homem para dar aquela velha sensação de comodismo visual. Assim, “Até o Último Homem” desliza por glorificar demais o militarismo americano,

quase como uma lição de casa para os nossos jovens: lutar pela pátria amada até o fim. A história de Desmond é curiosa. Um jovem sonhador franzino e pacificador vai lutar pelo país e resgata sozinho 75 soldados feridos. O problema é que o filme opta pelas soluções fáceis para ambientar a narrativa. Desmond consegue desviar de todas as balas e bombas, enquanto seus companheiros, bem mais preparados, são vítimas rápidas. Pode ser sorte, mas cinematograficamente esse elemento do personagem indestrutível prejudica sua humanidade.

Interpretação O ator Andrew Garfield abraça o personagem que provavelmente mais exigiu preparação física, sem deixar de lado a empatia e a doçura que Desmond precisa. Ele sussurra os diálogos enquanto o resto do mundo se acaba em grito e violência, balanceando o poder de fogo da trama.

DIEGO BENEVIDES

Adaptação

diego.benevides@diariodonordeste.com.br

Temporada de ouro DEPOISDO ANÚNCIO dos indicadosao Oscar,acorridadeouro começouoficialmente.Os filmes devemestrearnas próximassemanas eosprêmios dos sindicatos,quesãoos melhorestermômetros para oOscar, irãoenxugaralista defavoritos. “LaLaLand – CantandoEstações” liderao númerodeindicaçõese pode serumdestaquena premiação, principalmentenascategorias técnicas.Aquantidade, noentanto, refleteprincipalmente oquea indústriaamericana quervalorizar delamesma.Éumfilme bom,jovem e pop,masquetem outros fortes concorrentesnalista, como odrama “Moonlight:Sob aLuz do Luar”. Écedo parafalar sobre vencedores, jáque aindanão vimostodosos indicados. Valelembrartambémque correorisco dealgunsfilmes nemchegarem aos cinemascearenses,reflexodeuma distribuiçãolimitadadasgrandes empresasque colocamFortaleza fora

“LA LA LAND – CANTADO ESTAÇÕES” liderao Oscarcom 14 indicaçõesem anoainda imprevisível decircuito,comoaconteceucom o tambémindicado“Manchester à Beira-mar”,aindainédito nacapital. Independentedisso,vale encarara temporadacom tranquilidade. Prêmios sãoimprevisíveiserefletema opinião deumdeterminadogrupodevotantes. Oqueimporta écelebrar aboa temporadadetítulos quetemos.

Em guerra, Garfield se sai bem melhor com o que o roteiro oferece, carregando sozinho o segmento final. Ele também empresta um pouco de carisma para os alívios cômicos, bem-vindos para quebrar o que poderia ser uma história burocrática demais. Destaque também para o ótimo Sargento Howell, interpretado pelo comediante Vince Vaughn. Ao lidar com os soldados, o personagem impõe respeito e firmeza, ao mesmo tempo que mostra seu lado cômico sem esboçar um sorriso ou ser bobalhão. “Até o Último Homem” é um filme irregular que se perde na ultrapassada concepção mercadológica do herói de carne e osso. Ainda assim, tecnicamente mostra que Gibson tem boas ideias para cenas de ação, apoiado por uma competente equipe técnica de montagem, som e fotografia que dão a sensação de que esta é uma grande obra, quando na verdade é só mais uma.

Lançamento O cineasta cearense Petrus Cariry lança na próxima quinta-feira (2) o premiado longa “Clarisse ou Alguma Coisa Sobre Nós Dois”, que encerra a trilogia da morte iniciada por “O Grão” (2007) e “Mãe e Filha” (2012). O filme estreia em cerca de 10 cidades, em um esquema de lançamento limitado e qualitativo, que prevê os espaços mais atraentes para a obra chegar ao público. O drama traz uma pegada de suspense e mostra a relação de um pai e uma filha que revisitam feridas do passado que ainda reverberam em suas vidas. Everaldo Pontes e Sabrina Greve garantem duas atuações densas, principalmente a dela, que surge como uma força da natureza em tela. O longa participou de mais de 30 festivais dentro e fora do Brasil.

Em cartaz no circuito de arte da Cinépolis, o drama “Sete Minutos da Meia-noite” é baseado no drama de Patrick Ness, que deu continuidade à obra de Siobhan Dowd após o falecimento da autora. Lançado no Brasil pela editora Novo Conceito, a história mostra como a fantasia entra na vida de um adolescente que enfrenta a doença incurável da mãe. Ness e Dowd refletem com muita sensibilidade sobre a inevitabilidade da morte e o entendimento das coisas.

A

capacidade intelectual e a destreza cômica de Tatá Werneck são características particulares que fazem de seu trabalho algo único na comédia pela espontaneidade e improviso que surgem em seus personagens. Vivendo sua primeira protagonista no cinema em “TOC – Transtornada Obsessiva Compulsiva”, Tatá se mostra generosa o bastante para dividir as risadas com o restante do elenco, o que faz deste um filme divertido e que desvia da curva das comédias brasileiras comuns. Isso porque “TOC” é um filme de comédia, não um produto descaradamente televisivo projetado como filme para quebrar recordes de bilheteria nas telonas. As diferenças parecem poucas, mas não são. Aqui, os diretores e roteiristas Paulinho Caruso e Teo Poppovick demonstram tato e conhecimento da linguagem cinematográfica, essenciais para dar um bom acabamento fílmico à obra. Cabe bem porque a história em si não é um comédia rasgada, mas um drama que pensa bem antes de fazer graça com os clichês. Apesar do título, não fala apenas de manias e transtornos, até porque provocar o riso a partir de uma condição humana delicada seria arriscado. Os criadores usam como característica da personagem (ela é loira e tem TOC), o que naturalmente se desdobra em questões mais importantes do que o TOC em si.

O roteiro é esperto ao discorrer sobre o mundo das celebridades e escancarar a incansável busca pela felicidade, muitas vezes atrapalhada pela ambição profissional, pelas exigências do mainstream e pela exposição na internet. Mais que isso, “TOC” também conta uma história de amor que recria a ideia de boy meets girl. A veia cômica de Tatá está ali, mas sem tanto improviso. “TOC” também é um filme que mostra como a atriz pode variar as nuances de sua interpretação, alcançando um bom tom nos momentos dramáticos da história. Ao seu lado, destacamse a sempre excelente Vera Holtz e o ator Daniel Furlan, dois coadjuvantes amáveis. Bruno Gagliasso também está confortável ao interpretar um canastrão pervertido, tirando sacadas hilárias do personagem. A partir de tantas referências de bom humor – que vão de Woody Allen a Louis CK –, Caruso e Poppovick lançam uma comédia honesta e substancial, preocupados com a linguagem e, mais importante, com o teor da história que querem contar. Em “TOC”, eles provam que é possível fazer filme de comédia de qualidade, basta não se render ao enlatamento do gênero. Ver Tatá em tela nunca é demais e, ao interpretar Kika, ela desperta camadas para uma história aparentemente simples, mas que viaja pelas profundezas da humanidade que existe em cada um de nós. (DB)

Tatá Werneck estrela “TOC - Transtornada Obsessiva Compulsiva”, que estreia nos cinemas dia 2 de fevereiro, trazendo novos ares para a comédia brasileira

Nãofoidessavez

Documentário A jornalista e cineasta Rosane Gurgel faz a primeira exibição do curta-metragem de documentário “Close” nesta segunda-feira (30), no Cinema do Dragão-Fundação Joaquim Nabuco. O filme é resultado de um processo de pesquisa na Unidade Prisional Irmã Imelda Lima Pontes, localizada em Aquiraz, Região Metropolitana de Fortaleza, presídio destinado para presos GBT, idosos, deficientes físicos e condenados pela Lei Maria da Penha. A entrada é gratuita.

FRACASSO A tentativa da Mattel de criar uma franquia cinematográfica a partir de um brinquedo original ainda não deu certo. “Max Steel” foi lançado em outubro do ano passado nos Estados Unidos e fracassou nas bilheterias, com pouco mais de US$3 milhões arrecadados. Apesar do sucesso do boneco e de seus produtos derivados, a aventura estreou no Brasil sem grande alarde. O filme não é dos piores em termos de efeitos visuais, mas falta empatia. O elenco pouco ou nada conhecido não segura o que teria sido o filme de origem de uma nova franquia, ainda que o ator Ben Winchell se esforce. A direção errática de Stewart Hendler não sabe para onde vai e o que teria sido uma boa aventura para a garotada se revela mais uma iniciativa ambiciosa da indústria que, às vezes, acha que pode fazer cinema de qualquer jeito que dá certo. Nem sempre.


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