Coluna Contraplano | Caderno 3 | Jornal Diário do Nordeste | 29/07/17

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DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA, CEARÁ - SÁBADO E DOMINGO, 29 E 30 DE JULHO DE 2017

CONTRAPLANO DRAMA

AÇÃO

Aquilo que o tempo leva e traz

Batalha épica na Segunda Guerra

Novo trabalho de Selton Mello como diretor, “O Filme da Minha Vida” reflete sobre juventude e laços familiares DIEGO BENEVIDES Crítico de cinema

E

m mais de 10 anos como diretor, Selton Mello realizou os longas-metragens “Feliz Natal” (2008), “O Palhaço” (2011) e este “O Filme da Minha Vida”, que estreia nos cinemas brasileiros a partir de 3 de agosto. O tempo que Mello usa para desenvolver cada projeto é visto no resultado dos filmes, sempre com apuro técnico de bom gosto e que desvia um pouco das produções feitas em série no Brasil, especialmente as comédias enlatadas. O fato é que Mello está em um crescente como diretor. “O Filme da Minha Vida” marca com clareza sua perspicácia na função para formatar uma obra tecnicamente elegante e uma narrativa fluida que não perde a atenção do espectador. Assim como em “O Palhaço”, Mello também atua no filme, mas com um papel mais modesto, ainda que bastante funcional dentro da trama. A história se passa pelos olhos do jovem Tony, interpretado pelo ótimo Johnny Massaro, que vê sua família rachar com a partida do pai, por quem sempre teve tanto afeto. O pai, vivido pelo ator francês veterano Vincent Cassel, foi embora sem deixar pistas. Tony passou a compartilhar não só suas próprias dores, mas também de sua mãe, que não conseguiu superar o abandono. Ao seu redor, Paco, vivido por Mello, é um típico homem do interior, cuja brutalidade dá espaço para alguns dos melhores toques cômicos da obra. Além desse núcleo familiar, “O Filme da Minha Vida” explora basicamente as aspirações de um jovem em formação. Mes-

Além de dirigir, Selton Mello também atua na produção, inspirada no livro “Um Pai de Cinema”, do escritor chileno Antonio Skármeta. O longa-metragem é protagonizado por Johnny Massaro, em atuação magnética

mo que já trabalhe como professor de francês, Tony ainda é verde para o mundo. Mello ressalta isso na relação dele com seus alunos, quase igualandoos em perspectivas de dramaturgia. Tony vive à beira não apenas do vazio deixado pelo pai, mas também pela inexperiência como homem.

Tramas É nesse sentido que as tramas se entrelaçam para discutir a ausência da figura paterna na formação do protagonista. O roteiro ainda explora outras camadas, como a substituição fraternal, a imprevisibilidade do destino e o florescimento da sexualidade. São muitos personagens para dar continuidade a tantos arcos narrativos, o que aproxima um pouco a obra a um tom novelesco – em especial quando um grande segredo é revelado no final –, mas nada aos padrões dos telefilmes de comédia lançados aos montes no cinema nacional.

A ambientação de “O Filme da Minha Vida” no início dos anos 1960 revela um cuidado peculiar de concepção dos cenários, figurinos e comportamentos. Às vezes pendem para o visual “limpo demais”, como os penteados exagerados e vestidos de bolinha. Ainda assim, a direção de fotografia de Walter Carvalho, uma das principais autoridades do setor, é soberba, explorando os tons amarelados da imagem não apenas para mostrar o tempo da história, mas também para revelar as intenções de seus personagens. As cores entram com vivacidade inclusive em momentos onde, narrativamente falando, a tendência seria explorar o obscuro. A câmera passeia pelas ruas com elegância, sem esconder a precisão da direção de arte, suas rimas visuais e estéticas e a força dos elementos de cena que fazem brotar em imagens a história escrita originalmente pelo escritor Antonio Skármeta.

DIEGO BENEVIDES

Oficina

diego.benevides@diariodonordeste.com.br

27º Cine Ceará AUMA SEMANA dedarinícioà suaprogramação,o 27ºCine Ceará– FestivalIbero-americano deCinema reforçaaimagem deumdos eventos essenciaisrealizadosnoBrasil que discutemcom ênfase as perspectivas docinema mundial.Além dos sete longas-metragensedos 14curtasem competição,a seremexibidos no CineteatroSãoLuiz de5 a11de agosto,oCine Cearátambém recebea primeiraSessãoAceccine, organizada pelaAssociaçãoCearense deCríticos deCinema,formada pelos profissionaisdacrítica queatuamno Estado.ASessãoAceccine exibiráo longa-metragembrasileiroinédito “CorpoFechado”,uma dasatrações do concorridoFestivaldeRotterdam, e realizarádebate apósasessão com o diretorMarcelo Caetano, premiadopor curtascomo“Na SuaCompanhia” (2011).Aexibiçãogratuita está agendadapara odia6 deagosto,às 14h30,no Cinemado Dragão.

“CORPO ELÉTRICO”,deMarcelo Caetano,será exibidopelaprimeira vez noNordesteem sessãoespecial Atramade“Corpo Elétrico”acompanha Elias,nordestino que trabalhaem uma fábricaderoupasem São Paulo.Ele divideseusdias com oscompromissos profissionaiseorelacionamentos afetivos.Aobra,um ótimoexemplarda tônicadocinema brasileiro contemporâneo,estrearáem circuito comercialapenas nodia 17deagosto.

Outro destaque não deixa de ser a trilha sonora, que mistura ritmos brasileiros e estrangeiros e que encontra, assim como várias outras obras (e aqui não é uma reclamação) um de seus ápices quando começam os acordes de uma das músicas mais famosos interpretadas por Nina Simone. Talvez por uma identificação pessoal do próprio Mello com o livro, “O Filme da Minha Vida” vai para as telas com grandeza. É um filme que dialoga bem mais com as perspectivas do cinema autoral brasileiro, sem deixar de ser um bom produto de mercado por flertar com a linguagem televisiva de forma moderada. É uma obra que mostra Selton Mello duplamente maduro, como ator e como diretor, preocupado em expor suas boas concepções de cinema. É possível se divertir e se emocionar durante a jornada de Tony, e torcer para que a vida pegue um pouco mais leve com ele a partir de agora.

Cinema chileno Com a homenagem desse ano ao Chile, a mostra paralela não-competitiva do Cine Ceará exibirá obras de dois dos maiores nomes de todos os tempos do cinema chileno: Alejandro Jodorowsky, um dos cineastas mais reconhecidos da América Latina, e Raúl Ruiz, considerado o cineasta chileno mais importante da história. As exibições já começam nesta terça-feira (1), com “O Topo” (1970), um dos clássicos dirigidos por Jodorowsky. As sessões são gratuitas e seguem até o dia 6 (domingo), sempre a partir das 15h, na Caixa Cultural Fortaleza, Praia de Iracema. Entre os destaques da mostra também estão “Como Me Dá na Telha” (2016 - foto), de Ignacio Agüero; “Tony Manero” (2008), de Pablo Larraín; e “Glória” (2013), de Sebastían Lelio.

O jornalista e crítico de cinema José Geraldo Couto estará em Fortaleza, durante o festival, para ministrar o curso “Cinema e Literatura – Uma Via de Mão Dupla”. As aulas abordam temas como as dificuldades de adaptar autores que centram sua literatura na forma de narrar, afinidades e questões entre escritor e cineasta, além das falsas ideias sobre adaptação literária. O curso acontece entre os dias 7 e 11 de agosto no Instituto do Ceará, das 9h às 12h.

C

hristopher Nolan conseguiu admiradores após realizar a mais recente trilogia “Batman” (20052012) e, enquanto se viu apto para conquistar o cinema de mercado com grandes produções, também tentou manter traços minimamente autorais como em “A Origem” (2010). É um paradoxo que Nolan seja apontado como visionário, coisa que ele mesmo gosta de lembrar sempre que pode. Ao mesmo tempo em que o diretor filma com o máximo de tecnologia de imagem e som do formato IMAX, ele ainda nega as plataformas digitais e novas propostas de produção e exibição. Em “Dunkirk”, rodado em 65mm, Nolan realiza um trabalho obrigatoriamente para ser visto no cinema, de preferência em IMAX mesmo, aproveitandose de tudo que a tecnologia mais avançada oferece. O trabalho sonoro do filme, em especial sua mixagem, é extraordinário. A imagem também é inigualável, auxiliada por uma fotografia que explora os cenários abertos onde a trama passa. Ainda assim, nada realmente revolucionário até aqui. Ao se propor a fazer um filme “de imersão”, onde o público andaria junto com os personagens no meio de um conflito histórico entre soldados ingleses e a força inimiga, Nolan esquece de algo essencial: um filme não é só pirotecnia, ele precisa de uma narrativa minimamente envolvente. O roteiro, de autoria do próprio Nolan, demora a engatar. O público é jogado no meio de

um tiroteio, depois vai para o mar, entram os aviões de guerra e depois mais tiros. A ambientação histórica ganha uma aparência de óbvia, sem que o roteiro dê detalhes sobre o cenário onde aqueles conflitos serão desenvolvidos. Além disso, o excesso de personagens faz com que seja muito difícil se importar com algum deles. Talvez pela sua competência natural, Mark Rylance seja o único com profundidade suficiente para interessar o acompanhamento de quem assiste. Enquanto isso, o protagonista Fionn Whitehead corre, nada, pula e espera ser salvo. Isso tudo porque o roteiro em momento algum adota alguma casca política ou patriota. As explosões e mortes que ali acontecem em nenhuma oportunidade são interessantes, já que Nolan parece mais preocupado em criar estripulias visuais do que contar os motivos de Dunkirk ter sido interessante dentro dos termos da Segunda Guerra. O mar é mais profundo do que a própria história limitada. Nolan ainda tenta montar uma rima entre tempos diferentes dos fatos, mas não impressiona como elemento narrativo ou sequer se compreende como uma aposta de linguagem. Assim, cabe a “Dunkirk” o espetáculo das estripulias, que rende a falsa carcaça de filme de guerra excitante e historicamente importante, mas se revela raso e aquém até mesmo do potencial do próprio Nolan, outrora considerado um autor criativo e inventivo e hoje um realizador questionável. (DB)

Fionn Whitehead encabeça elenco do épico histórico “Dunkirk’, nova aventura dirigida por Christopher Nolan ambientada na Segunda Guerra Mundial

Presençaconfirmada

Seminário O festival também promoverá o I Seminário Descentralização da Produção Audiovisual no Centro-Oeste, Norte e Nordeste – CONNE com o objetivo de traçar um panorama das políticas públicas voltadas à descentralização da produção audiovisual. O encontro acontece nos dias 7 e 8 de agosto, no Hotel Oásis Atlântico Fortaleza. Interessados podem se inscrever gratuitamente até o dia 3 de agosto pelo site oficial (www.cineceara.com).

FESTIVAL O ator Jesuíta Barbosa confirmou presença no Cine Ceará. Na ocasião, ele divulgará o filme “Malasartes e o Duelo com a Morte”, de Paulo Morelli, que integra a mostra competitiva do evento. Vivendo seu primeiro protagonista no cinema, o ator interpreta Pedro Malasartes, jovem que vive de pequenas trapaças e está sempre se safando das situações, mesmo as criadas por ele. “Acho que esse ano vai ser bem bacana, vou levar toda a minha família para assistir ao Malasartes, espero que a gente lote o São Luiz!”, torce o ator. “Malasartes o Duelo com a Morte” está sendo considerado o longa-metragem com o maior número de efeitos especiais do cinema nacional. O elenco ainda conta com nomes como Isis Valverde, Julio Andrade e Vera Holtz.


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