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DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA, CEARÁ - SÁBADO , 31 DE DEZEMBRO DE 2016 E DOMINGO, 1 DE JANEIRO DE 2017
CONTRAPLANO DRAMA
ESTREIA
A experiência de resistir ao tempo
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Primeiro longa-metragem de Miles Joris-Peyrafitte volta aos anos 90 para mostrar a história de amor e amizade de três adolescentes tentando se encontrar no mundo
Um certo medo de seguir o coração Inspirado na música “Come As You Are”, do Nirvana, drama “Como Você É” problematiza a juventude DIEGO BENEVIDES Crítico de cinema
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e estivesse vivo, Kurt Cobain faria 50 anos em 2017. É essa sensação de homenagem que fica após a sessão do drama “Commo Você É”, primeiro longa-metragem dirigido por Miles JorisPeyrafitte, que venceu o prêmio especial do júri do último Festival de Sundance. A história é inspirada na música “Come As You Are”, um dos maiores sucessos do Nirvana. “Sem pressa, rápido / A escolha é sua, não se atrase / Descanse, como um amigo, como uma velha memória”, diz a pequena letra da canção. No filme, a música se transforma nos conflitos de três jo-
vens da não tão distante década de 90. Jack, papel de Owen Campbell, e Mark, interpretado por Charlie Heaton (ator da série “Stranger Things”), se conhecem depois que seus pais começam a namorar. Na escola, a dupla se junta à bela Sarah, vivida por Amanda Stenberg. “Como Você É” é estruturado basicamente em depoimentos policiais. A partir deles, voltamos ao passado dos três personagens para saber o que houve com eles. A sensação de insegurança existe desde o início, mas os porquês são revelados em doses homeopáticas até o fim da projeção. Jack, Mark e Sarah representam uma juventude mestiça, que transita entre a quebra de paradigmas e o desejo de se encontrar no mundo. A relação entre Jack e Mark é sugerida desde o início e é a grande chave para revelar os problemas que aconteceram entre os três. Joris-Peyrafitte não esconde sua inexperiência como diretor, mas é interessante perceber que
ele não abre mão de correr riscos com sua narrativa fragmentada, densa e totalmente dependente das atuações do elenco. Esse risco é bem-vindo porque o cineasta não se intimida nem se coloca em cena com prepotência, rendendo um filme que, embora possua problemas, fica reverberando na cabeça de quem assiste após a projeção.
Armas “E eu juro que eu não tenho uma arma / Não, eu não tenho uma arma”, repete Cobain na música, como quem anuncia um desastre. E é o que acontece na vida não só do trio, mas da família deles. De forma eficiente, o roteiro coloca em diálogo os adolescentes com os adultos. Esse paralelo abre espaço para a intolerância, o machismo, a misoginia e o desrespeito por quem se é. Com um pai conservador, Mark não consegue se encontrar, nem ser feliz. Jack tenta abrir espaço para que o amigo se perceba, mas as rela-
DIEGO BENEVIDES
Ranking
diego.benevides@diariodonordeste.com.br
Projetos confirmados FOI DIVULGADO oresultadoda seleçãodos projetosculturais aserem apoiadospela CaixaEconômica Federalem 2017emdiversas linguagensartísticas.NoCeará, os eventosacontecem durantetodo o anoe ocupamdiferentes espaçosda CaixaCultural Fortaleza. Entreas açõesvoltadas para o audiovisualestão aMostra David Bowie:OHomemque Caiu naTerra, previstapara acontecerentre janeiro e fevereiro,e oCine Nordeste, marcado paraabril. Eventostradicionais do calendáriocultural local também foramcontemplados, comoaIX MostraOutrosCinemas, marcadapara maio;aVIMostra Internacional AudiovisualCurtao Gênero,em junho; o16º NOIA– Festivaldo Audiovisual Universitário,emoutubro, e a itinerânciado CircuitoAnima Mundi 2017,emdezembro, reunindo filmes deanimação.A27º ediçãodo Cine Ceará–FestivalIbero-americano de
WOLNEY OLIVEIRA,diretor doFestival CineCeará, queem 2017homenageará ocinemachileno Cinema,realizada pelaequipe do cineastaWolneyOliveira,também foi contempladacom uma mostraespecial decinemachileno. OCine Cearásegue comas ediçõestemáticas após homenagearoMéxicoem 2016.O festivaltambémganhará novadatae agoraserárealizado na primeira quinzenadeagosto.
ções ao redor parecem sempre catastróficas. Os adultos da história mostram facetas inconsequentes que, de uma forma ou de outra, repercutem na vida dos jovens. O visual de “Como Você É” emula com perfeição o ritmo acelerado dos anos 90, com a dinâmica das cores e uma trilha sonora frenética, que não deixa o ritmo cair. Mesmo que os personagens tenham empatia, a história prepara o público para o pior e é quase impossível não se relacionar e lamentar o que acontece com eles. Joris-Peyrafitte pode não ter uma obra-prima em mãos, mas desenvolve com clareza e sensibilidade esse olhar sobre o mundo habitado pelos jovens, uma realidade que ainda tenta ganhar novos rumos nos dias de hoje. E, por mais trágica que seja a história, há uma sensação de esperança que vem do amor vivido pelos personagens em pouco menos de duas horas de projeção, e isso é valioso.
Bilheteria Com apenas uma semana em cartaz, a comédia nacional “Minha Mãe é uma Peça 2” bateu a venda de 2 milhões de ingressos. O primeiro filme, lançado em 2013, demorou três semanas para alcançar esse número. A comédia estrelada pelo humorista Paulo Gustavo está em cartaz em 1.125 salas de cinema, o que deve aumentar ainda mais a arrecadação. O filme entra para o ranking das cinco melhores bilheterias nacionais de 2016, perdendo apenas para “Os Dez Mandamentos – O Filme” (com 11,2 milhões de ingressos e a polêmica das entradas vendidas, mas ausência do respectivo público nas salas de cinema), “Até que a Sorte nos Separe 3” (com um total de 3,3 milhões ingressos) e o infantil “Carrossel – O Sumiço de Maria Joaquina” (com 2,5 milhões).
2016 foi mais um ano com blockbusters que dominaram o mercado norte-americano. A tendência não é nova e se renova a cada temporada. Os filmes de super-heróis continuam com bilheterias estrondosas. A melhor abertura de 2016 ficou com “Capitão América: Guerra Civil”, com US$179 milhões, seguido por “Batman vs Superman: A Origem da Justiça”, com US$166 milhões, e “Rogue One – Uma História Star Wars”, com US$155 milhões.
e forma geral, o cinema tem colocado as mulheres em papéis realmente centrais. Elas são fortes, independentes e não dependem mais de homens para viver, com exceção das comédias românticas enlatadas, claro. A indústria não se torna menos vilã por ser complacente com a representação feminina nas artes em geral. Além de ser uma obrigação fazer isso, não funcionaria se o cinema não tivesse tantas atrizes incríveis que aproveitam a arma que têm em mãos para realizar trabalhos extraordinários. A francesa Isabelle Huppert é o principal destaque do ano por ter protagonizado “Elle”, de Paul Verhoeven, e este “O Que Está Por Vir”, da jovem Mia Hansen-Løve, que venceu o prêmio de melhor direção do Festival de Berlim. Na trama, Huppert interpreta Nathalie, uma professora de Filosofia que se dedica à família e ao trabalho. Aos 55 anos, ela anda em modo automático, vivendo um dia por vez e enfrentando com sobriedade os conflitos que aparecem. Quando seu marido pede o divórcio, surge a chance que, talvez, ela sempre esperava: renovar-se. O precioso roteiro de “O Que Está Por Vir” discute a falta de sintonia entre as pessoas e as ocasiões, criando um enfrentamento entre o velho e novo que anda tão em alta nas discus-
sões. Apesar de pessimista e acomodada, Nathalie tem uma forma particular de se desfazer e se refazer, evitando o banal e as soluções simples. A protagonista está ali para resistir, para mudar e, principalmente, se encontrar como mulher. “O Que Está Por Vir” emula uma experiência de reflexão sobre o que está sempre acabando e começando. Nesse contexto, avalia o comportamento de uma mulher que passa por todas as questões de uma vida aos 50 anos. Assim, o filme às vezes se torna expositivo demais, com questionamentos filosóficos densos que podem confundir e disfarçar o que está nas entrelinhas, mas a capacidade do roteiro de transitar facilmente entre o drama, a política, a filosofia e, especialmente, o humor faz com que o longa respire um pouco dentro dessa abordagem filosófica das gerações. O maior mérito vai para Isabelle Huppert, cujo magnetismo e naturalidade com que agarra seus personagens (e acredita neles) faz desta uma ótima experiência de reflexão sobre os percalços da vida, os laços do passado que desmoronam, os abrigos que criamos para nos proteger e os questionamentos que, mais cedo ou mais tarde, nos tiram da zona de conforto e colocam a vida de volta em sintonia. Ou apenas nos acordam para o futuro. (DB)
Depois do trabalho arrebatador em “Elle”, a atriz francesa Isabelle Huppert estrela “O Que Está por Vir”, mais um drama intenso sobre relações pessoais
DocinhodaAmérica
Sucesso O Cinema do Dragão-Fundação Joaquim Nabuco fechou o ano com a exibição de 144 filmes. Com o compromisso de expandir o circuito alternativo e oferecer filmes que nem sempre têm oportunidade nas salas comerciais, o Dragão também valoriza a produção nacional. Foram 59 longas brasileiros. Segundo o programador Pedro Azevedo, o ano encerra com 35 mil pagantes, mostrando que há espaço (e interesse) para cinema de qualidade.
ESTREIA Vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Cannes 2016, o drama "Docinho da América" é mais uma conquista da Netflix, que reforça a iniciativa de oferecer produtos audiovisuais exclusivos para os seus assinantes. A obra, dirigida pela ótima cineasta inglesa Andrea Arnold, de “Marcas da Vida” (2006), entrou diretamente no catálogo de dezembro do serviço online. Com Shia LeBeouf e Sasha Lane no elenco, o drama retrata a turbulenta vida de uma adolescente que decide largar tudo e viajar pelo oeste americano. Originalmente intitulado “American Honey”, o filme é um dos favoritos para conquistar o prêmio principal do Independent Spirit Awards 2017, onde concorre em seis categorias.