Monografia - Diego Benevides

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COMUNICAÇÃO SOCIAL - JORNALISMO DIEGO BENEVIDES NOGUEIRA

SERIALIDADE E NARRATIVA AUDIOVISUAL NO SERIADO SEX AND THE CITY

FORTALEZA 2009


DIEGO BENEVIDES NOGUEIRA

SERIALIDADE E NARRATIVA AUDIOVISUAL NO SERIADO SEX AND THE CITY

Monografia apresentada ao Curso de Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo da Universidade de Fortaleza, como requisito para a finalização do curso de graduação, sob orientação da Profa. Dra. Daniela Duarte Dumaresq.

FORTALEZA 2009


TERMO DE APROVAÇÃO

SERIALIDADE E NARRATIVA AUDIOVISUAL NO SERIADO SEX AND THE CITY Por

DIEGO BENEVIDES NOGUEIRA

Monografia apresentada no dia 15 de junho de 2009, como requisito parcial para obtenção do título de bacharel em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo da Universidade de Fortaleza, tendo sido aprovada pela Banca Examinadora composta pelos professores: BANCA EXAMINADORA ____________________________ Profa. Dra. Daniela Duarte Dumaresq Orientador ____________________________ Profa. Dra. Carmen Luisa Chaves Cavalcante Examinadora ____________________________ Prof. Glauber Santos Paiva Filho Examinador

FORTALEZA 2009


DEDICATÓRIA Ao meu pai, grande herói e incentivador do conhecimento.


AGRADECIMENTOS Agradeço às pessoas da minha família que, assim com meu pai, acreditaram no meu desempenho pessoal e profissional. Não tem como esquecer também da minha mãe que, do Paraíso onde ela está, sempre mandou força para que eu aprendesse a ser um grande homem.

Agradeço à minha orientadora Daniela Dumaresq pela paciência, disposição e conhecimento, sempre úteis para a finalização da minha pesquisa. Obrigado também a todos os professores da Universidade de Fortaleza que contribuíram para a minha capacitação em Jornalismo, cedendo grandes pedaços de suas mentes maravilhosas para que eu pudesse alimentar a minha.

À professora Kalu por ter iluminado meu projeto de pesquisa e me dado alternativas para pensar sobre o meu tema e ter me incentivado desde o começo a falar com paixão sobre o que eu escolhi.

Aos meus amigos, que sem eles eu não aprenderia todos os dias a sorrir, conversar e estar presente. A quem me deu força quando eu precisei acreditar que minha pesquisa era importante e apostou no meu sucesso.

Em especial à Andreisa Caminha, minha eterna anja e minha Charlotte York; à Clara Machado e seu apoio incondicional; à Lais Cattassini, minha amiga paulistana e motivadora; à Beatriz Diogo por simplesmente tudo, por ser quem é e pela cumplicidade; e a Edmar Mendes, pela amizade e carinho. A Carlos Felipe, pela ajuda e disponibilidade.

À Maíra Suspiro e Jurandir Filho, que em 2006 me deram a oportunidade de participar do Portal Cinema com Rapadura, que fez aflorar minha paixão por Cinema e Audiovisual, me estimulando a aprender cada vez mais sobre essas artes. Também a toda a equipe que trabalhou e conviveu comigo desde então, pela troca de experiências e aprendizado.

Aos meus grandes ídolos, artistas, atores, cineastas, filmes, seriados e músicas que construíram meu repertório, minhas crenças e meu saber, e que certamente continuarão me influenciando.


A quem passou pela minha vida e marcou de uma forma especial. A quem me ensinou sobre amores, paixões, relacionamentos, sexo, desilusões, superação, dedicação, entrega e sentimentos. Eu seria uma pessoa diferente se não tivesse tudo isso na minha bagagem. Enfim, aos meus casos, paixões e amores de ontem, hoje e amanhã. A quem me fez sofrer, a quem eu fiz sofrer, a quem me amou e eu amei, a quem não passou de uma transa casual ou que me fez conhecer a magia do sexo com amor.

À vida, por ser simplesmente a vida.


Maybe it's time to be clear about who I am. I am someone who is looking for love. Real love. Ridiculous, inconveniente, consuming, "can't live without each other" love. (Carrie Bradshaw em Sex and the City)


RESUMO NOGUEIRA, Diego Benevides. Serialidade e narrativa audiovisual no seriado Sex and the City (Fortaleza/CE). Monografia. Curso de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo. Universidade de Fortaleza, 2009. Orientadora: Daniela Duarte Dumaresq. Este trabalho procura analisar as principais características da serialidade, as semelhanças e diferenças dos produtos ficcionais televisivos. Para analisar a serialidade e os recursos audiovisuais que interferem na narratividade, na construção dos personagens e nas temáticas abordadas, foi usado o seriado Sex and the City, mais precisamente a primeira e a sexta temporadas, para ser possível ter uma visão geral das principais características e mudanças que os seriados podem sofrer com o passar de sua produção. O seriado foi escolhido por ter inovado na abordagem do universo feminino, tendo influenciado a construção de um novo gênero: o sitcom sobre mulheres. As temáticas desenvolvidas em cada episódio eram abordados a partir de quatro pontos de vista, representados pelas quatro protagonistas. Cada personagens interferia, de acordo com o seu estilo, na construção das discussões. O primeiro capitulo aborda a história da televisão e dos seriados. O segundo mostra as diferenças entre os formatos de ficção seriada. No terceiro capítulo Sex and the City é analisado observando como a serialidade é desenvolvida, como os recursos narrativos são utilizados e as diferenças entre a primeira e a última temporada.

Palavras-chave: Televisão. Ficção Seriada. Narrativa Audiovisual.


SUMÁRIO INTRODUÇÃO.................................................................................................................10

CAPÍTULO I: A Televisão e a Busca da Programação................................................12 1.1 A caixa mágica ............................................................................................................12 1.1.2 A tele-realidade.........................................................................................................15 1.2. A procura por uma grade de programação..................................................................18 1.3. O espaço para as séries e seriados...............................................................................24

CAPÍTULO II: A Serialidade..........................................................................................31 2.1 A ficção na tevê.............................................................................................................31 2.2 Gêneros e formatos da ficção seriada............................................................................35 2.2.1 Telenovela..................................................................................................................35 2.2.2 Minissérie...................................................................................................................38 2.2.3 Séries e seriados.........................................................................................................39 2.2.3.1 Os gêneros...............................................................................................................41 2.3 O formato em Sex and the City......................................................................................43

CAPÍTULO III: Sex and the City.....................................................................................45 3.1 O primeiro episódio........................................................................................................50 3.1.1 Apresentação dos personagens....................................................................................52 3.1.2 Caracterização dos personagens..................................................................................55 3.2 A primeira temporada.....................................................................................................58 3.3 Da segunda à quinta temporada: um rápido panorama..................................................62 3.4 A última temporada........................................................................................................64 3.5 O último episódio...........................................................................................................67

CONCLUSÃO....................................................................................................................69

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................................71

ANEXO...............................................................................................................................73


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INTRODUÇÃO

O seriado Sex and the City estreou em 1998 no canal pago HBO e durou até 2004, totalizando seis temporadas, com quatro protagonistas que debatiam seus relacionamentos amorosos e sexuais em Nova York. O sitcom ficou famoso por trazer discussões sobre o mundo feminino de uma forma mais aberta e acessível ao espectador, se tornando um dos mais importantes de sua época. Além de ter acompanhado todos os episódios deste seriado e considerá-lo um dos melhores dos últimos anos, pude perceber nele a capacidade de dialogar não somente com o público feminino, mas também com o público masculino e gay, que se viam representados em tela. Este trabalho procura apontar e caracterizar o seriado Sex and the City como produto televisivo de ficção seriada, analisando as características da serialidade que ele segue para a construção de seus episódios e a forma narrativa utilizada. Será tomada como base a análise das formas narrativas dos episódios da primeira e da sexta temporadas, para que possamos ter uma visão geral também das mudanças que um seriado pode sofrer com o passar do tempo. No total foram analisados 32 episódios. Para compreender o formato utilizado pelo seriado foi preciso acompanhar o processo de seu surgimento na televisão mundial e os anseios que as emissoras tiveram ao oferecer, em sua grade de programação, histórias ficcionais. A partir de pesquisa bibliográfica sobre a história da televisão, viu-se como a necessidade de estabelecer uma grade de programação contribuiu para o surgimento a ficção seriada. O seriado televisivo, como produto de entretenimento e informação, favorece a identificação do público com os personagens e as temáticas abordadas. Com isso, ele passar a acompanhar o programa. O primeiro capítulo deste trabalho traz uma análise sobre a história da televisão e a busca por uma grade de programação, bem como a importância da tele-realidade do veículo para que haja identificação do público com o que é exibido. Também é feito um histórico sobre a aparição dos seriados no decorrer das décadas e as mudanças que a produção desses programas tiveram com o passar das décadas. O segundo capítulo trata da ficção na televisão, abordando as características da serialidade, e diferencia telenovela, minissérie e seriado, já que cada um desses produtos tem seu formato, que indica ao público o que esperar do programa. A partir do estudo da serialidade televisiva, passamos ao terceiro capítulo para analisar Sex and the City.


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No terceiro capítulo é feita uma análise sobre a serialidade em Sex and the City e como os episódios se comunicam de um para o outro e da primeira para a sexta temporada, além de serem analisados os recursos audiovisuais que compõem a narrativa do seriado. A análise de elementos como uso da câmera, narração em off, cenário e figurino auxiliam a perceber a forma como os episódios são compostos. Também é observado como se dá a relação entre os personagens e às temáticas abordadas nos episódios.


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Capítulo 1: A Televisão e a Busca da Programação 1.1. A caixa mágica A televisão conquistou, com o passar do tempo, o seu espaço na sociedade como veículo de informação e entretenimento que prima pela qualidade de imagem e transmissão. Estudiosos registraram em livros e manuais a forma “correta” de fazer televisão, estabelecendo normas e regras. A partir de estudo bibliográfico, podemos ter um parâmetro geral do crescimento tecnológico vivido por este veículo. 18 de setembro de 1950. Essa foi a data em que a televisão foi inaugurada em território brasileiro e, desde então, se apresenta como um dos meios de comunicação mais presentes na vida das pessoas. Segundo dados disponibilizados pelo site do Ibope, em 2007, em praticamente todos os domicílios brasileiros existe pelo menos um aparelho de televisão, pesquisa que também aponta que em mais de um terço desses domicílios existe mais de um aparelho. O público valoriza não só a aproximação das imagens e do som que a televisão proporciona, mas também a diversidade de canais e a programação das emissoras. Para se instaurar como mídia necessária à população, o processo de adaptação da televisão na sociedade foi demorado, já que, no início, a estrutura para a transmissão da televisão era deficiente e tinha a necessidade de ser aprimorada. A televisão ainda sofria com a falta de equipamento que suportasse a transmissão, a programação era desenvolvida ao vivo e o amadurecimento veio com as necessidades de fazer com que o público acreditasse naquele objeto que o aproximaria da informação e do entretenimento.

Apesar de todas as deficiências e improvisações, a televisão foi saudada pela imprensa escrita como sendo o novo e poderoso instrumento com que ‘conta nossa terra’. Nos dois primeiros anos, a televisão não passou de um brinquedo de luxo das elites do país, do mesmo modo como o videocassete foi considerado no final da década de oitenta e o computador, que na década de noventa passou a ser o aparelho mais desejado das famílias. (MATTOS, 2002, p. 82)

Os anos iniciais de transmissão mostraram as primeiras complicações: câmeras apresentavam problemas durante as primeiras transmissões, refletores queimavam, os programas iam ao ar sem edição e a grade de programação ainda não era sólida. A publicidade, investidora em grande massa dos veículos audiovisuais da atualidade, não se interessava muito por patrocinar os programas, a não ser aquelas empresas que já possuíam experiência com a propaganda de televisão no exterior. Exceções existiam, como o caso


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famoso do noticiário Repórter Esso, patrocinado pela empresa petrolífera ESSO, que foi ao ar de 1952 a 1970, carregando o nome do investidor para o programa. Por mais que o modelo norte-americano já se apresentasse como promissor, custou para a televisão brasileira buscar uma linguagem e ter recursos para produzir.

É verdadeiro o fato de que as primeiras emissoras de televisão do país começaram de maneira precária e cheia de improvisações. Muitos anos foram necessários para que um esquema empresarial como o da Globo fosse implantado, facilitando o desenvolvimento da indústria televisiva como hoje conhecemos. Entretanto, a TV Excelsior, fundada em 1959 e cassada em 1970, foi considerada como a primeira emissora a ser administrada dentro dos padrões empresariais de hoje. A Excelsior foi responsável pela produção da primeira telenovela em capítulos diários e também da telenovela mais longa da história – ‘Redenção’ -, com um total de 596 capítulos. Investindo na contratação dos mais talentosos profissionais da época, a Excelsior foi a emissora que primeiro criou vinhetas de passagem dos intervalos comerciais. (FURTADO apud. MATTOS, 2002, p. 85-86)

Com a chegada do videoteipe na década de 60, a televisão passou a ter mais segurança para montar a programação, bem como as tecnologias para as transmissões começaram a ser mais eficazes. Preocupações com as câmeras, enquadramentos, iluminação, edição e qualidade dos programas passaram a ser mais freqüentes. Esses benefícios fizeram com que o público também se interessasse pelo que era exibido e se habituassem àquela nova tecnologia. Nesta época, as novelas passaram a ser diárias, criando uma audiência fiel.

O uso do VT possibilitou não somente as novelas diárias como também a implantação de uma estratégia de programação horizontal. A veiculação de um mesmo programa em vários dias da semana criou o hábito de assistir televisão rotineiramente, prendendo a atenção do telespectador e substituindo o tipo de programação em voga até então, de caráter vertical 1 , com programas diferentes todos os dias. (MATTOS, 2002, p. 87)

Segundo Braune & Rixa (2007, p. 28), “o videoteipe teve sua estréia oficial na TV brasileira em 21 de abril de 1960, na inauguração de Brasília”. Porém, no ano anterior foi feita uma demonstração do recurso com a exibição do programa de Carlos Pallut, que

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Programação vertical é aquela que não se preocupa em criar uma repetição de seus programas e horários como forma de criar fidelidade com o público. Por outro lado, a horizontal cria um costume de acompanhamento do público para a grade de programação, fazendo com que ele saiba o que assistirá em determinado horário e canal.


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originalmente ia ao ar às 21h, porém a câmera registrou o relógio do apresentador batendo 15h. A gravação do programa e a edição passaram a facilitar o trabalho das emissoras. Até 1960, os programas eram transmitidos em tempo real, sem a possibilidade de recuperar um episódio de novela perdido, por exemplo. “Entretanto, graças ao recurso do videoteipe – uma fita do tamanho de um pneu -, transmissões puderam ser arquivadas e, portanto, reprisadas em horários e estados diferentes”. (BRAUNE & RIXA, 2007, p. 28) Mattos (2002, p. 78-79) pontua que o desenvolvimento da televisão brasileira está dividido em seis fases. A primeira é a elitista, com duração desde o início das transmissões até 1964. Nesse período, o público principal da televisão era formado por pessoas influentes e com poder aquisitivo alto. De 1964 a 1975, temos a fase populista, quando a televisão foi considerada um exemplo de modernidade. A fase do desenvolvimento tecnológico durou de 1975 a 1985, quando a tecnologia passou a oferecer mais opções em termos de estrutura e programação para o veículo. Neste tempo, a produção televisiva foi encarada com mais seriedade e a preocupação não era só com a aprovação do público local, mas também com a possibilidade de vender para o mercado exterior. A quarta fase, chamada de fase da transição e da expansão internacional, foi marcada justamente pela exportação de programas e durou de 1985 a 1990, quando a fase da globalização e da TV paga (1990 a 2000) dominou as formas de fazer televisão e o País tentou se adaptar aos novos rumos da redemocratização. Os programas ficavam cada vez mais atrativos e modernos. Mattos define, a partir de 2000, a fase da convergência e qualidade digital, na qual a tecnologia corresponde à interatividade, além da possibilidade da convergência midiática da televisão com a Internet e outras tecnologias. Desde a sua chegada, a televisão trouxe a possibilidade do novo veículo não só oferecer informação do País e do mundo ao espectador, por meio de programas jornalísticos, mas também entretenimento. A Inglaterra e os Estados Unidos já detinham a tecnologia televisiva e tornaram-se pioneiros em busca de uma programação que interessasse quem estava à frente da tela. No Brasil, a experiência do rádio, bem como sua instantaneidade, serviu como base para alimentar a televisão com idéias e profissionais. Ao contrário da televisão norte-americana, que se desenvolveu apoiando-se na forte indústria cinematográfica, a brasileira teve de se submeter à influência do rádio, utilizando inicialmente sua estrutura, o mesmo formato de programação, bem como seus técnicos e artistas. (MATTOS, 2002, p.49)


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No Brasil, as telenovelas tornaram-se famosas por trazer astros e realizadores que já trabalhavam no teatro, lançando-os como verdadeiros ídolos nacionais. Programas de auditório também tiveram seu espaço. Todas as novas sensações que a televisão lançava, o público ficava maravilhado, por mais que as imagens fossem vistas monocromaticamente no início do boom televisivo. Era possível ver o próprio público sendo mostrado pela televisão, com seus programas jornalísticos que cobriam as notícias do momento e ficções que traziam uma relação estrita com a vida dos espectadores.

1.1.2. A tele-realidade A televisão detinha, com os programas jornalísticos, a força de enviar a informação e mostrar algo dito como verdadeiro. O aparelho televisivo tornou-se, com o passar do tempo, um aliado e um elo entre a vida caseira e o que acontece no mundo, vinculando seu conteúdo com o real. Mesmo mostrando notícias nos programas jornalísticos, uma outra atração para o veículo seria trabalhar produtos ficcionais para abordar uma espécie de tele-realidade ficcional.

O aparelho de televisão passou a fazer parte do cotidiano da humanidade, indispensável nas moradias comuns, como o fogão e a cama. E esse aparelho onipresente na nossa sociedade transmite, durante boa parte do seu tempo de exibição, a chamada ficção televisiva. (PALLOTTINI, 1998, p. 23)

Duarte (2008, p. 180) lembra que a televisão, desde seu surgimento e com as eventuais mudanças trazidas pela tecnologia e pela exigência cultural e de comunicação do público, permanece com a possibilidade de mostrar, através de informação, o que é tido como realidade. Foi através dela que fatos históricos como a ida do homem à Lua foi acompanhada pelo espectador. Mas, não se deve esquecer que, como instrumento prodigioso que é, ao converter o mundo em fatos imediatamente acessíveis ao cotidiano planetário, ela não só pauta o que é real, como reduz, como não poderia deixar de ser, esse real ao discurso, construído na inter-relação de diferentes sistemas intersemióticos e intermidiáticos. (DUARTE, 2008, p. 180)

Na televisão, a experiência do real é constituída com recursos como a movimentação de câmera e o enquadramento, e passa pelos processos de finalização de uma reportagem.


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Esses recursos determinam como aquela informação vai chegar ao espectador. O real não é somente o que o jornalismo pode acompanhar durante uma cobertura de uma guerra ou um evento como as Olimpíadas, mas também o que pode ser visto na ficção seriada, que reflete, de forma ficcional, um olhar do que é dito como real. Essas possibilidades, segundo Duarte (2008, p. 180 a 182), faz com que a realidade seja vista em diversos parâmetros. Ela conceitua meta-realidade, supra-realidade e para-realidade, cada qual com sua definição e concretização em gêneros televisivos. A autora define que a meta-realidade é caracterizada pela realidade discursiva que a televisão mostra, com o objetivo de falar do mundo que lhe é exterior. Isso pode ser visto em reportagens, documentários, entrevistas e telejornais em geral. Já a supra-realidade diminui o compromisso direto que a televisão tem ao informar os acontecimentos reais. Aqui a TV se compromete com a verossimilhança das formas narrativas que conta. Nas palavras da autora, “propõe uma suspensão do regime de crença, isto é, das exigências de confronto com o mundo exterior” (2008, p. 181). Como exemplos, temos os produtos ficcionais como novelas, minisséries e seriados uma leitura da realidade. Por último, a para-realidade constitui-se em uma espécie de mundo paralelo com acontecimentos construídos dentro do meio. Duas características básicas são a representação do real como um jogo e a dissimulação, pondo em debate o que é a realidade e o que é o fruto do controle da própria televisão em relação ao produto. Assim temos os reality shows, cujo controle da emissora estabelece as regras para o programa funcionar. Mas, é necessário ressaltar que, hoje, inúmeros programas que constam da programação das emissoras recorrem a esses três tipos de percurso de construção da realidade, frequentemente embaralhando-os no interior da própria emissão. Assim, nesse grande cenário narrativo que a televisão coloca ao dispor dos telespectadores, a informação intercambia seus signos com os da ficção, o real se confunde com o imaginário, o natural e autêntico são substituídos pelo artificial. Em outros termos, há na programação televisiva atual a evidente substituição de uma teleologia da verdade e da mentira, do real e da ficção, pela da realidade e da artificialidade. (DUARTE, 2008, p. 183)

Ainda sobre essa tele-realidade, Jost a caracteriza brevemente como um objeto múltiplo. ...pode-se afirmar que as emissões classificadas sob essa denominação têm a particularidade de mobilizar os três interpretantes fundamentais dos programas televisuais: o mundo real, nosso mundo; o mundo fictício, que é resultado da


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invenção; e o mundo lúdico, que, reenviando ao mundo real, apóia-se sobre as regras do jogo, segundo uma coerência interna que elas compartilham com o mundo da ficção. (JOST, 2007, p. 60)

Essa construção do real se baseia em fatores que tentam mesclar o que a sociedade vive em um determinado momento com o crescimento do veículo. Machado (2000, p. 10-11) indica que o fenômeno televisivo pode ser analisado em dois segmentos. O primeiro seria como um produto de massa que adotaria uma análise sociológica do que o veículo representa ao público, enquanto o segundo foca mais precisamente na qualidade da mídia. ...se pode abordar a televisão sob um outro viés, como um dispositivo audiovisual através do qual uma civilização pode exprimir a seus contemporâneos os seus próprios anseios e dúvidas, as suas crenças e descrenças, as suas inquietações, as suas descobertas e os vôos de sua imaginação. Aqui, a questão de qualidade da intervenção passa a ser fundamental. (MACHADO, 2000, p. 11)

O público cada vez exige mais qualidade dos programas em termos tecnológicos, fazendo com que as emissoras se preocupem com o tratamento estético que é dado que é exibido. Assim, o público opta por programas que trazem elementos bem desenvolvidos, como o acabamento, a edição, os sons e a trilha sonora. A televisão estabeleceu uma relação entre emissora e espectador, em busca a um diálogo complementar que auxilie a criação de programas que estejam ao alcance das expectativas do público de tal época. Para Machado (2000, p. 13), "a televisão é e será o que nós fizermos dela", induzindo não somente a manutenção de um conceito, mas também a construção de novas perspectivas dentro do meio, em constante transformação no que diz respeito à produção, programação e recepção. Ao decidir o que vamos ver ou fazer na televisão, ao eleger as experiências que vão merecer a nossa atenção e o nosso esforço de interpretação, ao discutir, apoiar ou rejeitar determinadas políticas de comunicação, estamos, na verdade, contribuindo para a construção de um conceito e uma prática de televisão. O que nesse meio é ou deixa de ser não é, portanto, uma questão indiferente às nossas atitudes com relação a ele. Nesse sentido, muitos discursos sobre a televisão às vezes me parecem um tanto estacionários ou conformistas, pois negligenciam o potencial transformador que está implícito nas posturas que nós assumimos com relação a ela: e “nós”, aqui, abrange todos os envolvidos no processo: produtores, consumidores, críticos, formadores, etc. (MACHADO, 2000, p. 13-14)


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1.2. A procura por uma grade de programação

Na televisão, a organização da programação é essencial para o entendimento do público das opções de programas que ele tem para assistir em uma determinada emissora. Este hábito de organizar a programação surge quando se tornou necessário às emissoras apresentarem antecipadamente aos espectadores o que elas tinham de atrativo. A telenovela, mais notadamente no Brasil, se apresentou como um produto ficcional bastante vendável, possível e que supria as necessidades de uma grade de programação. Para Aronchi de Souza (2004, p.54), “programação é o conjunto de programas transmitidos por uma rede de televisão. O principal elemento da programação é o horário de transmissão de cada programa”. Partindo disso, Aronchi de Souza remete à horizontalidade da programação, que é caracterizada por determinar um horário fixo para a veiculação de um programa de determinado gênero durante a semana, fazendo com que crie uma fidelização entre produto e público. A distribuição dos programas em horários planejados e previamente divulgados pela emissora, desde o início da programação até o encerramento das transmissões, cria um plano conhecido como grade horária semanal. A grade horária de uma emissora é resultado das pesquisas de audiência e da estratégia de cada rede. (ARONCHI DE SOUZA, 2004, p. 58)

No início das transmissões, a telenovela ainda tinha como aliada a facilidade de também passar informações aos telespectadores, já que os roteiros apresentavam meras representações do cotidiano que pudessem gerar identificação no receptor. O formato ficcional instaurou-se como de essencial importância para as emissoras, que até hoje tem seu espaço garantido nas grades. Segundo Pallottini (1998, p. 22), cerca de um terço do tempo da grade de programação de uma emissora abrange programas de ficção, principalmente telenovelas. Essa estimativa varia de acordo com a emissora e abertura para este estilo de programa na grade. (Ver tabela 1). Atualmente, a Rede Globo se apresenta como a principal produtora de telenovela do País, disputando com a Rede Record seus atores, escritores e espaços na grade. O SBT e a Band também participam da produção de teledramaturgia, mas em um nível inferior às duas primeiras. A Rede Globo possui quatro horários para telenovelas, em um deles exibe uma reprise. A emissora também aposta em produções de séries nacionais e exibe semanalmente seus episódios, geralmente noturnos.


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Além disso, as emissoras se adequam também às movimentações que os programas precisam ter. Tomando ainda a Rede Globo como exemplo, ela tem, diariamente, programas fixos. Porém, existem também programas semanais. Nessa movimentação, os seriados nacionais se encaixam em seus respectivos dias e horários. Como podemos ver na Tabela 2, às terças-feiras é o dia da série humorística Toma Lá, Dá Cá ser exibida, enquanto às quintasfeiras é a vez de A Grande Família dividir espaço com Casos e Acasos. Em épocas de férias dos seriados, geralmente dezembro e janeiro, programas especiais são montados para substituir os que estão ausentes, entre outras alternativas usadas pelas emissoras. Esse descanso dos seriados é importante, principalmente, para a renovação das idéias dos autores, do elenco e também para o público não ficar saturado e estar disposto quando a atração voltar. Os seriados encerram suas temporadas e reiniciam, em breve, com pequenas novidades que ajudam a renovar a relação com o público. Também pode acontecer de uma série, seja por baixa audiência ou decisão da emissora, ser retirada do ar e substituída por outra. Para Balogh, a alteração da grade nos períodos de férias é importante. Ela ressalta a entrada no ar das minisséries como responsável por tirar “a programação da TV de sua mesmice cotidiana e [constituir] elas mesmas uma festa, que resgata, ainda que apenas parcialmente, o aspecto ritual do ‘ir ao cinema ou ao teatro’ do pretérito”. (2002, p. 123) Também pode acontecer de, neste período de recesso dos programas habituais das emissoras, haver a experimentação de novos programas, formatos e gêneros, como forma de pesquisar o que o público quer ver. A grade de programação alcançou a posição de ser eclética e de poder testar o que é viável para o público em um determinado horário. Para Aronchi de Souza (2004, p. 55), “para determinar o horário de transmissão do programa, as emissoras baseiam-se nos índices de audiência”. A programação em televisão começou a ser feita sem que houvesse um registro prévio do que o público queria, do que se podia ou se devia fazer. Não existia nenhum tipo de pesquisa científica, e a programação foi surgindo através da experimentação (...) A programação é, cada vez mais, ditadora de uma nota só. Hoje, com a programação de rede, nem sempre mandamos o melhor para os diversos núcleos regionais do Brasil. Foi o satélite que alterou isso, criando um novo conceito. Uma vez em rede, a programação passou a ter uma preocupação maior com o ecletismo. (RUBENS FURTADO apud ARONCHI DE SOUZA, 2004, p. 55)


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Reality shows, como o Big Brother Brasil, se enquadram na grade preenchendo o espaço deixado por algum programa que se ausentou. Em 2009, a minissérie Maysa – Quando fala o coração também foi ao ar preenchendo espaços da grade noturna da Rede Globo, anteriormente ocupada pelas séries nacionais. As séries internacionais também são lançadas, como Lost e Prison Break (Ver tabela 2) como atrativo das madrugadas da emissora. Em outros casos, programas podem sofrer alterações por instruções do canal, muitas vezes visando conquistar um público maior e marcar bons pontos de audiência. Com as freqüentes mudanças de grade do SBT, seriados como One Three Hill e The O.C. sofreram com mudanças de dias de exibição. Em ano de eleições, o horário eleitoral se integra à programação, alterando-a diariamente em dois horários, um diurno e outro noturno. Para analisar essas regras do que fica, continua ou sai da programação, Duarte (2008, p. 186 e 187) cita o caso do especial de fim de ano da Rede Globo, Programa Novo, exibido em 2004, que trazia os atores do seriado Sexo Frágil passando pelo processo de construção de um programa de televisão. Os atores interpretavam eles mesmos e mostravam ao público como eram os bastidores de uma emissora e os problemas que enfrentavam na realização de um produto televisual. O que poderia ser interessante para uns, acabou não trazendo o êxito que a Rede Globo esperava e a atração foi descartada.

Um dos objetivos da emissão era, certamente, testar a aceitação da nova proposta que apresentava. O programa, entretanto, não obteve o sucesso esperado junto ao público telespectador, não atingindo a pontuação necessária para garantir sua permanência. Tanto isso é verdade que não foi, como outros, incorporado à grade de programação da emissora. (DUARTE, 2008, 187)

Por meio do que é exibido, as emissoras têm o retorno em audiência e publicidade que é esperado. Se o produto não funciona, outra idéia é desenvolvida para ficar nesta constante busca do consumo do espectador.


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Tabela 1 PROGRAMAÇÃO DA REDE GLOBO - SEMANA 21 e 23/10/08 TERÇA 21/10/2008 QUINTA 23/10/2008 05h00 - Telecurso Educação Básica 05h00 - Telecurso Educação Básica Tecendo o Saber Tecendo o Saber 05h20 - Telecurso Profissionalizante 05h20 - Telecurso Profissionalizante 05h35 - Telecurso Ensino Médio 05h35 - Telecurso Ensino Médio 05h50 - Telecurso Ensino Fundamental 05h50 - Telecurso Ensino Fundamental 06h05 - Globo Rural 06h05 - Globo Rural 06h25 - Bom Dia Praça 06h25 - Bom Dia Praça 07h15 - Bom Dia Brasil 07h15 - Bom Dia Brasil 08h04 - Radar 08h04 - Radar 08h07 - Mais Você 08h07 - Mais Você 09h34 - Globo Notícia I 09h34 - Globo Notícia I 09h38 - TV Globinho 09h38 - TV Globinho 11h45 - Os Simpsons 11h45 - Os Simpsons 12h10 - Praça TV - 1ª Edição 12h10 - Praça TV - 1ª Edição 12h35 - Globo Esporte 12h35 - Globo Esporte 13h00 - Horário Político I 13h00 - Horário Político I 13h20 - Jornal Hoje 13h20 - Jornal Hoje 13h45 - Vídeo Show 13h45 - Vídeo Show 14h30 - Vale a Pena Ver de Novo - Mulheres 14h30 - Vale a Pena Ver de Novo Apaixonadas Mulheres Apaixonadas 15h40 - Sessão da Tarde. Filme: Sinbad – A 15h40 - Sessão da Tarde. Filme: Nossa Lenda dos Sete Mares Querida Babá 17h25 - Globo Notícia II 17h25 - Globo Notícia II 17h28 - Malhação 17h29 - Malhação 18h00 - Negócio da China 18h00 - Negócio da China 18h55 - Praça TV - 2ª Edição 18h55 - Praça TV - 2ª Edição 19h10 - Três Irmãs 19h10 - Três Irmãs 20h15 - Jornal Nacional 20h15 - Jornal Nacional 20h30 - Horário Político II 20h30 - Horário Político II 20h50 - Jornal Nacional 20h50 - Jornal Nacional 21h05 - A Favorita 21h05 - A Favorita 22h20 - A Grande Família 22h20 - Casseta & Planeta Urgente! 23h05 - Casos e Acasos 22h55 - Toma Lá, Dá Cá 23h55 - Jornal da Globo 23h45 - Profissão Repórter 00h25 - Programa do Jô 00h15 - Jornal da Globo 01h55 - Intercine 1ª Ligado em Você 00h45 - Programa do Jô 2ª O Eliminador 02h15 - Intercine 1ª O Homem Sem 03h35 - Corujão. Filme: Por Trás Daquele Sombra Beijo 2ª Os Miseráveis Fonte: Sala de Imprensa Rede Globo citado no site Multiblog


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Tabela 2 PROGRAMAÇÃO DA REDE GLOBO - SEMANA 10 e 12/03/09 TERÇA 10/03/2009 QUINTA 12/03/2009 05h05 - Telecurso Educação Básica - Tecendo 05h05 - Telecurso Educação Básica o Saber Tecendo o Saber 05h20 - Novo Telecurso 05h20 - Novo Telecurso 05h35 - Telecurso Ensino Médio 05h35 - Telecurso Ensino Médio 05h50 - Telecurso Ensino Fundamental 05h55 - Telecurso Ensino Fundamental 06h10 - Globo Rural 06h10 - Globo Rural 06h30 - Bom Dia Praça 06h30 - Bom Dia Praça 07h15 - Bom Dia Brasil 07h15 - Bom Dia Brasil 08h04 - Radar 08h04 - Radar 08h07 - Mais Você 08h07 - Mais Você 09h29 - Globo Notícia 09h29 - Globo Notícia 09h32 - TV Globinho 09h32 - TV Globinho 11h35 - Os Simpsons 11h35 - Os Simpsons 12h00 - Praça TV - Primeira Edição 12h00 - Praça TV - Primeira Edição 12h45 - Globo Esporte 12h45 - Globo Esporte 13h15 - Jornal Hoje 13h15 - Jornal Hoje 13h45 - Vídeo Show 13h45 - Vídeo Show 14h30 - Vale a pena ver de novo - Senhora do 14h30 - Vale a pena ver de novo Destino Senhora do Destino 16h10 - Sessão da Tarde - Agora Você 15h55 - Sessão da Tarde - Ace Ventura - Um Detetive Diferente Vê... 17h38 - Globo Notícia 17h41 - Globo Notícia 17h41 - Malhação 17h44 - Malhação 18h10 - Negócio da China 18h15 - Negócio da China 19h00 - Praça TV - Segunda Edição 19h00 - Praça TV - Segunda Edição 19h15 - Três Irmãs 19h20 - Três Irmãs 20h15 - Jornal Nacional 20h15 - Jornal Nacional 20h30 - Horário Político 20h50 - Caminho das Índias 20h40 - Jornal Nacional 22h00 - Big Brother Brasil 23h05 - Festival de Sucessos - Prenda- 21h00 - Caminho das Índias 22h10 - Big Brother Brasil me Se For Capaz 22h55 - Festival de Sucessos - Identidade 01h30 - Jornal da Globo 00h30 - Jornal da Globo 02h00 - Fórmula 1 01h03 - Fórmula 1 02h02 - Prison Break 01h05 - Prison Break 02h55 - Intercine - Escolha o filme 01h55 - Intercine - Escolha o filme Fonte: Programação Rede Globo


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A variedade e versatilidade de uma grade de programação são impulsionadas pela produção nacional que busca apuro não só em seus roteiros dramatúrgicos, como também a preocupação na linguagem e estética, fatores que envolvem a qualidade dos profissionais, fotógrafos, figurinistas, diretores de arte, especialistas em efeitos especiais, iluminadores e bom equipamento de gravação, etc. A cada idéia que nasce para a produção de programas, novelas e seriados, a emissora faz o desenho de produção necessário para o convencimento e conquista do público, que encara as novidades como experiências que podem valer a pena se entregar. A Rede Globo já foi ao Marrocos com a novela O Clone, de Glória Perez. A mesma autora lançou em 2009 a novela Caminho das Índias, com temática indiana, por exemplo. A minissérie Maysa – Quando fala o coração voltou aos nos 50, 60 e 70 para narrar a trajetória de uma cantora reconhecida no País. A programação é uma das principais estruturas de uma emissora, sendo responsável por tudo que é veiculado. Segundo Squirra (1993, p. 42), é a programação que deve se preocupar com a produção da emissora, registrando todos os programas que irão ao ar, bem como pontuando o horário de início, término e de intervalos de cada produto televisivo. A grade instrui o que o espectador tem para se servir durante aquele determinado dia, então geralmente ela é divulgada em jornais ou portais on-line das próprias emissoras. A grade de programação, acima de tudo, deve respeitar as expectativas vindas de seu público. Há a preocupação de condicionar o público a saber em qual horário ele está apto para ver os programas, de acordo com seus interesses. Um espectador dificilmente encontrará uma programação adulta, cuja censura não seja livre, durante a manhã, por exemplo.

O estabelecimento de determinados horários para um gênero da grade horária da programação brasileira pode ser diferente em outros países por motivos socioeconômicos, políticos e culturais. Os objetivos de cada emissora variam de acordo com a cultura do telespectador, seus costumes e expectativas. (ARONCHI DE SOUZA, 2004, p. 58)

Um seriado humorístico que possua uma classificação indicativa maior é enquadrado em um horário supostamente mais acessível ao seu público alvo. Como podemos ver ainda na Tabela 1, os seriados Toma Lá, Dá Cá, A Grande Família e Casos e Acasos se posicionam depois das 22h, podendo inserir em seus episódios, se for de escolha do autor ou característica do próprio programa, algum teor ou linguagem mais restrita.


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Squirra (1993, p. 45) levanta a necessidade também das emissoras seguirem um padrão de produção e define que tal padrão é responsável pela criação de rotinas dentro da emissora, bem como de seus técnicos, para que possam realizar programas que se comuniquem com uma audiência. Daí saiu o que é chamado Padrão Globo de Qualidade, que serve como base da relação emissor-receptor da programação da emissora. A Rede Globo conseguiu esse padrão. Ou conseguiu um padrão próprio. Ele é o responsável por essa relação constante e intensa do público com a televisão. O telespectador já sabe o tipo de serviço que receberá. Pode discordar aqui ou ali, gostar ou não desse ou daquele programa. Sabe, porém, o que o canal lhe deverá oferecer em termos de um determinado comportamento previsível. O padrão acostuma o telespectador a uma carga diária de emoção, informação, prazer, devaneio e serviços gerais. São cotas de proteínas culturais. (SQUIRRA, 1993, p. 46)

Uma emissora, seja na televisão aberta ou fechada, necessita de um guia, uma espécie de cardápio que oriente o público sobre seus produtos. A programação, item básico da televisão, é o que fideliza e cria curiosidade no espectador, sendo essencial para o funcionamento do canal.

1.3. O espaço para as séries e seriados

A telenovela não é o único produto de ficção seriada ao qual o público se dedica. Os seriados, cada vez mais, conquistam os espectadores, que se vêem servidos de uma diversidade de histórias, cuja produção é intensa na televisão americana. Os Estados Unidos também produziram as telenovelas e soap operas, mas despontaram em outro formato de ficção televisiva. As séries e seriados tornaram-se programas exibidos em horários nobres que ofereciam informação e entretenimento ao público. Logo, o Brasil seria impulsionado também na criação destes programas, como forma de experimentação, e também começaria a importálos.

As duas primeiras décadas da televisão no Brasil apresentaram e consolidaram o formato "seriado" para o público. Nesse período, chegaram à telinha dezenas de séries de ação, suspense, aventura e humor, incluindo produções nacionais que se aventuraram nessa área dominada pelos americanos. Mas é interessante notar que


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diversas delas, mesmo sendo apresentadas ao público muitos anos depois de sua estréia no mercado americano, acabaram abrindo espaço dentro da programação de emissoras, como a Tupi, Record, a Excelsior e Globo, e ganhando sua merecida audiência. (PEREIRA, 2008, p.12)

A riqueza de imagem e áudio que a televisão poderia proporcionar foi de extrema preocupação dos produtos audiovisuais. A tecnologia fez com que as cores, por exemplo, trouxessem mais vida e versatilidade aos programas televisivos. O recurso chegou ao Brasil em 1972.

Aliás, as cores só começaram a ficar populares quando o preço dos televisores passou a ficar mais acessível ao público em geral, por volta do final desta década [1970]. E com isso, um universo novo começou a surgir na telinha, não só com séries que exploravam as cores em todos os sentidos, mas também com a oportunidade de a dramaturgia brasileira aproveitar essa nova tecnologia, criando suas primeiras séries dentro do novo padrão de cores. Os anos 70 marcam também o fim dos seriados de longa duração na programação das TVs brasileiras. (PEREIRA, 2008, p. 90, interpolação minha)

Segundo Braune & Rixa (2007, p. 18 e 19), as primeiras transmissões a cores foram feitas pela Tupi-SP em 1963, exibindo episódios da série americana Bonanza. Na XII Festa da Uva (RS), em 19 de fevereiro de 1972, outra experimentação foi realizada, e em 31 de março de 1972, os brasileiros ganharam oficialmente a cor na televisão.

Para celebrar o oitavo aniversário do golpe militar, entretanto, o governo brasileiro determinou que a data oficial para a chegada das cores à telinha seria 31 de março de 1972. Nesse dia, a Tupi exibiu a sua primeira atração do gênero: o especial Mais Cor em sua Vida. Vinícius de Moraes, Toquinho e Jorge bem (futuro “Ben Jor”) estavam entre os convidados do evento, que teve um desfile de moda assinado pelo costureiro Clodovil. (BRAUNE & RIXA, 2007, p. 19)

Braune & Rixa (2007, p. 141) destacam a confusão que existe no Brasil sobre a definição do que seja uma série, um seriado e uma minissérie. A série é “geralmente semanal, é um programa que apresenta uma história completa por dia, sem necessariamente deixar um suspense para o episódio seguinte”, como temos em Toma Lá Dá Cá (2007 - atual). O seriado é “geralmente diário, suas histórias são contadas em capítulos – sempre com ganchos a serem resolvidos no dia seguinte”, assim como conhecemos em Sex and the City. Já as minisséries


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“duram de uma a duas semanas e raramente passam de dez capítulos. No Brasil, para diluir os custos, algumas produções se estenderam por mais de quarenta capítulos, sendo praticamente uma novela”. Para Furquim (2008, p. 10 e 11), o envolvimento dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial fez com que a televisão, ainda em seus primeiros passos, lotasse sua programação com noticiários que informavam o andamento da guerra. Entretanto, como a televisão ainda era prematura, o rádio despontou como principal comunicador deste período. Em 1944, a programação pôde voltar ao normal com o fim da guerra. Os soldados americanos voltaram às suas casas, construíram família e se isolaram nos subúrbios. Isso criou a necessidade de a televisão entreter seus receptores. “O gênero, série de televisão, surgiu ainda nos anos 1940 e, devido às limitações impostas, predominavam os sitcoms. Os teleteatros davam conta das histórias dramáticas”. (FURQUIM, 2008, p. 11) Nos anos 1950 e 1960, o formato seriado começou a ser consolidado e muitos seriados até hoje são lembrados. Pereira (2008, p. 12) afirma que era muito difícil deduzir qual o gênero (comédia, aventura, drama, etc.) era o preferido do público da época, já que desde cedo “um drama poderia, por exemplo, se passar dentro de uma base aérea da Segunda Guerra, entre uma família de criadores de gado ou numa organização secreta do governo”.

Nesse período, chegaram à telinha dezenas de séries de ação, suspense, aventura e humor, incluindo as produções nacionais que se aventuraram nessa área dominada pelos americanos. Mas é interessante notar que diversas delas, mesmo sendo apresentadas ao público muitos anos depois de sua estréia no mercado americano, acabaram abrindo espaço dentro da programação das emissoras, como a Tupi, a Record, a Excelsior e a Globo, ganhando sua merecida audiência. (PEREIRA, 2008, p. 12)

Entre as séries de sucesso deste período se encontram Agente 86 (1965 – 1970) e Jornada nas Estrelas (1966 – 1969), os seriados basicamente femininos A Feiticeira (1964 – 1972) e Jeannie é um Gênio (1965 - 1970). Os seriados japoneses também encantaram o público infantil com Nacional Kid (1960 – 1961) e Ultraman (1966) e suas séries subseqüentes. No Brasil, Eva Wilma e John Herbert protagonizaram Alô Doçura (1953 – 1964). Entre as comédias americanas, I Love Lucy (1951 – 1957) se destacou como um dos programas de maior audiência da TV americana, tanto pelo carisma da personagem vivida por Lucille Ball, quanto pelo pioneirismo.


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Foi com I Love Lucy que o termo “Sitcom” (situation comedy / comédia de situação) se eternizou no mundo televisivo. A série foi a primeira a instituir nos seriados de TV a frase “convidado especial”, quando vários astros de cinema começaram a pedir para participar dos episódios. (PEREIRA, 2008, p. 31)

Nos anos 70, a televisão brasileira buscou aprimorar a linguagem seriada. Mesmo tendo como base os intitulados "enlatados" americanos. Porém, a produção nacional foi conquistando a opinião do público.

Até meados dos anos 1970, os seriados norte-americanos dominaram de forma esmagadora a programação de ficção nos canais latino-americanos de televisão. O que, de um lado, significava que a média de programas importados dos Estados Unidos - em sua maioria, comédias e seriados melodramáticos e policiais - ocupava cerca de 40% da programação e, de outro, que esses programas ocupavam os horários mais rentáveis, tanto os noturnos, no meio da semana, como durante o dia todo, nos fins de semana. Nos fins dos anos 1970, a situação começou a mudar e, durante os anos 1980, a produção nacional em vários países - México, Brasil, Venezuela, Colômbia, Argentina - e, nos outros, a telenovela brasileira, mexicana ou venezuelana, deslocam completamente a produção norte-americana. (T. VARIS apud MARTIN-BARBERO & REY, 1999, p. 117)

Nesta época, as séries se dividiram entre as que mantinham o padrão do passado e as que acompanhavam o caminhar da sociedade. Segundo Furquim (2008, p. 75), em 1974 as séries que ainda possuíam características do passado foram canceladas. Em território americano, séries como A Mulher Maravilha (1976 - 1979), A Mulher Biônica (1976 - 1978), As Panteras (1976 – 1981) tiveram espaço e os heróis e heroínas demonstraram ser boas atrações na televisão. No Brasil, Ciranda Cirandinha (1978), Malu Mulher (1979 – 1980) e Plantão de Polícia (1979 – 1981) foram os mais marcantes da época. Os anos 1970 marcaram mudanças profundas na produção dos seriados. A sociedade já não possuía a mesma mentalidade. Abriu-se um espaço para as experimentações que favoreceu a produção de ficção seriada. O papel feminino nos seriados começava a ditar novas regras de comportamento com suas mulheres bonitas e independentes. Os tempos não eram os mesmos, a televisão precisava seguir as mudanças da sua audiência, para não perder a comunicabilidade com ela.

A televisão, a ingenuidade e o sonho americano chegavam ao fim. Um dos fatores que mais representam essa transformação da mentalidade social é o cancelamento da


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série A Feiticeira, com seu humor suave, que perde na guerra pela audiência para Tudo em Família, responsável pela transformação das séries americanas, trazendo, inclusive, o palavrão e o termo pejorativo para a TV aberta. Com ela, veio a forma corrosiva e crítica da narrativa televisiva. (FURQUIM, 2008, p. 75)

A evolução dos padrões televisivos chegou na década de 80 com a produção intensiva dos seriados. As comédias ganharam atenção do público e os dramas familiares também. Segundo Pereira (2008, p. 138), foi uma década em que, mesmo com a produção intensiva da Rede Globo, ainda não se sabia ao certo o que fazer. Então a alternativa era manter os seriados americanos na programação nacional, principalmente ao que se convencionou chamar de sitcoms, ou comédias de costumes. Mantém-se também a produção de seriados policiais e de detetives, além do estouro das produções japonesas com seus heróis. Nos anos 1980, um dos marcos para a televisão mundial foi o fortalecimento da televisão a cabo, que logo seria estimulada a grande produção de ficção seriada para oferecer diversidade e investir em público.

O canal HBO, lançado em 1972, passa, a partir dos anos 1980, a produzir séries com uma nova estética, haja vista Contos do Terror/Contos da Cripta. Nas décadas seguintes, consolidaria sua marca com produções como Sex and the City, A Sete Palmos e A Família Soprano. A TNT também investe na produção para o público adulto enquanto canais a cabo como a MTV estréia com seus videoclipes e programas voltados unicamente ao público jovem. A Nickelodeon também iniciou sua produção no final dos anos 1970, com a meta de atingir o público infantojuvenil. (FURQUIM, 2008, p. 123)

Roteiristas e diretores passaram a se preocupar cada vez mais com seus produtos. “Novos elementos narrativos, diferentes desenvolvimentos de personagens, histórias e estéticas começaram a surgir”. (FURQUIM, 2008, p. 123) Nos anos 1980, programas como Jaspion (1985 - 1986), Changeman (1985 - 1986), As Supergatas (1985 – 1992) e Tudo em Família (1971 - 1979) foram os destaques, enquanto no Brasil O Bem Amado (1980 – 1984) e Armação Ilimitada (1985 – 1988) ganharam espaço. Pereira (2008, p. 192) pontua que, com a televisão já consolidada nos anos 90, os canais nacionais começaram a exibir com maior freqüência e mais opções os seriados internacionais. A produção americana gerou fãs fervorosos, com seriados como ER (1994 – atual), Friends (1994 – 2004), Anos Incríveis (1988 - 1993), Buffy – A Caça Vampiros (1997 – 2003) e Arquivo X (1993 – 2002). No Brasil, Luís Fernando Veríssimo emprestou seu


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talento literário para o seriado Comédia da Vida Privada (1995), exibido pela Rede Globo. Em 1998, o seriado Sex and the City, originado da coluna no jornal The New York Observer escrita pela jornalista nova-iorquina Candace Bushnell, foi um mais famosos da época, principalmente no que se diz respeito às temáticas abordadas em uma sociedade que ainda se acostumava em falar sobre sexo. Sex and the City foi produzido até 2004, porém, bem como outros seriados, continua sendo exibido em canal fechado. Nas primeiras produções seriadas, por questão de cautela e costumes da época, por mais que um casal de namorados morasse na mesma casa, eles não dividiam a mesma cama. Era um abuso ao espectador sugerir algo sexuado, por mais que heroínas como A MulherMaravilha (1975 – 1979) e Xena – A Princesa Guerreira (1995 – 2001) fizessem um apelo sexual do poder feminino. Já Sex and the City começou a mostrar não só ao público feminino, mas também ao masculino que, enquanto alguns temas não fossem comentados e mostrados, eles demorariam a se desconstruir.

Contudo, nenhuma série falou mais sobre as mulheres e o que elas pensam sobre relacionamentos do que Sex and the City, um marco na TV americana. O seriado, criado em 1998 por Darren Star, foi baseado nos artigos que a jornalista Candace Bushnell escreveu para o jornal The New York Observer sobre o comportamento sexual das mulheres na cidade que nunca dorme. Sarah Jessica Parker é a jornalista Carrie Bradshaw, que assina a coluna “O Sexo e a Cidade” num importante jornal de Nova York. Ela se baseia nas experiências afetivas e sexuais vividas por ela e suas amigas Samantha, Charlotte e Miranda. (PEREIRA, 2008, p. 239)

Uma trajetória de aprendizado e novas informações foram traçadas não só para a televisão ou para a ficção seriada. O passar dos anos para a tecnologia, mídias e sociedade é responsável pela adequação e harmonia no que se faz, se fala, se assiste, etc. O início do século 21 fez crescer a fome do público pelas séries e seriados. Segundo Pereira (2008, p. 266), talvez pela baixa da qualidade da programação da TV aberta, o público procura suprir com a diversidade e qualidade da programação da TV fechada.

Seriados cheios de adrenalina como 24 Horas; intrigantes como Lost; divertidos como Desperate Housewives; ousados como A Sete Palmos e Dexter; e surpreendentes como Heroes. Muitos deles se tornaram febre também no Brasil, conquistando fãs, recebendo espaço na mídia como nunca antes e provocando downloads na internet para se assistir aos episódios antes de chegar na telinha. Enfim, voltaram a ser presença marcante na programação do espectador brasileiro


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que tem acesso `à TV paga, num processo de conquista que, ao que tudo indica, não terá fim tão cedo. (PEREIRA, 2008, p. 266)

A internet não é a única tecnologia do novo milênio que a se comunica com a televisão. Segundo Furquim (2008, p. 249), “com a chegada da TV digital, DH-TV, Blu-Ray, internet, vídeo sob encomenda e outras mídias e serviços, o veículo se transformou”. A interatividade cresce, a era da pirataria fornece conteúdo, por bem ou por mal e mais séries e seriados são criados. Furquim ainda afirma que, assim como o cinema, a televisão sempre foi dividida por gênero (drama, comédia, ficção, etc.), mas “se tornou uma restrição desnecessária e até inconveniente” (2008, p. 249), já que a procura por temáticas diferentes causa uma experimentação e variação considerável dos produtos audiovisuais.

Temas considerados tabus, que antes eram abordados em discursos de personagens, hoje são explorados em imagens. Atores, diretores, roteiristas e produtores de cinema estão cada vez mais tomando conta das séries, transformando-as em pequenas produções cinematográficas. (...) Há a busca cada vez maior de enredos desapegados das personagens, baseados em situações e temas que possam ser transformados em franquias, ou seja, produções em série cuja existência não dependa da influência das personagens nem dos atores, para que estes possam ser trocados quando for necessário. (FURQUIM, 2008, p. 249)

Grey’s Anatomy (2005 – atual), Pushing Daisies (2007 – 2009), Ugly Betty (2006 atual), 30 Rock (2006 - atual) e Weeds (2005 – atual) são exemplos de seriados que marcam a produção seriada americana do século 21. Em tempos em que é cada vez mais importante ousar e investir em seriados atrativos, sustentado por novas tecnologias, é difícil prever quando os seriados perderão espaço em uma sociedade consumista e fiel ao que lhe agrada. Junto aos prazeres da televisão, os seriados narram vidas, espaços, personagens e trabalham uma linguagem. É como se na tela, o público se relacionasse e se enxergasse representados nessas histórias, se entregasse a elas, torcesse pelos personagens fictícios e, de certa forma, não deixasse de crer nos finais felizes.


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Capítulo 2: A Serialidade 2.1. Ficção na tevê Como parte do cotidiano das pessoas, o aparelho de televisão atende a uma demanda grandiosa de conteúdo. Na grade de programação, as emissoras mesclam informação e entretenimento, exibem telejornalismo e documentários, e também programas ficcionais, que incluem novelas, seriados, minisséries e especiais que narram histórias “inventadas”. A ficção televisiva é motivada pela experiência que a oralidade, o teatro, o rádio e o cinema tiveram antes do nascimento e do estabelecimento da televisão na sociedade. A literatura pode ser encarada como a fonte mais importante para a criação da ficção televisual, visto que, segundo Pallottini (1998, p. 24), é “uma das mais ricas e permanentes fontes de matéria ficcional, a narrativa pura, a literatura de gênero épico, escrita ou não”. Para o senso comum, parece fácil identificar o que é real ou fictício. Se alguém presencia um atropelamento na rua, logo o público associa o depoimento das testemunhas a uma realidade; porém, se o mesmo fato acontece dentro de um programa televisivo como as telenovelas, o impacto vem acompanhado do caráter ficcional da cena. Sendo assim, a ficção se utiliza do mundo real como base para criar suas situações, porém constrói sua realidade. Balogh (2002, p. 32) cita Aguiar e Silva para registrar a relação entre mundo real e mundo fictício: “(...) a ficção não se refere de modo imediato ao mundo real, é dotada de uma realidade própria, sui generis, ligada às leis da verossimilhança, mas sem compromisso necessário com a verdade”. Existe um know-how do espectador de que um produto ficcional é permeado por uma produção, realizadores, elenco, câmera, iluminador, editor, além de outros fatores como figurino, maquiagem, direção de arte e trilha sonora trabalham para criar situações. Mas algumas vezes a relação com o real é tão forte que acontece de atores que interpretam vilões em ficção serem perseguidos por fãs que não dissociam a realidade do ficcional. É deste êxito, de poder transformar e se adequar, que a ficção televisiva constrói seus produtos, cada um seguindo suas próprias regras. Cada representação ficcional tem seus próprios protocolos de abertura e de fechamento que podem variar, desde a singela frase “era uma vez...” das histórias infantis até as sofisticadas vinhetas dos formatos televisuais construídas por computação gráfica. Todos esses protocolos criam uma espécie de “moldura” própria para o ficcional. Todas as formas ficcionais obedecem a leis em termos de extensão e formatos consagrados em cada arte e veículo: conto, romance etc., na


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literatura; minutagem própria de cada sessão, no cinema; série, minissérie, telenovela, na TV. (...) Em suma, a ficção, o ato aparentemente simples de inventar ou contar uma história , exige um complexo número de estratégias de enunciação particulares. (BALOGH, 2002, p. 33 e 34)

A teledramaturgia conquistou a aceitação do público e a produção em massa de ficção. As telenovelas são imprescindíveis na grade de programação de uma emissora, pois o espectador se acostumou com este gênero televisivo, fazendo com que exista uma necessidade de esquematizar a relação entre emissor e receptor para que haja o consumo. Os conteúdos são transmitidos de forma simples, disponibilizados com os recursos da época, com atores que viram verdadeiros ícones da televisão e que dão seguimento a um ciclo de conhecimento por parte do público. Os telespectadores acabam sendo alheios a produtos ficcionais que fujam do que eles conhecem, talvez por isso as emissoras optem por fazer mais experimentações dentro de idéias que já foram trabalhadas do que oferecer ao público novos produtos que possam ser negados. Por outro lado, uma parte dos espectadores, talvez a que possui aversão às mesmices apresentadas pela televisão, se atraia pelo que é considerado como “novo” ou instigante. Além da ânsia do público pelo estilo de ficção que já conhece, vale a pena destacar que a identificação que uma ficção pode promover com quem a consome pode vir não só por meio das abordagens e narrativas, mas também pelo assédio da publicidade, que investe não somente durante os comerciais, mas dentro da própria ficção. Ocorre um processo de idealização de querer ser como a mocinha da novela que usa a roupa X e anda no carro Y. A publicidade, além de influenciar e promover um produto ficcional, incita o desejo do público não só para consumir o que é mostrado pelos patrocinadores, mas também para aderir à marca, ficar com ela na cabeça, sugerir e lembrar em algum momento de nossas vidas. O espectador é bombardeado pela publicidade, durante os intervalos para os comerciais, e pelo merchandising, no interior dos programas. No merchandising social e político, ator e personagem se entrelaçam como porta-vozes privilegiados de problemas sociais e políticos mais prementes no momento da emissão dos programas. (...) o real e o ficcional estão se confundindo sempre. Comportamento de consumo e de cidadania estão sendo ditados no interior do universo ficcional por diferentes tipos de merchandising. (BALOGH, 2002, p. 39)

Com isso, a heroína se transforma no exemplo de mulher moderna e que o público “deve” seguir. A roupa, o sapato, o estilo, o modo de pensar e até de falar, incluindo gírias ou


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expressões, são facilmente aderidos pelo público. A novela exibida no horário nobre, que supostamente atinge um público maior, costuma integrar à sociedade visões e comportamentos tidos por seus personagens. Não foi de se espantar que, com o início do seriado Sex and the City em 1998, a mulher começasse uma nova fase de entendimento não somente sobre si, mas também sobre moda e relacionamentos. Essa identificação é importante para que molde o que o público quer assistir e, principalmente, para pôr em pauta o papel da televisão como veículo de comunicação: informar e discutir. Carrie, Charlotte, Miranda e Samantha 2 viraram ícones num momento em que as mulheres buscavam novas referências, passada a época da dedicação à família e a revolução dos sutiãs queimados. Nem tanto o fogão, nem tanto a selva do mercado. Daí a paixão sem fim por personagens que, ao mesmo tempo, pagam as próprias contas, correm atrás do amor e não sentem culpa por gastar uma fortuna num par de sapatos. (“Como o seriado Sex and the City inventou a mulher moderna”, Revista Época, 2008, p. 118)

Falar de ficção televisiva não é se restringir somente às telenovelas, pois existem outros gêneros que se encaixam nesta categoria. Para entendê-los, iremos pelo caminho inverso para identificar quais os tipos de programas não se encaixam na serialidade. Pallottini parte da explicação do termo “unitário” para diferenciar as produções ficcionais audiovisuais. Segundo a autora, o unitário é uma ficção para TV, levada ao ar de uma só vez, com duração de aproximadamente uma hora, programa que se basta em si mesmo, que conta uma história com começo, meio e fim, que esgota sua proposição na unidade e nela se encerra. (PALLOTTINI, 1998, p. 25)

Com essa definição, logo nos remetemos ao cinema, com suas exibições seja nas salas de projeção ou na própria televisão. Neste último caso, os filmes são produtos ficcionais veiculados também como atrativos de uma grade de programação. Os especiais de fim de ano, como Nada Fofa e O Natal do Menino Imperador, ambos de 2008, também são unitários. A partir da existência dos unitários, podemos concluir que os não-unitários seriam aqueles programas ficcionais exibidos em série, com uma periodicidade variável, dependendo 2

Carrie, Charlotte, Miranda e Samantha são as quatro protagonistas de Sex and the City, que serão aprofundadas no terceiro capítulo da monografia.


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do gênero. Pallottini (1998, p. 27) divide a ficção seriada em minissérie, seriado e telenovela. Essa divisão da produção ficcional é importante para entender não somente em termos de realização, mas também para ser integrado dentro da linguagem televisiva. A ficção televisual é resultante de um intenso trabalho em etapas de realização e produção, geralmente feito por equipes extensas de profissionais especializados. O roteiro, o texto básico da concepção ficcional, é filtrado pela leitura do diretor, do produtor, do diretor de fotografia, do elenco etc. etc. etc. Se não existissem algumas regularidades e convenções, o texto do roteiro correria o risco de esgarçar entre tantos olhares diversos. É necessária a existência de “pontes” entre a concepção, a realização e a formatação do texto ficcional na TV. (BALOGH, 2002, p. 89)

Com a compreensão de um gênero, acontece o entendimento imediato do público com o que ele decidir assistir. Na serialidade, o telespectador sabe que a telenovela será exibida de segunda a sábado, com capítulos que se comunicam e andam em ordem crescente. Isso solicita o acompanhamento diário. Em caso de seriados de televisão, dependendo do esquema montado pela emissora, em canal aberto ou fechado, também há uma periodização das exibições. No canal HBO, Sex and the City era exibido semanalmente, o que gerava certa expectativa. Por maiores que possam ser as objeções no tocante à classificação por gêneros, o caráter restritivo e estático dessas tipologias, não resta dúvida de que constitui um instrumento útil para delimitar o alcance de processos de recepção e agilizar o reconhecimento e a leitura de marcas estruturais próprias de cada gênero. Trata-se de um dado nada desprezível em se ratando de meios de comunicação de massa que se dirigem a públicos contabilizados em cifras de milhões de telespectadores, ou seja, números inimagináveis para as artes prévias. (BALOGH, 2002, p. 90 e 91)

É importante compreender as características básicas da serialidade, bem como seus gêneros e formatos vistos na televisão mundial. Um seriado per si é parte de uma programação que é interrompida com seus intervalos comerciais e, dependendo do modelo televisivo, dá mais ou menos espaço para a produção seriada. Em seu sentido global, a ficção seriada também é fragmentada, composta por episódios ou capítulos, cada qual seguindo sua gramática própria. A telenovela, por exemplo, se resolve em meses, garantindo por longo período o preenchimento da programação. As peculiaridades de cada gênero serão vistas a seguir, porém o que todos eles têm em comum direciona-se ao conceito mais restrito de serialidade, definido com clareza por Machado:


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Chamamos de serialidade essa apresentação descontínua e fragmentada do sintagma televisual. No caso específico das formas narrativas, o enredo é geralmente estruturado sob a forma de capítulos ou episódios, cada um deles apresentado em um dia ou horário diferente e subdividido, por sua vez, em blocos menores, separados uns dos outros por breaks para a entrada de comerciais ou de chamadas para outros programas. Muito frequentemente, esses blocos incluem, no início uma pequena contextualização do que estava acontecendo antes (para refrescar a memória ou informar o espectador que não viu o bloco anterior) e, no final, um gancho de tensão, que visa manter o interesse do espectador até o retorno da série depois do break ou no dia seguinte. (MACHADO, 2003, p. 83)

2.2. Gêneros e formatos da ficção seriada

Na categoria dos não-unitários, encontramos as minisséries, os seriados e as telenovelas. Cada gênero possui suas particularidades para funcionar.

2.2.1. Telenovela

Notadamente o produto que mais marcou a produção audiovisual no Brasil, pela produção em larga escala, a telenovela se popularizou por promover, de forma mais ou menos intensa, a relação entre vida cotidiana, informações e entretenimento. Na atualidade, este gênero ocupa horários importantes e, na Rede Globo, divide a atenção há anos com o telejornalismo do Jornal Nacional, que intercala a exibição da novela das 19h e das 21h. Ao fazer parte do cotidiano do público, assuntos comuns são retratados na telenovela. Para Andrade (2000, p. 67), o sucesso da telenovela deve-se, em parte, pela dramatização e representação da vida cotidiana, com todos os seus problemas, conflitos, resoluções e comportamentos. Ela tem recursos suficientes para falar da vida, mas o faz auxiliada pela ficção. Esta conta experiências, fala de acontecimentos ordinários, situações inesperadas, de toda uma história com início, desenvolvimento e fim. Narra a vida, ou grande parte dela, reflete aspectos fundamentais de nossa realidade, de nosso acontecer e fazer imediato, mas também uma realidade longínqua e estranha. Na telenovela, o espectador assiste à vida privada dos outros, inclusive distantes de outras classes sociais, de outras cidades, de outro tempo. (ANDRADE, 2000, p. 67)


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A narrativa da telenovela oferece o acesso às vidas dos personagens, que estão sempre representando o bem ou o mal, com seus valores questionados pelo roteirista e transmitidos ao público pelo diretor e equipe técnica. É comum também que haja uma troca de identidade na índole das personagens e isso se deve não só por uma estratégia em termos de trama, mas também pelo fato da resposta do público ao que está sendo visto. Por muitas vezes presenciamos personagens inicialmente coadjuvantes tomarem a frente dos que deveriam ser os protagonistas. Em Paraíso Tropical, a prostituta Bebel, personagem de Camila Pitanga, foi a grande referência da trama, deixando em segundo plano as gêmeas (uma protagonista e a outra antagonista) vividas por Alessandra Negrini. O esquema de produção de uma telenovela tem sua característica peculiar e diferencia dos seriados e das minisséries. Aronchi de Souza (2004, p. 120) cita Fadul para a existência elementos que se organizam para que a telenovela tenha o retorno positivo do público, como “melodrama, tipos humanos, atores, diálogos, locações, cenários, música, figurino, maquiagem, planos de câmera, horário, edição e muito mais”. O propósito inicial é contar a história por meio de imagens, diálogo e fatos que proporcionam conflitos principais e secundários que precisam ser solucionados até o final da novela. A telenovela se baseia em diversos grupos de personagens e de lugares de ação, grupos que se relacionam interna e externamente – ou seja, dentro do grupo e com os demais grupos. Supõe-se a criação de protagonistas, cujos problemas assumem primazia na condução da história. E, na atualidade, tem uma duração média de 160 capítulos, sendo que cada capítulo tem, aproximadamente, 45 minutos de ficção. (PALLOTTINI, 1998, p. 35)

Os primeiros capítulos da telenovela são escritos antes das filmagens começarem, ou seja, não há ainda um desfecho certo para os personagens, que são maleáveis devido ao andamento da história e da aceitação do público. Os capítulos continuam sendo escritos à medida que a novela está no ar, sendo possível acontecer alterações da personalidade de alguns personagens, bem como o desaparecimento precoce deles ou a inclusão de novos atrativos e núcleos.

No entanto, não é verdade que a audiência determina a novela. Embora o fato de ela ser feita à medida que vai sendo gravada possibilite essas correções de rumo, existem outros fatores a pesar sobre essa produção: do ponto de vista negativo, a censura não oficial, o moralismo, os interesses de todo tipo; mas, por outro lado, a vontade do autor, dos criadores, o desejo de experimentação e desenvolvimento, a


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tendência a melhorar e progredir determinam a mobilidade e o dinamismo da novela. Existe, enfim, uma preocupação de caráter artístico, estético, a influir sobre sua criação. (PALLOTTINI, 1998, p. 36)

Com isso, as telenovelas apresentam maiores tramas e subtramas do que, por exemplo, as minisséries. Com base no melodrama e no folhetim 3 , a telenovela tem um caráter redundante. Seus capítulos se estendem em ação, repetindo-as para que o telespectador que perder alguns capítulos não fique sem as informações essenciais sobre o desenvolvimento da trama. O público da telenovela também pode se levantar durante os intervalos, zappear e perder algum fragmento. A importância da repetição é justamente para evitar que, por causa de um momento de distração, o público seja incapaz de compreender os capítulos. É sempre tempo para o telespectador começar ou retornar a acompanhar a telenovela.

Por isso, e também pela extensão do gênero, quem escreve telenovela sabe que deve repetir, e não apenas pode fazê-lo – redundar é um dever. Mau é redundar pura e simplesmente. O autor de telenovela sabe que precisa repetir, mas sabe também que deve: repetir de outro modo; repetir com outro personagem; repetir acrescentando informação. (PALLOTTINI, 1998, p. 37)

Quanto à estética, Balogh (2002, p. 165) afirma que a telenovela é o melhor exemplo para a “estética de repetição” ou “neobarroca”. Este gênero reitera o que foi visto anteriormente, porém deixa o público sempre em suspensão, de um bloco para o outro, de um capítulo para o outro. Isso possibilita, inclusive, que o telespectador participe na construção da narrativa, tentando adivinhar o que pode acontecer ou fique extasiado com as resoluções impostas pelos realizadores. O público utiliza da própria bagagem para compactuar com as histórias vistas na telinha, com as possibilidades que um personagem pode viver, julgando-o por suas atitudes e escolhas. Assim, Aronchi de Souza (2004, p. 123) afirma que “o gênero telenovela desafia o conceito de telespectador passivo ou de TV como fonte de alienação, visto que o brasileiro percebe que sua vida está retratada nos folhetins diários”. A serialidade da telenovela é peculiar por ter em sua extensão a necessidade de sempre criar atrativos para ser acompanhada.

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Para Souza (2004, p. 121), “o folhetim é uma forma de texto literário (romance ou novela), principalmente impressa em capítulos, e também aproveitada pelo teatro e pelo rádio em episódios”.


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Machado (2003, p. 88) afirma que “ninguém suportaria uma minissérie ou telenovela que fosse apresentada de uma só vez (mesmo que de forma compacta), sem interrupções e sem os nós de tensão que viabilizam o corte”. Aí está uma das principais diferenças entre a ficção televisual para a cinematográfica. Quando o espectador senta na frente da televisão para acompanhar a telenovela, ele sabe que ali será apenas um capítulo e que “amanhã tem mais”. No cinema, uma película precisa se resolver em um determinado momento de projeção que, ao final, contou com todas as letras o que poderia ser dito em meses. Em comum entre a telenovela e o cinema, pode-se destacar também a necessidade de contribuição do público com um possível histórico dos personagens vistos. Na telenovela, o primeiro capítulo é fundamental para demonstrar os interesses básicos e primeiros dos protagonistas, incitando a audiência a acompanhar os próximos capítulos. Como os personagens são desconhecidos, é preciso que o autor invista no primeiro capítulo boa parte do seu conhecimento sobre os personagens, para que a audiência possa criar um universo para ele, supondo seu passado e a conquista ou não de seus objetivos. No cinema, os primeiros minutos do roteiro são usados para apontar as motivações dos protagonistas, que logo devem ser desenvolvidas e solucionadas ou não. A versatilidade da telenovela deu a ela a confiança do espectador, transportando-o a outras décadas ou a lugares exóticos, sempre bem assessorados pela credibilidade passada pela emissora e pela equipe técnica envolvida. Assim, atores começaram a despontar cada vez mais no gosto do público, idéias foram sendo reformuladas, repensadas e recriadas, sempre com atrativos e ganchos que estimulam o consumo deste gênero. O sucesso brasileiro em produção de telenovelas foi estupendo, ao contrário dos Estados Unidos, que testou as soap operas, que correspondia às telenovelas, mas encontrou nos seriados o eixo para sua produção televisual ficcional. Em ambos os casos, a qualidade dos produtos gera exportações e importações, em um intercâmbio interessante em termos de narrativa, qualidade e idéias.

2.2.2. Minissérie

Pallottini (1998, p. 28) pensa a minissérie como uma telenovela mais curta e completamente escrita antes das filmagens, caracterizando-a como um produto fechado e definido. No caso, o desenvolvimento dos personagens e o desfecho da trama já foram pensados e o fator mutável da telenovela não funciona aqui, por ter um número de capítulos bem inferior ao da telenovela. A quantidade de tramas e subtramas é menor, aproximando-se


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neste sentido dos textos de filmes para cinema, nos quais temos uma definição completa do que deve ser trabalhado.

A minissérie é hoje, para nós, um programa que tem, geralmente, de cinco a vinte capítulos (essa duração é arbitrária, mas não pode, de maneira nenhuma, aproximar-se da duração padrão de uma novela que tem, em média, 160 capítulos). (...) tem continuidade absoluta – a mesma de uma telenovela, cuja unidade se completa na visão da totalidade dos capítulos e é garantida pelo conjunto do assunto, e cujos capítulos possuem a mesma unidade relativa de um capítulo de telenovela. (PALLOTTINI, 1998, p. 28 e 29)

Balogh (2002, p. 129) aponta que as minisséries são as que menos se identificam com a “estética da repetição”. Cada episódio de minissérie é responsável por resolver uma parcela dos problemas e motivações dos protagonistas. Os textos são mais coesos e devem motivar o espectador a acompanhar dos outros episódios. No Brasil, as minisséries são exibidas geralmente após a programação principal (horário nobre) da emissora. Baseando-se na Rede Globo, este gênero é exibido após as 22h, alcançando um público mais restrito que o da telenovela. Ao ser direcionado para um público menor, é possível ter uma maior liberdade de experimentação nas tramas. Em 2009, a Rede Globo exibiu com sucesso a minissérie Maysa – Quando Fala o Coração em nove capítulos, mudando a programação normal da emissora. Na minissérie, foi possível acompanhar a biografia de uma mulher fora do padrão e que não é a mocinha da história, que possuía uma vida turbulenta, dando mais abertura para fazer com que a personagem viva situações mais densas. Além disso, o elenco era composto por atores desconhecidos, que receberam elogios dos espectadores e da crítica.

2.2.3. Séries e seriados

Os seriados possuem episódios, e não capítulos, como na telenovela. Porém, o primeiro episódio é tão importante quanto o primeiro capítulo de uma novela no sentido que deve mostrar ao público do que tratará o seriado. Este episódio piloto deve guardar as características principais e o formato do seriado que está começando. É importante mostrar o gênero do seriado, os protagonistas e suas motivações, bem como as problemáticas que eles, a partir de suas vivências, devem enfrentar.


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Normalmente, a produção da série pressupõe o lançamento prévio de um episódio de amostragem, em geral mais longo que os episódios usuais, mas com elementos principais característicos de sua estrutura padrão, constituindo-se numa espécie de “telefilme” de lançamento. Trata-se do chamado “piloto”. O potencial da série é medido pela reação do público ao piloto, se for positivo, a série irá ao ar, se obtiver sucesso durante a temporada, terá certamente novos conjuntos de episódios na(s) temporadas(s) subseqüente(s). (BALOGH, 2002, p. 103)

Pallottini (1998, p. 30) aponta que o seriado procura obter uma unidade, ou seja, cada episódio tem sua independência, com os elementos básicos narrativos: começo, meio e fim. Porém, a unidade de um episódio está inserida em uma unidade maior que abarca os outros episódios de uma mesma temporada e de outras. Isso é fundamental para que o público, ao contrário da telenovela, não precise se apegar a uma narrativa que dependa obrigatoriamente do episódio anterior. Pallottini (1998, p. 31) afirma que “um episódio deve contar sua história, inserir-se no conjunto, respeitar as características lançadas pelo programa no seu total”. Os episódios têm certa liberdade narrativa, ao que se soma o fato de, com o passar das temporadas, os personagens assumirem novos objetivos e terem conquistas. Elas representam pessoas comuns que podem mudar de opinião ou posicionamento. Um seriado pode ter vida longa em uma emissora, como Sex and the City, que foi exibido originalmente durante seis temporadas, mas outros acabam sendo cortados da programação por não terem correspondido às expectativas do canal, como Pushing Daisies, cancelado ainda em sua segunda temporada. A permanência incerta de um seriado na grade de programação o expõe também a mudanças de produção. Novos atores podem ser contratados ou retirados do elenco, bem como os atores podem mudar fisicamente ou até mesmo morrer, implicando em uma mudança relativa também ao personagem que ele vive. Os episódios são escritos em blocos, sendo essencial à divisão em temporadas para não somente dar férias aos realizadores e elenco, mas também para alimentar a expectativa do público sobre o que de novidade será apresentado. Atualmente, alguns seriados, como Grey’s Anatomy, inserem uma retrospectiva dos episódios anteriores para alertar que alguma coisa deles pode ser trabalhada novamente no novo episódio. Isso não exclui a característica básica de ter a história de um episódio contada por si próprio, mas o intercâmbio de informações anteriores pode ajudar na recepção dos fatos. Este mesmo seriado é exemplo das mudanças inesperadas que acontecem durante as temporadas. Ao final da terceira fase de Grey’s Anatomy, o ator Isaiah Washington, que interpretava o Dr. Preston Burke, foi demitido pelo canal americano ABC após agir de forma preconceituosa nos bastidores com T.R. Knight, que interpreta o Dr. George O’Malley e que


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assumiu a homossexualidade na época. A punição foi que ele não voltaria ao elenco do seriado, tendo antecipado o desfecho para seu personagem. Aronchi de Souza registra que, ao mesmo tempo em que o seriado contrapõe a novela em termos de acompanhamento do público de cada episódio/capítulo, o seriado prende o espectador até o último minuto do episódio, o que não acontece necessariamente com o capítulo da telenovela. Porém, apesar dessa divergência, o seriado também é um bom investimento para a publicidade. Ainda segundo o autor, o seriado “é um produto desenvolvido para a televisão comercializar os espaços publicitários com o argumento de que consegue segurar o público até o último tiro do mocinho”. (2004, p. 131 e 132) Os Estados Unidos foram pioneiros na produção intensiva de seriados, desde os anos 50, conseguindo anunciantes que estimulavam a produção ficcional. Como era de se esperar, os “enlatados” foram distribuídos em todo o mundo, o que gerou interesse também na produção brasileira do gênero. Atualmente, seriados nacionais e americanos disputam espaço na televisão aberta, enquanto nos canais pagos os estrangeiros possuem seu espaço aumentado.

2.2.3.1. Os gêneros

Os seriados experimentaram os diferentes gêneros. As comédias, os dramas, os policiais, as ficções científicas, etc. aguçaram a curiosidade do público. Balogh (2002, p. 107) conta que o gênero western, que se aproximaria ao nosso “cangaço”, foi consagrado pelo cinema norte-americano, mas também ganhou versões televisuais, como Os Homens Querem Paz, exibido pela Rede Globo. Balogh (2002, p. 108) conta que o gênero noir foi impulsionado entre as décadas de 1940 e 1950, trazendo conflitos históricos e sociais, sendo basicamente produções de baixo investimento, mas que com o tempo ganhou uma atenção pelas emissoras. Quanto às ficções científicas, Balogh (2002, p. 111 e 112) aponta que não se configuram como uma tradição na produção das séries brasileiras, apesar de o mercado americano ter realizado séries como Arquivo X, com sucesso absoluto. Seriados infantis e as adaptações também se incluem nos gêneros da produção seriada televisiva. Tais gêneros hoje ganham novas subdivisões: as comédias entre amigos, os filmes de super-heróis, as comédias femininas, dramas de investigação, enfim. Desta forma, os seriados semelhantes atraem público cujos interesses se baseiam no que já foi visto anteriormente, com


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os atrativos comuns e personagens vivendo estereótipos, porém que não deixam de ser interessantes.

As séries com roteiros inspirados em sitcoms, policias, paranormais, romances intermináveis, adolescentes e médicos formam um gênero muito bem aceito pelo público dos canais pagos. Ironia, sarcasmo, apelo sexual, relações conjugais, mulheres bonitas, esses são os ingredientes para atrair o público. (ARONCHI DE SOUZA, 2004, p. 133)

Dentre os seriados de comédia, a produção norte-americana ficou conhecida pelo pioneirismo nos sitcoms, que traziam para as telas a reprodução de situações do cotidiano, geralmente ambientadas em apartamentos, com personagens que, a cada episódio, vivem uma aventura comum ao espectador. Duarte define claramente este subgênero:

Os sitcoms são um subgênero ficcional que, em princípio, opera com um plano de realidade discursiva de caráter ficcional (supra-realidade), propondo como regime de crença a verossimilhança. Não têm, portanto, compromisso direto com o real, mundo exterior, embora se proponham a retratá-lo de forma lúdica. São comédias de situação, crônicas do cotidiano que a televisão exibe, normalmente, sob a forma de seriados, com apresentação semanal de segmentos, denominados episódios, que variam de 30 a 40 min., tirante os comerciais. Por seus aspectos ligados ao engraçado, ao cômico, por sua pretensão de fazer rir, divertir, privilegiam enquanto tons principais alguns eixos da categoria tonal disposição, combinados com outras categorias tonais. (DUARTE, 2008, p. 2 e 3)

O seriado Friends pode ser considerado um sitcom, por se enquadrar na vida de seis personagens que discutem o cotidiano de forma engraçada, tendo como cenário dois apartamentos vizinhos, por outras vezes filmando externamente, mas sem perder a característica do sofá, da cozinha e do quarto de seus cenários, que caracteriza o fazer do sitcom. Com isso, Balogh (2002, p. 116) cita Petit, afirmando que essas comédias são “geralmente rodadas em vídeo, com cenários reduzidos à sala, com o indefectível sofá, eventualmente um quarto e uma cozinha”. Alguns deles possuem o recurso de áudio de risos ao final de cada piada proferida pelos personagens, o que dá uma forte característica ao estilo. Balogh comenta também o desempenho desses produtos na televisão brasileira.


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No Brasil, embora haja uma imposição maciça de sitcoms em TV por assinatura, até um passado recente o público não manifestava uma preferência muito acentuada por esse tipo de série. Sempre houve na TV uma tendência a preservar o humor menos sutil para os chamados “programas humorísticos” tradicionais, tais como A Praça é Nossa, A Escolinha do Professor Raimundo etc. Um humor bem mais moderno, escrachado, intertextual e metalingüístico apareceu em programas memoráveis, já extintos, como Tv Pirata. . (BALOGH, 2002, p. 116 e 117)

A aceitação dos sitcoms na televisão brasileira e o desgaste de outros formatos fizeram com que programas como A Diarista, Os Normais, Sob Nova Direção e Toma Lá Dá Cá se tornassem líderes de audiência. Para todos eles, Duarte aponta algumas características em comum no processo de produção.

Tradicionalmente, os sitcoms adotam um formato simplificado: produção barata com locação e cenários pré-estabelecidos, sem a necessidade de recorrer a muitas externas. Além disso, para sustentar seus relatos curtos, contam com um pequeno elenco fixo, podendo lançar mão quando for o caso, do recurso a participações especiais. (DUARTE, 2008, p. 3)

Em contrapartida, Balogh (2002, p. 116) cita Petit para afirmar que, desde as primeiras experimentações dos seriados americanos, alguns sitcoms se tornaram tão populares que a produção começou a receber mais investidores e um cuidado estético começou a ser empregado neles. No caso de A Feiticeira, ao invés de ser filmado em vídeo, era rodado em película de 35 mm, o que aumenta consideravelmente o custo e o compromisso de estar em sintonia com a aceitação do espectador. Em Sex and the City, quatro amigas discutem temas como sexo, relacionamentos, posição social, independência financeira etc. É notável aumento de investimentos em locações e figurinos de uma temporada para outra, inclusive permitindo a produção de episódios fora de Nova York, onde é centrada a trama, bem como a gravação de cenas em famosos bares e cafés da cidade, que viraram ponto turístico para os fãs da série.

2.3. O formato em Sex and the City

No caso de Sex and the City, exibido pela HBO, é interessante observar o processo de produção da primeira temporada (1998) para a sexta (2004). As quatro protagonistas são as


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mesmas e a história é narrada pela jornalista Carrie. No primeiro episódio, conhecemos um pouco de cada personagem e suas motivações. Esta informação é mantida até o último episódio, sempre com as lições da amizade entre elas, busca pela autonomia e pelo amor. Entretanto, da primeira para a última temporada é possível perceber diferenças em termos de linguagem. A primeira caracteriza-se por episódios bem menores, com cerca de 27 minutos, nos quais as personagens dividem espaço com coadjuvantes que atuam em uma espécie de documentário ficcional, desabafando sobre suas vidas para a câmera. Na sexta temporada, este estilo foi abolido, centrando-se apenas nas discussões das quatro amigas, sem interferências alheias aos seus interesses. Em termos de mudanças de personagens, a jornalista Carrie pode ser apontada como uma metamorfose nestas temporadas, desde fatores estéticos, de costume e até mesmo de pensamento. No decorrer do seriado, ela deixa de fumar, muda o visual diversas vezes e suas roupas ficam cada vez mais glamurosas. Essas mudanças resultam do sucesso que o seriado fazia, ganhando novos patrocinadores, novas grifes e ambientes que, a partir do momento que eram mostrados no seriado, eram cobiçados pelo público. De acordo com o crescimento de cada personagem durante as temporadas, elas mudam pensamentos e se permitem experimentar dentro daquilo que foi estabelecido nos primeiros episódios. Samantha, por exemplo, viciada em homem, começa um namoro lésbico, mais tarde amenizando sua sexualidade e se tornando mais romântica. Ela se dá ao prazer de investir em um relacionamento com um homem mais novo durante a quinta e sexta temporadas. A mesma mudança acontece também com Charlotte, que se mantém quase irredutível na idéia de que precisa ser a dona de casa perfeita e ter um casamento dos sonhos, mas isso não a exclui de se apaixonar por sexo casual. Essas mudanças são interessantes principalmente para a criação de novas situações que gere mais expectativa entre a audiência. O formato básico de um gênero está sujeito a ter idéias renovadas, como mote para novos caminhos que as tramas podem ser levadas. O autor, quando pensa no argumento de um seriado, enxerga para seus personagens uma situação global que eles podem viver durante as temporadas, porém pode fugir disso de acordo com o que achar mais conveniente e com o crescimento de cada personagem dentro da história. Cada episódio de um seriado, por mais que se defina por si só em termos narrativos, influem no que diz respeito à narrativa geral, que é vista durante as temporadas.


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Capítulo 3: Sex and the City

O seriado Sex and the City trouxe para a televisão uma visão renovada da vida feminina baseada em temáticas até então pouco utilizadas nos produtos ficcionais. Porém, o seriado não teve a pretensão experimentar uma nova linguagem ou inovar no formato dos seriados televisivos. Seguindo basicamente os princípios da serialidade, em que apresenta situações cotidianas para suas personagens, Sex and the City mostrou uma maneira de falar sobre mulheres, homens e sexo de forma mais aberta. Sex and the City começou a ser exibido em 1998, quando os seriados ganharam mais liberdade em suas abordagens. A primeira temporada, com doze episódios, foi feita, como a maioria dos seriados, como uma experimentação. O primeiro episódio ainda procura se moldar à forma mais atrativa de levar a proposta do seriado à frente. No total foram 94 episódios que, até hoje, são reprisados e continuam atuais pelo bom humor e temáticas trabalhadas, que parecem nunca ficar velhas. O carisma das protagonistas, bem como a relação de identificação que elas criam, participou com maestria deste processo. Os episódios variam de duração entre 22 e 41 minutos, sem intervalos comerciais, com boa parte deles atingindo os 27 minutos. O último episódio da sexta temporada é o mais extenso e dura 41 minutos. Essencialmente feminino, suas personagens são exibidas e exploradas sem receio. Sex and the City foi um dos primeiros seriados a abordar assuntos sexuais e amorosos com mais ousadia, sem perder a sensibilidade. Todo aquele charme da Mulher Maravilha ou a competência das Panteras ganharia uma versão mais urbana, sentimental/sexual e moderna. O seriado foi alvo também de uma constante evolução do consumo cultural e das mudanças da sociedade, incomodando uma parte do público mais conservador, mas por outro lado mostrando que o jogo entre os sexos não se restringe somente a quem é mais forte, mas sim a quem tem mais versatilidade para encarar as experiências da vida.

Esse tipo de estrutura já tinha sido apresentado em muitas séries anteriores: um grupo de amigas que se encontra para discutir suas vidas e relacionamentos. A grande diferença entre as demais e Sex and the City está no conteúdo da discussão, que neste caso é restrita a um único tema: o sexo e sua presença na vida de cada uma. A série vai além e apresenta em imagens as situações discutidas. (FURQUIM, 2008, p. 205)


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A autora Candace Bushnell é considerada uma das jornalistas mais famosas de Nova York. Foi com sua coluna Sex and the City, no jornal The New York Observer, que começou a discutir a Big Apple e, principalmente, suas experiências pessoais e de suas amigas cujos problemas sentimentais sempre eram abordados. Bushnell publicou um livro com o mesmo nome de sua coluna e o sucesso foi imediato. Logo a obra viraria produto televisivo com o seriado Sex and the City, que se tornou uma febre durante as seis temporadas exibidas pela emissora paga HBO. O seriado foi criado por Darren Star, que já havia atingido o sucesso com Barrados no Baile (1990 – 2000), mostrando jovens discutindo sobre sexualidade e relacionamentos, e Melrose Place (1994 – 1998), abordando a convivência de moradores de um prédio que se envolviam em questionamentos como sexo e traição. Outra contribuição foi de Michael Patrick King, que ocupou a função de produtor executivo, que mais tarde ele dividiria com a protagonista Sarah Jessica Parker, além de roteirista e diretor de alguns episódios. Star também ocupou a função de produtor executivo, além de redigir e dirigir alguns episódios. As atrizes atribuem boa parte do sucesso do seriado às mentes criativas de Star e King, que também participaram da adaptação de Sex and the City aos cinemas em 2008. A idéia do seriado era retratar as discussões e problemas amorosos de cada personagem nova-iorquina que promoveria identificação imediata com o público devido às personalidades marcantes de cada uma delas. Como protagonistas da história, temos quatro mulheres, na faixa dos 30 e poucos anos, que dialogam sobre seus cotidianos. O foco da narrativa é Carrie Bradshaw, interpretada por Sarah Jessica Parker, que trabalha como jornalista, sendo praticamente um auto-retrato de Bushnell. Carrie escreve uma coluna no periódico New York Star falando sobre sexo na cidade de Nova York. Ela tem como base suas vivências amorosas e sexuais, fazendo de suas melhores amigas material de pesquisa para a coluna. Carrie é a típica mulher nova-iorquina que trabalha e paga suas contas, apesar de quase nunca se controlar ao ver um belo par de sapatos brilhando nas prateleiras das lojas. Bem resolvida sexualmente, ela usa o poder feminino como motivação não só para suas conquistas afetivas, mas também para o trabalho e relações pessoais. Sempre modernete, na maneira de se envolver em um relacionamento e até mesmo na forma de segurar o seu cigarro Marlboro Light, Carrie virou sinônimo de tendência não somente pelos seus atos e pensamentos sobre homens, mulheres e amores, mas também para o que ela vestia, calçava e os lugares que freqüentava. Carrie questiona tudo que aparece pela frente e, por mais que tenha a visão de que o sexo pode ser saudável também quando é tratado


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sem compromisso, ela vive uma grande paixão durante as seis temporadas. O encantamento de Carrie por Mr. Big, interpretado por Chris Noth, mostra a protagonista sonhando não com o homem perfeito, mas com o homem que ela realmente queria. Ao lado de Carrie está sua melhor amiga Miranda Hobbes, interpretada por Cynthia Nixon, a executiva bem sucedida que vive na correria de Nova York. Ela é uma advogada corporativa que fala e discute sua profissão sempre com seriedade, fazendo com que seja respeitada pelos outros sócios de sua empresa. Miranda é carrancuda, decidida e com um ótimo senso de humor, por mais que ela dramatize muitas de suas experiências. Sempre vestida mais formalmente, com o cabelo comportado e mostrando firmeza em suas atitudes, Miranda não vê espaço para entrar em um relacionamento, já que sua carreira vem antes de qualquer coisa. Ainda que workaholic, Miranda não deixa sua vida pessoal de lado e tem seus casos amorosos passageiros. Ela é o “homem” das quatro, no que condiz à seriedade nos negócios e ao desprendimento da vida afetiva. Outra ponta do quarteto é Samantha Jones, interpretada por Kim Cattrall, a relações públicas apaixonada por sexo,. Ela é o estereótipo da mulher que já conquistou muitos homens (e algumas mulheres) de diferentes estilos e que não tem problemas em viver os desejos da carne. Samantha é loira, sensual e possui um sex appeal latente que usa para fisgar qualquer homem. Ela fala sobre sexo anal, oral, brinquedos sexuais, orgias e fetiches sem nenhum problema, divertindo as amigas com seu jeito de viver. Competente em sua profissão, ela pode e quer esbanjar tempo se divertindo, já que leva a vida como um constante orgasmo. Ela não acredita em compromissos, porém também vive algumas paixões e um grande amor. Para fechar o quarteto de protagonistas temos Charlotte York, interpretada por Kristin Davis, que trabalha como marchand e sonha em se casar. Completamente o oposto de Samantha, Charlotte acredita que a verdadeira felicidade está em constituir família, ter a casa perfeita, os filhos mais lindos e romantiza sempre o amor. Sexo costuma ser um assunto que a desagrada, justamente por ser mais recatada, porém sem perder seu estilo, variando seu visual entre o moderno e o rústico. Charlotte bate de frente várias vezes com os pensamentos de Samantha, mas sem nunca tratá-la com menosprezo ou fazer questão de rotular a promiscuidade da amiga, e sim respeitando o que cada um quer para si, já que Charlotte também gosta de sexo, mas do seu jeito romântico. Essa abertura que ela tem de discutir com as amigas a permite também viver não somente sua sensibilidade, chegando inclusive a ousar mais em suas relações, apimentando sua personagem que não fica para sempre comportado. Quatro mulheres independentes financeiramente vivem em uma Nova York onde os relacionamentos são chaves para tudo, mas para conseguirem a felicidade elas não agem


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como meros personagens de comédias românticas hollywoodianas, que conseguem um final feliz ao fim de 90 minutos. Elas sofrem, nem sempre são sensíveis e acessíveis, e amam sexo. Presenciando as falhas das protagonistas, no decorrer das seis temporadas temos um batalhão de homens que contribuem para reforçar ou negar o que elas pensam sobre amor e transas, bem como amigos que aparecem frequentemente para dar suas contribuições. Um dos amigos é Stanford Blatch, interpretado por Willie Garson, homossexual assumido e que também compartilha suas experiências, além de assumir o posto de “melhor amigo das mulheres”. O personagem de Garson quebra os tabus da discussão gay no espaço televisivo, facilitando, inclusive, algumas inserções de situações em que homens são vistos caminhando nas calçadas de Nova York de mãos dadas ou falando sobre adoção de filhos, assuntos polêmicos que ainda eram pouco explorados. A cada temporada, as personagens revelavam não serem tão “mulherzinhas” assim. Elas investiam em romances sem causa, tomavam a iniciativa para começar ou terminar um namoro, trabalhavam para pagar suas dívidas, faziam novas dívidas, não viam problema em fazer sexo casual, passavam por conflitos familiares e sempre se apoiavam uma nas outras nos momentos difíceis. Sex and the City trouxe como questionamentos das quatro protagonistas assuntos que a sociedade precisava conhecer e comentar sobre, para superar alguns preconceitos e auxiliar na desmistificação de novos paradigmas não só entre as mulheres, mas também entre os homens, que se viam representados também no seriado e podiam também compreender algumas atitudes padrões do mundo feminino.

As mulheres de Sex and the City – que ainda é exibido em 200 países – são o oposto do ideal romântico. Elas são resultados das mudanças do olhar sobre a mulher desde a emancipação feminina, em meados da década de 60. Nas séries americanas que dominavam o mundo nos anos 70, as mulheres eram heroínas irreais. As Panteras eram três lindas detetives que não se descabelavam nem depois de enfrentar os mais perigosos bandidos. Eram solteiras, independentes e poderosas, mas não tinham vida além dessas aventuras. Uma exceção nesse período foi Mary Tyler Moore, um dos maiores sucessos da TV americana. No ar de 1970 a 1977, era protagonizada pela atriz de mesmo nome, no papel de uma produtora de televisão solteira e independente. (“Como o seriado Sex and the City inventou a mulher moderna”, Revista Época, 2008, p. 120)

Falar em fetiches ou posições de kama sutra na televisão, principalmente em produções ficcionais, era quase sinônimo de pornografia. Uma telenovela no Brasil, por


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exemplo, respeita alguns padrões determinados pelas emissoras que continuam até hoje. Um exemplo disso é a polêmica que gira em torno das relações homoafetivas nestes gêneros, que ainda possuem certo “pudor” ao ser levado às telas, e o público ainda espera a decisão das emissoras de mostrar um beijo gay em uma novela. Em 1998, Sex and the City não tinha problemas em mostrar isso ao público.

Antes dessa produção, o sexo era reiteradamente tratado como tema tabu na televisão americana, embora já fosse assunto presente na TV inglesa, por exemplo, e assunto de discussão nas sitcoms e séries americanas desde os anos 1970. Com a TV a cabo, algumas questões que eram restringidas ou censuradas, entre elas as imagens de pessoas fazendo sexo, passaram a ser base para várias produções. (FURQUIM, 2008, p. 205)

Em Sex and the City, temas como o próprio homossexualismo, mães solteiras, sucesso ou fracasso profissional e discussões sexuais se tornaram assunto possíveis entre os espectadores, que procuravam a cada episódio um fragmento que se relacionasse com sua vida. Assim, fãs foram conquistados em todo o mundo e a série se tornou uma das mais lucrativas da HBO. Por outro lado, quem ainda se incomodava ao presenciar tais debates tinha a opção de mudar de canal ou então de se permitir assistir ao incômodo na tela e depois discutir sobre ele.

Sex and the City foi uma das primeiras a ter como tema principal a sexualidade feminina; derrubou a censura e possibilitou a continuidade de seu tema em outras produções, mesmo que não de forma tão evidente, já que o título da série deixa claro qual o assunto da produção. Não por sua estrutura narrativa, que apenas resgatou o que já tinha sido feito no passado, mas por seu tema e desenvolvimento de roteiro e de personagens. Sex and the City se tornou um grande marco para a TV americana e para a personagem feminina das séries de TV. (FURQUIM, 2008, p. 205)

Com o fim do seriado em 2004, a televisão fechada não deixou de exibir suas “mulheres à beira de ataques de nervos”. Além de ser um dos seriados mais famosos dos anos 90, observa-se em Sex and the City a capacidade de dialogar não somente com o público feminino, que se identifica com suas protagonistas, mas também é uma chave para o público masculino compreender os conflitos das mulheres em termos de romance e profissão. Também abrange o público gay, fetichista pela moda eloqüente das personagens, pelos casos e descasos das mulheres e por ter seu espaço temático dentro da narrativa.


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Com o absoluto sucesso da primeira temporada, as cinco seguintes foram conquistando mais telespectadores e também a crítica. Rubens Edwald Filho, um dos maiores críticos de televisão e cinema do Brasil, chegou a comentar sobre a chegada de Sex and the City ao mercado que “nunca houve antes, ainda mais em TV, mas mesmo em cinema, uma visão tão acurada, sensível, inteligente, esperta, moderna - e sacana - do comportamento da mulher atual numa cidade grande”. (EDWALD FILHO, sem data).

3.1. O primeiro episódio

Como de costume no processo de produção dos seriados televisivos, Sex and the City teve em seu episódio piloto um demonstrativo do que a série procurava abordar. No início, a vinheta característica de apresentação do seriado mostra a protagonista principal Carrie caminhando com glamour pelas ruas nova-iorquinas até se deparar com seu próprio pôster colado em um ônibus. O veículo molha sua roupa e estraga o momento blasé de sua caminhada. O seriado mostra suas mulheres pós Revolução Sexual e que se preservam femininas, tendo como ambientação Nova York, a cidade dos sonhos, das compras, dos amores e do fetiche. Acompanhada de uma música leve, a vinheta permaneceu inalterada durante as seis temporadas, sobrevivendo às mudanças físicas e comportamentais de Carrie. Após a vinheta com os créditos, uma tela preta apresenta o nome do episódio. Essa especificação de que um determinado tema será abordado naquele episódio em si é uma das primeiras características da serialidade em Sex and the City, já que permite que o público acompanhe isoladamente aquele episódio e o consuma de forma separada da série como um todo sem danos graves de compressão. A cada episódio, as protagonistas vivem situações diferentes em suas rotinas, mas que, em seu geral (ao longo das seis temporadas), se integram em uma trama única e básica. Nas telenovelas, a quantidade de tramas paralelas é maior e, durante os meses de exibição, os autores precisam desenvolvê-los, o que implica dar uma importância maior ou menor a cada núcleo, sem uma necessidade imediata de resolver os problemas deles em um capítulo específico. Já em Sex and the City, o importante é desenvolver basicamente quatro tramas paralelas, uma para cada protagonista. Não existem outros núcleos que precisam ser obrigatoriamente abordados pelo roteiro, com personagens aparecendo e desaparecendo de acordo com as necessidades da história. Isso possibilita que os roteiristas reutilizem personagens vistos anteriormente, como os amigos gays das personagens principais, que não


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estão em todos os episódios, mas participam ativamente de alguns e, ao final das seis temporadas, não precisam de um happy end como Carrie, Miranda, Charlotte e Samantha. Sendo assim, existe um processo de acumulação e desenvolvimento de características das personagens que fazem parte da trama global do seriado. O que foi visto no piloto bastou por si só e não criou uma tensão narrativa ou ligação com o segundo episódio, mas fez com que a abordagem deste se tornasse uma referência ao que vai ser mostrado no futuro.

A primeira impressão é fundamental; já que estamos falando em teleficção, e ficção fracionada, o primeiro passo da narrativa que a emissora de TV nos está propondo vai determinar que vejamos ou não o programa proposto, vai determinar a preciosa audiência! (...) O primeiro episódio de um seriado possui, no entanto, características especiais; ele precisa “vender” a história, e não somente ela, mas uma longa história fracionada intermitente que irá ao ar, provavelmente, uma vez por semana. O primeiro episódio precisa motivar o telespectador a lembrar-se de que, em tal dia e a tal hora o seriado o espera. (PALLOTTINI, 1998, p. 78 e 79)

O primeiro episódio tem o próprio nome da série: Sex and the City, ou em português Sexo e a Cidade. Esta opção tem a função, neste episódio piloto, de reforçar a idéia do seriado em geral: falar sobre sexo e sobre Nova York. Em seguida, temos uma utilização de recursos narrativos que mesclam elementos audiovisuais na construção deste gênero ficcional. O primeiro aparece após o nome do episódio. A imagem de uma tela de computador explode na televisão com os escritos “Once upon a time...” (“Era uma vez...) sendo digitados, com isso o público pode supor a presença de uma jornalista, personagem que conduz a narrativa, o que se confirma no episódio. Somente depois, a profissão da protagonista é revelada em seguida, reforçando o que anteriormente apenas foi indicado e faz o público compreender como os episódios serão realizados: o foco da narrativa que é uma jornalista que se utiliza das próprias experiências de vida e de suas amigas para escrever suas colunas em um jornal de Nova York. Outro marco audiovisual do episódio que apresenta as características do programa é o off falado por Carrie, complementando a escrita no computador e informando ao público as abordagens que serão feitas e o estilo do seriado em si. Neste ponto, o off aparece para auxiliar os debates e revelar o que o foco da narrativa pensa e o que, supostamente, será discutido em sua coluna jornalística. O piloto tem a relevância principal de apresentar com particularidade suas personagens, mostrando como elas encaram a vida e criando perspectivas para o que pode


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acontecer com ela nos episódios seguintes. Para isso, uma série de alternativas é articulada para a apresentação da narrativa.

3.1.1. Apresentação dos personagens

Carrie inicia narração em off e na escrita do computador contando a desventura amorosa em Nova York envolvendo uma mulher londrina e um nativo. Carrie analisa o casal de forma onisciente, como se registrasse um padrão das atuais relações na cidade, no que ela intitula com “época da não inocência”, em que as mulheres trabalham, correm para todos os lados e se envolvem em relações rápidas e esquecíveis. Percebemos que esses personagens que foram introduzidos na trama não são os do seriado, já que depois desta demonstração é que Carrie se posta como a protagonista principal e discute, para a câmera, suas idéias. Carrie interage com o espectador, utilizando a câmera como uma das alternativas de registrar a trama. Pallottini (1998, p. 170 e 171) afirma que a utilização das câmeras no processo narrativo não exclui a participação de outro personagem-narrador, já que a máquina não supre as funções de um narrador por si só.

Ela descreve, mostra o lugar e dá a ordem cronológica; marca uma época, um clima e um ambiente; faz-nos ver certos acontecimentos dos quais nos cientificamos; às vezes, mais e melhor do que se fossem narrados pelo diálogo. É um olho. Mas não dá conta da narração no seu total, visto que é, como foi dito, apenas a máquina a serviço de um organizador. A narração no sentido de contar a história é, em última instância, entregue à figura do narrador onisciente de modo dramático, que resolve a fábula por meio de diálogos e ações organizados. A narração total, o conjunto formado por áudio e vídeo (criados a partir do ponto de vista do narrador onisciente) é o que produz, afinal, toda a história. (PALLOTTINI, 1998, p. 170 e 171)

A trama do primeiro episódio se foca em dar um parecer geral de como vivem as mulheres e os homens de Nova York. Carrie caracteriza a ala feminina como aquelas que viajam, pagam impostos, gostam de moda, não se importam em gastar fortunas com um par de sapatos ou roupas de marcas e, ainda assim, são solitárias, sem deixar de serem ousadas e belas. A guerra entre os sexos é iniciada com a pergunta: “Por que existem mulheres legais e solteiras e nenhum solteiro incrível?”. Com perguntas como essa, Carrie alimentará, durante as seis temporadas, as colunas do jornal.


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A partir daí, o episódio ganha uma característica de documentário ficcional, com depoimentos fictícios de nova-iorquinos típicos que trabalham, estudam, praticam atividades e estão sempre correndo na cidade. Assim como Carrie, eles conversam com a câmera e este recurso permite com que o público possa acompanhar de forma mais íntima as indagações que eles fazem e os posicionamentos que assumem sobre amor e sexo. A cada depoimento feito, os personagens são identificados com um letreiro com o nome e situação civil. Os depoimentos se sobrepõem uns aos outros e dialogam, efetivando em uma constante busca de entendimento tanto do universo feminino quanto do masculino. Entre os “entrevistados”, outras duas protagonistas são inclusas no debate, porém isso só fica perceptível após as quatro personagens se reunirem para conversar em restaurante. Nos depoimentos, Miranda e Charlotte são apresentadas com a preocupação de mostrar suas personalidade. A primeira conversa com o público durante seu intervalo de almoço, feito em um fast food, deixando transparecer a correria da vida da personagem. Ela não tem tempo nem de sentar no local, preferindo ir para uma praça qualquer e fazer a refeição por lá. Esse comportamento, observado pela mudança de ambiente entre uma seqüência e outra, é essencial para caracterizar a personagem, ao mesmo tempo em que deixa clara sua dedicação intensa ao trabalho e pouca fé nas relações afetivas. Ela debocha das relações e parece ser quase sem sentimentos. Já Charlotte é vista em um ambiente calmo, organizando livros e falando sobre a magia do amor e suas expectativas sentimentais. A personagem Samantha só é mostrada durante o primeiro encontro entre as quatro personagens, em uma mesa de restaurante, hábito que é adquirido por elas para seus encontros diários e, consequentemente, realizar conversas esclarecedoras sobre a vida de cada uma. Samantha, a mais velha do grupo, se comporta como uma adolescente que quer aproveitar toda e qualquer oportunidade sexual que aparece em sua vida. Samantha defende que a mulher moderna tem o mesmo poder de decisão dos homens dentro de uma relação, podendo agir da forma como se convém pensar do mundo masculino: que trata a mulher como mero objeto de desejo sexual. Esta primeira reunião entre as quatro se dá na ocasião do aniversário de Miranda. Travestis entram com o bolo e cantam parabéns, mostrando a intenção também em abordar também o universo homossexual desde o primeiro episódio. Posteriormente, em outro restaurante, Carrie inicia uma conversa com Stanford, seu amigo gay, acerca das relações que ele mantém. Um recurso interessante utilizado para apresentar Stanford é que a própria Carrie define o amigo, com a tela dividida em duas partes: uma com ela narrando em movimento e a


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outra com ele parado. Ela quebra o espaço da narrativa para literalmente conversar com o público sobre o seu amigo. As diferentes formas de apresentação dos personagens dão uma versatilidade para o episódio que se mostra cheio de particularidades, como alternativa para conquistar o público desde o piloto. Essas características já criam uma empatia com o público, que pode tanto se identificar ou apenas simpatizar com uma das protagonistas ou até mesmo com todas elas. Este primeiro episódio vem para divulgar a proposta dos realizadores e da emissora que, em 26 minutos de exibição, contam a primeira de várias situações que as protagonistas viriam a passar durante os episódios seguintes, caracterizando o seriado como um sitcom. A estruturação de personalidades neste episódio piloto é essencial para que o público se conscientize das prováveis aventuras e situações que elas poderão viver em seguida, ainda que exista a possibilidade de mudanças brandas, como acontece e será discutido adiante. Outros marcos no roteiro deste primeiro episódio dizem respeito ao linguajar utilizado, possibilitando o uso de gírias com referências às partes íntimas femininas e masculinas, pouco utilizado nos seriados antecessores a Sex and the City. Exibido em um horário noturno, na programação da HBO, o seriado pôde ousar em todos esses elementos narrativos para a construção da sua proposta. Tais alternativas incomodaram alguns, que identificaram no episódio piloto uma forma escrachada de relatar a vida feminina, justamente por estarem acostumados a assistir a sitcoms mais comportados, cujos palavrões e situações sexuais embaraçosas ainda eram evitados pelos roteiristas para não assustar a audiência. Sex and the City chega então com a proposta de mostrar mulheres mais autônomas, sem trabalhar com falsos moralismos. O seriado que fala sobre sexo em Nova York, mas não se deixa o romance de lado. No primeiro episódio, Carrie esbarra em Mr. Big após ela sair de uma transa casual com um exnamorado. Carrie e Big se rendem ao convencionalismo e, talvez, ao fetichismo de se encontrarem em uma calçada da cidade e acontecer um amor à primeira vista. Esta alternativa do roteiro faz com que, por vezes, o público pense se realmente as pessoas, independente do sexo, não estão sempre expostas a amores, fio condutor básico das comédias americanas cinematográficas. O que acontece em Sex and the City é que, logo neste piloto, Carrie se encontra novamente com Big em uma discoteca e, neste momento, o destino liga os dois sentimentalmente. Essa relação se desenvolve até o final da sexta temporada e acrescenta ao seriado a magia do casal romântico, pelo qual o público torce.


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Como mulheres independentes, elas são mostradas nuas, suscetíveis a grandes decepções, a perdas e às ironias do destino que são trabalhadas pelo roteiro. Isso reforça a amizade entre Carrie, Miranda, Samantha e Charlotte, que acaba sendo um dos principais motivadores da trama global de Sex and the City, e não somente falar despreocupadamente sobre sexo. Isso acontece por, a cada aventura, perda ou decepção que elas passam, a amizade que elas vivem sempre faz seu papel de consolar, transmitir confiança e causar bons momentos. Meio a isso, elas vivem as temáticas cotidianas em cada episódio, característica do sitcom, que apresenta uma problemática que deve ser resolvida até o final do episódio. A ligação entre as personagens passa a ser trabalhada no decorrer das temporadas. A cada episódio, a cada encontro em uma restaurante para o almoço ou a cada vernissage, elas reafirmam quem são. Os espectadores, que fazem também a construção de juízos de valor para o que elas vivem em cena. Foi com essa identificação e feedback do público que a primeira temporada alcançou um grande sucesso, inclusive pela mídia especializada, e rendeu outras cinco temporadas. Do episódio piloto para a série em geral, o que permanece é a forma como elas tratam os assuntos cotidianos e a amizade delas, presente nas seis temporadas. Com o passar do tempo, alternativas são tomadas para dar um foco maior ao desenrolar da vida de cada protagonista, com os temas pontuais que regem o episódio dando espaço para um enfoque dramático maior da vida delas.

3.1.2. Caracterização dos personagens

Para que a idéia dos roteiristas ganhe vida e possa, a partir de uma época, fixar os personagens que serão acompanhados pela audiência, é preciso construí-los de forma possível de serem compreendidos e relacionados com a realidade. Em Sex and the City, as protagonistas se resumem a quatro tipos de mulher, o que é reforçado pela forma como o roteiro e elementos cênicos narram suas vidas. Além disso, elementos de linguagem devem ser inseridos para reforçarem as personalidades e características de cada um. Por exemplo, seria difícil acreditar que Samantha é uma viciada por sexo se ela se vestisse de forma comportada e não possuísse um linguajar mais descontraído, a não ser que a proposta da personagem fosse ser uma falsa moralista, característica que o roteiro deveria esclarecer ao espectador. Até mesmo Carrie, que é a mais causal e esportiva delas, talvez a que carrega menos estereótipos, precisa ter uma apresentação convincente para que o público “compre” suas idéias e ações. Essa verossimilhança é


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essencial para que o público possa se convencer a acompanhar o seriado e se identificar com o que é visto em cena, seja por um assunto trabalhado de interesse particular do espectador ou pela personalidade das protagonistas. Em Sex and the City, é possível identificar esta preocupação com a caracterização de seus personagens. Cada uma delas possui uma forma de ser vista em cena, o que inclui um cuidado com o figurino e acessórios, a maquiagem, o diálogo, os enquadramentos, a trilha sonora, iluminação e cenários. Com todos esses elementos, é possível criar uma harmonia entre o que o personagem tem a oferecer e o que o público precisa acreditar. Nesta troca, também ocorre a identificação entre o emissor e o receptor, além da inevitável forma de lançar moda, característica forte das protagonistas deste seriado. Tais características não são vistas somente neste primeiro episódio, mas também são trabalhadas no decorrer das temporadas, como uma forma de identificar visualmente cada personagem em cena.

As técnicas de caracterização de personagem em TV (...) devem ser aqui postas em uso sem escrúpulos. O ator, sua aparência física, a voz, as roupas, os adereços, a cabeleira, a maquiagem. Depois, o diálogo, suas falas, a maneira de dizê-las. Em seguida suas ações, reações, sentimentos e sensações – e a maneira de expressá-los. O que o personagem faz e o que lhe fazem. Mas tudo isso rapidamente. A câmera e a forma de mostrar o personagem: a luz que incide sobre ele. A maneira de mostrar sua voz, a música que o acompanha, que, às vezes, o define, que é só dele, o seu tema musical. Os sons especiais que acompanham o conjunto e que configuram cada um e todos. (PALLOTTINI, 1998, p. 42)

Carrie é a curiosa e complicada jornalista que trabalha em casa utilizando seu laptop. O apartamento em que mora mescla a bagunça ao que é básico na casa de uma mulher. O guarda-roupas de Carrie, sempre estufado de roupas e sapato. Quando a jornalista é mostrada escrevendo suas colunas, ela transita entre a cama, uma mesa ou até mesmo o chão. O estilo moderno da personagem também é vista no figurino, sempre com belos casacos, vestidos e roupas da moda. Carrie também pode se dar ao luxo da extravagância, aderindo a enfeites e acessórios para o resto do corpo. Não importa a hora do dia, Carrie não gosta de ser vista mal vestida. Miranda trabalha com vigor. Seu figurino inclue paletós femininos que, com o gel no cabelo, dão a ela o ar de seriedade. Ela só anda correndo e tem sempre em mãos uma pasta com papéis de trabalho. Ela mora só, não sabe cozinhar e é especialista em preparar comida congelada. Ela defende sua vida como se fosse uma ré em um tribunal, passando da posição


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de uma advogada corporativa para uma pessoa que defende sua visão de mundo, as expectativas que tem dele e a vontade de somente subir em sua carreira. Samantha é sexy, usa decotes e roupas exuberantes. Seu cabelo e suas pernas estão sempre fatais. Durante o sexo, o vermelho e outras cores quentes sempre estão presentes em cena, bem como a nudez. Ela é desinibida, tem sucesso profissional e aproveita as experiências que a vida proporciona. Samantha é como uma deusa do sexo, seus diálogos são sempre recheados de palavras ditas baixas, mas que revelam sua despreocupação com o sexo casual e a descrença em relacionamentos. Em contrapartida de Samantha temos Charlotte, o tipo da mulher que fantasia com um casamento perfeito e uma família. Com um estilo de se vestir mais sóbrio, Charlotte é sinônimo de organização. Tudo em seu apartamento está no lugar correto. O figurino explora tons mais claros e que não exibam o corpo da personagem. Já os seus diálogos enfatizam sua maneira inocente de enxergar o mundo: sempre esperando algo de bom acontecer. Ela também gosta de sexo, porém procura uma transa perfeita e com um homem perfeito. Ela é sonhadora e tudo nela faz referência a esta personalidade. Todos esses elementos e detalhes funcionam para fazer com que o público identifique naqueles personagens alguma característica própria ou então que se relacione com eles na forma de pensar ou agir. Além da equipe artística que desenvolve figurinos e cenários preocupados com a construção dos protagonistas, a forma como a câmera capta essas características também é de extrema importância para a efetivação das idéias dos criadores do seriado. Elementos sonoros também entram neste processo. Mas em Sex and the City não identificamos, assim como temos nas novelas e em outros seriados, músicas-temas para cada protagonista, com músicas instrumentais que se adequam às situações que elas vivem e pontuam suas aventuras, como a ida a um bar ou o passeio pelas ruas nova-iorquinas. Em um seriado cuja importância está em exaltar a mulher, tais recursos como figurino e maquiagem não poderiam passar despercebidos. O glamour de grifes como Dolce & Gabana, Manolo e Gucci enfeitam as lojas que as protagonistas freqüentam, e com o passar das temporadas esse recurso ganhou importância. Essa merchandising funciona tanto implicitamente, como quando uma personagem segura uma sacola com a marca estampada, ou então quando Carrie fala da paixão que tem por determinada grife. Pallottini (1998, p. 131) comenta que a merchandising entra como um subdrama criado pelos roteiristas, incitando o espectador a consumir. Os cenários das histórias são basicamente construídos em estúdio. Porém, quando existe a necessidade de passear pelas ruas de Nova York e mostrar seus habitantes, seus táxis


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e suas lojas, essa característica básica do sitcom, de se restringir aos poucos ambientes construídos em estúdio, é quebrada. Em Sex and the City, temos a supervalorização da cidade como uma quinta personagem, necessária para não somente ambientar as histórias, mas também para servir de catalisador delas. Ainda que não saibamos com exatidão o lapso de tempo na trama entre um episódio e outro, o que importa é que todos estão situados em Manhattan e dali surgem as histórias, com a qual o público deve se identificar. Deve-se atentar a este tempo dentro do seriado. Ele funciona de duas formas, segundo Pallottini, dentro do próprio episódio e entre um episódio e outro.

Essas lacunas são muito curiosas porque, ao mesmo tempo, supõem e não supõem a passagem do tempo real atingido pelos personagens. Explicando: suponhamos um seriado, cuja exibição se prolongue por vários anos – e sabemos que isso existe. O público pode, naturalmente, imaginar que, por exemplo, o personagem da protagonista envelheceu dois ou três anos, durante o período de exibição do programa, que a vida passou por ele modificando-o e que ocorreram arrefecimentos no amor, no ciúme, na paixão pela vida. Mas, dado que todo personagem é também um ser eterno, imutável, infinito – Dom Quixote, por exemplo, não morre nunca no nosso imaginário -, o público não pode esperar que os autores levem em conta o tempo entre um e outro episódio. A realização do seriado pode ter sido feita de uma só vez, em curto espaço de tempo; e mais: um episódio escrito antes pode ser exibido depois. (PALLOTTINI, 1998, p. 135)

Na primeira temporada de Sex and the City, a percepção do tempo é abstrata, mas sabe-se que os episódios deixam acumuladas características para a trama global do seriado, a serem abordadas nas temporadas seguintes. Algumas histórias que evoluem durante as temporadas servem para pontuar a trama global, como o relacionamento entre Carrie e Mr. Big. Desde o primeiro episódio ao último, eles precisam resolver as pendências sentimentais de suas vidas e o público usa o relacionamento deles como pontos de partida e chegada da trama do seriado.

3.2. A primeira temporada

Durante os doze episódios que formam a primeira temporada de Sex and the City, vemos as primeiras aventuras sexuais vividas pelas personagens.. Após o piloto, o segundo


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episódio, intitulado Modelos e Mortais, aborda a moda na vida das mulheres, bem como homens que preferem sair com modelos a com mulheres “normais”. Quanto à temática, também é feita uma abordagem sobre o vouyerismo, com um personagem, amigo de Carrie, que filma suas transas com modelos. Também é possível perceber que do piloto para o segundo episódio, as personagens sofreram uma leve mudança no visual. Miranda está com o cabelo maior do que no piloto, bem como Carrie também está com um cabelo diferente. Este episódio é diferente do anterior e do posterior, A Baía dos Porcos Casados. A função dele é de apresentar uma problemática para ser discutida e que seja solucionada no próprio episódio, sem deixar gancho direto para o que vem depois. O gancho, no seriado, vem das expectativas que as personagens criam com as situações que vivem, assim também com a acumulação dessas experiências. O que acontece em um episódio não necessariamente é citado em outro, porém são considerados como parte da construção daquele personagem dentro de sua própria trama. Ainda em Modelos e Mortais, o processo narrativo se dá praticamente da mesma forma do que no piloto, com a inserção de elementos visuais que dão seguimento à trama, bem como dos depoimentos de pessoas que não se envolvem diretamente com ela. Outro detalhe que deve ser observado é a óbvia mudança no visual das protagonistas se comparado com o episódio piloto. Miranda está com o cabelo maior do que visto anteriormente, assim como Samantha também adotou um visual mais requintado. Não é regra, mas isso demonstra que o piloto é feito separadamente e há um espaço de tempo para análise da audiência para que os outros episódios venham a ser produzidos. Essa estrutura de mesclar depoimentos com a narrativa central das personagens não é uma constante durante a temporada, não aparecendo em todos os episódios. Essa experimentação para o que poderia ser um estilo adequado acontece não só no piloto, mas na primeira temporada como um todo. É nela que os criadores podem testar estilos e alternativas de contar a história. O terceiro episódio, A Baía dos Porcos Casados, não tem depoimentos, e o seguinte, Os Caras de Vinte e Poucos Anos, já os possui. Então não há uma freqüência para a escolha da inclusão ou não desse recurso. O que pode ser observado é que, quando os depoimentos não são utilizados, há um foco maior nas problemáticas em termos de diálogos e situações das protagonistas principais, sem perder tempo com a inclusão de outras pessoas que não têm uma importância imediata à trama, a não ser comprovar ou não o que está sendo debatido. Assim, a característica que permanece comum em todos os episódios da primeira temporada é a narração em off da protagonista principal, além de sua interação com a câmera,


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como se ela falasse diretamente com o público e o incluísse dentro da história. É como se Carrie chamasse o espectador a participar daquilo junto a ela, sabendo de detalhes que nem todos os personagens televisuais estão cientes. Outro recurso visual que permanece é a inserção da tela do computador enquanto Carrie escreve sua coluna. As perguntas são feitas em off e em caracteres visuais em todos os episódios, servindo não só para provar que aquele assunto será parte da coluna escrita por Carrie, mas também para provocar reflexão. Existem momentos em que o off, os caracteres visuais e os depoimentos se comunicam e apresentam os assuntos abordados. No quarto episódio, Os Caras de Vinte e Poucos Anos, é travada uma discussão sobre a relação de mulheres mais velhas com homens mais novos, e Carrie se utiliza desses três recursos para criar uma versatilidade à narrativa do episódio. Enquanto ela escreve em seu computador, ela narra para o público e os depoimentos respondem suas dúvidas. Em relação às temáticas, é possível perceber que cada episódio põe as protagonistas em situações semelhantes. O assunto central é, de certa forma, trabalhado em quatro visões diferentes, já que as amigas nem sempre pensam de forma parecida. Em dois episódios específicos, Os Caras de Vinte e Poucos Anos e Três é uma Multidão, o centro da trama é a relação entre mulheres mais velhas e homens mais novos e sexo grupal, respectivamente, que são discutidos pelas protagonistas, mas que gera em paralelo outros questionamentos entre elas. Ainda nesses episódios, Charlotte levanta a discussão sobre sexo anal e oral e é auxiliada pela experiência de vida das outras personagens. A forma como o roteiro insere esses tabus logo para a personagem mais conservadora funciona de maneira eficaz para criar um argumento de discussão durante o episódio. Se a trama fosse Samantha falando de sexo anal, talvez o impacto fosse diferente, já que ela é mais livre. A cada episódio, uma personagem em particular levanta uma discussão que é sempre narrada por Carrie. Com isso, a disposição das cenas sempre dependerá das características dessa personagem. No caso de Charlotte falando sobre sexo, ela é mostrada com sua docilidade e ingenuidade, coisa que não existe em Samantha, retratada em cena sempre com muito erotismo. No quarto episódio, Samantha pode ser vista cometendo loucuras na cama, enquanto Charlotte mal consegue imaginar que seu namorado também quer tais loucuras com ela. Temas como tamanho do pênis, transar ou não no primeiro encontro, o poder feminino, sexo escondido, brinquedos sexuais e fetiche são trabalhados, sem esquecer o bom humor e a informação. Os gays estão constantemente em cena, dividindo espaço com as protagonistas e dialogando acerca de tais temáticas dentro do universo homossexual. É


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importante ressaltar que os gays não são vistos isolados em guetos, mas sim caminhando pelas calçadas de Manhattan de mãos dadas, falando em adoção de filhos e aceitação familiar. Estes temas continuam atuais, mesmo muito tempo depois da exibição da primeira temporada. As próprias protagonistas também discutem as relações homoafetivas. No episódio A Baía dos Porcos Casados, Miranda finge ter um relacionamento lésbico para conseguir melhor status com seu chefe. Ela chega a experimentar um beijo em uma mulher, mas descobre que é definitivamente heterossexual. No episódio Três é uma Multidão, Charlotte flerta com uma mulher após a insistência de seu namorado em querer sexo a três, mas ela descobre que não se dá bem com essa “modernidade”. Beijos gays aparecem com freqüência, como nos episódios Chá de Bebê e Religião e Relacionamentos, mas não são tão explícitos, revelando uma leve cautela quanto a abordagem do assuno. Como dito, as personagens contribuem com suas experiências para a construção das temáticas, porém elas estão sujeitas a oferecer coisas novas que não foram esclarecidas no episódio piloto. Ao constatar que Charlotte faz o tipo recatada, o público pode ter uma leitura imediata que ela encara o sexo como um estágio quase impossível de ser alcançado. Porém, não é isso que acontece. Com o passar da temporada, é perceptível que Charlotte gosta de sexo tanto quanto Samantha, mas tem outra forma de chegar a ele. Exemplos disso estão nos episódios A Tartaruga e a Lebre e A Seca, nos quais podemos identificar a disposição de Charlotte para o sexo. No primeiro, ela chega a trocar sua relação com homens para ficar em casa usando um vibrador. Enquanto no segundo ela abdica de um relacionamento quase perfeito após saber que seu parceiro não gosta de sexo. Essas mudanças resultam da quebra dos próprios tabus oferecidos pelos episódios, bem como da repercussão da audiência e do favoritismo dos personagens. Coisa parecida também aconteceu com Samantha, que passa quase todos os episódios saindo com homens diferentes e expondo seu erotismo para as câmeras, mas que no último episódio, Religião e Relacionamentos, diz que está apaixonada por um homem e que nunca se sentiu deste jeito antes. Para quem não acredita em relacionamentos, uma declaração dessas é, no mínimo, chocante. Entretanto, logo Samantha descobre que seu amado tem um defeito com o qual ela não sabe lidar: o tamanho do pênis é insatisfatório. A temporada encerra com ganchos a serem resolvidos no começo da segunda temporada. No último episódio, Samantha está apaixonada e o relacionamento conturbado de Carrie e Mr. Big está em crise. Neste caso, o gancho vem como motivador para o público assistir à segunda temporada. Neste meio tempo, existe o descanso de filmagens para a equipe


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técnica e também para o espectador, que cria expectativas e tece suposições sobre o que vem em seguida. Uma prática que se tornou comum em muitos seriados é a inserção de um previously (anteriormente) no início de cada episódio, para situar quem eventualmente perdeu algum detalhe, possa entender o que será abordado no episódio do dia. Em Sex and the City, essa prática não acontece em momento algum, levando ao pé da letra a fragmentação de seus episódios, que são autosuficientes, mas que não deixam de formar um conteúdo global cuja compressão pode chegar ao limite do entendimento se o público acompanha todos os episódios. O resultado de uma boa temporada de estréia condiz com a renovação de contratos e o seguimento da história. Caso a audiência não agrade à produtora, no caso de Sex and the City a HBO, certamente o seriado teria sido trocado por outro ou cancelado, prática comum entre os produtos ficcionais que não emplacam.

3.3. Da segunda à quinta temporada: um rápido panorama

Não é o objetivo deste trabalho analisar todas as seis temporadas de Sex and the City, e sim a primeira e a última para ser possível avaliar as principais diferenças e semelhanças na construção da linguagem do sitcom. Entretanto, um breve comentário sobre o desenvolvimento do seriado durante este intervalo ajuda a compreender o caminho que as personagens tomaram e as mudanças que elas viveram neste tempo. Quanto a segunda temporada, com dezoito episódios, cresceu as expectativas do público sobre as temáticas abordadas. Como é inevitável, as personagens acabam possuindo suas vidas alteradas de acordo com suas experiências em cada episódio. Carrie se apaixona algumas vezes, mas não esquece seu grande amor, Mr. Big. Já Charlotte consegue se casar, mas não obtém o êxito que deseja, mais tarde descobrindo que se dá melhor com o advogado do casamento do que com o próprio marido. Miranda transita entre namoros sérios e épocas sem sexo, até conhecer o homem que a engravidaria acidentalmente, levantando a temática da mãe solteira. Samantha continua suas aventuras sexuais, chegando a passar um tempo namorando com a lésbica Maria Diego, papel vivido pela brasileira Sonia Braga. Todo esse acompanhamento é importante porque comprova que as personagens procuram não só narrar suas experiências sexuais, mas também se sentirem realizadas em termos sentimentais. Algumas delas, como Charlotte, desejou tanto constituir uma família, mas descobre que seu nível de fertilidade é baixo. Ironicamente, Miranda, a workaholic que


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não se vê presa a costumes familiares, é a primeira a engravidar e trata com frieza este período. Com esses acontecimentos dessas temporadas intermediárias, levanta-se a questão de que os personagens estão suscetíveis a mudanças. Pallottini (1998, p. 160 e 161) comenta que assim como as pessoas reais, os personagens ficcionais são mutáveis, não devendo esperar que eles se posicionem de uma única forma durante toda a duração do programa, pois isso o afastaria da realidade. Como seres humanos, temos convicção de que o tempo nos transforma e oferece alternativas. “(...) A televisão tem buscado seus resultados mais convincentes, na ficção, em personagens psicologicamente próximos ao real, ao que se convencionou tomar como modelo, inclusive, na literatura, pelo menos a partir do século XIX”. (PALLOTTINI, 1998, p. 161) A terceira e a quarta temporadas seguiram também com dezoito episódios, abrindo exceção para a quinta, que fechou com apenas nove episódios devido à descoberta da gravidez na vida real de Sarah Jessica Parker, sendo preciso encerrar as atividades das filmagens antes do previsto. Situações assim são determinantes para o seguimento de um seriado, bem como a morte ou não renovação de contrato de algum ator fixo do elenco, ou seja, o seriado está exposto a imprevisibilidades que podem modificar o plano de desenvolvimento. Tendências foram reforçadas na narrativa, mais investimentos eram feitos com publicidade, trazendo sempre glamour e beleza a cada episódio. Carrie, Miranda, Samantha e Charlotte viraram exemplos de mulheres modernas, continuavam lançando moda, inspirando o vocabulário do público e mostrando que a televisão pode e deve entreter e informar com seus produtos ficcionais, sem necessariamente apelar para o falso moralismo na construção de suas tramas. Os episódios foram abolindo os depoimentos que eram presentes na primeira temporada e se transformaram em drama central das protagonistas, bem como Carrie passou a interagir menos com a câmera, se tornando mais do que nunca o alvo principal da história, e não somente uma narradora participativa. Ficou cada vez mais importante centrar no que as protagonistas tinham a oferecer e o tempo de duração também aumentou. A temporada final veio com vinte episódios, com uma roupagem diferente para os episódios e com as personagens em busca de um final feliz. Afinal, no mundo do espetáculo, até mesmo mulheres tão independentes e desimpedidas precisam e devem, como uma ficção de comédia romântica, se dar bem.


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3.4. A última temporada

Ao contrário do que aconteceu com a temporada de 1998, a primeira mudança significativa para a sexta temporada é a duração de seus episódios. Agora eles transitam entre 27 e 44 minutos, sem intervalo comercial, com sua maioria durando 28 minutos. O último deles, Uma Americana em Paris – Parte 2, é o mais extenso de todas as cinco temporadas, com 44 minutos, tendo a liberdade de se estender para dar um bom final ao seriado. Seis anos depois, esta temporada vem com uma proposta diferente da primeira, sem nunca esquecer suas idéias originais. O que os americanos chamam de season finale (temporada final) é responsável por resolver todos os conflitos e tramas que foram geradas para as protagonistas, definindo como elas devem terminar e se relacionar ou não com as expectativas do público. Com isso, as protagonistas já passaram por tantas aventuras sexuais que agora vivem a temporada mais romântica das seis. Como qualquer mulher que, independente do sexo, pensa e/ou acredita no amor, elas precisam, assim como os padrões das comédias românticas, conseguirem o happy end. O final feliz tem a responsabilidade de criar pactos com o público e fazê-lo acreditar que é possível se dar bem no final e deixar a sensação de missão cumprida da história. Durante o caminho em busca do happy end, as protagonistas ainda sofrem e passam por momentos de tensão. Os conflitos, que anteriormente valorizavam assuntos sexuais, passam a falar de sentimentos. Afinal, elas mudam, expectativas são criadas e o destino oferece novos rumos para a vida delas. A câmera, elemento responsável por flagrar a vida das protagonistas, continua fazendo seu papel narrativo, mas sem a interação de Carrie com ela. Os episódios seguem a linha básica da ficção seriada, de se resolverem por si, mas se ambientarem em um contexto geral. Porém, ao contrário do que temos na primeira temporada, é possível perceber que aqui os episódios se relacionam mais entre si. Os conflitos principais do episódio são resolvidos parcialmente durante a projeção, mas guardam consigo um gancho que desenvolve a trama do dia seguinte, lembrando a fragmentação dos capítulos de uma telenovela. No primeiro episódio, No Pregão do Amor, Carrie continua saindo com o escritor Jack Berger (Ron Livingston), Samantha mantém seu posicionamento sobre a importância do sexo, Charlotte namora com Harry Goldenblatt (Evan Handler), um judeu fora dos padrões de beleza convencionais, e Miranda tenta se virar entre a maternidade e o trabalho. Dadas essas informações iniciais da temporada, os episódios seguintes têm a obrigação de solucioná-los.


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A ligação entre os episódios fica mais forte, dando a impressão de que, ao contrário do que existia antes, a perda de alguma informação pode prejudicar a interação do público com a narrativa. Assim, temos quatro grandes exemplos a serem discutidos, vividos por cada uma das protagonistas. Nesta temporada, elas dividem com mais harmonia o desenrolar de suas vidas, cada uma com uma carga dramática significativa que ruma a um desfecho no último episódio. Começando por Samantha, no segundo episódio, Grandes Sexpectativas, ela conhece Jerry Jerrod (Jason Lewis), que mais tarde se tornaria o ator de cinema Smith Jerrod, durante um de seus jantares com as amigas. A tensão sexual é grande e eles vivem um caso regado a fantasias sexuais. Com o passar os episódios, a aparição de Jerrod fica mais freqüente e demonstra que ele não é apenas uma transa qualquer de Samantha. No décimo primeiro episódio, Efeito Dominó, Samantha se assusta quando ele tenta caminhar pelas ruas de mãos dadas. Isso demonstra que a relação deles foi crescente e acumulou tensão dramática de um episódio a outro, coisa que não existia de forma tão aberta na primeira temporada. Então o espectador que vai direto para o episódio onze pode se perder sobre como aquela relação chegou ao nível que está naquele momento. Nessa perda de informação inclui o fato de que Samantha levou Jerrod ao estrelato, investindo na carreira do ator e dando o suporte que ele precisava, bem como ele se revelou não só um bom parceiro sexual, mas também um companheiro para a personagem. No décimo terceiro episódio, E Faça-se a Luz, Samantha tem uma transa sexual e Jerrod percebe, mas depois deste fato, ela se sente culpada por “trair” o companheiro. Ele a perdoa. No episódio seguinte, O Fator “Eca”, Samantha descobre que tem câncer de mama e, a partir daí, inicia a luta contra a doença e Jerrod está ao seu lado. O amor fica claro entre os dois, contrariando as expectativas inicias da personagem, que estava sempre à procura de uma boa transa. Todas essas informações seguem, nesta sexta temporada, em gradação, exigindo um acompanhamento mais fiel do público para que ele possa entender o caminho que os personagens terão. Esta é uma das funções mais importantes das seasons finales: trabalhar de forma mais expansiva para que ela se encerre agradando o público que acompanhou o seriado inteiro, ou a maior parte dele. O que tem acontecido com freqüência e irritado muitos espectadores é que as séries, por falta de audiência ou investimentos, são canceladas no meio de suas temporadas, proporcionando finais insatisfatórios ou até mesmo sem finalizar de forma adequada. Isso aconteceu em 2009 com Pushing Daisies, que foi encerrada no meio da segunda temporada com um final que desagradou os fãs.


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Voltando à trama da última temporada, Miranda cria seu filho sozinha, com a presença esporádica do pai da criança, Steve Brady (David Eigenberg). Anteriormente, eles decidiram não se envolver por desacreditar em uma relação séria entre eles, mas Miranda percebe que é apaixonada por Steve. Entretanto, Miranda encabeça um novo relacionamento e Steve idem, que culmina com ciúme dos dois lados e a volta da relação do casal. Juntos novamente, eles se casam no episódio quatorze, O Fator “Eca”, e se mudam para o Brooklyn no episódio A Guerra Fria, buscando criar o filho e ter uma vida de casal. A acumulação das informações faz com que a história do casal seja possível e não se restrinja somente a ser resolvida em um único episódio. Nesta temporada, o grande desafio para Charlotte é se tornar judia para poder casar-se com Harry. Desde o primeiro episódio, presencia-se a dúvida da personagem em relação a esta mudança religiosa, bem como a insegurança em encabeçar um segundo casamento após o fracasso do primeiro. São decisões que Charlotte não toma em um único episódio, criando uma tensão dramática para ser resolvida a seguir. Devido aos problemas de infertilidade descobertos nas temporadas anteriores, Charlotte passa a criar uma cachorrinha com sua filha no episódio A Guerra Fria. No seguinte, A Queda, ela tem ciúmes porque a cadela engravida e no próximo, Uma Americana em Paris – Parte 1, os filhotes já estão grandes. Aqui se percebe que o tempo passa de forma rápida e o público acrescente, de acordo com suas experiências, suas percepções sobre a duração da gravidez de uma cadela até o crescimento dos filhotes. Já para Carrie, o relacionamento com Berger entra em crise e no episódio doze, A Pessoa Certa, ela conhece o artista russo Aleksandr Petrovsky (Mikhail Baryshnikov), com quem mantém um relacionamento praticamente perfeito até o episódio final, Uma Americana em Paris – Parte 2. Neste meio tempo, Mr. Big a procura para tentar fazer o relacionamento deles dar certo, mas ela o ignora. Em A Queda, Aleksandr a convida para morar em Paris, ela pede demissão e se muda em busca da felicidade. Nas duas partes de Uma Americana em Paris, o público compactua com Carrie as diferenças entre a vida nova-iorquina e parisiense. Para Carrie, a conseqüência dessa comparação é o fracasso do relacionamento com Aleksandr por ele ser egocêntrico e deixá-la perdida em uma cidade que ela mal sabe o idioma. Então, ela se encontra com Mr. Big e percebe que ele é seu verdadeiro amor. As mudanças e os conflitos que as protagonistas vivem nesta temporada muito lembram as narrativas cinematográficas se analisados os vinte episódios como uma grande trama. A diferença é que no cinema existe um padrão de 90 a 120 minutos, às vezes mais, para que a trama se resolva. No seriado, há a especificação de cada situação e as personagens


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vivem suas histórias mais detalhadamente e as quatro protagonistas possuem tempos semelhantes em cena, justamente para não descaracterizá-las ou esquecê-las, até porque, em 2004, o seriado continuava sendo sucesso na televisão. Também vale a pena ressaltar que na temporada de 2004, os realizadores inserem elementos comuns de sua época. Os celulares, ao contrário de 1998, não são grandes, dando espaço para a evolução tecnológica, também vista pela modernidade do laptop que Carrie usa para escrever suas colunas. Até os táxis parecem se modernizar. Miranda passa a última temporada amando sua televisão digital, escolhendo os horários para acompanhar seu seriado preferido. Isso confirma que a produção de um produto televisivo sofre influência também na alteração dos costumes sociais e econômicos da época. Conhecido por ser um seriado aberto a discussões, Sex and the City acaba seguindo também essas tendências. O público nota que elas, assim como as pessoas reais, são mutáveis e se permitiram buscar novas experiências. Ao contrário do que Samantha indicava no primeiro episódio, ela pode sim se apaixonar. Charlotte realizou o sonho de constituir família, inclusive adotando uma garotinha chinesa. Miranda conseguiu dividir o trabalho com a família. Carrie conquistou o grande amor de sua vida. Com isso, elas também precisam ter um desfecho, que culmina em quatro finais felizes.

3.5. O último episódio

Falar sobre o último episódio, Uma Americana em Paris – Parte 2, é também falar do antecessor Uma Americana em Paris – Parte 1. Ao contrário do que aconteceu em todas as temporadas, que não usou esse recurso de continuidade de um episódio a outro, esses dois exploram essa característica claramente revelada pelo nome dos episódios. Aqui, isso funciona para criar expectativa em torno do último episódio. Também mostra que as regras da serialidade são mutáveis de acordo com as necessidades da trama ou da produção, que opta por alternativas atraentes para conquistar a audiência do público. Ainda assim, cada um dos episódios tem um fechamento em termos de trama, mas não há um deslocamento de tempo, visto que os dois acontecem em uma sucessão temporal. Levar a trama para Paris gera a suposição do provável final feliz de Carrie ao lado de Aleksandr, o que não acontece. Esses episódios se comunicam de forma a construir o desfecho do seriado. Vemos o contraste entre Manhattan e Paris, o estilo de vida, as paisagens, as pessoas, a moda e os hábitos. Em Paris, Carrie mal sabe se comunicar e passa os dias procurando o que fazer


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enquanto o namorado organiza uma exposição. É com a falta das amigas e pensando no Mr. Big que ela faz o inevitável: comparar o presente com o passado. Aqui o seriado mostra, mais uma vez, que Nova York é um personagem essencial. Nos dois últimos episódios de Sex and the City, a trama transfere o foco da narrativa para uma cidade estranha, onde Carrie não poderia continuar com sua coluna sobre o sexo e a cidade. Em Paris, Carrie encontra fãs de seu livro, com a coletânea de suas colunas, em mais uma referência à autora principal, Candace Bushnell, porém se sente incompleta e nada realizada. Se Nova York não fosse tão importante para a ambientação da narrativa quase como uma quinta personagem, ela poderia ter se adequado à vida parisiense. Isso iria contra a proposta inicial do seriado. É tanto que não é difícil sentir estranhamento de ver Carrie sozinha em Paris, longe das amigas e do seu grande amor. O público ficou acostumado a ver a correria de Manhattan e os cafés habituais das amigas, o que aqui não existia. Em relação à caracterização dos personagens, elementos como o cenário e o figurino continuam adicionando informações às protagonistas, assim como na primeira temporada, e a narração em off permanece apresentada como elemento discursivo do episódio, bem como os textos de Carrie sendo escritos no computador. A diferença é que Carrie não interage mais, como no episódio piloto, com o público, muito menos existem pessoas desconhecidas dando depoimentos sobre o que pensam de amor e sexo. Os personagens esporádicos, como os gays Stanford e Anthony Marentino, intepretado por Mario Cantone, aparecem apenas como complemento de alguns episódios. Isso faz com que os dois, por exemplo, não precisem ganhar um desfecho da trama global, já que isso se restringe apenas às protagonistas. Em uma telenovela, todos os núcleos precisariam de um desfecho, mas a narrativa dos seriados permite esse desprendimento. As amigas terminam juntas, vivendo a loucura de Nova York com seus respectivos namorados/esposos e acrescentando à temática do sexo a das relações. Seria inadequado, após seis anos de exibição, transformar a última temporada em um clone da primeira, quando a maturidade das personagens e suas ambições não estagnaram. A mudança das personagens levou ao happy end, costume antigo da produção televisual e cinematográfica. Sex and the City inovou na forma de tratar os assuntos relacionados a sexo e relacionamentos. A naturalidade com que eram apresentados fez com que o seriado ganhasse uma grande importância no que diz respeito a temas que, anteriormente, eram poucos explorados na televisão. A ousadia de Sex and the City está em levar às telas a guerra dos sexos de forma a quase igualar homens e mulheres no que diz respeito às expectativas de vida, porém preserva o universo feminino, sua sensibilidade e suas dúvidas.


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CONCLUSÃO

Com este trabalho, foi possível identificar que o seriado Sex and the City segue o que é proposto pela serialidade televisiva. Seus episódios podem ser vistos isoladamente e encerram, cada um, uma trama específica. Mas fazem parte de um universo de seis temporadas cujo acumulo de informações gera um entendimento global e mais rico sobre o universo abordado no seriado. No episódio piloto, foi possível ver a proposta dos autores e as características que marcam o programa, com o foco principal no universo feminino e as discussões que eram levantadas. Pela personagem Carrie são narradas as abordagens dos episódios, que seguem com a inclusão das outras protagonistas, importantes para a manutenção do diálogo no seriado. Carrie se utiliza da narração em off, de recursos visuais da tela do computador e a interação dela com a câmera para estabelecer a marca da primeira temporada, mas essas informações iniciais não impedem alterações no decorrer das temporadas no que diz respeito à forma de realizar os episódios. Entre a primeira e a sexta temporada, é perceptível que Sex and the City trabalha de forma diferente seus episódios. A primeira é mais centrada no experimentalismo e assume um caráter de documentário ficcional, com depoimentos variados sobre o tema do episódio. Entretanto, com o passar dos anos, os investimentos que o seriado recebeu e as possibilidades de mudança dos personagens, que ganham maturidade e desenvolvem novos caminhos na vida, a trama não é tem apenas o sexo como foco principal, mas passa a dividir espaço também com uma trama afetiva. Na última temporada, passou-se a investir na história de cada personagem para que culminassem em finais felizes. Também criou-se uma necessidade maior de acompanhamento por parte do público, para não haver perda de informação sobre os conflitos que se estendem por mais de um episódio. Está cada vez mais difícil considerar algo contemporâneo como pioneiro no audiovisual. Mas é essa lógica de que tudo é recriado e que uns produtos influenciam os outros que mantém a feitura de tantos programas e ficções semelhantes, sempre se baseando no que atrai a audiência. Essa comunicação entre emissor e receptor gera o sucesso e a audiência para as emissoras, que passam a seguir formatos semelhantes para a realização de seus programas.


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O diferencial de Sex and the City, além de tudo que foi apontado em termos de realização, diz respeito também à criação de uma espécie de subgênero do formato seriado. Agora, temos os seriados protagonizados por mulheres, amigas e que falam abertamente de sexo. Depois de Sex and the City, seriados como Desperate Housewives (2004 – atual) e Selva de Batom (2008 – 2009, também de Candace Bushnell) se juntam em um grupo temático, assim como são os seriados médicos, de investigação, de super-herói. As personagens femininas se tornaram mais do que nunca fundamenta para o charme e carisma de uma produção, independente do gênero. A televisão segue tendências de produção sempre pensando no público. Seriados são feitos todos os anos, mas nem todos alcançam o sucesso esperado. Isso constitui também no consumo os produtos e subprodutos do programa, como a venda de DVDs pelos espectadores. Os seriados conquistam ficam marcados na história da ficção seriada televisiva, gerando fãs e comunidades que discutem sobre seus programas e personagens preferidos e criam uma relação de cumplicidade com as histórias.


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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Artigo: DUARTE, Elizabeth Bastos. Sitcoms: novas tendências. In: XVII Encontro Anual da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação - Compós, 2008, São Paulo. Anais da XVII Compós (eletrônico). São Paulo : UNIP, 2008. v. un.. Disponível em: < http://www.compos.org.br/pagina.php?menu=8&mmenu=0&fcodigo=390>. Acesso em: 2 de abril 2009.


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Internet: IBOPE Mídia divulga 1ª Pesquisa Nacional de Telecomunicações. IBOPE. 2007. Disponível em: <http://www.ibope.com.br/calandraWeb/servlet/CalandraRedirect?temp=5&proj=PortalIBOP E&pub=T&db=caldb&comp=Consumo&docid=11705B5425CFBA218325731B00669E51>. Acesso em: 10 de março de 2009. Grade de programação da TV Globo. Multigolb, Disponível em: <http://multigolb.wordpress.com/2008/10/21/exclusivo-grade-de-programacao-da-tv-globode-hoje-2110-ate-sexta-2410/>. Acesso em: 10 de março de 2009. Programação da Rede Globo. Rede Globo. Disponível em: <http://redeglobo.globo.com/Tv_globo/Programacao>. Acesso em: 10 de março de 2009. Homossexualidade de George foi o motivo da briga no set de Grey’s. Globo/Séries ETC. Disponível em: <http://tv.globo.com/ENT/Tv/Seriados/GreysAnatomy/0,,AA13182097008,00.html>. Acesso em: 19 de abril de 2009. Despedido de ‘Grey’s Anatomy’, Isaiah Washington pode processar canal americano. Globo/Séries ETC. Disponível em: <http://tv.globo.com/ENT/Tv/Seriados/GreysAnatomy/0,,AA1561029-7008,00.html>. Acesso em: 19 de abril de 2009. SACCHI, Rogério. Repórter Esso - Marcos do Telejornal. 07 de agosto de 2007. Shvoong. Disponível

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<http://pt.shvoong.com/social-sciences/communications-media-

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ANEXO Guia de episódios de Sex and the City das temporadas analisadas para este trabalho:

Primeira Temporada (1998) Disco 1 Episódio 1: Sexo e a Cidade Episódio 2: Modelos e Mortais Episódio 3: A Baía dos Porcos Casados Episódio 4: Os Caras de Vinte e Poucos Anos Episódio 5: O Poder do Sexo Feminino Episódio 6: Sexo Secreto

Disco 2 Episódio 7: Monogamia Episódio 8: Três é uma Multidão Episódio 9: A Tartaruga e a Lebre Episódio 10: Chá de Bebê Episódio 11: A Seca Episódio 12: Religião e Relacionamentos

Sexta Temporada (2004) Disco 1 Episódio 1: No Pregão do Amor Episódio 2: Grandes Sexpectativas Episódio 3: O Presente Perfeito Episódio 4: De Boca Fechada

Disco 2 Episódio 5: Luzes, Câmera, Relação Episódio 6: Dando um Tempo Episódio 7: Depois Daquele Post It Episódio 8: Saltando no Vazio


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Disco 3 Episódio 9: O Direito das Mulheres de Comprar Sapatos Episódio 10: Garoto Interrompido Episódio 11: Efeito Dominó Episódio 12: A Pessoa Certa

Disco 4 Episódio 13: E Faça-se a Luz Episódio 14: O Fator “Eca” Episódio 15: Ardil 38 Episódio 16: Em Pratos Limpos

Disco 5 Episódio 17: A Guerra Fria Episódio 18: A Queda Episódio 19: Uma Americana em Paris – Parte 1 Episódio 20: Uma Americana em Paris – Parte 2


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