Revista Eletrônica Bragantina On Line
Discutindo ideias, construindo opiniões!
Número 63 – Janeiro/2017 Joanópolis/SP
Edição nº 63 – Janeiro/2017
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SUMÁRIO
Nesta Edição: - EDITORIAL – Chuva de sonhos .......................................................................... Página 3; - EDUCAÇÃO AMBIENTAL – A Teoria Crítica - Parte 1 Por Flávio Roberto Chaddad ................................................................................... Página 4; - A ARTE DO TURISMO E DA HOTELARIA – Cidades europeias: dos lados da moeda Por Leonardo Giovane ........................................................................................... Página 10; - POLICLÍNICA – Dicas para um bom sono Por Aline Poli ........................................................................................................... Página 12; - ROMANCE DAS LETRAS – O TOC tem cura Por Betta Fernandes ............................................................................................... Página 14; - LINHA DO TEMPO – Objetivos que motivam Por Helen Kaline Pinheiro ..................................................................................... Página 17; - O ANDARILHO DA SERRA – Poesia do mundo Por Diego de Toledo Lima da Silva ....................................................................... Página 19; - MEMÓRIAS – Memória das águas Por Susumu Yamaguchi ......................................................................................... Página 21; - COLCHA DE RETALHOS – Cordel de Juazeiro da Bahia Por Rosy Luciane de Souza Costa ......................................................................... Página 25; - DIVULGAÇÃO – Entrevista com o inventor Paulo Gannam .......................... Página 30.
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EDITORIAL
CHUVA DE SONHOS
Prezados leitores! Fico na janela a observar o cair da chuva lá fora, numa melodia divina. Entre uma pancada de chuva e outra, penso no sofrimento dos tempos de terra seca e da amargura do sertão. Um janeiro longo e repleto de dúvidas quanto ao futuro, voltando ao passado na estrada dos sonhos, no percalço de tanta gente e história. Quando o pensamento passa, olho para o céu e agradeço este novo dia... Sei que muitos estão reclamando, mas só quero agradecer... Durante a noite as gotas de chuva persistem no seu movimento, atravessando novos e velhos sonhos dos dias atuais!
Diego de Toledo Lima da Silva – Editor (17/01/2017) E-mail: revistabragantinaon@gmail.com
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EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Flávio Roberto Chaddad Graduado em Engenharia Agronômica e Ciências Biológicas; Graduando em Filosofia; Especialista em Educação Ambiental, Gestão da Educação Básica e Gestão Ambiental; Mestre em Educação Superior e Mestre em Educação Escolar E-mail: frchaddad@gmail.com A TEORIA CRÍTICA - PARTE 1
1. Introdução
Este artigo procurou situar historicamente a Teoria Crítica em seus primeiros tempos até a imigração do Instituto de Pesquisas para os Estados Unidos (EUA), onde foram firmados os seus postulados (artigo - 1). Logo após, discutir as contradições existentes entre a denominação de Escola de Frankfurt e/ou Teoria Crítica (artigo - 2); a sua relação com o marxismo e, por fim, os fatores que a distanciava do marxismo ortodoxo, já que ela em si carregava a orientação metodológica e revolucionária marxista, mas fazia a crítica da impossibilidade histórica de realização da superação do processo capitalista pela práxis marxiana, em virtude das próprias mudanças do processo de acumulação capitalista daquela época (artigo – 3).
2. A Teoria Crítica - Antecedentes Históricos
Segundo Barbara Freitag (1993), a partir de uma semana de estudos marxistas em 1922 na Turíngia, na qual participaram, além de seu idealizador e organizador, Felix Weil, os marxistas Karl Korsch, Georg Lukács, Friedrich Pollock, Karl Wittfogel, entre outros, surgiu à ideia de institucionalizar um grupo de trabalho para a documentação e teorização dos movimentos operários na Europa. Procurou-se, desde o início, assegurar o vínculo do Instituto a ser criado com uma Universidade: a Universidade de Frankfurt. Desta forma, o Instituto de
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Pesquisa Social nasceu em três de fevereiro de 1923 pela iniciativa de Félix Weil que foi apoiado por Friedrich Pollock e por Horkheimer. O objetivo principal do Instituto era o de promover, em âmbito universitário, investigações científicas a partir da obra de Marx. Vê-se, portanto, que este movimento, ora considerado Escola de Frankfurt, ora denominado Teoria Crítica – aqui neste trabalho irá se discutir esta distinção – tem por referência o marxismo e seu método. O marxismo naquela época era pouco propalado nos meios acadêmicos e, estes jovens, queriam trazer o marxismo, em discussão, para a universidade. Para tanto, negociaram com o Ministério da Educação da Alemanha a busca de uma cadeira na Universidade de Frankfurt e elegeram um nome para a direção do Instituto que foi Albert Gerlach, mas que não chegou a tomar posse em virtude de sua morte. Outro nome escolhido foi o do historiador Carl Grünberg, que permaneceu no Instituto de Pesquisas de forma ativa até 1927 e simbolicamente até 1930, quando foi substituído por Horkheimer, que na Universidade assumiu a cátedra na linha da Filosofia Social. Seus primeiros colaboradores foram típicos socialistas de cátedra, raros em uma época em que a maior parte dos marxistas rejeitava o trabalho acadêmico, envolvendo-se apenas em militâncias político-partidárias (FREITAG, 1993; NOBRE, 2008). No começo do Instituto a história do socialismo e o movimento operário passaram a ser objeto principal de pesquisa, que se tornou rapidamente um dos mais importantes arquivos para pesquisa sobre estes temas. Assim, sob a gestão de Grünberg, escolhido em virtude de já estar estabelecido e ser muito respeitado no meio acadêmico, o Instituto editou uma revista Archiv fuer die Geschichte des Sozialismus und der Arbeiterbewegung [Arquivo para a história do socialismo e do movimento operário] que, como indica o título, era voltada para a história do socialismo e do movimento operário e tinha orientação documentária, procurando descrever, dentro da tradição socialista, as mudanças estruturais na organização do sistema capitalista, na relação capital-trabalho e nas lutas e movimentos operários (FREITAG, 1993). Com a nomeação de Max Horkheimer para diretor do Instituto de Pesquisas, houve uma reorientação dos rumos do mesmo. Conforme Barbara Freitag (1993) e Marcos Nobre (2008), o Instituto se transformou em um verdadeiro centro de pesquisas, preocupando-se com uma análise crítica dos problemas do capitalismo moderno que privilegiava a superestrutura. Essa mudança também se expressa na criação de uma nova revista que substituiria o Archiv (o arquivo de história do socialismo e do movimento operário), a Zeitschritft fuer Sozialforschung (Revista de Pesquisa Social), novo veículo da produção e divulgação dos pesquisadores e críticos filiados ao Instituto, que aglutinou vários pensadores marxistas. Assim, graças à envergadura intelectual de Max Horkheimer, ele conseguiu formar, em torno e do objetivo Instituto de Pesquisa Social, uma gama de intelectuais marxistas da época, que muito contribuíram, decisivamente, para a sua edificação, como: Pollock; Edição nº 63 – Janeiro/2017
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Wittfogel; Fromm; Gumperz; Adorno; Marcuse e outros que passaram a contribuir regularmente com artigos, ensaios e resenhas para a Revista. É necessário salientar que Benjamin, Marcuse e Adorno somente se filiaram ao Instituto na fase de sua emigração para os Estados Unidos (FREITAG, 1993; NOBRE, 2008). Com Max Horkheimer na direção do Instituto de Pesquisas houve uma mudança de orientação, que lançou as bases de um trabalho coletivo e interdisciplinar que ficou conhecido por materialismo interdisciplinar. Ele se consistia em dar uma maior amplitude ou uma maior abrangência das discussões que envolviam a sociedade em torno do referencial marxista, visando a uma espécie de especialização positiva, que perfazia os diferentes ramos das ciências humanas, como, por exemplo: a economia; o direito; a ciência política e a psicologia (FREITAG, 1993; NOBRE, 2008). Estas disciplinas e seus referidos conteúdos ganhavam cada vez mais autonomia e independência, mas cuja obra fundante não deixaria de ser Marx, o que vai trazer para o termo Escola de Frankfurt uma grande contradição, pois como pode agrupar estes pensadores, mesmo tendo como o referencial da obra ou do horizonte de Marx, em um mesmo plano, já que eles não podem partilhar das mesmas interpretações e opiniões a respeito da obra deste autor? Segundo Barbara Freitag (1993), em 1934, Max Horkheimer negocia a transferência do Instituto de Pesquisas para Nova Iorque. Esta mudança só será possível graças ao apoio dado por Nikolas Murray, diretor da Universidade de Columbia em Nova Iorque, Reinhold Niebuhr e Robert Mclver. Assim, como sua primeira sede era vinculada a Universidade de Frankfurt, o Instituto passa a se vincular sob o nome de International Institute of Social Research à Universidade de Columbia, mantendo, no entanto, sua autonomia financeira, que lhe foi assegurada graças ao auxílio de Felix Weil. Nesta época da emigração para os Estados Unidos, houve a fundamentação da teoria crítica por Max Horkheimer, em seu texto A teoria tradicional e a teoria crítica, escrito em 1937, e de duas outras obras que contribuíram em muito para a pesquisa e teorização sociológica: A Personalidade Autoritária e a Dialética do Esclarecimento. Assim, Max Horkheimer, em 1937, lança os fundamentos da Teoria Crítica, onde procura salvar a reflexão filosófica dialética face uma crescente tendência positivista e empirista nas Ciências Sociais. Por sua vez, segundo Barbara Freitag (1993), A Personalidade Autoritária foi escrita de forma coletiva por uma gama grande de autores americanos e alemães, entre os quais estão: Frenkel-Brunswik, Levinson, Sanford e Morrow que juntamente com Adorno elaboraram o texto. Neste texto, eles procuram refletir sobre a interação entre a dinâmica psíquica do indivíduo e as condições sociais e políticas da sociedade em que vivem estes indivíduos. Eles constataram paradoxalmente que pessoas que emitem opiniões conservadoras sobre a política e a economia podem ter estruturas psicológicas menos fascistas que outras Edição nº 63 – Janeiro/2017
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pessoas, com opiniões liberais e democráticas. Essas opiniões progressistas podem ter caráter menos episódico e superficial, ao passo que ao nível profundo esses indivíduos têm personalidade rígida, fruto de um conflito edipiano mal resolvido, e que, portanto, são vulneráveis ao anti-semitismo, em outros momentos históricos, como válvula de escape para pulsões mal interiorizadas. Conforme Barbara Freitag (1993), em A Dialética do Esclarecimento escrita por Theodor Adorno e Max Horkheimer, em 1947, estes autores encaram a transformação da cultura nas sociedades modernas de massa, da qual os Estados Unidos da América (EUA) seriam a versão capitalista moderna. Até este escrito, tanto Max Horkheimer e Theodor Adorno
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haviam mantido certa confiança na razão crítica, que podia salvar a humanidade
dos percalços da razão instrumental e da indústria cultural, que movem o processo capitalista, ou seja, numa leitura kantiana a razão deveria realizar literalmente a emancipação do ser humano:
[...] Acreditavam até então que, apesar dos percalços e retrocessos, a humanidade chegaria, em última instância, a realizar a promessa humanística, contida na concepção kantiana da razão libertadora. A razão acabaria por realizar-se concomitantemente com a liberdade a autonomia e o fim do reino da necessidade. A Dialética do Esclarecimento representou a ruptura com esta convicção profunda [de realização da razão iluminista kantiana] (p.20).
Portanto, este texto, A Dialética do Esclarecimento, por sua vez, representa o fim desta realização histórica da razão emancipada – da razão kantiana. Por isto, faz-se necessário frisar, mais uma vez, as palavras de Barbara Freitag (1993) sobre a maneira que estes autores viram a ascensão da razão instrumental ou mesmo do irracional no interior do sistema produtivo capitalista:
A onipotência do sistema capitalista, reificado no mito da modernidade, estaria segundo esta nova análise, deturpando as consciências individuais, narcotizando a sua racionalidade e assimilando os indivíduos ao sistema estabelecido (p.21).
Assim, pode-se dizer que o capitalismo daquela época como nos dias de hoje, assimila as pessoas que sem autodeterminação, sem a capacidade de participação na reelaboração do passado e elaboração do futuro, executado por vários mecanismos, decreta, em última instância, a morte da razão kantiana – o que em si gerou um grande pessimismo nestes autores, fazendo-os se orientarem em outro sentido que não mais o materialismo histórico. Edição nº 63 – Janeiro/2017
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Portanto, estas estratégias culminam no adestramento e na adaptação do ser humano ao sistema produtivo. A educação, que em suma deveria emancipar o ser humano, incorpora a razão instrumental que move o processo capitalista em sua totalidade histórica. Assim, segundo Barbara Freitag (1993), este livro é um divisor de águas na vida teórica e prática destes grandes expoentes da teoria crítica, pois foi escrito em um momento do sistema de produção capitalista que fez Theodor Adorno e Max Horkheimer abandonar e renunciar aos paradigmas do materialismo histórico buscando outro caminho:
[...] Com este diagnóstico de seu tempo, Adorno e Horkheimer abandonam definitivamente os paradigmas do materialismo histórico, buscando um novo caminho que igualmente se afasta e distancia dos paradigmas do positivismo e neopositivismo que dominam as ciências naturais e humanas de sua época. Mas esse caminho não lhes trará a “salvação”. Horkheimer reaproxima-se da religião, no final de sua vida, e Adorno desesperando cada vez mais da capacidade do pensamento de compreender o particular sem anulá-lo pelo terrorismo do conceito, busca um refúgio na dialética negativa e na teoria estética (p.21).
Neste primeiro item, buscou-se situar historicamente a Teoria Crítica até sua emigração para os Estados Unidos, fugindo da perseguição nazista ou fascista, que se constitui no seu principal momento em virtude de que foi nesta época que Max Horkheimer a fundamentou com o seu texto Teoria Tradicional e Teoria Crítica de 1937 e ao mesmo tempo houve a produção de duas obras que são ou se constituem um dos marcos da teoria social: A Personalidade Autoritária e a Dialética do Esclarecimento. Assim, estabelecido o marco ou universo histórico principal desta corrente de pensamento, torna-se necessário agora esclarecer as aporias existentes entorno da designação Escola de Frankfurt ou Teoria Crítica, ou seja, qual das duas nomenclaturas deve se utilizar e o porquê de se utilizar uma no lugar da outra; salientar as características da Teoria Crítica e estabelecer a sua relação com o marxismo como campo teórico, bem como a sua crítica ao marxismo ortodoxo. Estas questões serão discutidas nos próximos artigos.
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Esta afirmação é um pouco controversa, porque na série de conferências radiofônicas realizadas
por Adorno entre 1959 a 1960, ele acreditava na razão kantiana ou iluminista como forma do ser humano reelaborar o passado e atuar no mundo. Estas conferências deram origem ao livro ou texto Educação e Emancipação, que data de 1971, dois anos após sua morte.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FREITAG, B. A teoria crítica ontem e hoje. 4°ed. São Paulo: Editora brasiliense, 1993. NOBRE, M. A teoria crítica. 3° ed. Rio de Janeiro: Zahar Editora, 2008.
Como citar: CHADDAD, F.R. A Teoria Crítica - Parte 1. Revista Eletrônica Bragantina On Line. Joanópolis, n.63, p. 4-9, jan. 2017. Edição nº 63 – Janeiro/2017
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A ARTE DO TURISMO E DA HOTELARIA
Leonardo Giovane M. Gonçalves Técnico em Hospedagem e Graduando em Turismo E-mail: leonardo.giovane@hotmail.com CIDADES EUROPEIAS: DOIS LADOS DA MOEDA
A propaganda sempre foi e sempre será a alma do negócio. E quando falamos de turismo, estamos trabalhando com um grande negócio que movimenta milhões de dólares, euros, reais e qualquer outra moeda dia após dia. Em relação aos destinos turísticos, observamos massiva divulgação em diversos lugares, sejam nas novelas, rádios, banners, comerciais, vídeos e por aí vai. E claro, com o apogeu da internet, a divulgação ganhou novas proporções. Destinos se tornam marcas e são geridos como empresas, que oscilam em picos e em depressões. Destinos se fixam nas mentes dos consumidores, tais como Paris - a Cidade Luz, México - a terra da Tequila, Brotas - a terra da aventura, Joanópolis - a terra do Lobisomem, Espanha - pelas touradas - e muitos outros termos associativos. Porém, quando trabalhamos com o contexto local do panorama brasileiro, sabemos que muito que se vende é na realidade falsa propaganda, e como bons brasileiros sempre almejamos as belíssimas cidades europeias, sejam elas Paris, Barcelona, Berlim, Praga, Lisboa ou qualquer outra. Em uma grande viagem pela Europa, conheci algumas das cidades clichês e não tão clichês, fui a Paris, Barcelona, Porto, Frankfurt, Berlim, Cracóvia e Praga, e antes dessa viagem já tinha ido a duas outras capitais europeias, bem como Viena e Bratislava. Aprendi muita coisa com essas cidades, mas o que gostaria de passar é a diferença entre o que é vendido e o que é consumido. Começando pela cidade Luz, a tão encantada Edição nº 63 – Janeiro/2017
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capital da França, a graciosa Paris, ou não tão graciosa assim. Paris sem sombra de dúvidas tem seus charmes, encantos e glamour, mas isso se você restringir seu olhar somente às zonas turísticas, ou basicamente aos atrativos. Pois a cidade é um misto de glamour, sujeira, pobreza, longas filas e desigualdades sociais, realidade esta também vivenciada em Berlim. Basicamente as cidades mais visadas, mais faladas e mais almejadas são as que mais possuem dois lados da moeda, e viajar para as cidades “estrelas” não significa que será a melhor experiência de sua vida do que viajar para uma cidade menos conhecida. Por exemplo, estive em Cracóvia e em Bratislava, ambas possuem sua divulgação, mas não se compara ao poder midiático de Paris e Berlim. Mas essas duas pequenas cidades são encantadoras, cheias de surpresas e pessoas mais hospitaleiras. Claro que todas as cidades do mundo têm desigualdades sociais, em pequeno, médio ou em grande nível, mas tudo depende de que forma essas desigualdades são geridas. Nunca fui a uma cidade europeia que não há gente pedindo esmolas nas ruas. Porém, quando falamos de divulgação de destinos, temos que desvelar paradigmas e parar de menosprezar nossa nação e acreditar que todos os destinos não são perfeitos, assim como nosso lar, mas sim se orgulhar do que temos ao nosso redor. Na Europa, América, África, Oceania, Antártica, Ásia ou qualquer outro lugar do mundo não se limite aos lugares turísticos, expanda seu olhar e olhe ao redor! Há muito mais do que a Torre Eiffel, a Igreja da Sagrada Família, o Coliseu e o Cristo Redentor. See around!
Como citar: GONÇALVES, L.G.M.
Cidades europeias: dois lados da moeda. Revista Eletrônica
Bragantina On Line. Joanópolis, n.63, p. 10-11, jan. 2017. Edição nº 63 – Janeiro/2017
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POLICLÍNICA
Aline Poli Fisioterapeuta E-mail: alinepoli@gmail.com
DICAS PARA UM BOM SONO Este mês separei uma dica bem interessante para as pessoas que dormem pouco. Com a correria algumas pessoas dormem tarde e acabam tendo que pular da cama muito cedo. Você sabia que mesmo se for dormir às 2 horas da madrugada e acordar às 8 horas da manhã pode ter a sensação de ter dormido oito horas no dia? Acompanhe-me que eu te ensino.... Deite e relaxe o máximo que conseguir, inicie o relaxamento pela cabeça, pescoço, ombros, braços, mãos, dedos, peito, costas, barriga, quadril, pernas, pés e dedos dos pés. Sinta o seu corpo todo em contato com a cama. Quando sentir que o seu corpo está completamente relaxado comece contando mentalmente de 10 a 0 em ordem decrescente lentamente. Mentalize o tempo que você quer ter a sensação de ter dormido ao acordar. Exemplo: eu quero ter a sensação de ter dormido 8 horas de sono. Isso é independente da hora que se deitou e a hora que terá que estar em pé. Exemplo de como falar: Vou dormir agora e acordar às 7 horas da manhã com a sensação de ter tido 8 horas de sono e será um sono energizante, relaxante e reparador. Independente da hora que você foi dormir. Reprogramar o seu cérebro para que tenha a sensação de ter dormido essas 8 horas e tenha um dia tranquilo e produtivo.
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Interessante, não é? Gostou da dica? Aguardem as dicas do próximo mês...
Site: www.alinepoli.com
Como citar: POLI, A. Dicas para um bom sono. Revista Eletrônica Bragantina On Line. Joanópolis, n.63, p. 12-13, jan. 2017. Edição nº 63 – Janeiro/2017
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ROMANCE DAS LETRAS
Betta Fernandes Escritora e Advogada E-mail: bettabianchi40@gmail.com O TOC TEM CURA
Alguns casos clássicos deste transtorno são aquelas pessoas que evitam segurar no corrimão do ônibus, usar as toalhas de mão utilizadas por outras pessoas, não conseguir tocar o trinco da porta de banheiro público, ter receio de passar perto de cemitérios e deixar o chinelo virado, assim como outros comportamentos semelhantes, que na verdade revelam sintomas de TOC. De um lado, a família implica com a demora no banho ou nas arrumações; de outro, a pessoa exige que os objetos sejam alinhados de certa maneira. Os amigos costumam comentar que ela é chata com algumas coisas. É provável que na própria casa, durante muito tempo, a maioria desses comportamentos tenha sido considerada normal e que pais, avós ou irmãos apresentem as mesmas manias. Afinal, medos e preocupações fazem parte do dia a dia. Aprendemos a conviver com eles tomando certos cuidados. Fechamos as portas à noite, lavamos as mãos antes das refeições ou depois de usar o banheiro, desligamos o celular no início da sessão de cinema e verificamos periodicamente o saldo de nossa conta bancária. Essas mesmas ações e preocupações, entretanto, podem se tornar claramente excessivas quando repetidas inúmeras vezes em curto espaço de tempo e acompanhadas de grande aflição. É comum que, pelo tempo que tomam, comprometam a rotina e o desempenho profissional. De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, o TOC é um transtorno mental de ansiedade. Está classificado ao lado das fobias (medo de altura, lugares fechados, elevadores, pequenos animais como ratos, lagartixas, lesmas, insetos), da fobia social (medo de expor-se em público ou diante de outras pessoas); do Edição nº 63 – Janeiro/2017
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transtorno de pânico (crises súbitas de ansiedade e medo de frequentar locais onde ocorreram os ataques, como lugares fechados e aglomerações de pessoas) e da ansiedade generalizada (apreensão e tensão permanentes).
Os sintomas do TOC incluem alterações de comportamento (rituais ou compulsões, repetições, evitações), pensamentos (obsessões como dúvidas, preocupações excessivas, pensamentos de conteúdo impróprio ou ruim) e emoções (medo, desconforto, aflição, culpa, depressão). Os rituais ou compulsões são realizados em razão dos medos ou da aflição que aparecem sempre que a mente é invadida por uma obsessão, como a de contaminar-se ou de contrair doenças, de cometer falhas ou de ser responsável por acidentes ou acontecimentos negativos graves. As evitações, embora não específicas do TOC, são em grande maioria responsáveis pelas limitações que o transtorno acarreta. Obsessões são pensamentos ou impulsos que invadem a mente de forma repetitiva e persistente. Podem surgir como imagens, palavras, frases, números, músicas, etc. Um exemplo é o filme Melhor é impossível com Jack Nicholson, que recebeu o Oscar de melhor ator ao interpretar Melvin Udall, famoso por sua aversão ao ser humano e por importunar os colegas com seu comportamento obsessivo-compulsivo. No Brasil, estima-se que existam entre 3 e 4 milhões de pessoas com TOC. Embora tenham vida gravemente comprometida, muitas delas nunca foram diagnosticadas, tampouco tratadas. Talvez a maioria desconheça que esses sintomas constituem uma patologia para a qual já existem tratamentos bastante eficazes. O que muitas vezes dificulta a busca por acompanhamento terapêutico é o fato de que muitos têm vergonha de seus pensamentos intrusivos, absurdos ou impróprios. Temendo ser ridicularizadas, algumas pessoas chegam a se esconder para realizar atos que elas mesmas consideram sem sentido. Imaginam que têm algum desvio moral ou de caráter ou que podem colocar em prática tais impulsos ou pensamentos, o que aumenta o medo, a autocrítica e o sentimento de culpa. Acreditam ainda que ninguém poderá compreendê-las, razão pela qual não procuram ajuda. Um estudo realizado nos Estados Unidos constatou que os pacientes demoravam em Edição nº 63 – Janeiro/2017
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média dez anos entre o início dos sintomas e a busca de tratamento, o que pode ser atribuído em parte ao constrangimento que vivem. Outro levantamento constatou que leva dezessete anos entre o aparecimento dos sintomas e a obtenção de tratamento adequado. No Brasil, muitos dos pacientes atendidos pela primeira vez sofrem do problema há mais de vinte anos. O TOC é considerado uma grave doença mental. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), está entre as dez principais causas de incapacitação das pessoas e é a quinta psicopatologia mais frequente em mulheres com idade entre 15 e 44 anos nos países em desenvolvimento e desenvolvidos. O início após os 40 anos é raro; o transtorno acomete preferencialmente indivíduos no final da adolescência e muitas vezes começa ainda na infância.
Veja mais em:
Blog: bettafernandes.blogspot.com.br Twitter: @bettabianchi40 Facebook: Betta Fernandes
Como citar: FERNANDES, B. O TOC tem cura. Revista Eletrônica Bragantina On Line. Joanópolis, n.63, p. 14-16, jan. 2017. Edição nº 63 – Janeiro/2017
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LINHA DO TEMPO
Helen Kaline Pinheiro Estudante de Psicologia e jovem talento de Joanópolis E-mail: helenkpinheiro@gmail.com
OBJETIVOS QUE MOTIVAM
Durante o caminhar na existência, muitas pessoas podem se encontrar na mesma situação e algumas se depararem com escolhas a serem realizadas. Decisões diferentes acontecem em decorrência de objetivos de vida distintos. Por mais que caminhemos na mesma estrada, sempre haverá motivos e valores diferentes permeando a história de cada um. Segue-se um exemplo: um grupo de pessoas está fazendo uma excursão a pé, uma pessoa não aguenta o cansaço e desiste. As pessoas podem achar que a fadiga fez com que ele decidisse desistir. Porém, as demais pessoas deveriam estar cansadas e continuaram, demonstrando como as pessoas superam as dificuldades de maneira diferente. Mas o que faz uma pessoa agir de modo diferente diante da mesma situação? Precisamente o fim que perseguem, isto é, o projeto de ser que cada pessoa tem. (SARTRE, 1943; SCHNEIDER, 2006). O que nem sempre acontece é a compreensão, as pessoas insistem em comentar, muitas vezes de maneira totalmente diferente do que realmente determinada decisão significa para aquela pessoa que a tomou. No exemplo acima alguém quer ser esportista, outro caminha por lazer e um terceiro ainda gosta de vencer os desafios (SARTRE, 1943; SCHNEIDER, 2006), sendo assim cada um tem os seus motivos para parar a excursão em determinado momento ou para continuá-la até o fim. Os objetivos diferem os seres humanos, ainda que percorram a mesma estrada. Não são poucas as vezes que as escolhas precisam ser realizadas, o que não se pode permitir é que as angústias e os sofrimentos de escolhas passadas impeçam você de caminhar e realizar o Edição nº 63 – Janeiro/2017
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que gostaria. Por este motivo é sempre importante olhar para as vivências de maneira diferente, significando com um novo olhar até mesmo aquilo que fizeram de você e de suas escolhas. O passado sempre fará parte da existência de cada um, as escolhas realizadas sempre terão um significado consigo, sendo assim é preciso ressignificar, permitindo que os aprendizados permaneçam de uma maneira positiva. Desse modo, se torna possível prosseguir de uma maneira melhor no momento presente, tendo ainda o passado como algo essencial, aquele que transformou, amadureceu e faz parte da história, para que no momento presente se encontre condições de ser o ser humano que se é, em busca do ser humano que se pode ser.
Referências Bibliográficas SARTRE, J.P. O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós. Disponível em: <http://www.anamariaveigalima.com.br/2012/03/nao-importa-o-que-fizeram-de-mim-oque.html>. Acesso em: 02 Janeiro 2017. SCHNEIDER, D. R. Liberdade e dinâmica psicológica em Sartre. São Paulo , v. 8, n. 2, p. 283-314, dez. 2006. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S151724302006000200002&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 02 Janeiro 2017.
Leia mais no Blog: http://helenkaline.blogspot.com.br/ Como citar: PINHEIRO, H.K.
Objetivos que motivam. Revista Eletrônica Bragantina On Line.
Joanópolis, n.63, p. 17-18, jan. 2017. Edição nº 63 – Janeiro/2017
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O ANDARILHO DA SERRA
Diego de Toledo Lima da Silva Técnico/Engenheiro Ambiental, Andarilho e Cronista E-mail: diegoaikidojoa@hotmail.com
POESIA DO MUNDO
É a velha história, uma paixão repentina e fugiu de casa. Seguiu pelo caminho, deixando rastros de sonhos. Naquela montanha, onde a paisagem se abre para todo o resto do mundo, sonhou tão alto que estava no meio das nuvens. Uma felicidade consumada, um caso de amor caipira presenciado por poucas testemunhas, resquícios da própria história de vida. Enquanto atravessávamos a velha estrada, ela corria pelos campos de margarida, junto da passarinhada do seu quintal. Que brilho nos olhos, que cena memorável... Tomava banho de chuva e pisava descalço, cruzava as mais altas serras com seus carneiros, entoando sua própria canção. Sabia que o importante é ter um coração e não o mundo nas mãos, por isso ela era feliz. Quantas lições aprendemos naquele trecho, quanta vida reflete nos raios de sol de cada novo amanhecer. E o céu azul é sempre azul, a mesma cor de seus belos olhos. Perdemos tempo com tanta bobagem e nos esquecemos de viver, viver cada momento intensamente, de sentir sentimentos puros como a paisagem limpa e clara. Olhar, respirar e ouvir os sons da natureza, os amores vividos da terra, das matas, campos e plantações... Flores dançando a melodia dos passos de qualquer andante, superando as pedras do caminho. Fixos no solo viajamos longe, na certeza que basta ter a pessoa amada ao lado que as gaiolas se abrem para um universo próprio, celebrado pelas canções do nosso interior. Assim, a velha história novamente se repete, renovada na crença que o amor constrói a paz do espírito.
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Real ou não, a visão da moça correndo pelos campos floridos se tornou um belo quadro, pintado na mente dos andarilhos que passam por àquela estrada no alto da serra!
Margareth – margot.joaninha@hotmail.com
Como citar: DA SILVA, D.T.L. Poesia do mundo. Revista Eletrônica Bragantina On Line. Joanópolis, n.63, p. 19-20, jan. 2017. Edição nº 63 – Janeiro/2017
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MEMÓRIAS
Susumu Yamaguchi Cronista e Andarilho E-mail: sussayam@gmail.com MEMÓRIA DAS ÁGUAS
Naquele Ano do Rato de Água os rios correram alvoroçadamente, tanto, que transbordaram das margens, das estações e até dos limites do calendário civil. Não todos, naturalmente, como aquele de cuja margem esquerda eu olhava em sua superfície o pico da Ibituruna imóvel, cristalino, embicado para o centro da Terra. No cruzamento do rio Doce com a rodovia BR 116 o fluxo mais agitado vinha pela minha direita, do sul para o norte, pela estrada dos sonhos de uma geração. Muitos se recusavam a continuar onde estavam e queriam voltar para a Bahia, enquanto outros tantos almejavam tão somente chegar lá, em peregrinações sem volta, embalados por canções de paz, amor, sol e liberdade. Olhando o fluir tranquilo daquelas águas, antes de virar à esquerda e seguir em direção à terra prometida, eu não sabia que algumas pessoas, muitas tão jovens como nós, tomavam outros rumos. Elas deixavam interiores, extremos e costas e convergiam para o coração do país, dispostos a restaurar seu ritmo descompassado e torná-lo mais compassivo. Para tanto, buscavam a sua sierra maestra para iniciar uma guerra popular prolongada a partir das margens do rio Araguaia. Tantas coisas daqueles dias eu só ia saber muito tempo depois, mesmo estando em um ambiente com relativamente bastante informação. Lá, nas incursões extracurriculares dos sábados, uma canção sempre presente entre nós falava de amor e flor, era de tempos antigos e sua paródia na viagem final de nossa jardineira marcou a despedida do ano letivo. Calouros e veteranos, sonhávamos com práticas sanitárias preventivas de saúde para populações pobres ao redor da capital federal e, especialmente, de olhos abertos e atentos para o que ocorria na universidade e sociedade chilenas nos últimos anos. Ao mesmo tempo em que nos acercávamos dos moradores havia também uma aproximação interna no grupo e, mais especificamente, entre três pessoas. Eram dois amigos Edição nº 63 – Janeiro/2017
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que cortejavam a mesma colega, contenda essa que foi acompanhada por todos nós e cuja definição estimávamos que se daria até o final do ano. Pouco antes do prazo, essa minha amiga – bastante próxima desde as provas do vestibular, circunstancial e inicialmente por ordem da ordem alfabética – revelou-me que se inclinava para aquele que tinha a cor dos povos do Araguaia e Tocantins. Um araguatins, dissera. Definidos o eleito e o excluído, nunca soubemos quem puxou a mudança na letra daquela canção em particular, dentre as inúmeras lembradas na volta do último trabalho de campo. Mas a cantoria com a nova forma logo encorpou e tomou conta do ônibus, como sempre acontecia no decorrer do ano. Só que desta vez as vozes cantantes, embora igualmente animadas, não formavam mais a habitual unanimidade. Olhei para algumas pessoas que estavam caladas e para aquele que era o alvo indefeso das brincadeiras. Ele olhava pela janela. Oh, jardineira, por que estás tão triste? Mas o que foi que te aconteceu? Foi o Poly que caiu do galho1 Deu dois suspiros e depois morreu.
Quaisquer que sejam as janelas, elas sempre podem se abrir e nos convidar para mergulhos no mundo lá fora, como naquelas águas mansas do rio que deslizava diante de meu espanto, apenas por seu existir. Muitas caronas conduziram-me até os pés da Ibituruna e outras tantas ainda me afastariam do leito do Doce – como a tantos outros jovens. Sem que soubéssemos, outros tantos jovens movimentavam-se pelas trilhas e águas do Araguaia em busca de seu destino. E em nossa jardineira, ele desviou o olhar da janela e sorriu. Claro, éramos todos jovens naquele verão e o mundo era nosso – e sem demora!2 Quando voltei a Brasília para o curso de verão soube que Poly morrera afogado, poucos dias depois de nossa despedida, quando nadava no rio São Bartolomeu. Quem me deu a notícia foi a minha abalada e ainda perplexa amiga, que o conhecera mais de perto nos últimos meses. Pelo que pude compreender, ele e araguatins eram amigos muito próximos, e mesmo a disputa lúdica por sua atenção preferencial não pareceu ter afetado suas habituais relações fraternas. Com sua ausência súbita, porém, a trindade dispersou-se em unidades originais. Poderia aquele olhar de Poly pela janela da jardineira, de certa forma, ter visto uma inversão da ordem natural das coisas, ao passo que nem sequer percebíamos que o tempo também podia se desfazer e perder seu poder sobre nós – pois não cantávamos sua morte, antes? Mas ele desviara o olhar da janela e sorrira. Desde então, sempre que me recordava daquele dia eu tinha por mim que ele não caíra do galho. O que ele fizera fora saltar da árvore que alongava seus galhos sobre o rio e mergulhara com perfeição nas águas do São Bartolomeu. Talvez não tenha havido um momento determinado em que as águas começaram a Edição nº 63 – Janeiro/2017
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se mover demais da conta, mas eu sentia que elas já estavam em agitação quando Poly mergulhou naquele rio. Sob a superfície que aparentemente deslizava de norte para sul, buscando a bacia platina através do rio Paraná, elas rodopiaram e subiram as curvas de nível em direção às Águas Emendadas, entraram pelo Córrego Brejinho e voltaram para a Vereda Grande. No mais alto, atravessaram sua légua de buritis perfilados e desceram pelo Córrego Vereda Grande rumo à bacia amazônica pelos rios Maranhão e Tocantins. Quando por fim chegaram à confluência dos rios Tocantins e Araguaia, as águas mutantes do São Bartolomeu encontraram uma turbulência instalada e em crescimento, rompendo margens e se esparramando pela região do Bico do Papagaio. Havia uma luta feroz, desigual e que se prolongaria por muito tempo. Com ordens de Brasília para não haver prisioneiros, dezenas de combatentes eram mortos em ação ou presos, torturados, executados, decapitados e tinham seus corpos enterrados na floresta, queimados na serra das Andorinhas ou jogados de helicópteros no rio Araguaia. Sem cadáveres não teria havido crimes, e sem vestígios de crimes não haveria ali memória humana. Mas ainda que não existissem rememorações de moradores antigos, militares e combatentes, o testemunho fiel das águas diluiria toda tentativa de ocultação. A memória universal da água – como teia que a tudo permeia – traz o dever de assinalar o manifestado, desde as trevas e luz primordiais até o fim de todos os tempos. E ali, naquele Ano do Rato de Água, contemplando a imagem da Ibituruna nas cores da esquina de uma corrente de águas claras com uma estrada de sonhos, rio meu de memória era o São Bartolomeu3. Eu nada sabia ainda da fúria do vermelho viscoso a tingir o verde do rio Araguaia e nem, muito menos, do longínquo e devastador fel que ia atingir aquele tão doce rio Doce.
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– Corruptela de “Foi a camélia que caiu do galho”, em A Jardineira, de Benedito Lacerda e
Humberto Porto. 2
– Corruptela de “O mundo é meu, mas é demorado...”, em Grande sertão: veredas, de João
Guimarães Rosa. 3
– Corruptela de “Rio meu de amor é o Urucuia”, em Grande sertão: veredas, de João Guimarães
Rosa.
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Margareth – margot.joaninha@hotmail.com
Como citar: YAMAGUCHI, S.
Memória das águas. Revista Eletrônica Bragantina On Line.
Joanópolis, n.63, p. 21-24, jan. 2017. Edição nº 63 – Janeiro/2017
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COLCHA DE RETALHOS
Rosy Luciane de Souza Costa Professora, Historiadora e Pesquisadora E-mail: costarosyluciane@hotmail.com CORDEL DE JUAZEIRO DA BAHIA
O que é que Juazeiro tem?
Toda terra tem sua história, E o povo é seu herdeiro, De sua cultura e sua crença, Sua arte, seu guerreiro, Como o Brasil hoje herda, A cidade de Juazeiro. Nas margens do Velho Chico, Rio da integração nacional, Os frondosos juazeiros, Davam guarida sem igual, Edição nº 63 – Janeiro/2017
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Aos tropeiros viajantes, Da linda terra natal. Nas beiras do santo rio, Todos queriam chegar, Ainda longe e cansados, Os andarilhos a reclamar, Só descanso em Juazeiro, Debaixo dum pé de juá. O que antes só era mato, Revelou-se comunidade, A futura terra da alegria, Das grotas a claridade, Em mil novecentos e quinze, A vila virou cidade. Nossa Senhora das Grotas, Apareceu pra um índio pescador, Pra vir cuidar dessa terra, Andar sempre no andor, Imaculada com muita fé, Protege os filhos com amor. E a cidade foi crescendo, Com homens de muito valor, Henrique Rocha fez projetos, Aprígio Duarte realizou, A musicalidade da terra, Edilberto Trigueiro anunciou. Hoje a cidade tem nome, No território nacional, João Gilberto na bossa nova, Tem Ivete no carnaval, Cada um tem sua beleza, Juazeiro é seu astral. Nosso Centro Cultural, João Gilberto é completo, Tem festival todo ano, Para arte estar aberto, Os artistas da terra cantam, E encantam no João Gilberto. Ivete Sangalo é a musa, Maior da nossa cidade, Cantando encantou o mundo, Com sua musicalidade, Orgulho de nossa terra, Patrimônio da humanidade. Tem o Daniel Alves, Um jogador de primeira, craque de muito talento, Honrando nossa bandeira, Atualmente jogando, Na seleção brasileira. Sendo filho de Juazeiro, Um atleta competente. É astro de nossa terra, No futebol está presente, Um fenômeno brasileiro Edição nº 63 – Janeiro/2017
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Do País de nossa gente, Das belezas de Juazeíro, Todos podem desfrutar, A visão dos arcos da ponte, É dos olhos se encantar, Degustando uma cerveja, Na bela orla de Juá. Olhando a paisagem do rio, Na barcarola andando. Do lado de Juazeiro, A quilha as águas cortando. É emoção de turista, Em nossa terra chegando. Pra visitar nossa cidade, Vinhedos vinícolas, Pomares plantação, Museu do São Francisco, Com acervo de navegação, Os primórdios da cidade, Da primeira embarcação. Venha passear nos vinhedos, Tirar frutas com a mão, Tomar suco feito na hora, De uva, goiaba e limão, Degustar um vinho fino, Das uvas do nosso chão. Conhecer a Casa do Artesão, Ver as carrancas primeiras, Fabricadas pelas mãos, Dos nativos pelas feiras, Do Juazeiro encantado, Com sua arte primeira, Vir passear na praça, De São Tiago Maior, Onde a natureza beija, A pessoa que estiver só, Se sentindo acarinhado, Pelas flores ao redor. Entrar na histórica igreja, De Nossa Senhora das Grotas. Protetora dos seus filhos, De suas casas, suas portas, E dizer baixinho rezando, Quando em Juazeiro voltas. Pra sentir o astral alegre, Do povo de Juazeiro, Cantar e dançar na rua, De dezembro a janeiro, Se partir sentir saudades, Desse encanto hospitaleiro. Trio elétrico e afoxé, Muita baiana bonita, Dançando na ponta do pé, O frevo de Dodô e Osmar, Vem pra cá ver como é. Edição nº 63 – Janeiro/2017
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As tradições religiosas, De um povo que tem fé, No Divino Espírito Santo, Que reza onde estiver, Pra Nossa Senhora do Rosário, Ajoelhado ou de pé. No Mercado do Produtor, Hortifrutigranjeiro, O quarto do País em volume, Em negócio fruteiro, Nossa cidade tem a honra, De estar entre os primeiros. Um acarajé quentinho, Que a baiana sabe fazer, Com massa de feijão, E camarão pra valer, E uma pimentinha a gosto, Com azeite de dendê. É a terra das carrancas, Cara de meio-homem, Cara de meio-dragão. Usadas como lobisomem, Na frente da embarcação, Para afastar os espíritos, Negos d’água da escuridão. A 12 km de distância, Do centro de Juazeiro, Fica a Ilha do Rodeadouro, As areias nos aguaceiros, Brancas esperando o banho, Do visitante primeiro. Tem as barraquinhas, Para um peixe degustar, Tem a comida típica, Para o amigo provar, Que a Ilha do Rodeadouro, É um paraíso pra ficar. Se estiver duvidando, É fácil de chegar lá, Tem barco à beira rio, Para o canoeiro remar, E do barco se ver a beleza, Águas flores do lugar. Entre Juazeiro e Petrolina, Nós temos a Ilha do Fogo, Entre Pernambuco e Bahia, A ilha fica num jogo, A água dança na areia, E nem um lado cria lodo. Tem a Ilha Culpe o Vento, Ilha de Nossa Senhora, Cachoeira do Salitre, Na Gameleira você chora, De saudade da gruta, Do convento na aurora. Edição nº 63 – Janeiro/2017
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Em janeiro tem a festa, Bom Jesus dos Navegantes. Trio e percussão, Os blocos fazem levantes, Com tambores inebriando, Juazeiro e seus amantes. Em abril os penitentes, Cortam-se de chicotes, Rezam com suas matracas, São guerreiros de pés fortes, Pra se limpar dos pecados, Na terra ou depois da morte. Em junho a festa é junina, Do divino Espírito Santo. Julho tem a Fenagri, Irrigação pra todo canto, São Gonçalo Nossa Senhora, Das grotas é meu manto. Em outubro tem a festa, De São Francisco de Assis, Nossa Senhora do Rosário, E outros santos da matriz, Com eles o povo canta, Tudo com fé e pede bis. Venha fazer um passeio, Em Juazeiro da Bahia, Tomar vinho e deliciar as frutas, Melão, manga e melancia, Se banhar no São Francisco, No pino do meio dia. Venha ver o Museu, Como acervo de navegação, O Mercado do Produtor, A Casa do Artesão, Centro de Cultura João Gilberto, Venha morrer de paixão. Meu Brasil nossos vinhos, Nossas águas nossa canção, Nossa história nosso povo, A todos os nossos irmãos, Um juá de Juazeiro, Bahia do meu coração. Juazeiro é encantada, Pela cultura e a beleza, Suas praças seu mercado, Suas ilhas que nobreza, O crepúsculo, o por do sol, Igrejas da natureza. Bahia do meu coração. (Autor: Reinivaldo Pinheiro) Como citar: COSTA, R.L.S. Cordel de Juazeiro da Bahia. Revista Eletrônica Bragantina On Line. Joanópolis, n.63, p. 25-29, jan. 2017. Edição nº 63 – Janeiro/2017
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DIVULGAÇÃO
ENTREVISTA COM O INVENTOR PAULO GANNAM
Ele diz ter mais de 800 ideias na gaveta prontas para serem garimpadas, desenvolvidas e patenteadas.
Hoje, a Revista Bragantina vai conversar com o inventor brasileiro Paulo Gannam, que vai nos contar um pouco sobre suas invenções, sobre quando começou a trabalhar com novos produtos, e de como consegue perseverar, apesar das dificuldades da profissão no Brasil.
Revista Bragantina: O que faz um inventor? Aos olhos menos atentos, “não faz nada”, tratando-se de um ser curioso, sem responsabilidades, e dado a esquisitices. Diante de olhos mais objetivos, é “candidato a canonização”, dadas todas as dificuldades que se observam desde a concepção da ideia até efetivamente o produto ser – se é que vai ser – colocado nas prateleiras de grandes varejistas e tornar-se um tremendo sucesso. Legalmente falando, é uma pessoa física, não ocupante de cargo efetivo, cargo militar ou emprego público, que seja solicitante de um pedido de patente (patente de invenção ou modelo de utilidade) no Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI. Então é aquela pessoa que não está vinculada a universidades, centros de pesquisa, ou empresas, mas que igualmente cria e desenvolve produtos e serviços, inovadores ou não. Digo ainda que ser inventor independente é muito mais vocação do que profissão. É olhar constantemente para o mundo, enxergar seus problemas e procurar ativamente soluções para resolvê-los – sozinho ou com a ajuda de outras pessoas que tenham mais conhecimento técnico do que você. É ter um temperamento tipicamente irritadiço, insatisfeito com as coisas do jeito que estão e, pela via da imaginação, articular produtos, amadurecer ideias até se encontrar o melhor caminho entre vários para atingir o objetivo de melhorar as coisas. Ao procurar por parceiros, é estar preparado e se acostumar com respostas do tipo: “não temos capital”, “já temos nossos próprios projetos”, a “crise está feia”, “não trabalhamos com essa linha de produtos”, “não trabalhamos com licenciamento”, “não queremos ter de buscar clientes, fornecedores, para seu invento”, “trabalhamos só sob encomenda”, “você não é microempreendedor individual nem outro tipo de empresa, então não serve”...
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Revista Bragantina: Aonde trabalha? Existem locais que empreguem inventores ou essa profissão é algo mais voltado para o empreendedorismo? Em termos de “eureca”, ele pode acontecer em qualquer lugar e hora, desde no banheiro até durante uma acalorada discussão. Há dias em que eu tenho uma sensação indefinível, mas palpitante, de que vou ter alguma ideia, e de que devo ficar atendo ao que estou observando à volta, pois as chances de captar algo diferente, um produto que vá resolver uma situação ainda sem solução é grande. Tomar um cafezinho e pôr o pé na estrada também ajuda muito. Estar em locais com imagens em movimento te coloca numa frequência inventiva na qual você passa a observar o comportamento das pessoas e o funcionamentos dos objetos de um modo sem-igual. Mas de modo geral cada inventor vai trabalhar onde bem entenda, dentro de suas possibilidades. Tudo vai depender dos recursos de que dispõe e das competências que ele traz em sua bagagem cultural e técnica. Eu trabalho em casa, mas nem todos os meus inventos sou eu que desenvolvo, pois algumas ideias demandam áreas do conhecimento que somente um engenheiro especializado ou programador pode executar. Quanto à segunda pergunta, há sim empresas que empregam inventores, mas dentro das empresas normalmente eles recebem outros nomes. O inventor pode ser um “creative designer” dentro da empresa, ou mesmo algum engenheiro de inovação do departamento de pesquisa e desenvolvimento. O pessoal do marketing da empresa então nem se fala. No fundo, todos são, de alguma forma e em algum momento, inventores. Eles estão tendo ideias a todo o momento para criar, melhorar e desenvolver novos produtos.
Revista Bragantina: Até hoje, qual foi a sua invenção de maior sucesso?
Por ora, me encontro em negociação com empresas. Não é fácil transformar uma ideia em produto e, mais ainda, um produto em sucesso de vendas. Basta a gente lembrar do filme “Joy: O Nome do Sucesso”, lançado em 2015. Batalhões de projetistas, designers, publicitários de grandes empresas buscam esse objetivo, com resultado modesto na grande maioria dos casos. Imagine para nós então, minúsculos inventores com ideias aparentemente boas. Tenho 4 inovações com patente depositada, com protótipo (provas de conceito para demonstração) e procuro empresas investidoras interessadas em realizar uma validação e, se apontada efetiva viabilidade, lançar estes produtos no mercado mediante contrato de licenciamento ou assemelhado. São elas:
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a) Sistema de Comunicação Gannam
É um aparelhinho eletrônico de comunicação instantânea que alerta, com frases curtas e objetivas, qualquer problema/situação identificável em um veículo ou nas estradas. A comunicação é feita pelos usuários de outro veículo que também disponha do aparelho e não depende sempre de internet, cujo sinal é ruim em certos locais. Para quem não tiver o Comunicador instalado, concluímos um aplicativo que já pode interagir e se comunicar com o Comunicador, aumentando chances de escalabilidade. Este produto será interessante como forma de oferecer informações valiosas ao governo sobre problemas identificados nas rodovias. Por exemplo, conseguindo-se rastrear os locais nos quais a troca da mensagem “buraco na pista” for emitida, o governo saberia onde exatamente precisaria resolver o problema, diminuindo custos e aumentando a eficiência de seus serviços. Alguns exemplos de mensagens: luz de freio queimada, pneu murcho, luz de ré queimada, emergência, pessoa doente no carro, acidente/animal/deslizamento à frente, incêndios, chuva forte, desculpe, obrigado, etc. Também permitirá a comunicação entre órgãos de Governo e motoristas, campanhas de educação no trânsito, desestímulo ao uso de smartphones durante a condução, possibilitando uma segura integração da comunicação. Custo de fabricação em larga escala em torno de 20 dólares. Vídeos do protótipo: https://www.dropbox.com/sc/qbzon5vmaiv09ff/AACh3twXcwefXh_XRNABs1u7a
b) Sensor auxiliar de estacionamento para proteger rodas, calotas e pneus junto ao meio-fio:
Um sensor que avisa o momento em que o condutor estiver próximo de encostar o pneu ou roda na calçada, em qualquer tipo de movimento – com ou sem uso de marcha-ré. Muito mais simples e barato que projetos complexos e caros com funções semiautônomas e parafernálias de câmeras. E atende a uma necessidade de modo mais completo, se comparado com retrovisores tilt down (aqueles que abaixam na hora que você está dando ré para estacionar). É um salvador de rodas e um assistente de estacionamento, só que muito mais barato, por ser dotado de apenas 4 sensores (em larga escala, custo de fabricação ficaria em torno 13 dólares por ponto). Vídeo do protótipo: https://www.youtube.com/watch?v=mOBZNhIKrhU
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c) Protetor de unhas para portadores de onicofagia (hábito de roer as unhas):
É uma película que reveste as unhas do usuário de forma elegante e discreta, sem causar desconforto algum, pois cobre apenas as unhas sem incomodar o tato, e pode ser usada por homens e mulheres. Cerca de 19% a 45% da população, oscilando de acordo com a faixa etária, roem as unhas e os produtos disponíveis no momento não resolvem o problema para muita gente, como aquele esmalte com gosto ruim.
d) Lixa para unhas três em uma:
Uma invenção concebida muito mais por minha cunhada do que por mim, ao observar os tipos de lixa disponíveis no mercado: Trata-se de um produto inédito no mercado, cuja extremidade é arredondada e fina. Suas funções consistem em uma parte para dar brilho e outra para lixar a superfície das unhas. Entre as pontas, no cabo dessa lixa, há uma superfície circular para lixar o contorno das unhas com diversos graus de aspereza — espessura em sua circunferência, conforme preferência do usuário. Ela tem um formato anatômico que impede esfoliações na pele logo ao lado da cutícula. Já tenho o protótipo físico dos quatro projetos para demonstração. São provas de conceito, sujeitas a algumas adaptações até se chegar ao produto final
Revista Bragantina: Qual a importância do inventor para o meio ambiente?
O inventor pode ser considerado uma pessoa em busca de meios para melhorar a qualidade de vida e a saúde dos outros. Busca maneiras diferentes de melhorar o mundo. E obviamente uma delas pode ser – direta ou indiretamente – ligada ao meio ambiente. Tem um hotel dinamarquês que oferece uma boa refeição para quem quer cuidar do planeta. Ele oferta bicicletas ligadas a um gerador de eletricidade para hóspedes voluntários. Se cada um deles produzir pelo menos 10 Watts/hora de eletricidade – o equivalente a 15 minutos de pedalada para um adulto saudável – ganham um generoso vale-refeição de 26 euros. Um inventor e designer criou uma pia que utiliza água desperdiçada para regar planta. Outro, chamado Mac Funamizu, desenvolveu um carregador de iPhone alimentado por aperto de mão. Os inventores brasileiros Claudio Vollers e Henry Suzuki criaram um tipo de tampinha de plástico para garrafas PET que serve de bloco de montar para crianças. O projeto parte da ideia de que reusar é melhor do que reciclar e torna o aproveitamento de tampas plásticas divertido e educativo. Então, para quem usa a criatividade, as possibilidades de aplicação no meio ambiente são infinitas. Edição nº 63 – Janeiro/2017
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Revista Bragantina: Em qual área uma pessoa deve investir se quiser se tornar um inventor?
Esse é o X da questão. Varia muito dependendo do que o inventor já inventou ou quer inventar e se trabalha sozinho ou com a ajuda de outras pessoas. Conhecimento multidisciplinar deve ser germinado dia a dia por quem quer ser inventor. Mas não dá para saber tudo. O ideal seria que o inventor pudesse trabalhar em parceria com: a) Um advogado de propriedade intelectual, que vai ajudar o inventor a direcionar melhor seu pedido de patente e a atender a determinados critérios de formatação do pedido, de modo que haja suficiência descritiva e atenda aos requisitos de novidade, aplicação industrial e atividade inventiva, necessários para que a carta-patente possa ser concedida. b) Um designer de produto: porque muitas vezes o inventor mentaliza uma solução, mas não consegue necessariamente traduzi-la para o papel, com uma imagem ilustrativa visualmente bacana e o desenho em formato industrial. c) Um profissional de comunicação e marketing: que irá ajudar a levar ao conhecimento do público o projeto do inventor, e fazer eventualmente contato com empresas, encarregando-se da parte comercial. d) Um desenvolvedor, programador, artesão, etc.: muitas vezes o inventor só tem imaginação, mas não detém conhecimentos profundos de engenharia, física, mecânica, arte, desenho, etc. Então vai precisar encontrar um parceiro que seja capaz de desenvolver pelo menos uma prova de conceito de seu invento para apresentação ao público. Eu, por exemplo, levei cerca de 3 anos procurando sem cessar pela internet um desenvolver de confiança que pudesse me ajudar com um de meus projetos, a preços que eu pudesse pagar. Todas essas dicas, em teoria, são muito bonitas. Na prática, para o inventor montar uma equipe dessas, teria de pagar uma nota para que trabalhassem constantemente para ele. É inviável! Então ele precisa ter paciência, ir estudando aos poucos diversos assuntos, e procurar por pessoas honestas e com preços acessíveis que possam ajuda-lo nestes itens. Ou ainda, terá de conhecer pessoas com essas competências que estejam dispostas a trabalhar no risco, ou seja, somente receberão algo se o invento der retorno financeiro lá na frente.
Revista Bragantina: Existem cursos que possam guiar alguém que queira entrar para essa carreira?
Não. O empirismo acaba se mostrando a melhor forma de aprendizado. Conhecer Edição nº 63 – Janeiro/2017
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pessoas mais maduras que percorreram caminhos semelhantes e tiveram sucesso e trocar figurinhas com elas ajuda muito durante a jornada. Mas todo inventor precisa conhecer os conceitos e ler livros que tratem de “vaca roxa”, “oceano azul”, “startup enxuta”, “inovação de valor”, “estratégias de marketing”, “business model generation”, “planos ne negócio” e “curvas de intersecção de tecnológicas”. É o mínimo ler livros a respeito destes temas, pois dará ao inventor mais chances de traduzir os benefícios de sua invenção em termos econômicos para o empresário ou investidor ao qual tenha oportunidade de apresentar seu projeto.
Revista Bragantina: Qual a média salarial dessa profissão?
Se você não encontrar um parceiro para sua invenção, com a competência comercial e fabril para lançar seu produto no mercado – zero reais mensais!. Se encontrar, pode ganhar alguns trocados de royalties por mês, tipo uns 500 mangos (como se fosse um “aluguelzinho”), ou centenas de milhares de reais mês – há casos de royalties de uns 200 mil reais por mês, atingindo a casa do milhão, em situações excepcionais. Isso depende, entre outras coisas, do quão bom é seu projeto, do quão competente é a empresa-profissionais que investiram no seu invento, do quanto o produto consegue ganhar escala ao longo dos anos de seu clico, do quanto sua ideia pode ser ramificada em várias versões e marcas de produto, e assim por diante.
Revista Bragantina: Quais características não podem faltar em um inventor?
Ousadia, curiosidade, perseverança, paciência, conhecimento de mercado, não desejar retorno financeiro imediato, ser um bom vendedor, um bom divulgador, ter um grau de aceitação suficiente para aguentar as dificuldades inerentes à jornada e equilíbrio entre a paixão pelo que faz e a racionalidade que o mundo dos negócios demanda.
Revista Bragantina: Como você decidiu seguir essa carreira?
Tenho algumas pistas que, acredito, tenham me ajudado a despertar o interesse por esse ramo de invenções e inovações. Sou formado em comunicação social e quando estava no terceiro ano de jornalismo, tinha um blog no qual redigia alguns artigos sobre os mais variados temas. Uma vez, me ocorreu a ideia de se criar uma espécie de galocha um pouco mais aperfeiçoada para proteger a metade da frente dos nossos pés contra a chuva, mas que não fosse daquele estilo mais rústico usado em sítios feito daquela borracha grossa. Eu não conhecia exatamente a galocha, até que meu tio a trouxe de seu sítio e me Edição nº 63 – Janeiro/2017
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apresentou ao objeto. Mas àquela época eu não dava muito valor às ideias que tinha, estava envolvido em outros assuntos. Até escrevi um artigo sobre essa tal galocha, com o título “Uma obra prima de borracha”, em que propunha exatamente esse aperfeiçoamento. Mas aquilo foi, como dizem, “fogo de palha”, não levei a ideia à frente. Os anos foram passando e, por volta de 2009 e 2010, estava passando por um período de muita enxaqueca, praticamente todo dia, e não conseguia desempenhar tarefas que me exigiam um raciocínio mais complexo, uma concentração maior. Então acabei ficando “solto no mundo” e, durante esse período, passei a observar o comportamento das pessoas, tomava meus cafezinhos, colocava o pé na estrada, e esse hábito acabou me despertando também para essa área. Nessa mesma época, eu costumava tomar muito açaí na tigela, ia em tudo quanto era “buraco” para tomar minha sobremesa preferida. Provando, vendo o que era bom, o que não era. E percebi que eram raros os açaís em que eu conseguia sentir aquela cremosidade gostosa, pois a maioria era congelado, o vendedor batia de novo no liquidificador e servia ao consumidor, mas ficava cheio de pedrinhas de gelo, não ficava gostoso. Resolvi fazer uns testes em casa. Comprava aqueles “bloquetes” de polpa de açaí congelado, fiquei mais um menos um ano e meio testando e aprimorando o processo manual de bater a polpa de açaí com xarope de guaraná e cheguei em um creme dos deuses. Aí pensei: “vou abrir um negócio com esse creme que eu fiz, mesmo que eu faça manualmente”, mas o tempo foi passando e percebi que poderia criar uma máquina que pudesse converter a polpa do açaí nessa coisa bem cremosa sem exigir tanta habilidade manual. Fui para Taubaté-SP, fiquei mais ou menos uns seis meses com um técnico. Ele fazia máquinas para indústrias e empresas, e a gente tentou desenvolver essa ideia, mas deu tudo errado, a gente saía com açaí até nas costas graças às explosões que ocorriam — mas a máquina que era bom não deu certo. Eu não tinha mais dinheiro para investir. Falei: “agora chega, não aguento mais, é hora de partir para outra”. Mas durante esses seis meses – essa é a parte mais importante - eu pensava muito sobre como fazer adaptações nessa máquina, que levassem a um açaí cremoso. Esse projeto não conseguimos completar, mas essa busca por soluções para os problemas que essa máquina apresentava, isso sim despertou muito a minha mente. Nessa época, tinha ideias em pacote. Eram dez, vinte ideias por dia, apenas observando as pessoas e “pensando na vida”. Fui anotando essas ideias em arquivos. Mais adiante, fiz uma garimpagem e elegi quatro para levar à frente.
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Revista Bragantina: O que te surpreendeu quando começou a trabalhar com isso?
Primeiro, constatar a possibilidade infinita que o ser humano tem de criar soluções para problemas aparentemente impossíveis de se resolver, no espírito da frase de Einstein, que diz que: “Quando tudo o resto falhar, resta-nos a imaginação”. Por outro lado, irromper oficialmente como inventor em 2010 foi como ter dormido um sono criogênico de décadas para acordar num mundo em que a figura do inventor foi deixada de lado e considerada ultrapassada pela legislação e pela cultura. Nomes como “empreendedor”, “startups” e outras modernices acabaram substituindo algo recheado de história e, em muitos casos, igual valor de mercado. Inventor tem de sobra, mas o que falta é apoio – sem distorções! Segundo a Organização Mundial de Propriedade Intelectual, mais de 60% de tudo o que foi inventado ou aperfeiçoado no mundo até hoje é graças ao trabalho de inventores autônomos – pessoas físicas – e não ao de empresas. Aproximadamente 90% dos programas de apoio ao empreendedorismo e de incentivo a participação de novos projetos em feiras, premiações e encontros de inovação no Brasil simplesmente não “contemplam”, ou seja, não deixam o inventor autônomo participar. Ou, quando pode, o inventor tem de pagar por “estandes milionárias” (do tipo 2 mil reais por dia) para apresentar seu projeto, não tendo nenhum incentivo nesse sentido.
Revista Bragantina: Para você, qual é a maior dificuldade do seu trabalho?
No Brasil, principalmente, a moda é se investir em empresas, não em produtos. Mas o inventor trabalha com produtos. Seu foco é criação e desenvolvimento de novos produtos e sua proteção mediante depósitos de patente. Além disso, o inventor autônomo, pessoa física, teve seus interesses posicionados muito às margens da legislação, pois o lobby no Congresso para aprovação de projetos de lei é feito por grandes empresas ou por organizações que tem como alvo de defesa de interesses microempreendedores individuais e pequenas empresas. Eu não tenho a devida representação das associações nesse âmbito, mas sou capaz de criar projetos e negócios igualmente valiosos. No momento, praticamente toda a inovação gerada fica restrita a centros de P&D de grandes empresas e laboratórios de universidades, como se a inovação não pudesse acontecer em toda esquina. Não ter direito a receber verbas a fundo perdido de nenhum governo, seja federal, estadual e municipal, sem burocracia e sem obrigatoriedade de ser microempreendedor individual (algo que gera mais despesas para o inventor). Não existir qualquer fundo que ajude o inventor independente a proteger sua patente Edição nº 63 – Janeiro/2017
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no exterior, algo totalmente inviável hoje pelos custos envolvidos. Cerca de 200 mil pedidos de patente internacional são arquivados todos os anos em função da burocracia e, principalmente, dos custos. O governo brasileiro está buscando realizar algumas alianças para melhorar um pouco a realidade local, mas tal esforço não implicará melhorias perceptíveis a inventores autônomos, pessoas físicas – como quase sempre acontece. Não ter o direito de participar de quase 100% das feiras de tecnologia, inovação e de premiações que somente aceitam empresas, MEI’s, universidades, pesquisadores e alunos a elas matriculados. Injustiça causada por uma tolice conceitual-legal e por conta de interesses econômicos que desejam monopolizar a inovação no Brasil. Ignora-se o fato de que tanto ideias nascidas de inventores independentes, pessoas físicas, que, em alguns casos, nunca ouviram falar em plano/modelo de negócios, quanto das demais figuras, tem potencial de mercado e podem favorecer o desenvolvimento social e econômico do Brasil.
Revista Bragantina: E, para finalizar, o que te dá mais satisfação em fazer?
O hábito de estar sempre envolvido com a criação de algo novo e o fato de, ao longo da jornada, ter podido conhecer pessoas boas e confiáveis que puderam me ajudar a desenvolver alguns protótipos e a proteger intelectualmente minhas criações no INPI. É muito bom depois de um trabalho de meses – até anos –, você olhar para uma ideia que você teve lá atrás materializada num produto apresentável ao público e às empresas. Outra grande fonte de satisfação é a possibilidade de você ver sua invenção sendo posta nas prateleiras e finalmente te dando algum retorno financeiro. Além de contribuir de alguma forma com a sociedade e, quem sabe, poder ser lembrado e mencionado nos anais da História.
As invenções de Gannam podem ser conferidas no site: https://paulogannam.wordpress.com/
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