Play Test #2

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Play test#02 distribuição gratuita

uma publicação doisperdidosnotempo

ano 1 #2 fevereiro 2020

MUNDO DAS TREVAS O oráculo apresenta um apanhado geral sobre a criação e o desenvolvimento da linha de jogos que revolucionou os RPGs de horror

RPG e historia No raio - x, conheça alguns dos cenários com melhor ambientação histórica

FAST PLAY

Um Caern baseado na cultura celta pra você usar em sua história ou campanha



editorial

Sim! Chegamos à edição #02 da

nada, descobrindo novos caminhos,

revista Play Test! Estamos orgulhosos

testando ideias, sempre em busca do

do resultado final da estreia, e com

20 natural e tentando evitar as falhas

certeza empreendemos esforços para

críticas! Para isso, contamos com a aju-

que esta segunda edição fosse ainda

da preciosa dos nossos leitores, com

melhor!

sugestões e observações que certa-

Vocês irão conferir uma matéria

mente nos conduzirão melhor por es-

especial sobre o surgimento e evolu-

ses túneis tortuosos e cheios de arma-

ção do World of Darkness (Mundo das

dilhas... então, não hesitem em entrar

Trevas), cenário que fez muito sucesso

em contato ( @doisperdidosnotempo),

durante os anos 90. E, se gostam de

pois a jornada é menos árdua quando

história e acham que isso tem tudo a

estamos com amigos.

ver com RPG, aproveitem as dicas de al-

E por falar em amigos, teremos

guns jogos que abordam essa temática,

sempre a participação deles por aqui.

nas palavras do amigo Thiago Pinheiro,

Inclusive, gostaríamos de destacar, com

Historiador e RPGista.

orgulho, que os Dois Perdidos no Tempo

Teremos ainda mais algumas di-

juntaram esforços com outras páginas

cas e reflexões para quem pretende se

nerds do Instagram para formar a LIGA

aventurar a mestrar histórias de Mas-

GEEK, um projeto bacana que inicial-

que of the Red Death e na coluna Fast

mente vai produzir um podcast sobre

Play, a descrição de um Caern pra você

cultura nerd, pop, geek, games, séries

usar em suas aventuras de Lobisomem:

e o que mais der na telha! Quem quiser

o Apocalipse, além é, claro, das belas

conferir os primeiros resultados dessa

artes do Will Conrad (

parceria é só procurar por Liga Geek no

@willconrad)!

Ainda estamos no início dessa jor-

Spotify, SoundCloud ou Deezer!

Fábio Corrêa e André Loreto - Dois Perdidos no Tempo!

3


Ă­ndice

orĂĄculo | 10 fast play | 20

truques de mestre | 8


pergaminhos | 30

arte: Will Conrad | willconradart

raio x | 24

abrindo o baú | 6

Galeria | 32

expediente Realização: Dois Perdidos no Tempo Editores: André Loreto e Fábio Correa Projeto gráfico e diagramação: André Loreto Produção e revisão: Dois Perdidos no Tempo Todos os textos são de responsabilidade de seus autores, todas as imagens utilizadas nessa publicação foram obtidas na internet, ou cedidas por seus autores, tendo propósito meramente ilustrativo e de divulgação. 5


Abrindo o baú

HIGHLANDER L

ançado em 1986, Highlander é um filme que mistura ação, aventura e fantasia em um roteiro que apresenta a existência de imortais, espalhados ao redor do mundo, escondendo sua real natureza da humanidade enquanto se envolvem em uma disputa pelo chamado “Prêmio”, uma recompensa lendária que caberá ao último imortal restante. Apesar de inicialmente confuso, aos poucos as coisas vão se revelando. A cena de abertura, ambientada na garagem do Madison Square Garden durante um evento de luta livre, já mostrava que havia algo diferente naquele filme. Dois caras estranhos, que parecem já se conhecer há um bom tempo, se encontram e, de repente, desembainham espadas e começam uma espécie de duelo! Antes que que você consiga entender o que de fato está acontecendo, um dos homens é decapitado, ocasionando uma intensa descarga elétrica que envolve o sobrevivente, causando uma série de danos no local, mas deixando o sobrevivente ileso. Esse foi o nosso primeiro contato com o Quickening, a força que confere imortalidade e dons especiais a algumas pessoas, aparentemente ao acaso. O fato é que, para os olhos

atentos de RPGistas e fãs de fantasia em geral, aquela cena certamente provoca interesse e curiosidade instantânea… duelo de espadas em garagens maliluminadas? alguma espécie de magia envolvida? preciso saber mais! Imediatamente, o filme corta para a Escócia, em 1536, onde descobrimos que o sobrevivente misterioso é Connor McLeod, do Clã McLeod, um guerreiro das highlands que após receber um ferimento mortal em sua primeira batalha, miraculosamente retorna à vida. E assim o filme segue, entre passado e presente, revelando mais detalhes sobre o treinamento e os séculos de vida de Connor, sempre fazendo o contraponto de que ser imortal não tão prazeroso quanto se pode imaginar de início. O fato é que o clima sombrio, combates “medievais” em locais modernos, e a angústia do personagem com sua imortalidade, certamente provocaram impacto na audiência, e, muito embora o filme não tenha sido um grande sucesso comercial, tornou-se um cult, gerando interesse suficiente para que fossem feitos outros filmes, séries de TV, animações e outros derivados, que, entre altos e baixos, expandiram o mundo e as informações sobre os imortais.

Trazendo a conversa mais para o lado dos RPGs, o filme teve influência significativa na concepção de Vampiro: A Máscara, sendo inclusive citado como referência na lista de filmes sugeridos pelo autor, Mark Rein-Hagen. Com certeza, muitas similaridades podem ser feitas entre Highlander e os vampiros do mundo Punk-Gótico criado por Hagen. Além da óbvia imortalidade (ou melhor, quase imortalidade, já que ambos podem morrer, ainda que seja através de condições específicas), temos as questões psicológicas de como lidar com a passagem do tempo e as perdas que isso traz… o que casa bastante com a proposta original do RPG, que é justamente a luta interna dos vampiros para manterem ao máximo sua humanidade, apesar dos séculos de vida que tendem a impor um distanciamento cada vez maior. Outro ponto que com certeza influenciou na criação de Vampiro: A Máscara foi a ambientação do filme, com suas ruas sujas e mal-iluminadas, contribuindo para o clima de opressão, desesperança e “fim de século” que o RPG dos anos 90 procurava criar para seus jogadores. A identidade entre as ambientações é tão forte e natural que, em meados da


por Fábio Correa

década de 90, circulou pela internet um suplemento nãooficial, Highlander: The Gathering, criado pelo fãs Hank Driskill e John Gavigan, que adaptou os guerreiros imortais para o chamado Mundo das Trevas. O trabalho foi muito bem feito, apresentando regras específicas para os imortais, bem como interações com os principais jogos da White Wolf, em especial Vampiro, Lobisomem e Mago. Highlander com certeza deixou sua marca no cinema e no imaginário dos fãs, sendo até hoje uma fonte de inspiração que merece ser conhecida pelas novas gerações.

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truques de mestre


a Morte rubra parte 2

J

por Fábio Correa

ogos de Masque of the Red

e experiência “real” que um perso-

mesmo um Demônio da Lareira!

Death costumam ser mais

nagem de nível mais alto deveria

(Ravenloft: Nativos das Trevas). É

mortais que os de outros

ter.

impressionante como ao primeiro

cenários de fantasia.

Se a ideia é jogar uma cam-

sinal de perigo real de perder o per-

Seja pela ausência de itens

panha, ainda acredito na evolução

sonagem os jogadores logo come-

e poções mágicas, ou pelo fato de

natural dos personagens… nível a

çam a “levar a sério a brincadeira!”

que, na Era Vitoriana, não se usam

nível… inimigo a inimigo. Sim, eu sei

mais armaduras, a diferença entre a

que sou chato!

Às vezes é preciso dar uma “ajudinha” pro monstro ficar mais

vida e a morte de um personagem

O problema dessa evolução

interessante (por exemplo, quem

pode estar em uma jogada de da-

mais lenta é justamente conseguir

criou as estatuetas? Como foram

dos.

sobreviver por tempo suficiente!

parar naquele local?) mas na maio-

Diante disso, como avançar no

Nesse ponto, uma vez mais, é preci-

ria dos casos basta ler com atenção

cenário? Ou será que os jogadores

so um pacto de boa vontade entre

a descrição do “modus operandi”

estão eternamente condenados a

Mestre e jogadores, em prol de uma

do monstro e dar asas à imaginação

personagens do 1º nível?

campanha que será muito mais re-

(Sabiam que o Demônio da Lareira

compensadora a longo prazo!

busca possuir jovens e crianças,

Existem

algumas

soluções

para isso. A mais óbvia seria deixar

Cumpre ao Mestre um esfor-

atormentando-os até que provo-

os jogadores iniciarem a campanha

ço extra para escolher ou adaptar

quem grandes incêndios? Quem

já com alguns níveis, e, consequen-

inimigos de modo a torná-los mais

poderia ter invocado a criatura?).

temente com mais pontos de vida

adequados aos níveis iniciais… e

Num cenário como Masque of the

e “poder de fogo” à sua disposi-

isso pode acabar sendo um exer-

Red Death, é necessário fazer algu-

ção. Concordo com essa técnica

cício criativo interessante! Nor-

mas adaptações, adequar a criatura

para casos esporádicos, como, por

malmente os monstros de Nível de

e sua história à temática vitoriana,

exemplo, uma aventura única ou

Desafio 1 são solenemente ignora-

dar um propósito ao invés de criar

uma história fechada que não se

dos, o que os deixa extremamente

um simples “encontro aleatório”,

desdobrará em uma campanha,

deprimidos… e temerosos de sua

mas a recompensa vale o esforço!

porém não acredito que essa seja a

demissão nas próximas edições do

Outra opção, talvez mais fácil

melhor solução no caso de campa-

Livro dos Monstros, vide o triste

para o Mestre, seja criar os inimi-

nhas longas.

caso dos Perfuradores, que não so-

gos do mesmo nível dos jogadores,

breviveram à transição da 2ª para a

ou seja, invés de usar os monstros

3ª edição de D&D!

“pré-fabricados”, criar antagonistas

Personagens que começam em níveis mais elevados devem ter uma história por trás disso, ou seja,

Brincadeiras à parte, pode sim

sob medida, utilizando as mesmas

um “background” que justifique os

ser interessante encontrar manei-

regras de personagem dos jogado-

níveis alcançados e os poderes ad-

ras de fazer os monstros de 1º nível

res. Assim, eles podem enfrentar

quiridos. A menos que os jogadores

funcionarem bem numa aventura.

oponentes equilibrados, e, se for

se disponham, junto com o mestre,

Já obtive certo sucesso ao utilizar,

o caso, esses NPCs podem evoluir

a relatar isso, ainda que em linhas

por exemplo, a Cocatriz (D&D: Li-

junto com os personagens, tornan-

gerais, o personagem fica vazio,

vro dos Monstros), as Estatuetas

do-se inimigos recorrentes durante

sem passado e sem a profundidade

(Ravenloft: Nativos das Trevas) ou

a campanha. 9


orรกculo

por Fรกbio Correa


MUNDO DAS TREVAS O lançamento bem sucedido, em 1991, de Vampiro: A Máscara, um RPG de horror pessoal, foi o marco inicial do que posteriormente foi denominado de Mundo das Trevas (World of Darkness), formado por uma série de jogos interligados, com temáticas adultas e abordando diferentes aspectos do terror e do sobrenatural. Mas vamos dar um passo de cada vez…

D

esde o surgimento de D&D e a popularização crescente dos jogos de RPG, diversas editoras já haviam flertado

com a temática do horror, lançando títulos como, por exemplo, Call of Cthulhu (Chaosium, 1981) e Ravenloft (TSR, 1983), porém, o gênero ainda era considerado “difícil” do ponto de vista comercial, uma vez que os jogos pareciam atingir apenas um pequeno nicho dentro do mercado consumidor de RPGs. Ainda assim, o game designer Mark Rein-Hagen tinha grande interesse pelo tema, porém, buscava uma forma de atualizar a ideia, um verdadeiro diferencial, pois acreditava que um jogo onde os personagens fossem apenas caçadores de vampiros poderia se tornar chato e repetitivo rapidamente. Influenciado diretamente pela cultura pop do final da década 80 e início dos anos 90, na forma de obras de cinema, quadrinhos e música, como por exemplo Garotos Perdidos, Blade Runner, Highlander: O Guerreiro Imortal, Sandman, Sisters of Mercy e The Cure, Rein-Hagen concebeu o chamado mundo Punk-Gótico, um planeta Terra bastante similar ao nosso, porém com todas as suas características mais sombrias e perversas acentuadas. Desigualdade social, corrupção, jogos de poder e um sentimento constante de desesperança e sofrimento permeiam a fantasia urbana criada por Rein-Hagen. Um mundo difícil, onde os humanos geralmente são tratados como peões ou vítimas, seja das grandes corporações, seja das criaturas sobrenaturais. Aliado a isso, o mundo apre-

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oráculo

sentava também uma estética visual bas-

sa dos irmãos Steve e Stewart Wiacek, a

tante diferente do que havia sido feito até

White Wolf Magazine, dando origem à White

então, totalmente inspirada no estilo gótico

Wolf Publishing, cujo primeiro lançamento

e sombrio, contribuindo para o clima dese-

foi justamente Vampiro: A Máscara.

jado nas histórias.

Em que pese a crítica especializada

Mas no jogo idealizado por Rein-Hagen,

tenha destacado alguns aspectos técnicos

os jogadores não seriam os humanos ex-

negativos, de uma maneira geral, o livro

plorados, lutando por sua sobrevivência,

recebeu boas críticas no sentido de que

eles seriam os próprios Vampiros, fazendo

apresentava uma ambientação sólida e

o papel de opressores, ou combatendo seu

priorizava a interpretação dos personagens

instinto natural de agir dessa forma! Assim

e a criação de histórias, uma tendência que

começavam a surgir os conceitos de Vam-

já vinha se desenvolvendo no meio, mas

piro: A Máscara.

Vampiro foi o primeiro RPG a dar grande

Os vampiros de Rein-Hagen, embora apresentassem várias características

destaque a isso, tornando-a um elemento central do jogo.

oriundas dos mitos populares, se diferen-

Em 1992, foi lançada a segunda edição

ciavam por sua organização em clãs e por

de Vampiro já com algumas revisões e um

sua cultura e estrutura de poder própria e

melhor tratamento gráfico. Posteriormen-

bem definida, agindo como uma espécie de

te, no mesmo ano, a White Wolf publicou

poder nos bastidores, influenciando e ten-

o segundo jogo integrante do Mundo das

tando conduzir os destinos da humanidade

Trevas, Lobisomem: O Apocalipse, onde

desde o início dos tempos.

os jogadores interpretam uma visão bem

Em 1991, Rein-Hagen fundiu sua antiga companhia, a Lion Rampant, com a empre-

diferente do que entendemos, pelo senso comum, de um lobisomem.


Embora eles ainda sejam ferozes e dotados de grande capacidade destrutiva, no Mundo das Trevas eles são apresentados (em linhas bem gerais) como guerreiros defensores de Gaia (a Terra), lutando em uma batalha perdida contra a destruição do planeta pelas forças de uma poderosa entidade maligna, denominada Wyrm. Seguindo o padrão estabelecido em Vampiro, os Lobisomens, ou Garou, também se organizavam em grupos distintos, as tribos, e possuíam uma extensa organização política com diversas camadas, tudo em prol da possibilidade da criação de intrigas e manipulações sociais, mesmo sendo o jogo um pouco mais orientado para a ação do que seu predecessor. Uma vez mais, o clima de angústia e a sensação de impotência diante de uma batalha que já estava perdida eram o pano de fundo do jogo. Além disso, o cenário deixa bastante claro que os Vampiros são criaturas da Wyrm, ou seja, inimigos naturais dos lobisomens, criando a sensação de 13


orรกculo


continuidade e, ao mesmo tempo, uma liga-

Mago até hoje é considerado um jogo

ção e rivalidade instantâneas entre os dois

bastante complexo, indicado para jogadores

cenários.

experientes que gostam de desafios. Assim,

Em seu lançamento, Lobisomem tam-

como os cenários anteriores, Mago conta com

bém recebeu algumas críticas negativas

uma ambientação extensa e detalhada, porém

quanto à mecânica do sistema e a extensa

somado a isso temos várias pitadas de meta-

e complicada mitologia criada, mas, ainda

física, filosofia e, em última análise, visão de

assim, o aspecto psicológico do jogo e sua

mundo, o que requer do jogador uma boa dose

ênfase na interpretação dos personagens

de esforço intelectual na criação do persona-

foram bastante elogiados.

gem, não tanto pelo sistema do jogo, mas pela

Outro lançamento de 1992 teria gran-

tarefa de encontrar a essência do persona-

de importância na história da White Wolf.

gem, o que com certeza será uma parte muito

O suplemento A World of Darkness (Mundo

importante para o desenrolar da história.

das Trevas) foi o primeiro livro a fazer uma

1993 também foi o ano que marcou o pri-

espécie de volta ao mundo, estabelecendo

meiro uso de um logotipo para representar o

os primórdios da presença de criaturas so-

Mundo das Trevas, criado a partir do logo usa-

brenaturais em diversas regiões, como por

do para o suplemento A World of Darkness,

exemplo Ilhas Britânicas, Hong Kong e Haiti.

publicado no ano anterior. No entanto, o logo

Várias idéias ali presentes foram posterior-

teve curta duração, sendo substituído no ano

mente desenvolvidas em outros livros, em

seguinte, com o lançamento do próximo gran-

alguns casos dando origem a linhas inteiras

de jogo da White Wolf.

de novos produtos, como os diversos suplementos abordando o Oriente.

O ano de 1994 nos trouxe Wraith: The Oblivion (Aparição: O Esquecimento), que repagi-

Em 1993, além da segunda edição de

nou o conceito de Assombrações e Fantasmas.

Lobisomem, a White Wolf lança seu ter-

Focando na existência pós-morte, jogadores

ceiro jogo, Mago: A Ascensão, que, embora

deveria representar almas ainda presas ao

tenha sido o primeiro no qual Mark Rein-Ha-

mundo dos vivos por questões não resolvidas.

gen não esteve diretamente envolvido no

Como de praxe nos jogos da companhia, toda

processo criativo, utilizou muitos conceitos

uma sociedade pós vida foi construída, com

criados por ele para um antigo jogo, Ars

seus subgrupos e intrigas políticas, porém,

Magica, apenas adaptando o cenário para o

um dos diferenciais do jogo era o fato de que

mundo moderno e para os padrões estabe-

a Sombra, o lado “ruim” de cada personagem,

lecidos nos jogos anteriores.

ou seja, aquela parte que representava todas

A cosmologia de Mago foi criada com

as suas piores características, medos e erros,

base no que já havia sido mostrado em

era representada por outro jogador, e não pelo

Lobisomem: O Apocalipse, pegando vários

criador do personagem, o que com certeza

elementos estabelecidos no jogo anterior e

criava muitas possibilidades narrativas e dei-

expandindo-os, ou apenas apresentando-os

xava o jogo bem mais interessante.

sob a ótica dos Magos, que nem sempre coincide com a dos Garou.

Por fim, em 1995 foi lançado o último dos cenários considerados básicos do Mundo das 15


oráculo Trevas, Changeling: The Dreaming (Fadas: O Sonho), que abordou o mundo dos Fae, seres mágicos oriundos do Reino dos Sonhos, que acabaram aprisionados na Terra, vendo sua magia, o chamado Glamour, definhar ao longo dos anos, frente ao avanço inclemente da banalidade e do pensamento racional. Ao contrário do que nos vêm logo à mente, Changeling não trata apenas das “fadas” presentes em especial na cultura anglo-saxã, mas, apresenta variações que envolvem diversas outras mitologias, como por exemplo a Grega, Indiana e até mesmo Yorubá. Nesses primeiros anos, a White Wolf lançou uma série de suplementos que foram expandindo as regras e as ambientações de cada um dos cenários estabelecidos, quase sempre fazendo referências aos outros jogos da linha, reforçando o fato de que toda essa gama de seres sobrenaturais habitam o mesmo universo e, em maior ou menor grau, tinham chances de interagir entre si. A partir de 1996, a White Wolf também iniciou uma linha de cenários históricos, que nada mais eram do que jogos ambientados em épocas específicas do passado do Mundo das Trevas, escolhidas a partir da relevância para cada cenário: Idade Média (Vampiro, Lobisomem e Changeling), Velho Oeste (Lobisomem), Renascimento (Mago), Era Vitoriana (Vampiro) e I Guerra Mundial (Wraith). Esses cenários, especialmente os da Idade Média, seguiram com uma certa independência, com suplementos próprios, e às vezes sendo utilizados para construir tramas que iriam influenciar o desenvolvimento do cenário moderno. Foi também em 1996 que a editora adotou uma política de temas anuais para seus cenário principais, ou seja, todos os suplementos lançados iriam abordar a mes-


17


oráculo

ma

temática,

explorando

Quando

o

as

emblemático ano

peculiaridades

2000, citado em

de cada jogo. As-

todos os livros

sim, 1996 foi o

da

Ano do Caçador,

como um período

no

de grandes mu-

qual

foram

White

explorados indi-

danças

víduos,

na,

e

grupos

organizações

Wolf

(Gehen-

Apocalipse,

Ascensão,

etc)

que se dedicavam a estudar e caçar as cria-

finalmente chegou, foi batizado de o Ano

turas sobrenaturais. O ano seguinte, foi o

das Revelações, no qual os suplementos

Ano dos Aliados, com suplementos dedica-

finalmente lançaram luz sobre alguns dos

dos a Lacaios, Parentes e etc, aprofundando

mais antigos segredos e mistérios do Mun-

sua relação e os motivos que os levavam a

do das Trevas, construídos ao longo de qua-

dedicar suas vidas ao auxílio de vampiros,

se uma década nos diferentes cenários. No

magos, lobisomens e etc.

entanto, ao contrário do que muitos espe-

Em 1998, escolhido como o Ano da Ló-

ravam, o mundo não acabou!

tus, a White Wolf explorou o Oriente em

O tema escolhido para 2001 foi o

seus diversos jogos, detalhando o sobrena-

Oriente Médio, uma região que sempre foi

tural em pontos como Hong Kong e Tóquio,

considerada muito importante no Mundo

dentre outros. Além dos suplementos de ci-

das Trevas, mas nunca havia sido profunda-

dades, foram lançados dois livros que prati-

mente explorada nos suplementos. Assim

camente se tornaram cenários autônomos:

o Ano do Escaravelho supriu essa lacuna e

Kindred of the East (Vampiros do Oriente) e

ainda promoveu o lançamento de mais um

Hengeyokai (Metamorfos do Oriente).

jogo, Mummy: The Resurrection (Múmia: A

Com a proximidade do fim do Século,

Ressurreição). Muito embora as Múmias já

1999 foi escolhido como o Ano do Acerto

tivessem sido descritas antes, em outros

de Contas. Naquele ano, a White Wolf pro-

suplementos ao longo dos anos, elas foram

moveu grandes reviravoltas no Mundo das

completamente reformuladas e atualiza-

Trevas, avançando com os plots principais

das, assumindo um papel mais relevante no

de seus jogos, em especial a linha Wratih:

Mundo das Trevas.

The Oblivion, a qual foi encerrada com o su-

No Ano dos Amaldiçoados (2002), al-

plemento Ends of Empire. Porém um novo

guns dos eventos ocorridos durante o Ano

jogo foi lançado, também como consequ-

do Acerto de Contas (1999), e que vinham

ência dos eventos daquele ano, Hunter: The

se desenvolvendo desde então, culmina-

Reckoning, que trazia o conceito de seres

ram na abertura de uma acesso através do

escolhidos por poderes misteriosos para

qual demônios adentraram no Mundo das

proteger a humanidade contra as forças do

Trevas. Assim, os suplementos daquele

Mal.

ano abriram caminho para o lançamento


do jogo Demon: The Fallen (Demônio: Os De-

fenômeno mundial, especialmente na década

caídos).

de 90, que possibilitou diversos outros lan-

Em 2003, ao invés de escolher um tema

çamentos paralelos, como videogames, CDs

para suas publicações, a White Wolf anunciou

temáticos, acessórios, romances e até mes-

que no ano seguinte encerraria todos os ce-

mo uma série de TV.

nários do Mundo das Trevas, trazendo a con-

Entre erros e acertos, a White Wolf aju-

clusão de todos as tramas principais em anda-

dou a desenvolver e popularizar um estilo

mentos. Três livros foram publicados ainda em

diferente de jogar RPG, mais voltado para a

2003, sendo complementados por mais quatro

interpretação e compreensão dos aspectos

em 2004, no evento que ficou conhecido como

psicológicos e morais dos personagens, ao

Time of Judgement (Tempo do Julgamento).

invés de enxergá-los como um mero conjunto

Os livros traziam várias opções para o fi-

de anotações em uma folha de papel.

nal de cada um dos jogos da White Wolf, alguns

Apesar da proporção grandiosa que o

inclusive baseados nas escolhas dos persona-

cenário desenvolveu ao longo do tempo, oca-

gens durante o desenrolar das últimas ses-

sionando talvez até um pouco de perda de

sões. O objetivo era finalizar os plots em aber-

qualidade, seu legado foi forjado naquelas

to e renovar a linha de publicações da editora.

primeiras noites, quando os primeiros vam-

Time of Judgement foi o ponto final de tre-

piros despertaram, vestiram suas roupas

ze anos do que ficou conhecido posteriormente

pretas e saíram para explorar as ruas, becos

como Mundo das Trevas Clássico. É inegável o

mal iluminados e casa noturnas repletas de

sucesso e a grande contribuição que os jogos

néon daquele novo e decadente Mundo das

trouxeram para a indústria do RPG, gerando um

Trevas...

19


fast play

CAern Olá, Mestre! Em “Fast Play” você irá encontrar pequenas aventuras ou cenas, que poderá encaixar no início ou meio de sua campanha, em qualquer cenário que esteja mestrando, fazendo as devidas adaptações. Nesta edição temos um exemplo de Caern Fianna, que pode servir de base para a matilha da sua campanha, ou um local onde o grupo precisa ir, ou até mesmo o ponto de partida para uma nova história.


por Fábio Correa

Mesmo que você não esteja jogando Lobisomem: o Apocalipse, talvez você queira usar algumas dessas ideias no seu jogo, quem sabe uma pequena comunidade de druidas, em algum local remoto de Faerûn? Dê asas pra imaginação! Mas, antes de começarmos… que diabos é um dólmen? Dól·men (substantivo masculino): Monumento megalítico funerário, datados da Idade Neolítica e da Idade do Bronze, caracterizado por duas ou mais grandes pedras verticais a sustentar uma grande pedra horizontal, formando uma câmara sepulcral. Plural: dólmenes ou dolmens.

O fundador do Caern, o Theurge Carvalho-da-Umbra, estava cansado de tanta guerra e morte, e buscou um local recluso e tranquilo, onde pudesse ser estabelecido um Caern voltado para a paz e reflexão. Como apenas o Theurge e alguns poucos seguidores acreditaram nesse sonho, outros Garou da região não se preocuparam com o assunto, continuando com suas intermináveis guerras ou mesmo deixando a região e se espalhando pelo mundo, em busca de novos territórios a serem conquistados. No início, o Caern foi habitado apenas pelos Fianna, mas, com o passar dos anos, conforme o local se fortalecia em poder espirituFONTE: “dólmen”, in Dicionário al, começou a ser procurado por Priberam da Língua Portuguesa outras tribos, como os Presas de Prata e os Senhores das Sombras, que eventualmente foram aceitos CAERN DO como integrantes da seita. No ano DÓLMEN ESQUECIDO de 443, a harmonia foi quebrada. Uma disputa pela liderança da seiNÍVEL: 03 ta surgiu entre os Presas de Prata PELÍCULA: 03 e os Senhores das Sombras, toPONTE DA LUA: 4.827 Km* mando proporções assustadoras. TIPO: ENIGMAS As disputas políticas interPODER: HABILIDADE EM ENIGMAS nas estavam prestes e rachar a ESPÍRITOS: ILUSÃO, SOMBRA, seita ao meio, gerando uma onda CAMALEÃO, QUIMÉRICOS de desconfiança e incerteza onde TOTEM: DANA *distância máxima antes reinava apenas a harmonia. Em uma atitude desesperada, HISTÓRIA mas que visava prevenir que os O Caern do Dólmen foi funGarou chegassem a atos extredado em 43 d.C., por uma matimos e irreparáveis. Sabedoria-Anlha de Garou celtas, da tribo dos tiga, o então líder Fianna, decidiu Fianna, que buscava refúgio após entregar a liderança para os Seuma grande derrota sofrida para nhores das Sombras e deixar o o exército romano, aliados às forCaern, juntamente com todos os ças da Wyrm, em 42 d.C. Fianna, que se recusaram a seguir

Garras-de-Bronze, o usurpador. Os Presas de Prata, indignados com a escolha do novo líder, não conseguiram se controlar e iniciaram combates “em defesa dos Fianna”. Utilizando esse pretexto vazio para justificar a matança que ocorreu no local, contrariando a vontade de Sabedoria-Antiga, e resultando numa explosão de violência, o que poluiu o Caern e fez Gaia chorar. Por ironia do destino, no final das contas, o Caern, que já havia perdido muito de seu poder, enfraqueceu mais ainda por conta de toda a violência praticada, não sendo mais justificável derramar tanto sangue para garantir domínio sobre um local tão fraco. Sendo assim, tanto os Presas de Prata quanto os Senhores das Sombras abandonaram o local, condenando-o ao esquecimento quase total, pois apenas os Galliard Fianna ainda cantavam canções melancólicas sobre o Caern do Dólmen. Muitos séculos se passaram e muitas mudanças vieram. A Wyrm avançava cada vez mais, e os Caern foram engolidos pelas cidades, tornando-se cada vez mais raros, de modo que a busca e preservação deles virou uma obrigação para os Garou. Foi então que, em 1850, uma matilha de Theurges Fianna, liderados por Filho-de-Lug, seguindo as velhas histórias cantadas pelos Galliard, e lutando contra a descrença geral, redescobriu o local do antigo Caern, rebatizado de Caern do Dólmen Esquecido. Seu poder 21


fast play espiritual estava quase no fim, e o ritual realizado para revitalizar o Caern quase custou a vida de seus participantes. Desde então, a entrada só é permitida aos Fianna, que protegem o local como se fosse o último Caern da Terra. Apesar de todo o empenho dos Fianna, o Caern começou a perder poder recentemente. Os Theurges dizem que o local ainda está vinculado aos seus fundadores, a matilha de Fiannas celtas, liderada por Carvalho-da-Umbra, e que só a presença celta pura seria capaz de energizar novamente o Caern. Muitos acreditam que o Caern está com os dias contados, pois as linhagens celtas já não são mais puras há muitos séculos. No entanto, existem boatos de que o atual líder da seita, Keltoi, localizou, com a ajuda dos Theurges e seus espíritos aliados, um pequeno grupo de filhotes Fianna, no qual resplandece a linhagem celta. Se isso é verdade, caberá a eles salvar o Caern e reviver a cultura ancestral de sua tribo.

A CASCATA Situada nas proximidades do Caern, é o refúgio dos Galliard em busca de inspiração. A cascata forma um pequeno lago, que dizem ser sagrado e onde são realizados alguns rituais.

PONTOS PRINCIPAIS DO CAERN localizado no centro da clareira principal, é o centro de poder do Caern. À sua sombra, se realizam os rituais de convocação de espíritos, abertura de ponta da lua, dedicação, etc. Segundo alguns, até o contato com o Reino das Fadas é possível neste local.

O SANTUÁRIO Local restrito aos Theurges, é onde eles se reúnem para discutir assuntos místicos e realizar seus rituais secretos. Aquele que invade o Santuário é severamente punido.

A CABANA Localizada em uma das clareiras secundárias do Caern, é onde são realizadas as assembleias principais e são discutidas as questões da seita.

O GRANDE CARVALHO Sua localização precisa só é conhecida pelos Theurges da Seita. É da área à sua volta que são retiradas grande parte das raízes e ervas usadas nas poções preparadas pelos videntes. Dizem que para as ervas serem mais eficazes, devem ser colhidas da na Umbra, com o uso de foices de ouro. A ARENA É onde são realizados os combates rituais ou desafios, os combates são raros, pois a seita privilegia soluções não-violentas. Caso ocorram, nunca são até a morte, pois é proibido matar qualquer criatura de Gaia nos limites do Caern.

ESTRUTURA DE PODER DO CAERN A estrutura de poder do Caern do Dólmen esquecido não é muito rígida, seus integrantes prezam a liberdade. Fora o líder da seita, Keltoi, apenas os anciões tem um poder maior, oriundo do respeito ao posto.

Garou de todas as tribos podem pedir abrigo temporário no Caern, caso o Garou não seja Fianna, o pedido deve ser analisado pelos anciões, mas geralmente é aceito. Filiar-se à seita, porém, só é permitido aos Fianna, cujos candidatos devem provar que são merecedores de tal dádiva, ligando-se ao espírito protetor de caern, Dana. Essa ligação é feita


de forma definitiva através de um ritual próprio, o qual só pode ser conduzido pelos Garou escolhidos pelo conselho de anciões, que devem realizar com sucesso o ritual de Abertura do Caern e, em seguida, vincular o Garou a ser iniciado na seita, ao espírito de Dana. Dentre os membros da seita, os Theurges são mais nume-

rosos, seguidos pelos Galliard e Philodox. Os Ahroun estão recentemente se tornando mais presentes na seita, para fins de proteção contra a Wyrm. Os Ragabash constituem basicamente uma população flutuante, e poucos residem no local ou são formalmente integrantes da seita.

COMENTÁRIOS DO CRIADOR Até onde lembro, essa foi minha primeira tentativa de criar um Caern! Provavelmente em algum ponto entre 1996 e 1998, logo após ter lido a primeira edição de Lobisomem lançada no Brasil e o Tribebook Fianna (em inglês). De imediato, a tribo Garou que eu mais gostei foram justamente os Fianna, então logo quis fazer alguns personagens e histórias envolvendo essa galera! Com certeza, tive alguma influência de uma infância e adolescência lendo Asterix, e acho que isso fica claro no texto. Por sinal, apesar de ter feito algumas revisões, tentando melhorar a forma de expor as ideias de mais de vinte anos, acredito que a essência (boa ou ruim) do que eu tinha imaginado na época, está preservada! Salvo engano, meu plano era iniciar uma história, ou campanha, com a tal matilha de filhotes nos quais “resplandece a linhagem celta”, o que, traduzindo, significa que os personagens deveriam ter alguns pontos no Antecedente Raça Pura! A partir daí, alguns desafios teriam que ser vencidos, ou talvez uma jornada na Umbra, em busca dos espíritos dos Garou fundadores do Caern… o fato é que essa história nunca foi jogada e, caso você tenha achado esse cenário/enredo minimamente interessante, sinta-se à vontade para usá-lo, fazendo as adaptações que julgar mais interessantes! Bom divertimento!

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raio X


RPG e História Q

por Thiago Pinheiro

ualquer observador desavisado, que

do Jogo, que com um pouquinho de pesquisa e

passa por aquele grupo de jovens senta-

adaptação, será capaz de ambientar sua campa-

dos em roda no chão de praças, livrarias

nha em qualquer período da sociedade humana

ou outros locais públicos, (até porque, os com

que desejar explorar.

mais idade raramente sentam no chão...), e os

Até em jogos de fantasia medieval, que

vê jogando dados de acrílico multifacetados,

poderiam ser considerados um pano de fun-

com planilhas de personagens, livros de regras

do mais fora da realidade, podemos peneirar

e cenários, gritando desesperadamente como

aspectos usuais de algum momento histórico,

se suas vidas dependessem disso, (e muitas

tanto em sua estrutura como jogo, como por

vezes, por conta de suas imaginações férteis,

exemplo, as classes do D&D, inspiradas em

dependem mesmo!), pode achar que o RPG (Ro-

profissões reais, como os Clérigos, que derivam

le-Playing Game) é pura e simplesmente uma

das ordens de cavalaria religiosas, como os Ca-

forma de entretenimento, uma maneira de libe-

valeiros Hospitalários, ativos principalmente em

rar o impulso criativo, o que de fato pode ser.

auxílio aos peregrinos cristãos na Terra Santa, e

Mas então qual a relação desse jogo com

que devido aos conflitos religiosos locais, tive-

a História? Uma ciência que para muitos é sim-

ram que pegar em armas, em nome da sua fé.

plesmente incompreensível. Bem, não estou

Até mesmo o fato dos Clérigo do jogo usarem

aqui para trazer essa resposta. E é neste mo-

maças ao invés de espadas tem inspiração real,

mento que posso até ver tu me xingares. Calma

uma vez que muitos dos bispos que lutavam ao

jovem, trazer respostas prontas é deveras en-

lado de seus exércitos, foram retratados por-

tediante, portanto, proponho que trabalhemos

tando armas contundentes, o que levou alguns

alguns pontos interessantes sobre o tema.

estudiosos a acreditarem haver uma razão te-

Por vezes eu observo o movimento social

ológica para a predileção por esse tipo arma,

denominado RPG como uma cebola. Cebola?

mais precisamente na passagem bíblica contida

Um negócio que só alguns conseguem apreciar,

em Mateus 26:52,53 (Então Jesus disse-lhe:

e que te faz chorar antes de aprender a gostar?

Embainha a tua espada; porque todos os que

Não! Quer dizer, as vezes é isso mesmo que o

lançarem mão da espada, à espada morrerão/

RPG é, mas no geral, ele me parece com uma

Ou pensas tu que eu não poderia agora orar a

cebola pelo fato de, assim como ela, ter várias

meu Pai, e que ele não me daria mais de doze

camadas. Sendo uma simples forma de diverti-

legiões de anjos?).

mento para alguns, uma metodologia de ensino

Os Paladinos, outra classe bastante popu-

ou estudo para outros, etc. Assim, o RPG pode

lar na fantasia medieval, apesar de sua seme-

ser visto como um hobby, uma ferramenta, um

lhança com os Clérigos, estavam mais voltados

objeto de estudo... enfim, algo com múltiplas

para a busca pela justiça e nobreza, do que para

aplicabilidades.

a fé em si. Assim, a fonte de inspiração para eles

Mas pensemos no RPG e sua estrita rela-

advém da nobreza laica, principalmente do direi-

ção com a História, minha área específica de

to divino dos reis, e do rito chamado Toque Divi-

atuação. Muitos cenários de jogos tratam de

no, ou Toque dos Reis, muito usual nas monar-

recortes específicos na história, fornecendo um

quias medievais da Inglaterra e França, segundo

vasto material para ambientação e compreen-

o qual acreditava-se que com a imposição das

são do período histórico escolhido. Além disso,

mãos, o monarca, por conta de sua investidura

podemos contar sempre com a mão do Mestre

divina, poderia curar os enfermos. Esses nobres 25


raio X

são conhecidos como os Reis Taumaturgos (o

construída são: Jerusalem By Night, abordando

que me lembra do poder de um outro jogo de

o período da segunda Cruzada na Terra Santa;

RPG, mas essa explanação fica pra próxima).

Constantinople By Night, apresentando a capi-

Prosseguindo, podemos identificar no enre-

tal do Império Romano do Oriente e uma das

do de D&D a inspiração em uma medievalidade

maiores cidades medievais, acompanhando

mitológica e fantástica, cuja base bebeu bastan-

sua ascensão e queda. Mas nem só de grandes

te nas culturas nórdica e céltica, além de uma

eventos ou cidades vive a Idade das Trevas…

miscelânea de quase todas as criaturas existen-

alguns suplementos descreveram outras cultu-

tes em quase todas as mitologias e panteões,

ras que, em algum momento histórico, tiveram

que vemos apresentadas nas diversas edições

forte influência na sociedade medieval europeia,

de livros de monstros ou bestiários de Dunge-

como os Vikings, com seus saques, incursões e

ons and Dragons e afins.

colonizações, apresentados em Wolves of the

Agora, se queres ter história geral de for-

Sea. O Oriente Médio e seus extensos califados,

ma bem divertida jogada na tua cara, eu acon-

sua cultura e ciência, trazidos pelo Islã, são ob-

selharia os cenários do Mundo das Trevas, da

jeto do livro Veil of Night. As invasões mongóis,

editora White Wolf, principalmente os módulos

que criaram um paradigma na Europa medieval,

da Idade das Trevas, uma linha de produtos que

com sua forma diferente de guerrear e viver,

estabelece como pano de fundo a Idade Média,

enriqueceram ainda mais

retratada de forma ainda mais obscura e fria do

from the East.

a linha com Wind

que foi na realidade. Esse é o tipo de cenário que

Pra quem curte Lobisomem, também exis-

fomenta tanto Narradores quanto Jogadores a

te um suplemento para Idade das Trevas, porém

se inteirar mais da rotina, costumes e modo de

é mais fraco no sentido de realidade histórica,

vida da época, para enriquecer tanto a narração

até por se tratar de um jogo menos urbano que

quanto a interpretação dos personagens.

Vampiro, e, portanto, com menor contato com

Dentro da linha Idade das Trevas, meu

a história humana, mas nada melhor do que os

destaque vai para o módulo básico de Vampiro

toques de um Narrador mais atento e estudioso

Idade das Trevas, aliás o primeiro da linha a ser

para incorporar alguns elementos históricos e

publicado, estabelecendo o tom a ser seguido

transformar a campanha em uma experiência

pelos demais suplementos (a maioria infeliz-

ainda mais enriquecedora.

mente não foi lançada em português). Alguns

Para os Garou, foi dado mais destaque,

são bastante impressionantes pela riqueza

em termos de período histórico, para os sé-

de detalhes históricos, sociais e culturais, tais

culos XVII, XVIII e XIX, com suplementos como

como Transylvania By Night, abordando não só

Croatan Song (vale muito a pena conferir), que

a famosa morada do Drácula, mas todo o Leste

tem como pano de fundo os primeiros contatos

Europeu, e ainda o Transylvania Chronicles, uma

das tribos europeias com as tribos do nordeste

campanha muito bem escrita, que leva os joga-

americano, culminando com a extinção dos Cro-

dores da Idade Média até os tempos atuais, com

atan na ilha de Roanoke, fato de grande relevân-

todas as histórias ambientadas naquela região.

cia para a formação e compreensão da socie-

Outros livros que se destacam pela pes-

dade Garou contemporânea, a partir daí, temos

quisa histórica apurada e ambientação bem

toda a linha Wild West, que trata da expansão


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raio X

para o Oeste Americano e a consolidação dos Garou europeus nas Terras Puras. Se pensarmos apenas em termos de ambientação histórica, esquecendo que se tratam de jogos diferentes, poderíamos considerar Mago: A Cruzada dos Feiticeiros, como uma ponte entre os períodos históricos retratados nos suplementos de Vampiro e Lobisomem, pois engloba desde o declínio da Alta Idade Média, passando pelo início da Renascença e chegando até o auge das grandes navegações e do colonialismo europeu, nos séculos XVII e XVIII, abrindo caminho para a linha Wild West. Apesar de bastante interessante, por tecer um recorte cultural dos diversos povos que acabaram se encontrando nesse período, indo do extremo Oriente com a monástica Irmandade de Akasha, até o extremo Ocidente com os xamanísticos Oradores dos Sonhos, Mago: A Cruzada dos Feiticeiros poderia ter trabalhado seus conceitos de modo um pouco mais simples, facilitando seu entendimento para um mercado menos familiarizado com grandes questões filosóficas e paradigmáticas. Por outro lado, acredito que a proposta do livro seja essa mesma, trazer um cenário mais complexo para jogadores mais experientes. Ou seja, se estiver iniciando no RPG ou em cenários históricos, NUNCA COMECE A JOGAR POR ELE! É um livrinho complicado de absorver... Saindo um pouco do foco da White Wolf, um cenário que infelizmente nunca tive a oportunidade de jogar, mas do qual recebi muitas reco-


mendações positivas, foi Desafio dos Bandeirantes, lançado em dezembro de 1992 pela editora GSA. Um livro de RPG 100% brasileiro, criado por Carlos Klimick, Luiz Eduardo Ricon e Flávio Andrade, ambientado em um Brasil Colônia fantasioso, que apesar de todo o cunho mitológico e fantástico, trabalha de forma satisfatória a temática política e cultural da época, bem como as relações entre os povos que compuseram a população nacional no período colonial. Um dos maiores reconhecimentos da qualidade da pesquisa histórica envolvida na criação desse RPG foi o fato do jogo ter sido levado para salas de aula de nível fundamental, como forma de estimular o estudo de história do Brasil. Bem, esse foi apenas um recorte sucinto da minha experiência com a temática História e RPG, fruto da observação nos meus anos como jogador e historiador. Por fim, é preciso ficar claro que as ambientações dos livros citados acima, não são completas e absolutas, ou seja, esses livros não retratam a História, por maior que fosse a intenção de seus autores em representar fidedignamente as engrenagens do “tempo humano.” Isso ainda é um jogo, um entretenimento, e não uma referência acadêmica sobre o período histórico que retratam. Eles podem servir sim como um ponto de partida, não só para provocar o interesse na ciência histórica e na pesquisa por mais informações e conhecimento, mas também no saudável hábito da leitura, na criatividade e na interação social. 29


pergaminhos

LUKOR

Na vila de Strara, localizada nas regiões ermas de Tepest, habitava uma jovem dama, a bela Asybeth. Amada por todos e cortejada por muitos, ela era considerada um sopro de esperança em uma terra esquecida pelos deuses. Desde a mais tenra infância, a beleza de Asybeth já a colocava em destaque, e, muito embora fosse filha de camponeses, era tratada por muitos como princesa, recebendo inclusive vários presentes, os quais, por mais simples e singelos que fossem, ajudavam a jovem e sua família a suportar as dificuldades da vida. Era como se a garota fosse o pequeno talismã da vila. Ao tornar-se uma jovem mulher, Asybeth ficou mais linda do que qualquer um pudesse imaginar, e logo surgiram diversos pretendentes, dispostos a tudo pelo amor da beldade. Os candidatos mais fortes eram Gunad, um lenhador e Victor, um jovem praticante das artes místicas. Ambos cortejaram Asybeth por longos meses, até que a jovem finalmente se decidiu pelo

lenhador. Victor, ardendo em fúria e rejeição, começou a perseguir e ameaçar o casal, provocando discussões públicas e até mesmo um confronto físico com Gunad, no qual Victor foi devidamente humilhado, o que aumentou exponencialmente sua raiva. Por um capricho do destino, uma semana antes do casamento, Gunad foi morto na floresta vítima de um animal selvagem. Asybeth despencou em prantos e, na mesma noite, Victor foi consolá-la, esperando que agora, diante da morte do lenhador, a jovem finalmente se entregasse a ele. Para sua surpresa, Asybeth resistiu, insistindo em seu amor por Gunad. Victor, não mais contendo sua fúria, tentou tomar a jovem à força, obrigando seu velho pai a intervir na situação. Tomada pelo desespero, Asybeth proferiu as palavras que a condenaram, revelando que jamais seria de Victor, pois antes mesmo da cerimônia, já havia consumado seu matrimônio com Gunad, e ele estava vivo dentro dela! Nesse instante, a ira do mago

transformou-se em puro ódio! Naquela noite, o destino de todos os envolvidos foi selado. Victor, tomado pela loucura, sacou sua adaga, cortou sua mão e apertou-a, fazendo o sangue escorrer por entre os dedos. Em seguida, enquanto o líquido escarlate gotejava no solo, sentenciou: “Mulher idiota! Nem após a morte do lenhador a razão volta à tua mente! Pois que seja, cadela! Que o fruto do teu ventre apodreça como carniça, que apresente as feições do mais puro horror! Que venha para ser tua ruína e clamar tua vida!” Em seguida, utilizando-se de seus poderes arcanos, Victor fez com que fogo saltasse de suas mãos, incendiando a cabana de Asybeth e desaparecendo na noite. A jovem estava paralisada, sua mente, em choque. Apenas com a ajuda dos pais ela conseguiu sair daquele inferno com vida. No entanto, teve parte do rosto e corpo queimados. A choupana ardia em chamas, e mesmo com auxílio da de várias pessoas, muito pouco foi salvo após o fogo ser debelado. Como resultado, Asybeth caiu


por Fábio Correa em desgraça, e as pessoas que sempre a admiraram, agora olhavam-na com temor. Sendo assim, a jovem deixou a aldeia, refugiando-se o mais distante possível, fugindo de Victor e da vergonha. Nem mesmo seus pais souberam seu destino. Meses depois, na solidão de uma pequena cabana isolada em meio à floresta, veio ao mundo a origem da desgraça de Asybeth: Lukor. A criança era completamente deformada, e muitos duvidariam até que era humana, mas sua mãe, apesar de tudo, ainda encontrou forças para amá-lo. Asybeth julgava ter quebrado o sortilégio de Victor, uma vez que havia dado à luz ao bebê sem qualquer ajuda, e apesar das dificuldades do parto, ainda estava viva.A partir daí, vários anos se passaram na maior normalidade possível. Lukor sobrevivera, e tornava-se cada vez mais forte. Suas feições retorcidas tornavam quase impossível uma vida nas cidades, e, diante disso, permaneceram na floresta, com Asybeth tornando se ainda mais reclusa, dedicando-se inteiramente ao filho, educando-o o melhor que podia e escondendo-o do mundo, o que lhe rendeu a fama de bruxa na vila mais próxima. Lukor sabia que era diferente, e nas poucas vezes em que viu ou teve contato com outras pessoas, percebeu o pânico que sua aparência causava. Muito embora contasse com o amor incondicional de sua mãe, sua mágoa crescia. Com a vida na floresta, Lukor aprendeu desde cedo a caçar e a sobreviver com o que a natureza lhe ofertava. Ele adorava caçar, sendo esta uma das poucas ati-

vidades para a qual não se sentia inadequado. Gostava do sabor e cheiro do sangue, gostava de matar. Certa vez, em uma de suas caçadas, foi atacado por um grande urso negro. Pensou que seria seu fim, mas subitamente uma fúria incontrolável tomou conta dele, e Lukor, com as mãos nuas, deu cabo da fera. Após esse incidente, ele começou a notar que algo queimava dentro dele, algo que devia ser liberado de vez em quando, senão o consumiria. Asybeth percebia os ocasionais acessos de irritação e descontrole do filho, mas não sabia o que fazer para aplacá-los. Quando Lukor completou vinte invernos, Asybeth decidiu satisfazer-lhe um grande e antigo desejo: saber acerca de seu pai. A mulher contou-lhe toda a história, procurando, sem muito sucesso, amenizá-la sempre que possível. Na realidade, a própria Asybeth já não aguentava mais carregar o fardo sozinha. No entanto, a reação de Lukor não foi a esperada, ao invés de solidariedade na desgraça, Lukor explodiu em fúria! Após todos esses anos julgando-se um infeliz amaldiçoado pelos deuses, descobria agora que todo o seu sofrimento tinha origem em um homem: Victor de Strara. Sua mãe tentou acalmá-lo, mostrando que o exemplo a ser seguido era o de seu pai Gunad, que escolhera o caminho da paz, e nunca nutriu ódio verdadeiro por Victor. Mas Lukor estava cego de ódio, e só conseguia ver fraqueza no pai, e covardia na mãe. Então a fúria apossou-se de Lukor, e, por um instante, toda a

sua frustração e suplício personificaram-se em sua mãe... Asybeth não teve chance. Os pesados punhos a atingiram repetidas vezes, quase cadenciados. Seu rosto e corpo assumiram formas estranhas, amassadas e retorcidas pelos poderosos golpes. Foi então, em seu último suspiro, que Asybeth relembrou as palavras de Victor: “Que venha para ser tua ruína e clamar tua vida.” Exatos vinte anos após Victor ter pronunciado o sortilégio, Lukor inconscientemente desempenhou o papel que lhe havia sido designado pelo destino, em uma fatídica noite na distante vila de Strara. Cumprido o desígnio maldito, Lukor desabou, exausto. Ainda sem entender completamente o que havia acontecido, lentamente as brumas o cercaram.

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galeria

arte: Will Conrad | @willconradart


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