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APRESENTAÇÃO

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REFERÊNCIAS

REFERÊNCIAS

Apresentação

Parto de uma inconclusão assumida e trilho neste tempo em Rio Grande uma formação provocada na ecosofia de Félix Guattari e no reconhecimento da cerâmica como prática artística e pedagógica para o ensino transdisciplinar, envolvendo-a no construto da arte educação ambiental. Paulo Freire ensina a conduzir a “experiência educativa” envolvida com os educandos e educadores, juntos, e com outros saberes e, neste caminho, tendo o saber cerâmico me acompanhado, foi possível congregar seres curiosos, conhecer a história local, analisar estudos acadêmicos anteriormente desenvolvidos e dispor do tempo e da intenção de retribuir algo significativo na cultura viva da cidade. É a partir da cerâmica que me acompanha na forma de expressão de parte desta minha subjetividade e que provoca a curiosidade, quase infantil, de encontrar parte destes mistérios da vida que nos engloba, que me deparo então com a lama da Praia do Cassino e, dela, a questão: Será possível transformar a Lama da praia do Cassino em material cerâmico eficiente para práticas artísticas, educativo ambientais e de autonomia produtiva? Teria a lama o potencial para despertar a necessidade de uma urgente arte educação ambiental no contexto da cidade de Rio Grande? Como diz Paulo Freire: “Conhecer não é, de fato, adivinhar, mas tem algo que ver, de vez em quando, com adivinhar, com intuir" (FREIRE, 1996 p.51). Esta intuição surge, inicialmente, no tato e no reconhecimento da plasticidade desta lama. Seria ela a possibilidade de atender à necessidade de matéria prima e, ainda, quando percebida e reconhecida a presença histórica da cerâmica indígena, mas observada a sua ausência neste tempo, uma forma de perseverar o fazer cerâmica na cidade? Aguçada a curiosidade de onde se extraiam estas argilas, surge a questão sobre como facilitar o acesso à mesma para seguir alimentando estes saberes e fazeres? A presença da cerâmica neste Pampa litorâneo que circunda a Lagoa dos Patos data de “2000 anos, começando em meados do primeiro século a.C. e estendendo-se até a ocupação portuguesa da área, no século XVIII” (SCHMIDTZ, 2011, p.83). O saber ancestral foi atropelado pela tecnologia industrial, então por que não usufruir dessa tecnologia industrial para enriquecer o saber e o fazer artesanal? Nesta trilha consciente e criativa (TCC), vamos percorrer em algumas páginas o tempo de reconhecer o território, o encontro com a lama do Cassino, a curiosidade aguçada, a pesquisa intencionada, os resultados alcançados, a condução e extensão de práticas educativas, produtivas e crítico artísticas.

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A intenção se expande, quando disposto e aberto às relações, percebo a importância do ensino das artes não restrito à sua cronologia histórica, mas, envolvido na transformação social e cultural da comunidade. Não sou parte apenas do local de minha naturalidade, mas sou parte de onde estou. Foi com este pensamento que me fiz de Rio Grande, reconhecendo a possibilidade de ser parte e me colocando a disposição de agenciar ações culturais, educativas e provocar a percepção de viabilidade econômica frente à falta de iniciativas públicas. Espero que partes deste processo de pesquisa, de conformação cerâmica com a lama, de ocupação de espaços e de construção de outros núcleos de atenção artística, educativa e ambiental, venham a auxiliar na continuidade de práticas integradas não a caprichos delirantes, mas a necessidades reconhecidas e pertencidas aos seres que vivem nesta e em outras comunidades. Anseio pela perseverança nas ideias aqui apresentadas e somo a convicção de que, sendo aplicadas, podem tornar ainda mais viva e dinâmica nossa cultura.

Acredito que o papel do arte educador se estende ainda mais para atuar no campo da cultura, por isso traço este paralelo, onde:

O agente cultural será um profissional capaz de entender os mecanismos da atuação em grupo que possibilitem a esse grupo o exercício da criatividade (ao invés de castrá-lo para isso, como ocorre com frequência) e capaz de conhecer a natureza e possibilidades das linguagens e equipamentos culturais de que se servirá – e que por isso mesmo terá condições de equacionar sua própria presença e intervenção no grupo, ou junto ao indivíduo, de modo a não perturbar exageradamente a natureza (para não dizer a “autenticidade”) do processo. (COELHO, 1988, p.57)

Alinhado a esta percepção, passei a olhar para fora das linhas da pesquisa Sal Cerâmica (sobre a qual falarei mais adiante) e a encontrar novos elementos para potencializar as discussões ambientais e educativas, para além das respostas às questões inicialmentelevantadas. Encontrando novos grupos,relacionando novas causas, apreendi processos de criação e construção de valores socioculturais. Buscando, assim, “melhorar todas as relações ecológicas, incluindo a relação da humanidade com a natureza e das pessoas entre si” (Meta ambiental expressa na Carta de Belgrado, 1974, sobre uma estrutura global para a educação ambiental), segui expandindo relações, até me deparar com o conceito de Bourriaud sobre a estética relacional nas artes. Por este motivo, acrescento algumas práticas, construtivas e pedagógicas, que podem parecer distanciarse da pergunta inicial (relativa à transformação da lama da praia em pasta cerâmica), mas que, porém, alinham-se quanto à relação com o bioma de forma mais ampla, a praia e a comunidade que a usufrui.

Na continuidade deste relato, apresento o desenvolvimento da pesquisa para responder à questão sobre as possibilidades de transformação da lama da praia do Cassino em pasta cerâmica, seja para a produção de peças artísticas e utilitárias, seja para ações de arte educação e de arte educação ambiental. No primeiro capítulo, pretendo apresentar a lama, como e por que nos relacionamos ao ponto de resolver pesquisar sobre sua constituição, na busca por entender sua composição e as necessidades de estruturação. Fundamentam as análises os ensinamentos de Jorge Fernandéz Chiti, que nos trouxe em seus livros os testes adequados, bem como as informações e receitas para a construção dos fornos. Foi fundamental nesta fase de testes, estabelecer as relações interdisciplinares com as áreas da arqueologia, biologia, química e, assim, dos laboratórios CEAMECIM –Centro de Estudos Ambientais, Ciências e Matemática, bem como do CEME-SUL Centro de Microscopia Eletrônica do Sul, que possibilitaram aferir resultados com precisão, ampliar a percepção do grão da lama e, com isso, fundamentar os processos de conformação de massas cerâmicas e potencializar ainda mais as ações deste envolvimento.

No segundo capítulo, a lama estendida, apresento uma percepção, assim como nos campos das artes, onde muitos extravasam os limites da moldura ou do pedestal para aguçar ainda mais o olhar. A lama da praia do Cassino vai para além da potencialização da produção cerâmica, utilizando-a como base a lama, para possibilitar relações criativas, mostrando ser possível transformar essa potência em geração de oportunidades e recursos, tanto para dinâmicas de ensino, ou meio de subsistência para a comunidade. Nesta abordagem, o conceito de ecosofia direciona a “uma autêntica revolução política, social e cultural reorientando os objetivos da produção de bens materiais e imateriais” (Guattari, 1990, p.9). A compreensão deste sujeito ecológico que, para além do educador/artista, me fez envolver o papel de gestor cultural e desfrutar da estética relacional para perceber sua potência no construto da arte educação ambiental. No terceiro capítulo, apresento resultados da pesquisa em produção artística, envolvendo performances, máscaras, peças sonoras – e em ações de arte educação ambiental – feiras, eventos, exposições e ainda a extensão construtiva de espaços e dispositivos que proporcionaram e proporcionam o conceito de arte relacional, que, como define Bourriaud, é “Uma arte que toma como horizonte teórico a esfera das interações humanas e seu contexto social mais do que a afirmação de um espaço simbólico autônomo e privado” e que “atesta uma inversão radical dos objetivos estéticos, culturais e políticos postulados pela arte moderna". (BOURRIAUD, 2009, p.19-20)

No quarto capítulo, apresento a extensão de ações correlatas à causa ambiental, destacando que, para além da lama, a causa ambiental não se restringe à sua aparição, mas traz a pauta da atitude social e da condição de evoluirmos para uma cultura ecosófica. Apresenta-se, portanto, um olhar plural, que busca ganhar força com outros pares vinculados/as às questões relacionadas, como a harmonia de viver em meio aos bens naturais e constituir projetos de comunicação e educação ousados e provocativos, que tenham o intuito de influenciar pequenas atitudes e mudanças de comportamento. Por isso, a importância de apresentar a Plastisfera, uma parceria transdisciplinar que demonstra, em sua construção, uma ação de comunicação de uma pesquisa que trata dos resíduos plásticos lançados ao mar e, na destruição de sua estrutura, evidencia-se o descaso ainda imperativo por parte dos detentores do grande capital. Por outro lado, a Takuapi demonstra o quanto os dispositivos lúdicos podem completar o ambiente de lazer, tornando-o pedagógico e possibilitando, ainda, ser um objeto de arte relacional, construído a partir de recursos naturais abundantes na região. O que é importante ressaltar é que, assim como a lama presenta na praia do cassino, os plásticos e os bambus se tornam protagonistas de uma relação conjunta na luta por uma sociedade disposta a reconhecer seus potenciais naturais e as dinâmicas possíveis para a proposição de ações de arte educação ambiental. A práxis da arte educação ambiental se fortalece na trilha e é determinante neste processo de formação, onde a responsabilidade frente à causa da lama se funde aos princípios expressos na carta de Belgrado de 1974:

Governos e formuladores de políticas podem ordenar mudanças e novas abordagens para o desenvolvimento, podem começar a melhorar as condições de convívio do mundo, mas tudo isso não passa de soluções de curto prazo, a menos que a juventude mundial receba um novo tipo de educação. Esta implicará um novo e produtivo relacionamento entre estudantes e professores, entre escolas e comunidades, e entre o sistema educacional e a sociedade em geral. (Resolução da 6ª Sessão Especial da Assembleia Geral da ONU, adotada em 10 de maio de 1974, Nova Iorque)

Esta carta traz a proposta de uma estrutura global para a educação ambiental e, assim como a percepção de Guattari, bem como outros autores e, ainda, alinhado à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), percebo a importância de conduzir uma práxis consciente e propositiva no enlace educativo. Trago como referência a este pensamento quem me provocou a encontrar este caminho de relação com a arte e a educação ambiental, a Professora Dra. Rita Patta Rache, que demonstra em sua Tese de Doutorado

o quão dispostos devemos estar a uma relação sensível, respeitosa e solidária com o meio e com os demais seres que nele habitam.

Educação ambiental é querer um mundo pacífico e alegre, com comida para todos, educação e respeito à diversidade étnica e cultural. Um mundo onde valores como justiça socioambiental, solidariedade e cooperação sejam as bases das relações humanas. É buscar, juntos, ações de transformação para uma vida melhor no presente e no futuro. É olhar a natureza com os olhos do coração e respeitar todas as formas de vida, considerando a inter-relação e a interdependência entre todos os elementos que compõem o ambiente. É encantar-se diariamente. É despertar a reverência pela vida e mantê-la consciente em cada ação cotidiana. É acreditar que é possível transformar a si mesmo, o outro e o ambiente. É, portanto, um campo de disputa por projetos de sociedade. (RACHE, 2016, p.45)

Que ao final desta trilha não se encontre um ponto final, mas sim uma reticente continuidade, fortalecida pelo legado desta pesquisa, estruturada nas proposições coletivas e conectivas, guiada no envolvimento ecosófico e determinante para as práxis deste arte educador ambiental.

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