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2.2 –A NECESSIDADE DO ESPAÇO: BARROÔCO.ARTE – ECO OLARIA MODELO
from Trajetórias de uma lama litorânea: peças cerâmicas, arte educação ambiental e ações relacionais
by Duke Orleans
FIGURA 11: FORNO À LENHA CONSTRUÍDO COM BASE NO MODELO CONDORHUASI. 2017.
Fonte: Acervo do Projeto de pesquisa Sal Cerâmica. 2018.
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2.2 – A necessidade do espaço: barroôco.arte – eco olaria modelo
A arte contemporânea realmente desenvolve um projeto político quando se empenha em investir e problematizar a esfera das relações. (BOURRIAUD, 2009 ,p.23)
A proposta da Eco Olaria surgiu como um modelo a ser colocado em prática na dinâmica de estender a arte cerâmica, dando vez à proposta de uma arte provocada nas relações, com as pessoas e com uso dos recursos provenientes do local. Nesse local que ficava junto à propriedade em que residia no bairro do Bolaxa, estruturaram-se, além do ambiente de produção de argilas na área externa, a sala da roda de oleiro na parte interna da casa, o forno à lenha para as queimas das peças, as prateleiras de estocagem, o ambiente de ensino e práticas produtivas na cúpula geodésica que completa este modelo da eco olaria, a Barroôco.arte.
Na montagem desse espaço (FIGURA 12), houve a articulação entre distintos saberes, conjugando todo o processo de produção cerâmica (desde a composição das argilas até a construção dos fornos para as queimas), com a bioconstrução, em particular, a estruturação de cúpulas geodésicas em bambu, arame e borracha. A utilização desde recurso coincide com a preocupação inicial da pesquisa aqui desenvolvida, pois se trata de potencializar o aproveitamento de materiais locais, com baixo custo e, muitas vezes, tidos como dejetos ou incômodos. A proposta da Eco Olaria foi construída de modo experimental, em um espaço residencial, com o intuito de analisar de forma muito próxima sua efetividade e, assim, ecoar a replicação em outros locais de interesse.
FIGURA 12: ARTE EM AÇÃO COM OS PARTICIPANTES DO PROJETO CAMINHO MARINHO E AMIGOS, NA CONSTRUÇÃO DA CÚPULA GEODÉSICA QUE ESTRUTURA O MODELO DE ECO OLARIA. 2017.
Fonte: Acervo do Projeto de pesquisa Sal Cerâmica. 2017.
Da geometria da lama, a união dos vértices dos bambus colhidos no corredor do Bolaxa resultou na construção da cúpula geodésica de frequência 3 para 4,5m de diâmetro. Com as arestas variantes em 3 medidas, sendo a=939mm, b=917mm e c=780mm, que organizados em frações de 6 pentágonos(c), 10 hexágonos(a) e 5 meio
hexágonos(a), são unidos em b. Com furos nas extremidades de cada aresta, deve ser atravessado arame para as junções nos vértices e, organicamente, se formarão os ângulos flexíveis, pois aí se trama o amarre com a borracha cortada em tiras de 2 dedos; o amarre é feito ao par de hastes e se coloca a ponta da tira sobre um par e se vai dando voltas de aperto entre a primeira e a segunda, então usa-se a segunda como primeira para o próximo par e assim até completar o giro, minutos em hexágonos, minutos em pentágonos e horas com b. O cálculo foi feito utilizando a calculadora acidome5 . A primeira altura da cúpula, assim como o aterro e o piso, foi feita usando barro vermelho (saibro de Pelotas), lama, fibra sintética de cabos descartados do porto de Rio Grande (FIGURA 13), gravetos e folhas de bambu; na parte superior, foi utilizada coberta em lona de toldo. Foi feita a abertura de duas portas, além das partes com lona transparente e a iluminação, bem como a ventilação, além do suporte de tomadas para o espaço ser independente da casa.
FIGURA 13: BASE DA CÚPULA GEODÉSICA DE BARRO-CIMENTO, COM TRAMA DE BAMBU E FIBRA SINTÉTICA. 2017.
Fonte: Acervo do Projeto de pesquisa Sal Cerâmica. 2017.
Completa a estrutura física do espaço: a praça do forno, com círculo de pedras para queimas conectivas, pois este é um sacro momento para construir virtualidades reais, e aqui segue para armazenamento das lenhas, e o encontro dos vizinhos lenhadores do
5 Disponível para consulta em: https://acidome.ru/lab/calc/#7/12_Piped_D50_3V_R2.25_beams_45x45 (Acesso em: 03/04/2021)
Bolaxa, as bancadas de empréstimo e o armazenamento dos equipamentos de suporte para confecção de novas peças; e também a estrutura possível de permear relações. Como diz Bourriaud em seu livro sobre a Estética Relacional:
Aprender a habitar melhor o mundo(...) Em outros termos, as obras já não perseguem a meta de formar realidades imaginárias ou utópicas, mas procuram constituir modos de existência ou modelos de ação dentro da realidade existente, qualquer que seja a escala escolhida pelo artista. (BOURRIAUD,2009, p.18)
A praça da reciclagem, os galões de argilas de 200lt, piscinas de imersão de contato, livre e expressivo, envoltos de pequenos galões de misturas de 50lt, seguem nos moldes sobre a bancada de suporte e circula em fácil acesso às prateleiras de secagem. O ambiente de circulação e convívio, ensino e aprendizagem, estava pronto (Figuras 14, 15, 16, 17 e 18).
FIGURA 14: ATIVIDADE COM GRUPO DE CRIANÇAS DO MATERNAL I DA EMEI DÉBORAH THOMÉ SAYÃO NA BARROÔCO.ARTE, ECO OLARIA MODELO. 2017.
Fonte: Acervo do Projeto de pesquisa Sal Cerâmica. 2017.
FIGURA 15: OFICINA DE VERÃO COM JOVENS, NA BARROÔCO.ARTE, ECO OLARIA MODELO. 2018.
Fonte: Acervo do Projeto de pesquisa Sal Cerâmica. 2018.
Uma identidade se instalou, a vida neste espaço fez enxergar a possibilidade provisória de uma estrutura dinâmica e possível de ser replicada. O baixo custo estrutural, a relação prática envolvida e a certeza de continuidade na aprendizagem me levam a seguir estruturando lugares de princípio ecosófico, disposto a conviver atuante com as novas formas de fazer Arte. Um exemplo que me atravessa na execução deste projeto é o Coletivo Geodésica Cultural Itinerante. Entre seus princípios, destaco a experiência ecosófica do mundo, os processos colaborativos, a ativação de convívios e a resistência à imposição das subjetividades capitalísticas:
Ajudando a formar uma nova cartografia para o jogo representacional da Arte, onde se vivencia uma plataforma de desejos compartilhados capaz de experienciar ecosoficamente este mundo, o processo colaborativo levado a cabo por ambos coletivos está instaurando uma micro ecologia cultural. Ativa formas de convívio capazes de produzir resistência a esta homogeneização existencial que modos capitalísticos nos impõem por meio do consumo e do espetáculo massificado que se implanta paulatinamente em todo o mundo da globalização. Como já reconhecido o metarrelato do consumo ao minimizar a experiência por meio da mera reprodução de sentidos que já nascem obsoletos provoca uma universalização nas formas de pensar e sentir a realidade como uma estrutura homogênea. Para contrapor a esta presente condição, a que todos estamos submetidos através dos meios de comunicação, produção e recepção massificados, a função da representação em arte pública exige que novas ecologias estéticas sejam postas a prova. (KINCELER et. al., 2014, p.29-30)
É sobre este olhar de uma nova ecologia estética que se constitui o princípio da eco olaria, onde fazer arte em um espaço que ocupava cerca de 20m² permitiu que fossem
realizadas ações de produção, ensino e pesquisa. A perspectiva que se apresenta, num plano de estruturação comunitária e/ou como política pública, seria a construção de espaço(s), a partir desse modelo, onde se poderia ampliar a capacidade produtiva de uma comunidade de ceramistas. Ou, ainda, fomentar a recuperação da prática cerâmica em comunidades indígenas, como no caso de Rio Grande. Quais equipamentos seriam necessários e em quais dimensões territoriais seria possível criar um espaço como este dispositivo de arte relacional que promove e provê com a cerâmica?
FIGURA 16: OFICINAS DE MODELAGEM EM RODA DE OLEIRO, PARA ADULTOS, NA BARROÔCO.ARTE, ECO OLARIA MODELO. 2018.
Fonte: Acervo do Projeto de pesquisa Sal Cerâmica. 2018.
Nesse sentido, destaca-se a reflexão sobre a importância do projeto no âmbito de políticas culturais locais e da atuação do agente cultural, enfatizando o pensamento sobre as singularidades locais, a promoção de diálogos e encontros, que implicam a escuta e a aprendizagem mediante práticas de nutrição mútua; a colocação da comunidade em contato com os recursos necessários para a prática da arte cerâmica; a sensibilização para a criação e o protagonismo dos indivíduos e coletivos envolvidos nos processos criativos; a busca de viabilidade e autonomia econômica, através do uso de matéria-prima de baixo custo; e o esforço por estruturar a visibilidade da produção em cerâmica, bem como as possibilidades de sua circulação. Como diz Tasat:
Trata-se de pensar na América a partir dela, enquanto o pensamento desarraigado da nossa terra e desgravitado do nosso horizonte cultural
fundamentou a implementação de políticas culturais que tomaram como referência uma noção de cultura e de sujeito cultural formulada em outros contextos, europeus ou norte-americanos, e, portanto, desvinculada dos problemas, particularidades e tensões próprias do território e dos mundos que constituem a América profunda. (TASAT, 2015, p.52)
FIGURA 17: QUEIMA DE BISCOITO NO FORNO CONDORHUASI, NA BARROÔCO.ARTE, ECO OLARIA MODELO. 2017.
Fonte: Acervo do Projeto de pesquisa Sal Cerâmica. 2017.
A isso acrescento como a cerâmica aproxima este vínculo e amplia percepções sensoriais, o que favorece uma melhor reação com o pensamento, a criatividade e a criticidade na formação de nossa cultura, expressa em nossa arte-relação e no conceito de “unidade geocultural” de Kult, expresso por Tasat (2015, p.54).
FIGURA 18: MATERIAL DE DIVULGAÇÃO PARA VIVÊNCIAS NA BARROÔCO.ARTE. ECO OLARIA MODELO. 2018.
Fonte: Acervo do Projeto de pesquisa Sal Cerâmica. 2018.