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2.3 -ECO OLARIA TRIRELACIONAL

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REFERÊNCIAS

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2.3 - Eco olaria Trirelacional

Em 2018, o Projeto Caminho Marinho, de Rio Grande, através do Professor e coordenador Gustavo Martinez Souza, e a ONG ISCA, através de Pablo Bech, seu responsável, convidaram-me a participar de um projeto coletivo de ocupação de uma área no então depósito de inservíveis do Cassino, em uma área que anos atrás era ocupada por dejetos da comunidade e agora estava readequada às normas ambientais exigidas pelo CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente; com isso, a Secretaria do Meio Ambiente do Cassino, bem como da Cidade de Rio Grande, nos incentivam a construir o projeto do Espaço ECOS– Espaço de Educação e Comunicação Sustentável (Figura 19). Nesta proposta, além da área comum, como o núcleo de educação ambiental e integração de saberes do Projeto Caminho Marinho, imaginamos a horta comunitária como outra vertente de ação com a equipe de permacultores, a ONG ISCA com a comunicação e promoção dos conteúdos, divulgação e publicidade e, por fim, a ECO OLARIA COMUNITÁRIA.

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FIGURA 19 : ESPAÇO ECOS. PROJETO DE OCUPAÇÃO NO DEPÓSITO DE INSERVÍVEIS DO CASSINO.

Fonte: Acervo pessoal do autor, 2019

Dentro dessa proposta, nossa percepção está em encontrar um equilíbrio oportuno para a práxis da arte educação ambiental, buscando recuperar uma área de descartes residuais, com atitudes responsáveis frente às condições diariamente expressas na escassez de recursos naturais, porém, que nos desperta a observar que hoje os acúmulos de um consumo desenfreado modificaram a perspectiva deste natural.

Assim como parte dos resíduos orgânicos, quando manejados de forma correta, podem resultar em um adubo potente para hortas e gerar alimentos saudáveis e nutritivos, cujo manejo passou a ser a primeira dinâmica colaborativa para ocupação do referido local, a lama da praia nos provocou da mesma forma, indiferente da sua presença ser resultado da dragagem ou ser uma característica deste litoral, a questão de sua presença e de reconhecer suas características, possibilitou apresentar ao grupo suas potências. Com isso, foi possível modificar a forma de se enxergar na lama um dejeto e nos aproximar mais da possibilidade de usufruí-la como insumo. Aqui amplia-se a necessidade de reconhecer sua presença e sua quantidade existente, de compreender as possíveis formas de manejo para, assim, quem sabe, podermos reduzir os danos ambientais, sociais e culturais, passando ao estágio maduro de ser e estar presente. A Eco olaria é uma forma de sintetizar uma possibilidade de integração social, política e cultural. Social, pois nos aproxima das demandas comunitárias, propõe alternativas para a falta de oportunidades, para a poda da criatividade experimental sobre os dejetos e para a necessidade do cuidado com o ambiente no cotidiano. Política, pois envolve escolhas, envolve recursos para promover e estar juntos, para permear as intenções com a oportunidade de transformar-se junto ao outro, com intuitos semelhantes; enquanto um é o trabalho, o outro é a condição para o trabalho. Dinâmicas diversas que se devem conciliar pelo bem da ação em conjunto. E cultural, pois transita entre o reconhecer, o pertencer e o ato constante de persistir fazendo no tempo. Como aponta Scheneider, A “cultura é um sistema de símbolos e significados. Compreende categorias ou unidade e regras sobre relações e modo de comportamento” (SCHENEIDER Apud LARAIA, 1999, p.64). Neste modelo de ação, o envolvimento é fundamental, a convicção da interdisciplinaridade é outro ponto de ampla importância, pois desta forma sabemos que não cabe a uma única pessoa, mas ao ímpeto coletivo que se envolve. Vamos pensar no envolvimento com o tradicional, a tecnologia e o ato criativo de relacionar a “tridimensionalidade do tempo”, passado, presente e futuro, onde a arqueologia, a história, a arte, a engenharia, a oceanologia e múltiplas integrações podem se tornar parte de um agir ecologicamente e configurar um outro modelo cultural. Olhando para o passado, percebemos que a cerâmica e sua forma de fazer estava dentro das ritualísticas, na conservação dos alimentos, utilitários e artísticos simbólicos. Com o passar do tempo, suas expressões se fortalecem em alguns pontos do planeta, enquanto em outros ela simplesmente deixa de ser relevante, e este é o nosso caso. Em

Rio Grande, no Rio Grande do Sul, a cerâmica se encontrava dispersa à margem das lagunas, nos serritos encontrados nos pampas e na zona central da cidade. E hoje, onde está a cerâmica? Existe ainda uma única olaria que fica na saída de Rio Grande, no caminho para Pelotas. A olaria do João se mantém graças à tradição religiosa de matriz africana, onde peças ritualísticas seguem sendo produzidas ainda de forma artesanal, alimentando uma relação cultural, econômica e social. Sua estrutura é basicamente o forno modelo garrafa à lenha, o torno de modelagem (motorizado), a laminadora para o preparo da argila, a área de estocagem, prateleiras de secagem, depósito de lenha, ambiente para acabamentos (grafismos e esmaltações), área de vendas e atendimento aos clientes. Seus produtos são vasos, alguidares, quartinhas, panelas, caldeirões, moringas, copos e peças de estatuária. Na proposta da eco olaria estaríamos, em primeiro lugar, dedicados a produzir as argilas e as massas cerâmicas Sal Cerâmica e, junto a isso, constituir um ambiente que tenha os recursos necessários para manter viva a chama do fazer cerâmico em Rio Grande. E, neste caso, podendo usufruir desse ambiente público para esta estruturação, sanamos algumas demandas que freiam o avanço cultural como no caso da arte ofício cerâmico. A facilidade de acesso a outras culturas cerâmicas no mundo pode ampliar a construção deste saber ancestral, somado ao saber científico, para termos neste ambiente a proposição do fazer artesanal com apropriação da tecnologia industrial. A começar com a construção do forno, que trará consciência de como trabalhar com o fogo. O fogo manejado é um princípio que deve ser estimulado para forjar uma consciência potente nos resultados eficientes, quando bem manipulado e respeitado. Como estrutura, a eco olaria foi pensada para ser organizada com a bioconstrução, usando bambus em uma estrutura geodésica, e revestida inicialmente com adobe, na sua parte mais baixa, e com a parte superior protegida com materiais de descarte e de bom aproveitamento, que poderão ser encontrados no local onde fora proposta a estruturação do Espaço ECOS, no depósito de inservíveis do Cassino. Junto a este ambiente, organizase a área de reciclagem das argilas, a laminadora, a maromba para extrusão das massas, prateleiras para secagem das massas, bancada para preparo das massas cerâmicas, o forno, prateleiras para secagem das peças, duas rodas de oleiro e armários para organizar ferramentas e insumos de acabamento.

A proposta inicial apresenta um ambiente circular, construído com bambus, arame e borracha e parede de barro cimento, acima do forno uma grande coifa pentagonal. Em um dos lados o forno à lenha, feito com tijolos maciços de argilas da região e na câmara

interna tijolos isolantes, na volta da cúpula, os tanques de estocagem das argilas, ao lado da estocagem das bases brutas, ainda dentro, alinhado ao processo de produção das argilas, a laminadora e a maromba, ainda na parte interna prateleiras para as placas de gesso, estocagem das argilas preparadas e o espaço de produção, ensino e vendas (Figura 20).

FIGURA 20: DESENHO ILUSTRATIVO DA ESTRUTURA DA ECO OLARIA. PROJETO A SER IMPLEMENTADO NO ESPAÇO ECOS, NO DEPÓSITO DE INSERVÍVEIS DO CASSINO.

Fonte: Acervo pessoal do autor, 2019.

A perspectiva dessa ação coletiva seria amparada por recursos captados por ocasião de multas ambientais, repassadas via Secretaria do Meio Ambiente do Rio Grande. Em 2018, na etapa de conversasiniciaise,frente à apresentação da proposta junto à Secretaria, conseguimos uma aprovação de interesse, a liberação para a ocupação imediata e o compromisso de mostrar ser possível transformar coletivamente este local

em um espaço de fomento a ações solidárias e de princípio educativo ambiental, assim como diz Guatarri: “Parece-me essencial que se organizem assim novas práticas micropolíticas e microssociais, novas solidariedades, uma nova suavidade juntamente com novas práticas estéticas e novas práticas analíticas das formações do inconsciente.” (Guattari, 1990, p. 35). Estruturamos aqui uma destas práticas micropolíticas e microssociais, seguindo ainda sem os recursos, porém comprometidos com o ambiente que muito nos envolve com tantas possibilidades de transformação. O recurso tarda a vir, mais a força de vontade não encontra tempo para dormir e segue. Em 2019 já pertencentes ao local, conseguimos um container, onde organizamos, com ferramentas e materiais de suporte para a horta que começou a ser estruturada, junto à área de reciclagem e junto a esta etapa, foram organizados encontros de estudo em relação a fertilizantes orgânicos e os alimentos a serem plantados. Ao mesmo tempo, mapeamos o local, dando a ele identidade coletiva para pensar e fazer. Desenhamos os espaços que gostaríamos e passamos a buscar os insumos necessários para esta estruturação. Assim, além do container, a horta, o campinho de futebol, a trilha de pertencimento, projetamos a sala tartaruga para ações de educação ambiental, a eco olaria e, para estes dois espaços físicos, saímos para colher os bambus. Os bambus que se encontram espalhados por toda a região foram colhidos e ficaram aguardando o tempo de serem utilizados e, no início de 2020, a estrutura da sala tartaruga foi erguida e segue em construção. Com relação à eco olaria, em razão do meu regresso a Florianópolis, fica estacionada tanto pela falta do recurso para execução, quanto pela distância geográfica que se agrava com a pandemia do Covid-19. Porém, a confluência de nossas motivações não nos afasta do objetivo traçado, ela já habita nossos espíritos. Sendo assim, o universo conspira e, chagando a Florianópolis, deparo-me com uma estrutura de fábrica de argilas, no bairro em que resido, o Campeche (Figura 21). De modo informal e com a intenção de manter a produção da fábrica viva é que passo a trabalhar em 2020 neste ambiente, o que foi essencial para a compreensão do processo de produção de argilas em grande quantidade. Passo a conhecer mais de perto os equipamentos que havia proposto na organização da Eco Olaria, aplico ali os conhecimentos adquiridos no projeto de pesquisa Sal Cerâmica, elaborando e conhecendo outros métodos para o preparo e, assim, conformando para a fábrica novos perfis de massas cerâmicas, desenvolvo então a identidade visual e ampliamos a atuação com o ambiente virtual, utilizando as redes sociais e estruturando o site de vendas on-line. O ganho deste tempo foi em conhecimento e experiência, fortalecendo a percepção sobre

um espaço de produção com potencial para se converter em um ambiente pedagógico. E mais, ainda ao final do mesmo ano, recebo o convite do professor ceramista Gustavo Tirelli para construirmos juntos um forno à lenha para um grupo de ceramistas, situados na comunidade José Mendes em Florianópolis (Figura 22). O modelo do forno seria perfeito para ser replicado na proposta da Eco olaria. Mais uma vez, me apoio nas palavras de Paulo Freire quando olho para esta formação em busca da autonomia, pois, “aprender para nós é construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco e à aventura do espírito” (FREIRE, 1996, p.76). O espírito coletivo e vívido na ecosofia nos torna um, já que alinhados ao mesmo intuito de fomentar práticas sustentáveis, mesmo distantes, mas intencionados ao convívio harmônico com o tempo e o meio.

FIGURA 21: PROCESSOS DE TRABALHO NA FÁBRICA DE ARGILAS CAMPECHE, EM 2020.

Fonte: Acervo pessoal do autor. 2020.

FIGURA 22: PROCESSO DE TRABALHO CONSTRUÇÃO DE FORNO PARA QUEIMA DE CERÂMICA. COMUNIDADE JOSÉ MENDES, FLORIANÓPOLIS. 2020.

Fonte: Acervo pessoal do autor. 2020.

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