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DIREITO DIGITAL
Sócio do COTS Advogados
CONFLITOS ENTRE NOMES DE DOMÍNIOS DA INTERNET E MARCAS REGISTRADAS
Todos sabemos que um bom e assertivo domínio de internet é insumo essencial para o setor do e-commerce. Isso porque, se é por meio da internet que se faz negócio, o site do comerciante precisa ser de fácil memorização, facilitando a localização nos buscadores e o acesso por parte do cliente.
Não sem motivo, muitos empresários que resolvem comercializar pela internet se preocupam com o domínio, mas esquecem que pode haver problemas jurídicos no registro que coincida com marca já registrada. Nesses casos, será que o registro do domínio garante o uso do nome escolhido?
A Constituição Federal (artigo 5º, inciso XXIX) e a Lei de Propriedade Intelectual (Lei nº 9.279/96) trazem expressa proteção aos bens intelectuais, entre os quais se encontram as marcas, sendo que, nos termos dos artigos 129 e 130 da Lei 9.279/96, após a expedição válida do registro, é assegurado ao titular dela, entre outros, o seu uso exclusivo em todo o território nacional, bem como o direito de zelar por ela.
A existência de sinais distintivos é aspecto de relevo da atividade empresarial. Com efeito, para a distinção da atuação empresarial no mercado, há diversos elementos distintivos do fornecedor de produto ou prestador de serviço, de seu estabelecimento ou do serviço/produto fornecido, a fim de oportunizar a diferenciação desses elementos pelo consumidor, bem como permitir aos players distinguirem-se uns dos outros pela qualidade de sua atuação no âmbito de um livre mercado regido por uma livre concorrência leal e ética.
Diferentemente das marcas, em cuja sistemática se permite a possibilidade de registro de marcas idênticas caso se trate de ramos distintos de atuação, o nome de domínio, pela própria forma de acesso e organização da internet, apenas permite o registro único de um mesmo nome, não comportando a repetição de nomes de domínio.
Por isso é que se revelam constantes os conflitos entre marcas e nomes de domínio, eis que marcas idênticas coexistentes não conseguirão registrar nomes de domínio idênticos. Por essa razão, em um ambiente de pouca regulamentação, prevalece no âmbito do nome de domínio a regra do “First Come, First Served”, isto é, garante-se o nome de domínio àquele que primeiro o requerer.
Todavia, tal preceito não é absoluto, sendo que o próprio parágrafo único do artigo 1º da Resolução 2008/008 do Comitê Gestor da
Ricardo Oliveira é sócio do COTS Advogados, escritório especializado em Cyberlaw e Direito dos Negócios Digitais com sede em São Paulo. É coautor dos livros Marco Civil Regulatório da Internet - Editora Atlas, 2014, Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais Comentada - Editora Revista dos Tribunais, 2018, e do O Legítimo Interesse e a LGPD Editora Revista dos Tribunais, 2020.
Internet no Brasil (CGI.br) esclarece que o nome de domínio não pode desrespeitar a legislação em vigor, os direitos de terceiros ou induzir terceiros a erro.
Embora a marca e o nome de domínio sejam institutos diversos, o registro deste último deve respeitar os direitos conferidos pela Lei de Propriedade Industrial, de modo que a utilização da marca de terceiro pode ser interpretada como indevida e violadora de direitos.
Importante notar, também, que a depender da situação em concreto, podemos estar verificando casos de cybersquatting (prática de comprar um domínio com um nome comercialmente valioso, normalmente de uma marca muito conhecida no mercado, com o intuito de vendê-lo ao titular da marca ou de enganar os consumidores que tentarem acessar tal endereço) e typosquatting (cibercriminosos registram nomes de domínio que se parecem com outros domínios populares, e depois esperam que as vítimas digitem por equívoco o nome de suas páginas web ), em que pode haver violação ao Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990), que em seus artigos 4º e 6º traz expressa vedação à concorrência desleal como forma a preservar os direitos dos consumidores.
Assim, o registro do nome de domínio deve observar os direitos envolvendo a marca de terceiros, sob pena de desvio da livre concorrência, e imputação do crime de concorrência desleal, na figura dos incisos III e IV do art. 195 da Lei 9.279/96, bem como abuso do direito, como previsto no art. 187 do Código Civil.
Destaca-se que, em algumas oportunidades, a jurisprudência já decidiu inclusive em favor da transferência do nome de domínio ao titular da marca, em razão do uso abusivo do endereço eletrônico.
Dessa forma, a resolução do conflito não pode se basear apenas no mero critério da anterioridade, havendo que se considerar, também, o ramo empresarial de atuação, além do âmbito territorial de conflito, de atuação e de registro do nome empresarial.
Portanto, no conflito entre marcas e nomes de domínio, há que se destacar que o simples fato da precedência do depósito de marca ou de registro de nome empresarial não acarreta a afirmação do direito à utilização exclusiva ou prioritária de tais elementos distintivos. A primazia do princípio do “First Come, First Served” para apuração do registro do domínio de internet poderá ser mitigada ou desconsiderada quando evidenciado qualquer indício de que o titular do domínio tenha empreendido conduta que caracterize má-fé, a prática de concorrência desleal, desvio de clientela ou abuso de direito.
Por fim, se duas empresas titulares da mesma marca, mas em atividades diferentes, quiserem se utilizar do mesmo domínio, como resolver o conflito? Nesse caso, se ambas as empresas estiverem agindo de boa-fé, aí sim teremos a aplicação do “First Come, First Served”, pois, como se diz no mundo jurídico, o Direito não assiste a quem dorme.
Concluímos alertando aos empreendedores de que não devem legar o registro de marca ao segundo plano de suas preocupações. Tão importante como garantir um bom domínio é ter certeza de que ele não violará o direito à marca registrada por outrem. Domínio e marca podem caminhar juntos a fim de se evitar problemas futuros.