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TENDÊNCIAS VIVÊNCIAS E EXPERIÊNCIAS

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PLANEJAMENTO

PLANEJAMENTO

//TENDÊNCIAS, VIVÊNCIAS E EXPERIÊNCIAS FELIPE MENDES

General Manager Latam da GFK

FRÁGIL, ANSIOSO, NÃO LINEAR E INCOMPREENSÍVEL

Essas quatro palavras fazem parte do acrônimo BANI (Brittle, Anxious, Nonlinear, Incomprehensible, em inglês), criado pelo antropólogo norte-americano Jamais Cascio, logo no início da pandemia. Ele publicou um artigo no site “Medium”, com o título “Enfrentando a era do caos”, que se tornou um guia para muitos de nós.

No entanto, há mais de 20 anos, lá nos últimos meses de 1999, o genial sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017) publicou o seu livro “Modernidade líquida”, no qual previu muito do que percebemos hoje no mundo. O livro de 200 páginas é, paradoxalmente, muito denso, mas há bons resumos na internet, que merecem a leitura.

O conceito de “modernidade líquida” veio da percepção de Bauman de que o mundo caminhava para algo marcado pela volatilidade e pela fluidez típica dos líquidos. Os seus efeitos, segundo ele, se notariam em vários aspectos do mundo moderno, seja nas relações familiares cada vez menos tradicionais, na preferência dos consumidores pelas experiências em detrimento da posse, na admiração de celebridades e influenciadores, na valorização do multitasking e até nas relações de trabalho mais frágeis. “Uau” é pouco, certo?

Mas por que estamos falando disso na Revista E-Commerce Brasil? Porque acredito que as oportunidades de negócio hoje estão no “in between”, no “blurred lines” (no meio do caminho e entre as linhas) e em outras expressões famosinhas, que apontam para o “nem lá, nem cá”, para a ressignificação, mas também para a convergência e para a integração de elementos que antes ocupavam espaços diferentes.

Vamos a alguns exemplos bobos, mas bem específicos:

1. Mercado Livre é um site de compras ou de publicidade/ads?

2. TikTok é mídia social ou e-commerce?

3. Marketplaces matam seu negócio principal ao atrair concorrentes para eles mesmos?

O objetivo deste texto é explorar um pouco mais essas situações e propor algumas

Atuou em empresas de bens de consumo, como Phillip Morris, Mondelez e Unilever, no Brasil, Chile e México, até a posição de Diretor de Marketing. Em consultorias de data analytics, como a GfK, vem liderando empresas e unidades de negócio desde 2008, especializando-se em realizar processos de turnaround comercial, operacional e financeiro, bem como integração de empresas adquiridas. Felipe é membro do YPO (Young Presidents Organization) desde 2014 e atua em Conselhos de Empresas e Associações, além de palestrante frequente em eventos de tecnologia, varejo e comércio eletrônico, sendo investidor de startups nesses segmentos.

alternativas para o nosso dia a dia como pessoas de negócio.

A revolução nas mídias sociais

No início de setembro de 2022, o Instagram declarou que iria fechar a sua aba de Instagram Shop para se concentrar no seu negócio de vender publicidade. O Facebook Live Shopping fez um anúncio parecido um mês antes. O mais interessante é que essas ações foram tomadas para se investir mais recursos no desenvolvimento de comunidades, bem como em melhores soluções para vídeos curtos, dois elementos nos quais o TikTok vem se destacando globalmente.

No entanto, o TikTok, e seus mais de 90 milhões de usuários, está justamente acelerando na direção de se tornar um gerador de vendas através de suas comunidades altamente engajadas. A hashtag #RecipeTok, usada para se compartilhar receitas e segredos de cozinha, gerou uma parceria com o Instacart, a qual permite que os criadores de conteúdo possam agregar listas de compras de suas receitas aos vídeos. #Thriftok, comunidade que fala de artigos usados ou de segunda mão, estimulou alguns criadores a abrirem suas próprias lojas físicas, showrooms onde podem demonstrar sua curadoria e estilo.

Partindo para o entretenimento, #BookTok, e seus quase 70 bilhões de views, está se convertendo em um dos principais influenciadores da compra de livros físicos em parceria com a livraria online “Barnes and Noble”. Há também o “TikTok Book Club”, que lançou o livro “Persuasão”, de Jane Austen, ao mesmo tempo em que a Netflix lançou uma adaptação do livro em seu catálogo. Quanta integração, não é? Falando de “live shopping”, o mesmo TikTok que tinha abandonado seus planos de fazer livestreaming commerce nos Estados Unidos em julho anunciou em outubro que voltará a fazê-lo, mas agora em parceria com a TalkShopLive. O movimento permite que o TikTok se concentre em seu core (comunidades), mas ainda explore as receitas possíveis do live commerce sem investir muitos recursos próprios. A propósito, live commerce, fenômeno na China e crescente no Brasil, não decola na Europa e nos Estados Unidos.

Um detalhe para agregar a essa “fluidez” das mídias sociais: o TikTok anunciou no início de outubro que vai lançar o “Photo Mode”, que permite compartilhar várias fotos em um post, além de aceitar até 2200 caracteres... Ué, mas esse não é o Instagram...?

Ainda sobre mídias digitais, o Google está cada vez mais preocupado com a concorrência do... Instagram. A geração Z chega com uma orientação distinta para buscas, que é através de imagens ou sons, bem como em consultas às suas comunidades. Com isso, no longo prazo, há a preocupação de que a expressão “preciso dar um Google nisso” não seja mais prevalente, afetando as receitas das buscas, que são altamente lucrativas.

Bom, vamos respirar um pouco e fazer novas perguntas:

• Misturar mídias sociais e e-commerce é bom ou ruim?

• Mídias sociais estimulam vendas online (de livros) ou em lojas físicas (de roupas usadas)?

• Live commerce é tendência a ser aproveitada ou não?

• Onde investir quando quero fazer uma ótima estratégia de SEO? Google ou Instagram?

A transformação do entretenimento

A vitoriosa Netflix é um ótimo estudo de caso, certo? Bem... apenas no segundo trimestre de 2022, a gigante de 221 milhões de assinantes perdeu quase um milhão de assinantes... meio por cento parece pouco, mas todos nós sabemos o que significa parar de crescer para um negócio digital. Mas há também o elemento “emocional”, já que, com essa perda, a empresa foi ligeiramente ultrapassada pela Disney+ (incluindo Hulu e ESPN+), que se tornou a líder global de streaming... e nós todos também sabemos como os usuários correm para os negócios “líderes”, especialmente no ambiente digital.

No entanto, a cultura de inovação da empresa reagiu rapidamente e diversas ações foram tomadas para gerar mais receita. Uma das mais surpreendentes foi, em parceria técnica com a Microsoft, o lançamento de um pacote de assinatura mais barato, mas que terá publicidade... Fim dos tempos? Acho que não, pois com tudo o que a Netflix conhece dos nossos hábitos e preferências, a adequação da publicidade aos usuários poderá ser muito alta, transformando-se quase em uma plataforma de “infotainment” (ou “entretenimento informativo”, em português).

Outro elemento da estratégia, lançado no final de 2021, é o Netflix Games, que já está no Brasil. Stranger Things está lá, aliás, além de novos releases feitos em outubro! Ironicamente, nesse serviço, você baixa o jogo em seu celular ou tablet, eliminando a necessidade de um console Xbox, da “parceira” Microsoft. Você pode argumentar que a própria Microsoft está se “canibalizando”, ao estimular o Xbox Game Pass, o que também é verdade (ainda que em alguns lares a experiência ainda se dê através do Xbox). Mas vale abrir este questionamento aqui: “a grande vantagem do streaming para o usuário não é justamente não ter anúncio?”. Bom, tudo tem um preço na vida... e não há mais “free lunch” no mundo da tecnologia.

É necessário também relembrar os investimentos frequentes da Magalu em games, com a aquisição do Jovem Nerd (conteúdo que leva à construção das comunidades) e da Kabum! (varejo com boa oferta para jogadores profissionais), além da Netshoe Miners e os financiamentos para máquinas de alta performance. No meio de agosto, os primeiros três jogos da Magalu Games foram lançados em parcerias com estúdios nacionais, todos com foco em celulares e “hypercasuais”, ou seja, de ampla penetração. Ainda sobre celulares, mais e mais empresas com jogos digitais têm proposto usar esses aparelhos como “joysticks” virtuais, algo com que o 5G irá ajudar bastante, pela menor latência.

O assunto gaming, portanto, merece algumas reflexões:

• Entro como um patrocinador de jogos e torneios? Físicos ou digitais?

• Como faço para acessar essas comunidades?

• Me junto a um estúdio local para desenhar um jogo em que a minha marca seja a “heroína”? Sou um varejo online de construção, poderia ser legal uma versão própria de Minecraft!

A pauta ESG é mais complexa do que parece

Há alguns anos, tínhamos no carro um mapa de ruas e um catálogo telefônico na gaveta da sala. Imprimíamos fotos, usávamos re-

lógios e acordávamos com rádio-relógios. Riscávamos os compromissos nos calendários, escutávamos CDs e por aí vai. Podemos dizer que o smartphone é o produto mais ESG que existe, pois eliminou a produção de diversos produtos de papel e plástico, certo? Bem, há o outro lado, que é a produção dos próprios aparelhos, suas baterias e processadores, que necessitam de outros elementos da natureza (lítio, principalmente) que são obtidos através de mineração, algo não tão visto como “ESG”.

Mas o ponto principal é que, ao se usar mais o celular e se consumir mais informação, a capacidade de poder computacional teve que ser aumentada em milhares de vezes, ainda mais com a propagação da inteligência artificial, uma consumidora voraz de energia. A digitalização, tão fundamental para o desenvolvimento econômico e social, pode ser considerada “antiESG”? Acredito que os benefícios superam os impactos e há boas notícias em relação a isso: Intel, Arm e Nvidia propuseram, em setembro de 2022, um novo padrão técnico para tornar mais eficiente o processamento necessário para a inteligência artificial.

Falando de inteligência artificial e ESG, o assunto não poderia ser outro que não os carros elétricos e autônomos. Eles são “o que há de mais legal”, certo? Bom... estudos demonstram que o impacto total na cadeia de produção e utilização de um carro elétrico é ligeiramente maior do que o de um carro a biodiesel (etanol), ou seja, trocamos combustão por lítio. Já em relação aos carros autônomos, há uma discussão ética relevante: se um acidente for inevitável - por exemplo, atropelar uma senhora, um cachorrinho ou uma criança de bicicleta - quem irá tomar essa decisão na hora de se programar o tal do algoritmo? Algo similar, ainda que menos trágico, ocorre com cidades inteligentes: o algoritmo deve privilegiar o deslocamento da bicicleta, do ônibus ou do pedestre?

Ainda sobre a energia, nunca se queimou tanto carvão na Europa em função da restri-

ção do gás russo. Outro fato relevante é que o preço do urânio está disparando em função do renascimento das usinas nucleares como opção da matriz energética. Ao mesmo tempo, a migração para matrizes mais “verdes” demandará enormes investimentos dos governos em geração, transmissão e adaptação das cidades, algo que os países pobres terão dificuldade de agregar aos seus orçamentos. Quem decidirá se construímos mais casas populares ou se aceleramos o desenvolvimento da energia solar no Brasil?

Outra pergunta válida é: "Qual a maior oportunidade de negócio entre os 3 Rs de Sustentabilidade, Reduzir, Reutilizar e Reciclar?”. Pessoalmente, acho reciclar o máximo, mas é fato que estimular a reciclagem é caro, complexo e, no final das contas, consome bastante energia, além de que tem sido difícil extrair valor dessa cadeia no varejo. No entanto, reusar é uma oportunidade latente, já que podemos revender e até alugar produtos em linha com a tendência de uso versus posse ou experiência versus posse. Isso é bastante oportuno para moda, incluindo acessórios de alto valor, mas também para produtos de alto valor e uso pouco frequente. Merece destaque o crescimento do serviço “Localiza Meoo” de carros por assinatura, que apresentou uma ótima campanha de publicidade no fim do terceiro trimestre, com o mote “Carro não é pra casar, é pra assinar”.

A integração da jornada física e digital segue se reinventando

Ok, chega de filosofia e assuntos éticos e vamos voltar ao nosso mundo. Os apps de entrega, nos Estados Unidos, estão começando a estimular o pick up in store. Sim, com a redução dos investimentos que as startups de entrega têm recebido, elas não conseguem mais financiar o usuário dessas plataformas, então o custo das entregas precisa ser revisto (para cima). Com isso, os usuários começam a reavaliar se vale a pena pagar pela entrega ou se é melhor pedir pelo aplicativo e ir retirar em algum lugar (loja, armário, dark store etc.).

Ainda mais interessante: alguns aplicativos estão adquirindo ou fazendo parcerias com lojas físicas para que o consumidor faça compras na loja, através do aplicativo... Isso mesmo, um app de entrega rápida te estimulando a comprar na loja. A vantagem, nesse caso, é saber antes se há o produto disponível, mas principalmente não enfrentar filas para pagar (você paga através do app). Isso é realidade nos Estados Unidos, principalmente em Nova Iorque, estimulada por “Gorillas”, “Gopuff” e “Getir”.

Outra notícia relevante do fim de setembro foi a parceria entre Carrefour e Cornershop (by Uber), a qual é mundial, mas que chegou ao Brasil há poucos meses. A proposta de valor é entregar itens selecionados em 15 minutos, alavancando a presença física do Carrefour e a tecnologia e a logística de última milha da Cornershop. Interessante observar que, ao anunciar a parceria, os executivos destacaram que o piloto estava demandando investimentos adicionais de ambas as empresas, não sendo lucrativo no momento. A aposta para o equilíbrio econômico vem de maior recorrência, com maior valor unitário e tempos de entrega mais longos. Apenas como referência, o iFood também indicou na mesma época a sua intenção de seguir desenvolvendo dark stores.

O que fazer amanhã?

Marc Benioff, cofundador da Salesforce, tem uma frase que combina bem com esse momento: “Como empresa, você precisa chegar no futuro antes dos seus clientes. Assim, você poderá cumprimentá-los quando eles chegarem”. Essa frase se conecta com

o primeiro objetivo deste texto: alertar os leitores da Revista E-Commerce Brasil sobre o fato de que todos precisaremos escolher a nossa versão de futuro e caminhar naquela direção o mais rápido possível.

No entanto, há um segundo objetivo, ainda mais relevante: cada um de nós deve escolher o caminho que faz mais sentido à nossa empresa, aos nossos valores, a aquilo em que acreditamos e ao que nascemos para fazer. Brian Chesky, cofundador do Airbnb, disse que se deu conta, no meio da pandemia, que, para seguir tendo sucesso, precisaria fazer menos coisas, voltando para o que o inspirou no início da empresa: a melhor jornada possível para um viajante. Parece óbvio, mas nem sempre é, ter clareza da sua vocação.

Esta é a pergunta central, que deve ser feita para cada um dos movimentos acima, e para tantos outros que passam por nosso feed diário de notícias: como aquela tendência, tecnologia ou investimento vai gerar uma melhor experiência para os meus clientes, me diferenciando mais da concorrência? Essas escolhas, tão difíceis, compõem o cerne da estratégia de cada empresa e, em um mundo tão volátil, podem representar grandes oportunidades a aqueles que tomarem as melhores decisões.

Termino com algo que ouvi hoje, e que me inspirou, sobre o acrônimo “VUCA” (que antecedeu o “BANI”). Como vocês sabem, VUCA nasceu em 1990, dentro da academia militar americana, para definir para onde iria o mundo. As letras representam Volatility (volatilidade), Uncertainty (incerteza), Complexity (complexidade) e Ambiguity (ambiguidade), algo ainda atual, apesar de “atualizado” pelo conceito BANI, que dá título a este texto. Quem me inspirou foi o pesquisador Bob Johansen, em seu livro “Líderes fazem o futuro” de 2009, no qual propôs uma revisão do acrônimo para uma aplicação mais ativa, que pode servir como um guia no desenho de planos de ação de empresárias(os) e executivas(os): Vision (visão), Understanding (entendimento), Clarity (clareza) e Agility (agilidade). Acredito ser um excelente resumo para ficar gravado em nossas cabeças, sobre o que precisamos fazer agora:

1) Ter um Entendimento claro sobre o que está ocorrendo no mundo e os seus impactos, eliminando aquilo que é “modinha” e focando no que realmente importa.

2) Desenvolver uma Visão sobre como isso poderá colaborar para o sucesso da nossa empresa, com base nos nossos desafios e no que sabemos fazer;

3) Apresentar um plano com absoluta Clareza a todos os colaboradores da empresa, para que entendam os investimentos e as escolhas que serão feitas no dia a dia;

4) Ter Agilidade para corrigir o rumo na implementação das atividades, mantendo o foco na Visão, mas “pivotando” de acordo com a resposta do mercado.

Com isso, desejo boa sorte em seus negócios em 2023! Só me prometa que fará um exercício estratégico “VUCA” para não perder nenhuma oportunidade.

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