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NOS BASTIDORES DO E-COMMERCE

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FUTURE SHOPPING

FUTURE SHOPPING

COLUNISTA

PEDRO PADIS

CEO e sócio da Gourmetzinho Alimentos pedropadis@hotmail.com

DIVERSIDADE MUITO ALÉM DO CONSUMO

No começo da segunda década do século 21, os conceitos de neutralidade e isenção de opinião, cada vez mais, parecem ter ficado no passado. Em um mundo altamente volátil e complexo[1], a crescente atenção voltada para as questões sociopolíticas e culturais está entre uma das poucas certezas possíveis. Com as possibilidades oferecidas pelas plataformas digitais, os grupos minoritários têm se esforçado para que suas demandas e vozes cheguem à esfera pública, gerando discussões e, por fim, mudanças em diversos níveis políticos e sociais. No anseio e necessidade de se conectar com o público, o mercado de consumo não está – nem poderia ficar – alheio a essas transformações. Se antes algumas marcas duvidavam desse movimento, os números já não podem ser ignorados.

A pesquisa Global Consumer Pulse da consultoria internacional Accenture Strategy revelou que 83% dos consumidores brasileiros preferem comprar de marcas que defendem propósitos alinhados aos seus valores de vida. Mais ainda, os entrevistados disseram dispensar as empresas que se mantêm neutras frente a questões de diversidade e inclusão. A tendência se confirma em outros dois indicadores importantes: 76% afirmaram que suas decisões de compra são influenciadas pelos valores propagados pelas marcas e pelas ações de seus líderes, enquanto 79% dos consumidores brasileiros disseram que querem que empresas e marcas se posicionem em relação a assuntos importantes em áreas como sociedade, cultura, meio ambiente e política.

Outro estudo recente, encomendado pela gigante de tecnologia Samsung e conduzido pela Bridge Research, apontou que 85% dos brasileiros acreditam que as marcas devem abordar a diversidade, principalmente em estratégias de marketing. A iniciativa demonstra que os brasileiros estão preocupados com questões como racismo e desigualdade de gênero, sendo que, para 67% dos entrevistados, abordar essas temáticas nas campanhas e ações ajuda a romper barreiras e preconceitos. Além de reforçar a importância do tema, a pesquisa apresenta um ponto de alerta para as marcas brasileiras: 73% responderam que a diversidade não é respeitada no país.

Ao redor do mundo, as marcas têm caminhado sob uma linha tênue para englobar as demandas de diversidade e inclusão em suas múltiplas facetas como gênero, orientação sexual, raça, etnia, deficiências e religião. Seja a partir de iniciativas mais sutis ou ostensivas, as empresas que decidem se posicionar também devem estar preparadas e conscientes das possíveis repercussões que suas campanhas podem ter, especialmente no que tange ao polo negativo, instigado por alas mais conservadoras da sociedade.

Nos últimos anos, o Magazine Luiza tem se posicionado contra o feminicídio e levantou a bandeira feminista por meio de diversas

Atuando desde 2010 com mercado digital, e-commerce e omnichannel, Pedro Padis é atualmente CEO e Sócio da Gourmetzinho Alimentos, empresa especializada em alimentação infantil congelada. Com histórico de head de e-commerce do Grupo Aste, coordenou grandes operações de marcas globais como New Balance, Kipling, Diesel, entre outras. Ainda traz denso background em varejo, tendo passagem por Dia% e Walmart.

ações sociais respeitadas e reconhecidas, não sem receber, também, ataques e acusações pela iniciativa. Já nos Estados Unidos, o McDonald's também se posicionou a favor do feminismo e sofreu duras críticas na mesma proporção dos elogios. Outro gigante do setor de alimentos, o Burger King dividiu opiniões dos consumidores com um comercial sobre poliamor. No Brasil, uma das marcas precursoras na realização de comunicações e narrativas inclusivas é a gigante nacional de cosméticos O Boticário, que firmou seu posicionamento integral frente à diversidade e à inclusão e, em comerciais recentes, trouxe uma família negra no Dia dos Pais e casais homossexuais para a campanha de Dia dos Namorados.

Talvez uma das comunicações mais polêmicas, divulgada recentemente, foi encabeçada pela fabricante de lâminas de barbear Gillette ao abordar feminismo, machismo e masculinidade tóxica. A campanha gerou um debate público importante, despendendo muitos comentários positivos, apesar de, também, atrair a ira de um grupo de homens que se uniram para pedir boicote à marca, por considerar o conteúdo ofensivo ao sexo masculino. Frente ao desdobramento, a Gillette afirmou estar muito satisfeita com o resultado da campanha e reforçou o posicionamento acerca do tema.

Nesse mesmo mote, temos o exemplo de mais uma gigante, a Nike, que lançou uma campanha com o jogador de futebol americano Colin Kaepernick. O quarterback havia sido rejeitado pela NFL por ter se ajoelhado durante o hino nacional estadunidense em protesto à brutalidade policial contra afroamericanos. Em meio às discussões na esfera pública, escalonada pelas redes sociais, houve manifestações de boicote à marca, mas nada comparado ao impacto positivo da ação. Dias depois de a campanha ser lançada, as vendas online da Nike dobraram em comparação ao mesmo período do ano anterior, e o preço das ações comercializadas na bolsa americana atingiu a maior alta de todos os tempos.

Exemplos práticos como esses demonstram que, felizmente, nos últimos anos, o respeito à diversidade vem ganhando destaque. Além de serem avaliadas por seus produtos, serviços e atendimentos, as marcas passaram a ser analisadas a partir da forma como se posicionam em relação a questões sociais, ambientais e políticas, especial e obviamente pelos consumidores que se identificam com grupos minoritários.

Em mais uma pesquisa realizada pela Accenture – Inclusion and Diversity in Retail –, 42% dos clientes pertencentes a minorias afirmaram que substituiriam uma compra para privilegiar uma empresa comprometida com diversidade e inclusão. Na mesma toada, 55% dos entrevistados alterariam seus hábitos de consumo se a marca não se responsabilizasse por incidentes negativos envolvendo a temática. Outro estudo conduzido pela Adobe, nos Estados Unidos, constatou que, para 62% dos entrevistados, a diversidade, ou a falta dela, afeta a percepção sobre uma marca, seus produtos e serviços. Além disso, 58% dos participantes LGBTQIA+, 53% dos afroamericanos e 40% dos hispânicos já abandonaram uma marca por não se verem representados em sua publicidade.

Mais uma vez, os números são incontestáveis e a tendência, irreversível. O público consumidor está não apenas se afastando de marcas que não compartilham de seus valores, mas também buscando as que se posicionam firmemente sobre eles. E a representatividade na comunicação não é a única barreira a ser superada. É necessário que as

empresas reflitam de que forma expressam seu compromisso com a diversidade e a inclusão. Em outras palavras, discurso vazio também não para em pé, principalmente em tempos de ebulição digital. Mais frequentemente do que gostaríamos, alguma foto corporativa compartilhada de modo corriqueiro causa alvoroço nas redes sociais por revelar as incongruências de marcas que, por exemplo, pregam igualdade de gênero, mas têm o quadro de liderança composto apenas ou majoritariamente por homens.

Para marcas de todos os países, a diversidade e a inclusão não podem ser demonstradas apenas por meio de atos simbólicos. Mais do que campanhas de marketing e publicidade voltadas para o público externo, as empresas são instigadas a adotar uma abordagem holística frente ao tema, garantindo que as narrativas inclusivas que chegam aos clientes também estejam refletidas nas políticas de contratação, promoção e processos diários vivenciados por quem constrói a marca no dia a dia.

A partir desse momento, chegou a hora de o e-commerce abraçar as diversas complexidades sociais, traduzindo as distintas necessidades para o mercado de consumo. Isso tem se mostrado fundamental para tornar a jornada do cliente mais autêntica e, consequentemente, ampliar as possibilidades para impactar um público mais amplo e heterogêneo.

Em um mundo de constantes transformações, as marcas precisam olhar para seus valores e propósitos a fim de traçar a linha tênue que norteará o equilíbrio delicado entre boas intenções, estratégia, veracidade e conexão com o público, além de refletirem sobre quais serão os impactos na nova jornada do consumidor. Temos trabalhado com conceito de buyer persona, mas chegou a hora de pensar na experiência fluida. Será cada vez mais difícil reativarmos definições de estereótipos para uma jornada digital.

Como serão os novos hábitos de consumo, então? Temos poucas respostas, mas, certamente, passarão desde a definição de produtos, árvores de categorias, relacionamento com o cliente, entrega, até o fim da cadeia, incluindo a logística reversa.

Muitos podem argumentar que no e-commerce esse conceito já é mais democrático. Isso é parcialmente verdadeiro, pois se estabelece uma relação mais fria com o consumidor no ambiente digital. Porém, como entender personas fluidas em uma jornada omnichannel? Será mesmo que é preciso tratar o cliente como único em todos os canais? A certeza que temos é de que o e-commerce mundial terá que se reinventar e quebrar paradigmas por meio de iniciativas concretas, que vão muito além de filtros coloridos nas redes sociais institucionais.

[1] Em referência ao conceito de mundo VUCA, acrônimo das palavras inglesas Volatility, Uncertainty, Complexity e Ambiguity. A noção teve origem na década de 1990, pós-Guerra Fria, utilizada para explicar a complexidade e as incertezas do contexto geopolítico mundial. Em 2008, o termo voltou a ser aplicado, agora aos negócios, devido à crise econômica, e segue sendo empregado para definir o período em que vivemos.

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