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DIREITO DIGITAL
RICARDO AZEVEDO
Advogado associado da COTS Advogados
MAIS UMA VEZ O DIFAL: LEI COMPLEMENTAR E AS IRREGULARIDADES DO CONVÊNIO CONFAZ
DIFAL - Histórico e a nova Lei Complementar nº 190 - Interpretações dos estados e dos contribuintes
Nos termos da recém-promulgada Lei Complementar nº 190, de 4 de janeiro de 2022, foi instituída a nova sistemática de cobrança do Diferencial de Alíquota do ICMS (DIFAL) para as remessas de mercadoria, bens e serviços a consumidor final não contribuinte do ICMS, localizado em outra unidade federada, que deverá iniciar-se apenas em 1º de janeiro de 2023.
Dessa forma, o Congresso Nacional finalmente regulamentou a Emenda Constitucional nº 87/15, que estabeleceu a divisão federativa do ICMS entre o estado de origem e o de destino nas operações ao consumidor final.
De acordo com a Emenda Constitucional nº 87/15, as operações de remessas de mercadoria, bens e serviços a consumidor final não contribuinte do ICMS, que eram anteriormente tributadas integralmente no estado remetente, passariam a ter nova dinâmica. O estado remetente passaria a tributar o ICMS na saída pela alíquota interestadual de 7% ou de 12%, conforme o destino, e o estado de destino receberia a diferença entre a alíquota interestadual e a sua alíquota interna. Assim, os estados regularam a matéria por meio do Convênio Confaz nº 93/15 e passaram a dividir o ICMS como exposto acima.
Todavia, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI 5.469 - e do Recurso Extraordinário RE 1.287.019 (Tema 1.093 da repercussão geral), reconheceu em fevereiro de 2021 “a cobrança do diferencial de alíquota alusiva ao ICMS, conforme introduzido pela emenda EC 87/2015, pressupõe a edição de lei complementar veiculando normas gerais” e, consequentemente, declarou inconstitucional o Convênio Confaz nº 93/15, modulando os efeitos dessa inconstitucionalidade do DIFAL para 1º de janeiro de 2022.
Para esclarecimento, a Lei Complementar tem por objetivo dar tratamento uniforme sobre determinadas matérias, em especial tributos onde possam ocorrer conflitos de competência tributária entre os entes federativos, como ocorre com o ICMS (conflito entre os estados), ISS (conflitos entre municípios e entre municípios e estados) e o Simples Nacional (concorrência entre União, estados e municípios). Essa é a razão
Ricardo Azevedo é especialista em Direito Tributário pela GVLAW/EDESP, é professor de Digital Law em Cursos de MBAs da FIAP e Coordenador do Grupo de Trabalho Jurídico da ABINC - Associação Brasileira de Internet das Coisas.
pela qual a Lei Complementar exige como quórum para sua aprovação a maioria absoluta dos deputados (257 votantes a favor) e senadores (41 votantes a favor), enquanto que as leis ordinárias exigem maioria simples do quórum votante.
Em resposta ao referido julgamento do STF, o Congresso Nacional votou o Projeto de Lei Complementar PLC nº 32/21, que, após a sanção presidencial, foi publicada no Diário Oficial de 5 de janeiro de 2022, como a Lei Complementar nº 190, de 4 de janeiro de 2022.
O artigo 3º da indigitada Lei Complementar estabeleceu ainda que a produção dos efeitos da nova legislação observará o prazo de 90 dias contados da sua publicação, conforme o disposto na alínea "c" do inciso III do caput do art. 150 da Constituição Federal.
Nesse sentido, o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), em sua 343ª Reunião Extraordinária, realizada em Brasília, no dia 27 de dezembro de 2021, estabeleceu o Convênio Confaz nº 236, de 27/12/2021, publicado no Diário Oficial de 6 de janeiro de 2022, determinando a aplicação das novas regras do DIFAL a partir da data da sua publicação no Diário Oficial da União, produzindo efeitos a partir de 1º de janeiro de 2022.
Os estados de destino dos bens e serviços destinados aos consumidores não contribuintes do ICMS já anunciaram que poderão voltar a cobrar o DIFAL a partir de 5 de abril de 2022.
Ocorre que, como visto acima, o PLC nº 32/21 foi objeto de sanção presidencial e publicado no Diário Oficial como a Lei Complementar nº 190 somente em 5 de janeiro de 2022, razão pela qual o início da produção de efeito deveria acontecer somente no ano subsequente da sua publicação, ou seja, a partir de 1º de janeiro de 2023.
Explica-se. A alínea "c", do inciso III, do caput do art. 150 da Constituição Federal prevê a obrigatoriedade de se obedecer ao prazo de 90 dias contados da sua publicação. Todavia, o referido inciso faz a ressalva para observar o disposto na alínea “b” do mesmo dispositivo constitucional, que estabelece a vedação de cobrar tributos “no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou”.
O entendimento dos contribuintes é que o DIFAL estabelecido na EC nº 87/15 somente entrará em vigor em 2023, razão pela qual o Convênio Confaz nº 236, de 27/12/2021, bem como todas as legislações estaduais que determinarem o seu recolhimento na nova sistemática, estariam violando sistematicamente a Constituição Federal.
Claro que os estados alegam que a alínea “b”, do inciso III, do caput do art. 150 da Constituição Federal não se aplicaria à Lei Complementar nº 190/21, pois a referida legislação não estaria instituindo tributo novo nem aumentando alíquota, eis que o ICMS já fora instituído pela Lei Complementar nº 87/96 (Lei Kandir).
Não obstante tal entendimento, é certo que o STF, em diversas oportunidades, como nos casos da ADI 2325 MC/DF, em 2004, e RE 564.225 AgR, em 2014, já estabeleceu que a regra de anterioridade anual, ora em comento, deve ser observada nos casos em que a nova legislação possa acarretar aumento do tributo, ainda que de forma indireta.
Portanto, temos a conclusão lógica de que, dada a interpretação do STF em casos anteriores, a Lei Complementar nº 190/22 somente deverá produzir seus efeitos em 1º de janeiro de 2023, sendo que, ao longo de 2022, o ICMS referente à saída interestadual das mercadorias e serviços destinados a não contribuintes desse imposto deverá ser recolhido integralmente no estado de origem.
E as empresas optantes pelo Simples Nacional?
O Diferencial de Alíquotas disciplinado pela Lei Complementar nº 190/22 não se aplica aos contribuintes do Simples Nacional, pois a Lei Complementar nº 190, de 4 de janeiro de 2022, não promoveu qualquer alteração na Lei Complementar nº 123/06, o chamado
Estatuto Nacional das Micro e Pequenas Empresas e que estabelece a sistemática de apuração dos tributos pelo Simples Nacional.
Daí que a nova Lei Complementar nº 190/22 regulamenta a cobrança do DIFAL nas operações de saída de mercadorias destinadas a não contribuintes do ICMS para as empresas que adotam regimes de tributação do imposto estadual como o Regime Periódico de Apuração ou o Regime de Estimativa.
Assim, os contribuintes do Simples Nacional não devem recolher o diferencial nas saídas de mercadorias e prestações de serviços sujeitas ao ICMS, com destino a não
1 Até o momento da elaboração desta matéria, o Ministro Alexandre de Moraes não havia se pronunciado nos autos.
contribuintes de outros estados, mesmo após 1º de janeiro de 2023.
E agora?
É certo que não sobra aos contribuintes do ICMS que fazem remessa de mercadorias e serviços para outras unidades da Federação uma alternativa, senão, recorrer ao judiciário.
Em 14 de janeiro de 2022, a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (ABIMAQ) protocolou, no STF, a Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI nº 7066, com pedido de liminar para suspender os efeitos da Lei Complementar nº 190/22, bem como do Convênio Confaz nº 236, de 27/12/2021, durante o ano calendário de 2022. A ADI será relatada pelo ministro Alexandre de Moraes, a quem cabe decidir sobre a concessão da liminar pleiteada nos autos, bem como sobre os requisitos objetivos e subjetivos para processamento do feito.
Provavelmente, esse será o leading case da questão objeto da presente matéria.
Sem prejuízo do andamento do referido procedimento, muito provavelmente as empresas podem necessitar de ações individuais como mandados de segurança ou pedido de tutela de urgência em ações declaratórias de inexigibilidade nos estados de destino das suas mercadorias, a fim de evitar a cobrança do DIFAL-ICMS sobre as suas remessas, haja vista que, por muitas vezes, a fiscalização local “desconhece” a legislação ou mesmo decisões dos tribunais constitucionais.
Importante destacar que a ADI 7066 da ABIMAQ se refere à aplicação do DIFAL durante o ano de 2022, não se aplicando às empresas optantes do Simples Nacional, especialmente após 1º de janeiro de 2023, razão pela qual estas deverão ficar bastante atentas caso as fiscalizações dos estados de destino das mercadorias e serviços também venham a exigir o DIFAL em suas remessas, podendo ser necessária a adoção de procedimentos judiciais para liberação de mercadorias.
Finalmente, vale ressaltar que, até a elaboração desta matéria, o Poder Judiciário já foi acionado, determinando a suspensão da cobrança do DIFAL nas operações interestaduais de saída com destino a não contribuintes do ICMS, durante o ano de 2022, como no caso verificado na 7ª Vara da Fazenda Pública em Brasília, na 8ª e na 16ª Varas da Fazenda Pública em São Paulo e na 3ª Vara da Fazenda Pública em Vitória.
Mais uma vez, o Poder Público criou confusão desnecessária, pois o Congresso Nacional aprovou o PLC nº 32/21 em 20/12/2021, sendo que a sanção presidencial poderia ter ocorrido ainda no ano passado. Por outro lado, os Secretários de Fazenda Estadual usurparam de sua competência, novamente, ao estabelecer o Convênio Confaz nº 236 de forma “prévia” em 27/12/2021 (ainda que publicado em 6 de janeiro de 2022). Resta ao contribuinte, por fim, “pagar” o custo para fazer valer os seus direitos.