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Amália Morgado
Amália Morgado é funcionária pública de ofício e poeta desde que aprendeu a escrever. Ama flores, as horas crepusculares e percorrer ruínas e fragmentos pelo mundo e dentro de si.
IMPALPÁVEL Será que existem fósseis imateriais? Decerto não. Ah, perguntas de horas mornas, nostálgicas... Mas o que será daquilo que agarro em ânsia Com os dedos trincados? Abro a mão como quem engole seco A esperança E nada tenho. (Talvez eu nunca o tenha possuído Por sequer um instante) As risadas largas, gosto tânico do café, Petit-four encerando de leve O céu da boca, Ou se desmanchando, entre as papilas Abertas e receptivas como flores. Vapores etílicos enlevam o olfato, Ambicionando a mente, elevando a voz E gargalhadas batem sem medo Como ondas na pedra, Levantando impetuosa espuma. Agora O mundo como era acabou E mesmo nosso parco legado cotidiano, Nada diz sobre o que realmente interessa.
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Na caixa de papelão, deitada, Numa estante enferrujada, Há uma ficha onde pende um retrato. As traças comeram meus olhos, São agora vazados, dois buracos Sinistros, sem identidade. Minhas roupas sem mim não são nada. Eu era um suporte ao menos. Ao menos. São trapos moles, sem sustento, E cobrem o chão como cobras ressequidas. Os sapatos são pequenas caixinhas coloridas e Quem os levantar não saberá, jamais, Por onde passaram. Solos benditos e impuros não falam: Degradam. E não ouvem apelos De que devem resistir ao irresistível. Mentem, a cada hora passada, Suas formas originais. Estas se foram há tempos, Com suas testemunhas, Aqueles belos e estranhos Jazigos de carne, Deitados, como fetos frágeis, Sob as mantilhas finais De grossas camadas de pó E glórias desfeitas.