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Camila Hardt
Camila Hardt. Estudante de física, tatuadora, aspirante a poeta, residente da cidade de Rio Claro, interior de São Paulo. A tatuagem diz das superfícies e me basta, mas por necessidade quis entender o que existe por dentro da matéria. Aí resolvi estudar. Nunca descobri, mas sempre me encantei entre tantas e tantas impressões sobre a vida. Entendi que era a arte o negócio. Mas é da física que tiro inspiração. Da física dos meios, dos centros, dos processos, movimentos e eternidade.
Esta não é uma história científica, não me comprometo com o real das coisas. Me interesso mais no que ainda não aconteceu.
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POR DENTRO DE UM ÁTOMO
Diferentemente dos quadros, das imagens bonitas, das formas ideais, escrevo para chamar o silêncio. É uma produção feita como num ruído, que evoca o movimento sem que este próprio aconteça. Escrevo, por necessidade, sem imagem, que os dias e suas produções frenéticas não me bastam. Preciso criar outras formas de silenciar, então descubro a letra. A palavra é, sobretudo, uma forma de recriar o silêncio.
Sinto uma sede infinita e no mundo parece que toda água é turva, já não atravessa meus poros. A pele seca e fria. Intervalos abruptos de temperatura. Será que evocamos a rapidez? Preciso gerar outras formas de desacelerar. É preciso a calma entre as estações, para que nossos ritmos se encaixem. Ao ritmo dos pássaros, das plantas, das nuvens. De alguma forma, acolher a própria voz. Então, quis experimentar fazer das coisas todas voz. Notá-las, como se fossem mensagem divina, vindo me guiar. São, todas as
coisas, uma forma de lembrar? E, por isso, parece que ter calma é essencial.
Nossos ritmos não se encaixam aos automóveis. Ou, ainda, ao ritmo das correntes elétricas. Há um esforço sobre-humano para ultrapassarmos a velocidade da luz. Entretanto, já não nos atrevemos a pensar: por quê?
Desejo a liberdade de ver sentido nas produções. Desejo a liberdade de parar e de fato acreditar nas transformações. Por que tanto nos movimentamos, se é tudo na direção dessa repetição?
Ainda sim, tenho algo de brilhante que está até mesmo pra além do desejo. Simplesmente repousar neste silêncio, neste vazio, inominável e perpétuo. Habitar ali, de vez em quando é o que me dá força.
Temos postergado nossa própria existência, como se fosse possível adiá-la. E, desde que percebi este incômodo que fere a própria vida, sinto meu corpo morrer. Criamos a própria morte, porque os dias já não mais passam como se fossem libertação. Cada passo a mais nos aproxima de nossa própria aniquilação.
Fazer arte talvez seja um pouco como recriar a vida desde às entranhas. É preciso notar-se até as tripas. Perceber primeiro os movimentos de meu corpo, como sugere Bergson, para então coordenar estes movimentos ao mundo, como numa dança. Cósmica.
Existem tantos que falam sobre isso, mas ainda
não há uma fórmula mágica de compreender como dançar. E aí está então nossa maior necessidade. Desenvolvermos uma nova forma de arte.
É preciso que seja novo, pois tudo o que existe até aqui já não nos basta. É preciso que seja realmente novo, algo que possa ser uma espécie de martelada nas estruturas de concreto da cidade. Mais uma, entre tantas outras. Essa vida urbana precisa conter-se. Mais um dia.
Escrevo em meio a tremores e espasmos. Contrário meu corpo. Meu coração palpita. Sinto meus órgãos num movimento constante de contração, sinto dor. Há quanto tempo me sinto assim? Faz quanto tempo esse incômodo, esse medo de morrer, esse romper-se integralmente. Será loucura? Escrevo para me lavar. Como se fosse alguma espécie de repensar. Se soltar de caminhos mentais. O pensamento é horizontal.
E então sinto um fogo que nasce do meu ventre. Não se trata de mim. É Deus. Esse deus que habita minhas entranhas, que dorme por de baixo de minhas células. E aquece o colo. De repente percebo meu fígado. É preciso sentir com as tripas. O mundo. O universo. Isso que é Divino.
Escrever é ainda alguma espécie de encarnação. A arte talvez seja uma espécie de dramaturgia. Mas não se trata de fingir. Se trata de viver a poesia. Viver o instante das coisas e escrever sobre o que me acontece. Agora.
É de fato uma espécie de dádiva sentir os órgãos. E, por isso, acredito que posso ressoar para o mundo, através das palavras, esse poder que há no ventre. No calor do nascimento.
Não se trata de curar o passado. É preciso ouvir o corpo como quem escuta um tipo de música. Dançar.
O corpo é nossa conexão imediata com o inesgotável. Não há fim para a vida. Há apenas passagem. Nosso corpo é passagem. Entregar-se ao caminho é nossa única opção. Ainda sim, é preciso explodir por dentro. Sentir o mundo, suas necessidades. E já sentimos.
O mundo nos exige uma transmutação. Há, nas palavras, qualquer chance de explodir-se?
É o poder da arte, esse queimar-se por dentro, com coragem, que nos transformará. Entregar-se como quem dança.
Uma estranha leveza. Pousada numa nuvem. Um pensamento que parece tão solto que temeria prendêlo. Vai, pensamento, corre. Corre neste deserto feito de grãos. Únicos. Que são erosão. E às montanhas já bem longe, passa, atravessa-as. Já não são as montanhas, nem os grãos, mas as nuvens que falam. Que dançam. Sou nuvem?
Pensamento-pássaro. Já não me lembro tanto.
Passado o tempo de insanidade volto ao estado de amarga normalidade. Sinto falta da loucura quando só me lembro do real.
Amar alguém me causa essa necessidade de chamar um novo corpo, largar todas as coisas que já me ensinaram que era amor. Amar alguém pode ser o que for. É dor também e é bom permitir isso passar… mas exige-nos, sempre, uma reformulação quase total. É preciso permitir que o outro nos atravesse sem tantas defesas, assim como é preciso atravessar sem machucar. É difícil. Mas é bom também.
Estou triste, vou ficar em silêncio.
O amor é o espaço da angústia. É o caminho de se fazer passar o desconhecido. Somos atravessados pelo mistério da correspondência, o mistério da propagação da energia no vácuo. Como pode ressoar a matéria nessa distância? Como podem partes tão distintas estabelecerem contato? Será que somos mesmo um?
A minha angústia não permite que passem apenas histórias já contadas. Não me interessam histórias de amores ideias, nem sequer de disputa ou competição. Não me interessa qualquer aprovação, afinal, nenhum amor jamais me bastou e, apesar de ser ainda um tanto jovem, sei que nunca me bastará. Não sou musa, nem sou tão bonita assim. Não tenho nada de profundamente especial, a não ser as minhas pequenas partes vibrantes. Meus átomos. Meu corpo trêmulo e frágil. É uma pena mesmo que tenham feito do amor essa história tão pequena que cabe num começo meio e fim.
O amor, esse espaço por onde nos atravessa a agonia de não saber, é o espaço do invisível também. A angústia talvez possa ser uma forma de, ainda, nos lembrarmos de algo como a aurora, de uma passagem rosada que causa o poente solar a cada novo dia e traz consigo a lua. Talvez a angústia, o silêncio, e esse espaço do amor, para que possa nos atravessar, talvez seja importante primeiro permitir que passem, os dias, o tempo, até mesmo a vida. É preciso permitir que a vida passe. E só assim saberemos até onde poderemos chegar.
Eu preciso escrever, mas ao mesmo tempo penso nisso que é a possibilidade também de não escrever. A possibilidade de não lembrar. Deixar o pensamento solto, desprendido, sem conexão. Mas, não. Sinto o peso de uma pressão absoluta sobre meu estômago, como se estivesse nele algum tipo de ácido que corrói o corpo por dentro. Às vezes me cansa sentir dor. E busco uma maneira de curá-lo. Achei que estivesse numa promessa, num clique, num instante… mas acho que se trata menos disso. É mais como esse chá que bebo, que me esquenta através de algo físico, próprio do estado dos átomos, não do pensamento.
É aqui que me encanta a física. A possibilidade de pensar o movimento das coisas. O estado das coisas. A forma das coisas. O cheiro, o gosto, o som. São as coisas que importam. E então posso me ligar a elas como numa dança?
Encontrei com o inesperado. Isso me foi uma espécie de choque, sim, foi surpreendente. Descobri que a observação de uma partícula causa, imediatamente, a mudança do estado dessa partícula. Então nem ao menos olhar para o mundo sem ter de pensar, ao menos em um segundo, "eu existo!", pode ser. É preciso que se considere sobretudo o pensamento. É preciso que se considere que não há mundo sem pensamento. É ousado dizer isso, mas isso é só uma poesia, então eu digo. Há sempre alguém que pensa, mas nunca eu. É possível ouvir a todo o instante. Basta deixá-lo passar.
Onde começa meu cisma? Onde se inicia minha
dor?
Penso hoje que é próximo do estômago. Dizem que há algum chakra vital nessa região. Bom, isto é evidente, existir é um soco no estômago. Mas não só.
Dizem que o mundo é triste por excelência. E que me apego demais aos sonhos, já me disseram. Sou, por vocação, criativa. E essa criação é produto dessa dor.
Me peguei pensando assim, como faço para viver o presente e parar de sonhar tanto? Depois me escutei. Outro baque. Passei por tanto tempo buscando estar no presente e hoje reflito que não preciso mesmo estar todo o tempo presente. Nem sequer ter um equilíbrio nessas coisas. Não preciso nem ao menos não ser doente.
Não preciso nada. Nem de falar, nem de escrever, nem de viver. Não preciso. É próprio do delírio a nãopresença. Mas veja. Quero realmente criar.
Preciso do silêncio, inevitável. Preciso do vazio, incorruptível. Preciso da ausência, que sempre, sempre surge. E a vida acontece dentro de mim, como faíscas brilhantes que me rasgam com o tempo. O tempo me fere. E não há nada que possa o parar.
Aceito os socos da vida como quem luta. Evoco a força das garras da mastigação dos alimentos. O pulsar vital. Que faz um som inconfundível.
É estranho sentir essa potência desejante que, por não caminhar através dum caminho delirante, me queima por dentro. Ainda vou inventar um jeito de fazer dessa queimadura um novo corpo, que saberá, melhor que eu, viver.
Escuta-me, corpo. Escuta-me porque cansei de falar sozinha. Agora já passou da hora de fazer do meu corpo inteiro minha voz. Repare, não falo mais baixo. Repare, tenho calor, tenho quentura, tenho pulsão. Meu coração pulsa.
Há uma trajetória, ancestral, como dizem, de aflição, de dor. E é o meu corpo a marca deste trágico. Não sou de tantos sorrisos. Não aprecio este apego às coisas fixas: quero mesmo é que passem. E essa passagem, sutil, do tempo, leva consigo partículas destrambelhadas e atordoadas sem direção. Pra onde vão?
Há, ainda, uma vigília perpétua de um Pai, de um Rei, um Soberano, que deseja permanecer.
Há uma mulher no meio desta multidão. Ela, vestida de silêncio e força, habita um deserto infinito. Seu rosto, parte por parte, composto destes grãos. O vento soprado sobre seu manto destrói sua composição. Ela sorri. Quer mesmo é deixar de ser montanha. As dunas no deserto parecem-se com mulheres que dançam, não parecem?
Homem. Aprende, Homem. Esta vontade de permanecer mais se assemelha aos prédios da cidade, ao concreto. E é preciso romper o concreto para que a terra volte a respirar.
A selva é brutal. Assim como a vida. Mas onde mais viveríamos?
Já não me encanta tanto assim a suspensão. Aos poucos me acelero. Meus ritmos, meu coração. Meu peito pulsa. Num ritmo indefinido.
A realidade é excessiva. Em cada instante, vida. E mais e mais e mais .
Desejo esses voos brutos. Não se trata de me suspender, os sonhos. Na realidade essas asas me afogam no denso do real, no mais denso. Como um pássaro quando bate as asas, com força, contra a correnteza dos ventos no céu.
Às vezes me deparo com essa ansiedade em tornar-me útil. E nesse desamparo em perceber-me absolutamente vazia, esvazio-me ainda mais. Desejo
o silêncio profundo das noites mais distantes. Daqui ninguém pode me tirar. Ninguém me salvará de minhas próprias sombras, então, como habitar essa ânsia? Como habitar essa ausência de significado, este vão?
Eu queria, como um pavão grande e gordo, me abrir para a vida, como quem abre-se completamente para o tesão. Não por rendimento, mas por amor. Este amor que me deixa quente. Este mesmo amor que me torna vã. Mas, veja, não é este romantismo que me sacia.
Então parece que o mundo se inverteu e há uma espécie de homem me dizendo, torne-se útil, porque não há ninguém que assim te fará. Não há um Deus, homem, ou um Salvador. Faça com sua vida aquilo que quiser. E deram a isso o nome "liberdade". Mas não acredito nessa tal liberdade. Acredito mais no poente absolutamente previsível, que tem esse tom brilhante, por ser dançante. Esse deus dançante, numa sincronia plena, breve e óbvia, mas indefinível.
Necessito criar estratégias. Preciso ser estratégica. Isso também é uma forma de resistir, ou, ainda, de abrir as asas como um pavão. Talvez seja o pavão uma espécie de dramaturgo? Interpretando a si próprio. Já não desejo mais libertar-me da vida. Hoje, desejo esse reencontro, no óbvio dos dias. Limpar-me de tudo que me chamaram liberdade. Hoje, desejo a comunhão.
Como criar-se? Como é possível criar a si? Já que depois de limpar-me sinto que não resta nada. Isto ecoa em mim, como um grito imenso, de dor e amor. Não vou mentir. A vida me assusta. A vida me excede. E às vezes não sei bem o que fazer com ela.
Não sou um personagem. A verdade é que não tenho eixo principal. Sou passagem, eu sei, é tudo o que sou. Mas nessa sinto que até mesmo meus órgãos internos se confundem. Como poderemos reaprender a dançar? Se há um jeito bom de dançar, eu quero este. Quero dançar esta música que toca agora.
Eu sou o trágico e é isso que preciso deixar claro. Clarear o trágico, torná-lo evidente. Mas é aí que está a grande brincadeira. A evidência é uma forma de mostrar, para mim mesma, aquilo que antes não percebia. A arte, o espaço do trágico, a evidência do óbvio, e uma forma de reverter em mim essas células doentias. Fazê-las parar e concordar, em sintonia, que o trágico e o ridículo são apenas o mundo da fantasia. Que a vida é imensa, a vida é maior que tudo, e quero vê-la crescer. Sem destino, sem direção. Veja, é um símbolo. Somos processos dessa grande vida. O trágico é uma forma de saber por onde não ir. É preciso torná-lo óbvio, sutilmente, sem medo. É um pequeno trágico, um sentimento, que nos torna cada vez menores. E, tudo bem, mas, porque não crescer, em vida?
Amar a vida é querê-la grande. Quero gritá-lo,
desenhá-lo, para que você saiba, assim, deste trágico.
A verdade é que sinto tanto cada pequena movimentação do mundo que duvido de toda e qualquer verdade, isso me torna uma cientista talvez não tão boa assim. Tenho para mim, melhor, a ciência do não saber. Afilosofia? Aarte? Nada disso? Mas me contento em imaginar o universo como um grande espelho. E é, totalmente evidente, a ideia de um universo infinito, quando nós próprios somos seres que caminham com todo o cosmos para sua própria expansão.
Nos meus sonhos, nessa noite, o mundo também queimava. A terra também sofria com essas perdas. Estava na casa dos meus pais, onde estou agora, e olhava para o céu. Do céu caíam pequenos pedaços de fuligem, de coisas queimadas, em todos os lugares. No horizonte, uma espessa nuvem de fumaça compunha toda a superfície do mundo. Fumaça e fogo em todos os lugares. Meus sonhos também queimam. O futuro é incerto demais, é difícil até mesmo sonhar…
Para além do plano dos sonhos, nesse plano vital onde compartilho a vida com outros universos singulares, ainda não entendo muito bem o lugar desse amor. Como posso amar num mundo em destruição? Tudo que amo é agora e tudo que posso fazer é amar profundamente enquanto ainda há tempo.
Hoje não tenho vontade de escrever, mas ainda sim vou, para ver se arranco algo de mim. O mundo,
está mais difícil, não é tão simples assim bastar-se bancar-se. Tenho medo e preocupações demais com o futuro, mesmo assim me sinto no direito dessa escrita. Não para que seja um exemplo de vivência, nem para que seja ideal. Escrevo mesmo para que fique evidente destas sensações do nosso tempo. Os excessos de velocidade fazem mal à saúde e temos reduzido nossos sentidos.
Eu quero o cheiro, o tato das superfícies rugosas. Me atrevo a explorar ainda novos sentidos quando converso com as moscas do quintal. Elas contêm uma óbvia mística. E nós, hoje, somos dependentes demais de tudo aquilo que não nos alimenta de verdade.
Quando o sentimento me toma é que escrevo agora. A doença, o sentimento de morte súbita. Quantas vezes já morri?
Render-se. Entregar-se à vida como quem afirma, para si, que é necessária uma outra vida. É assim que tenho renascido. E isso não é um ode ao fim. Na verdade, eu gosto mesmo é dos meios. Mas acontece que me sinto doente, muitas vezes. E é dessa doença que faz nascer em mim essa necessidade de morte. Matar esse ser que se reconstruiu em mim e tem medo de tudo o que pode a vida.
Isso se dá através da solidão. Mas dessa solidão sem espera. Um sentimento profundo de " o agora me basta " .
Há muitos atordoamentos no mundo. Há um
atordoamento complexo chamado homem. Este homem sente-se no direito de roubar o tempo. E não é um roubo que se dá a partir de uma exigência, mas a partir do amor. Há um tipo de afeto que parece que nos rouba o tempo. Desejamos cotidianamente motivos para não nos efetuarmos, motivos para nos repetirmos, alguma razão para aceitar a submissão. Mas, na realidade, já não desejo esse lugar. Meu amor pode, sim, habitar um outro campo. Novo, desconhecido, complexo. Que não exige nada, senão o próprio movimentar-se da vida. Talvez seja como algum tipo de fé.
E por que, então, crescer? Por que desejo esse movimento da vida que não aceita qualquer diminuição? Para lucrar?
Não. Principalmente por saber que trata-se deste jogo de forças. Que é, o movimento da vida, alguma coisa como “efetuar-se”, continuar, se aprofundar, ligar-se, separar-se, diferenciar-se. Não há muito o que fazer senão entregar-se para o destino, consciente de que cada pequena escolha me encaminhará para um tipo de futuro. E que somos, absolutamente, todos, essa mesma força, buscando movimento.
Qual futuro realmente desejo e qual afeto me movimenta nessa direção? Crescer é solitário e exige coragem. E, em alguns momentos da vida, talvez só seja possível conservar esse sentimento imanente, de
conexão com todas as coisas, sentindo-se sozinho e ausente de toda e qualquer conexão. Para então perceber a impossibilidade disso.
Aprender a observação de si. A escuta. Do corpo, dos gestos, dos sons.
Isto que escrevo é um pouco como transformar eternamente o mundo.
Há um encontro entre eu e eu mesma que faz valer a vida e faz valer o mundo.
Algum dia, por alguma razão outra, acreditei em ausências. A fome seria por ausência, a sede, ou o amor.
Eu como que precisei desse caminhar por um romantismo, não por uma sensação. Parei de me notar?
Acabou que sinto esse afastamento do mundo, na tentativa de um encontro com um ideal, e ainda nem sequer conheci o mundo em si.
Esse mundo não se acaba em mim.
Há uma infinidade de encontros possíveis que ainda não conheci. Há um universo em construção. E não se trata de afirmar construí-lo. Talvez se trate, muito mais, de observar essa mesma construção.
A arte talvez aconteça nesse espaço, nessa sensação. Como que numa dança, chamando a vida, dizendo, venha. Venha. O que vem agora?