A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

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A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO



Glauco Mattoso

A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

São Paulo Casa de Ferreiro 2021


A lei de Murphy Glauco Mattoso

© Glauco Mattoso, 2021

Revisão Lucio Medeiros

Projeto gráfico Lucio Medeiros

Capa Concepção: Glauco Mattoso Execução: Lucio Medeiros ______________________________________________________________________________

FICHA CATALOGRÁFICA

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Mattoso, Glauco

A LEI DE MURPHY/Glauco Mattoso

São Paulo: Casa de Ferreiro, 2021 304p., 21 x 21cm ISBN: 978-85-98271-28-4

1.Poesia Brasileira I. Autor. II. Título. B869.1


NOTA INTRODUCTORIA

Originalmente publicado, junctamente com A HISTORIA DO ROCK SEGUNDO GM, no livro A LETTRA DA LEI (2008), este sonnettario estava pendente duma segunda edição, ampliada e reorthographada. Na primeira parte, alguns sonnettos foram tambem reestrophados como dissonnettos e annexados aos respectivos sonnettos, para que o leitor possa comparar ambas as versões. Nas demais partes, appenas dissonnettos foram seleccionados. A terceira parte é totalmente inedita e practicamente constitue novo livro. A thematica, neste recorte, enquadra pela optica negativa do cego azarado as mais diversas e anecdoticas circumstancias da vida moderna, deante das mais pessimistas probabilidades. Na primeira edição, o titulo A LETTRA DA LEI era o quarto volume da “Bibliotheca Mattosiana”, publicada pelo sello Annablume e reimpressa pelo sello Demonio Negro, livro que meresceu, em 2009, indicação entre os finalistas do premio Jaboty.



PRIMEIRA PARTE SONNETTOS MURPHOLOGICOS



A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UM DEJEJUM DESADJEITADO [2137]

Café na cama é commodo, porem tem contras, mais que prós: quando a torrada na qual a faca passa (e vae, e vem) geléa, quebra-se antes da dentada, migalhas se exparramam, pois não tem bandeja que as appare! Derramada, do assucar a colher rolla, tambem, por sobre o cobertor! Bastou? Que nada! Da mão a faca excappa com manteiga, e até si em leis de Murphy a gente é leiga percebe que o negocio não deu certo. Entorna, de repente, no final, a chicara, encharcando meu jornal! Quem manda não estar eu bem desperto?

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DISSONNETTO PARA UM DEJEJUM DESADJEITADO [2137]

Café na cama é commodo, porem tem contras, mais que prós: quando a torrada na qual a faca passa (e vae, e vem) geléa, quebra-se antes da dentada... Migalhas se exparramam, pois não tem bandeja que as appare! Derramada, do assucar a colher rolla, tambem, por sobre o cobertor! Bastou? Que nada! Por mais que eu tenha as coisas de mim perto, da mão a faca excappa com manteiga, e até si em leis de Murphy a gente é leiga percebe que o negocio não deu certo. Eu cada vez naquillo mais me apperto. Entorna, de repente, no final, a chicara, encharcando meu jornal! Quem manda não estar eu bem desperto?


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UM AZAR ELEMENTAR [2138]

É lei: o pão do pobre sempre cae co’o lado da manteiga para baixo. Nós disso ja sabiamos, mas ai de quem se queixa, e nisso eu ca me encaixo. Bem sei que algum leitor fallar ja vae na tal da “lei de Murphy”, mas eu acho que sempre foi assim: a coisa sae errada porque o Demo quer, diacho? A roupa que do advesso a gente veste, a grana que na Bolsa a gente investe, o taxi que passou quando eu não quero, a chuva que só cae si estou na rua, o pau que brocha quando ella está nua... O azar sempre tem sorte! Acaso mero?

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DISSONNETTO PARA UM AZAR ELEMENTAR [2138]

É lei: o pão do pobre sempre cae co’o lado da manteiga para baixo. Nós disso ja sabiamos, mas ai de quem se queixa, e nisso eu ca me encaixo! Bem sei que algum leitor fallar ja vae na tal da “lei de Murphy”, mas eu acho que sempre foi assim: a coisa sae errada porque o Demo quer, diacho? A roupa que do advesso a gente veste, a acção que em alta estava e cae a zero, roubando o que na Bolsa a gente investe, o taxi que passou quando eu não quero... A o o O

chuva que só cae si estou na rua, radio quando o ligo e só tem lero, pau que brocha quando ella está nua... azar sempre tem sorte! Acaso mero?


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UM ENUNCIADO ADMANTEIGADO [2142]

Com muitas variantes se enuncia a velha lei de Murphy: “Si haver pode a probabilidade, uma fatia que seja, de foder, a coisa fode.” Por outras palavrinhas: “Quem se fia na chance de dar certo, tire o bode da chuva, ou o cavallo!” Ja dizia o calvo: “Quem faz barba, faz bigode!” Inutil discutir: o pão do pobre, do lado da manteiga que o recobre, na certa cahirá, voltado ao chão. Duvidam? Quantas vezes for jogado, de novo vae cahir do mesmo lado e a Murphy accabará dando razão.

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DISSONNETTO PARA UM ENUNCIADO ADMANTEIGADO [2142]

Com muitas variantes se enuncia a velha lei de Murphy: “Si haver pode a probabilidade, uma fatia que seja, de foder, a coisa fode.” Por outras palavrinhas: “Quem se fia na chance de dar certo, tire o bode da chuva, ou o cavallo!” Ja dizia o calvo: “Quem faz barba, faz bigode!” Inutil discutir: o pão do pobre, excasso ja na mesa dum christão, do lado da manteiga que o recobre, na certa cahirá, voltado ao chão! Duvidam? Quantas vezes for jogado, ainda que se inverta a posição, de novo vae cahir do mesmo lado e a Murphy accabará dando razão!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UMA LIGAÇÃO INOPPORTUNA [2148]

Não toca o telephone uma só vez emquanto no banheiro não entrei, mas basta eu me sentar, vejam vocês, e alguem de me chamar se lembra... É lei! A lei tem nome: Murphy! Appós uns trez ou quattro toques, para o phone, eu sei, e perco outra viagem! Sou freguez do trote e, si attender, ja me ferrei! Do banho ou da privada, bobo, eu corro e escuto: “Vem lamber, vem, seu cachorro!” Mas, quando ja me animo, cae a linha. E, quando estou torcendo p’ra que seja a voz do tal troteiro, alguma egreja me pede um donativo à creancinha.

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SONNETTO PARA UMA RISOPHYSICA MURPHOLOGICA [2156]

Depois da “pathaphysica” em Jarry, da quantica, da scientologia, definem-se “antileis” para quem ri: Millôr, como Arthur Bloch, as enuncia. Nenhum laboratorio fez, aqui ou la, qualquer analyse, mas, via de regra, duma fructa o sumo, eu vi, nos olhos vae saltar, p’ra que alguem ria. Adduz Millôr que, sendo a fructa azeda, ainda é mais provavel que proceda a lei, visando os olhos como regra. Tambem o detergente, ou o sabão da esponja, ao nos lavarmos do limão, se nos expirrará! Tudo se integra!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UM BANHO ANTILEGAL [2157]

Ao cego, a lei de Murphy mais aggrava seu negro quotidiano. O cego tenta saber a posição das coisas: grava, decora... mas a logica é “marrenta”. Si cae-lhe o sabonete emquanto lava o sacco, o cego abbaixa, appalpa... Lenta, a mão percorre o piso. Onde elle estava? Jamais onde suppunha a mente attenta! Num cantho. Noutro cantho. No terceiro. Até que emfim! No quarto cantho! Arteiro! Na proxima, estará de novo alli? Depende. Caso o cego alli directo procure, o sabonete está, bem quieto, no cantho opposto, como quem se ri.

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SONNETTO PARA O QUE SE ACHA PERDIDO [2158]

Si alguem, legisla Murphy, anda à procura dum troço pela casa, elle estará naquelle logar onde a gente jura que nunca estar podia, e raiva dá. Peor: leva um tempão e, a certa altura, podemos desistir... e, quando ja não era mais preciso, a diabrura do troço é apparescer! Ah, porra, va...! Peor ainda: quando urgente, a gente correndo compra um novo. Então, na frente do nosso nariz, surge o troço antigo! Peor, muito peor: comprado um novo, sem uso fica e, como diz o povo, “Desgraça pouca...” Eu nunca contradigo.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UM CEGO PÊ DENTRO DA ROUPA [2159]

O cego pelo advesso a roupa veste, invariavelmente. Então, desvira, rogando praga contra aquella peste de lei, dicta “de Murphy”: é ziquizira! Às vezes, só percebe que vestira na frente o que era attraz si um cafageste, ao vel-o, racha o bicco e sarro tira. Não tem um dissabor que eu mais deteste! Cueca, camiseta, meia... Nada que o cego pegue está de jeito: cada buraco achado é aquelle que não quer! Si quer pegar na manga, pega a golla; si tenta a golla, a roupa entorta, enrolla, e a manga à mão lhe volta, onde estiver.

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DISSONNETTO PARA UM CEGO PÊ DENTRO DA ROUPA [2159]

O cego pelo advesso a roupa veste, invariavelmente. Então, desvira, rogando praga contra aquella peste de lei, dicta “de Murphy”: é ziquizira! Às vezes, só percebe que vestira na frente o que era attraz si um cafageste, ao vel-o, racha o bicco e sarro tira. Não tem um dissabor que eu mais deteste! Me enrosco, não importa o que eu fizer! Cueca, camiseta, meia... Nada que o cego pegue está de jeito: cada buraco achado é aquelle que não quer! Um methodo offeresça quem souber! Si quer pegar na manga, pega a golla; si tenta a golla, a roupa entorta, enrolla, e a manga à mão lhe volta, onde estiver.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UM ULTIMO QUE NÃO RI [2160]

Appenas Murphy explica: a outra fila mais rapido andará do que esta minha. A coisa vale para uma tranquilla espera ou quando o publico se appinha. No banco ou no correio, onde se oppila meu figado, anda a fila que é vizinha à minha, mas a minha até seguil-a demora: aqui mais lento se caminha. Dirão vocês: então de fila troque! Ahi que a lei funcciona: si a reboque daquella eu me puzer, vae ser batata! A fila em que eu estava passa a andar, emquanto que esta para ou, devagar, meu passo advança... e o tempo assim se empatta.

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SONNETTO PARA UMA HILARIA CULINARIA [2161]

Tambem se encontrará murphologia na mesa e na cozinha: uma receita, testada e ja approvada, não podia falhar quando um convite o amigo acceita. Mas falha! La na casa da tithia ficou uma delicia! Desta feita não pode dar errado! Que haveria de ser, si a gente a formula respeita? Depois que o convidado está servido, percebe-se o fiasco! Até duvido, agora, do meu proprio paladar! Diz elle que gostou, mas ficou chato. Sozinho, outra vez tento, e então o pratto me aggrada novamente! É de amargar!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

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SONNETTO PARA AQUELLE ARTIGO SOBRE A LEI DE MURPHY [2162]

Si a gente uma materia acha importante guardar, mas não recorta logo e deixa, é tiro e queda: que ninguem se expante si foi pro lixo, sob a podre ameixa. Agora é tarde! Caso alguem levante a voz para a empregada, a inutil queixa se perde em meio a tantas que, na estante das obras murphologicas, se enfeixa. Si algum amigo tinha um exemplar guardado da revista, de jogar no lixo o dicto accaba, elle tambem. Aquelle que você certeza tinha que o texto guardaria... Ja adivinha: rasgou-se nas mãozinhas do nenen.


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SONNETTO PARA UMA DESCHARTABILIDADE DISCUTIVEL [2163]

Jogar fora uma coisa que tenhamos ha muito tempo é drastica attitude. Só quando analysei todos os ramos da logica formal, tomal-a eu pude. Mas, immediatamente appós, notamos que falta algum principio que se estude, provando que a tal coisa, que jogamos no lixo, era-nos util admehude. Será possivel? Temos algo e não usamos! Não estando mais à mão, notamos quanta falta nos fazia! A Murphy isso não basta: caso eu va comprar outra, novinha, faltará motivo para usal-a todo dia.


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SONNETTO PARA UMA DISCUTIBILIDADE DESCHARTAVEL [2164]

Vocês ja repararam? Si a questão é grave, a coisa é simples: não tem jeito. E o que não tem remedio (era o refrão) está remediado. Um bom preceito. Si é superficial, porem, virão correndo os palpiteiros, que o defeito detectam, o problema e a solução estudam e equacionam, e eu acceito! Acceito e até paguei aos que discutem, bem caro, por signal, para que chutem hypotheses plausiveis, mas inuteis! Bem feito! Quem mandou dar tanta trella a falsas theorias, si é ballella, segundo Murphy, atter-se a questões futeis?


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SONNETTO PARA O CONTRATEMPO ROPTINEIRO [2167]

Horario, para Murphy, imprevisivel será: com um relogio, o cara apposta que sabe as horas, mas, com dois, fallivel se torna a precisão de que elle gosta. Divergem nos minutos ou, no nivel suisso, nos segundos: a resposta exacta, essa jamais será possivel saber, e tanto faz a joia e a josta. Si tem hora marcada e chega em cyma, os outros é que attrazam; caso o clima lhe cause o attrazo, a turma é ponctual. Accertam-se os poncteiros, mas, no dia seguinte, elle não sabe em qual confia, si a hora certa nunca é tal nem qual.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA O MYSTERIO DO RELOJOEIRO [2168]

Relogios, aliaz, são pratto cheio às antileis de Murphy: ao consertal-os, jamais uma engrenagem la do meio retorna a seu logar sem pisar callos. Não é como esses pendulos, badalos ou cucos de parede: o manuseio requer um olho clinico. Intervallos são sempre millimetricos, bem sei-o. Como se explica, então, que uma pecinha minuscula daquellas, que la tinha funcção, possa sobrar, feito o reparo? Si for recollocada é que o poncteiro, que estava funccionando, bem certeiro, encrenca novamente: é Murphy, claro!

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SONNETTO PARA UM QUADRO DYSFUNCCIONAL [2169]

Meu chefe é sempre um chato. Meu collega, que está em departamento differente, tem chefe mais legal, que nunca pega no pé nem fica patrulhando a gente. Tolera attrazos; decisões delega; cerveja, no final do expediente, convida p’ra tomar; musica brega nem curte, só rockão de antigamente. Será? Não é bem isso o que me diz um outro funccionario, que até quiz pedir p’ra trabalhar no meu sector. Segundo o que la dizem, nosso chefe é gente fina... Caso um de nós blefe, a Murphy sempre presta algum favor.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UM EXPERTALHÃO PASPALHÃO [2170]

Quem gosta de levar vantagem, tem, na dicta “lei de Gerson”, campo aberto a tudo que é “jeitinho”. Mas tambem se expõe às leis de Murphy mais de perto. “Experto é o brazileiro em tudo, certo?”, dizia Gerson, mas notar convem: às vezes, a experteza engole o experto, que sempre quer ganhar, por cento, cem. Achamos que lucramos pechinchando ao maximo, na compra. Eis sinão quando, na loja ao lado, aquillo é mais barato! Achamos que podemos furar fila, mas era a fila errada: ao preferil-a, perdemos o navio, o trem, o jacto.

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32 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UMA DOR DE BARRIGA EMPURRADA [2173]

Aquella dor de dente, aquella crise de estomago ou pulmão que, volta e meia, retorna, sem que previamente advise, é tudo que este cego mais receia! Costuma apparescer, feito reprise, na vespera da data em que passeia o medico, o dentista: quem precise de rapidos soccorros experneia! Batata: é feriadão, ou sexta-feira à noite, quando, na cidade inteira, fecharam as pharmacias! Ai de mim! É claro que do Murphy, então, me lembro! Quer seja Paschoa ou Septe de Septembro, Natal ou Carnaval, é sempre assim!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

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SONNETTO PARA UMA DOR DE CABEÇA EMBURRADA [2174]

Estomago, pulmão, cabeça, dente: symptomas são communs. Quando elles veem, a gente, emfim, assume estar doente e marca uma consulta: urgencia tem. O facto de marcar ja nos faz bem, accalma a consciencia: o paciente se sente medicado, mesmo sem tomar nenhum remedio, só na mente. Não fica nisso a coisa, todavia. A dor retorna, e a gente não addia mais: tracta de correr ao hospital. De Murphy a lei funcciona nessas horas: na vespera, ja sinto umas melhoras; na frente do doutor, ja estou normal.

[vêm]


34 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UMA REUNIÃO CONVOCADA [2175]

É grave a situação! Da enorme mesa em volta, todos temos uma phrase plausivel para o caso. Nossa empresa paresce estar vivendo a peor phase. Arriscam-se palpites, mas surpresa não causa que a noticia má ja vaze e, em nossa freguezia, haja fregueza temendo que o serviço todo attraze. Naquelle clima tenso, alguem sorri e achamos que dirá: “Ja descobri um jeito de sanarmos o problema!” Mas Murphy é lei vigente! Elle lembrou de alguem em quem botar a culpa! Estou com medo de que alguem diga: “Não tema!”


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UMA DISCUSSÃO PROVOCADA [2176]

Em publico, quem batte bocca arrisca, alem da propria pelle, seu conceito. Ainda que só seja gente arisca a physico desforço, é mau o effeito. Qualquer dos dois accaba por ser isca de erroneas impressões dos que direito não sabem discernir: nem odalisca distinguem duma bisca! É um povo estreito! Com typos imbecis eu não discuto, sinão é discussão de padre e puto: capaz de não saberem quem é quem. Não falha a lei de Murphy: si eu evito na rua batter bocca, meu attrito sae no jornal, que é publico, tambem.

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36 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA QUEM SAE NA CHUVA [2177]

“Jamais eu entraria (disse o Groucho) num clube que me acceite como socio”. Tambem na lei de Murphy nada frouxo paresce esse argumento, nem beocio. Millôr pode ser quem melhor esboce-o em termos allusivos ao arrocho no credito bancario. É o tal negocio: mais leva quem ja está com olho roxo. Você consegue a grana caso prove que della não precisa. Não commove ninguem no banco o appello dum fallido. Do pobre todo emprestimo é cobrado. O banco offertará valor dobrado só para algum politico... ou bandido.


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SONNETTO PARA QUEM CHOVE NO MOLHADO [2178]

Você, si for poeta creativo (não digo “original”, que isso é besteira), difficilmente passa pelo crivo dum editor que fede ou dum que cheira. Quem brilha na mais alta pratteleira é sempre aquelle auctor repetitivo, que abusa do clichê, que se admaneira ao rotulo vigente e appellativo. Até na poesia a lei de Murphy accaba sendo a mesma que, no surfe, vigora: o que dá fama é pegar onda. Emquanto estiver vivo, o cara fica à margem. Si a cannella cedo estica, a fama impedirá que elle se esconda.

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38 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UM PROCEDIMENTO PADRÃO [2179]

“Independentemente dos appellos rhetoricos de Roma, o que na Terra se vê conduz appenas a modellos do bellico estatuto, que odio encerra. O Estado impõe-nos excessivos zelos, impavido, implacavel com quem erra: aos inimigos, temos de vencel-os...” Resumo da operetta: guerra é guerra. O que foi dicto accyma exemplifica aquella lei de Murphy: qualquer dica, mais simples, ficará mais complicada. Si dicto de outra forma, o mais complexo e grosso manual é o mais sem nexo: o excesso de instrucções adjuda é nada!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UM PASSAGEIRO ESTRESSADO [2180]

“Que sorte a nossa, hem, cara? Nem siquer tivemos que usar mascara ao voar! Nem houve incendio a bordo, nem mulher gritando, si cahissemos no mar! Estamos, accredite si quizer, illesos, a cabeça no logar! Podiamos estar ja sem qualquer controle! Nos restava só rezar!” Em pleno voo, alguem sempre nos falla, bem alto, dessas coisas! Uma escala a mais será motivo de mais medo. Está na lei de Murphy: quando attraza, alguem jura que ha fogo numa asa, ou panne no motor, si chega cedo.

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40 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA CADA COISA FORA DO LOGAR [2182]

Da lei de Murphy o cego é bom refem: é facil contra o cara conspirar si está sozinho em casa, sem ninguem que enxergue alli por perto p’ra adjudar. Depende elle do tacto. As coisas teem, comtudo, que ficar no seu logar, na mesma posição, sinão dá azar: pensando ser tostão, cata o vintem. Não é que a faxineira o sacaneia, mas elle proprio exquesce onde está a meia, a pillula, o vermifugo, o veneno. Do advesso ou com um pé de cada cor, a meia lhe dá trote. Mas si for veneno por remedio, o azar é pleno!


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SONNETTO PARA UM MEDALHÃO MALPASSADO [2183]

Virtude é o meio termo? Às vezes, não. Depende do que a gente pensa ou sente. Depende até do Murphy: entre estar são e morto estar, o meio é estar doente. Às vezes sae mais cara a solução que extremos concilia, que a que tente seguir só numa ou noutra direcção: “democradura” é exemplo convincente. Si, numa empresa, em vez de haver cantina interna ou de comer alli na exquina, trouxer o funccionario o proprio almosso, na guerra de marmitas, o ovo fricto não causa tanta inveja, ou tanto attrito, quanto um filé “minhão”, sem nervo ou osso.

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42 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UM SACCO MAL PUXADO [2184]

Quanto mais puxasacco o cara for, maior chance terá de promoção. Mas isso tem limite: um superior não quer o incompetente a dar-lhe a mão. De Peter ou de Murphy, o cumpridor da lei será quem chega à posição mais alta na carreira. De favor, porem, ninguem ascende à direcção. Só vale, no ambiente de trabalho, em parte a theoria: eu nunca valho o mesmo que quem sabe babar ovo. Serviço eu faço certo. Eu nunca attrazo. Eu lavo as mãos. Descarga eu dou no vaso. Mas, si não bajular, não me promovo.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO PARA UM SACCO MAL PUXADO [2184]

Quanto mais puxasacco o gajo for, maior chance terá de promoção. Mas isso tem limite: um superior não quer o incompetente a dar-lhe a mão. De Peter ou de Murphy, da lei será quem chega mais alta na carreira. porem, ninguem ascende

o cumpridor à posição De favor, à direcção.

Só vale, no ambiente de trabalho, à parte qualquer methodo mais novo, em parte a theoria: eu nunca valho o mesmo que quem sabe babar ovo. Serviço eu faço certo. Eu nunca attrazo. Eu tracto bem da firma todo o povo. Eu lavo as mãos. Descarga eu dou no vaso. Mas, si não bajular, não me promovo.

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44 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UMA COBRA QUE NÃO MORDEU [2186]

Mudar de roupa é sempre um troço chato. Seria bem melhor andar pellado! Mas mesmo quem é cego tem recapto, ainda que vivendo enclausurado. Pois bem: abro a gaveta e, pelo tacto, procuro meu pyjama, ja lavado, que eu mesmo alli guardei... Então constato a falta delle e fico appavorado. Mas como? Onde estará? Tenho certeza que estava la! Perdido na indefesa cegueira, a Murphy rezo, como ao sancto. Na machina? No tanque? No varal? No armario? Na gaveta ao lado? Em qual logar? Melhor procuro... Acho... e me expanto!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO PARA UMA COBRA QUE NÃO MORDEU [2186]

Mudar de roupa é sempre um troço chato. Seria bem melhor andar pellado! Mas mesmo quem é cego tem recapto, ainda que vivendo enclausurado. Pois bem: abro a gaveta e, pelo tacto, procuro meu pyjama, ja lavado, que eu mesmo alli guardei... Então constato a falta delle e fico appavorado. Mas como? Onde estará? Tenho certeza que estava la! Será? Procurei tanto! Que faço, então? Perdido na indefesa cegueira, a Murphy rezo, como ao sancto. Na machina? No tanque? No varal? Do armario a pratteleira até levanto. Mas nada? Na gaveta ao lado? Em qual logar? Melhor procuro... Acho... e me expanto!

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46 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UMA NUVEM NEGRA [2189]

Si o guardachuva de levar exquesço, é certo que eu me molhe no aguaceiro. Porem, si aquelle incommodo addereço eu levo, faz bom tempo o dia inteiro. De Murphy a lei nos cobra um alto preço que não seria expresso por dinheiro, mas por um baixo astral, um clima advesso, peor que o prejuizo financeiro. Fazendo sol, o taxi até buzina chamando, e ha bar aberto em cada exquina. Chovendo, tudo muda de figura. Só vejo bar fechado em todo lado. Não passa um taxi, ou passa ja occupado. Si perto para um carro, é viatura.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UM GAZ FUGAZ [2194]

Poetas, da antilei de Murphy, são, tambem, refens e victimas: um verso feliz, a rhyma rica, a accentuação correcta, é tudo advesso, tudo adverso. Si tempo têm, papel, canneta à mão, é a coisa mais difficil do universo a idéa; si admeaça o cagalhão sahir, nem tudo é vago, nem disperso. Sentado na privada, a idéa vem mais facil que o cocô! Quando, porem, estou frente ao teclado, ja se exvae. Emquanto limpo a bunda, acho a perfeita metaphora, que encanta e que deleita, mas volto ao micro e perco até um haikai.

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48 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UM HILARIO ITINERARIO [2196]

Expanto é o que me causa a lei: o attalho será, segundo Murphy, o mais distante caminho entre dois ponctos! Quebra o galho de prompto, mas retarda, mais addeante. É a typica “antilei”: si um mappa expalho na mesa e appanho a regua, quem garante que aquillo que medi não dá trabalho maior p’ra percorrer? Ha quem se expante? Fugindo à linha recta, se procura do trafego excappar, mas é loucura, pois todos ja terão a mesma idéa. Accaba que a avenida que se evita mais livre está que a contramão maldicta: um becco na favella mais plebéa.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA A SIMULTANEIDADE SEM PIEDADE [2197]

Na sancta paz está tudo. Mas vae sinão quando apparesce algum problema. Normal, dirão vocês. Talvez. Mas sae de baixo: outro apparesce... Que dilemma! Qual delles resolver primeiro? Cae a ficha quando Murphy, com extrema maldade, acha um terceiro, um quarto... Dae coragem a quem contra a maré rema! Mas sancto nenhum vale quando o rollo está nas coisas practicas: ao pol-o em ordem, tudo volta à sancta paz. Por que não apparesce um só por vez? É tudo ao mesmo tempo! Então vocês percebem do que Murphy foi capaz.

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50 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA QUEM SE ARREPENDA DA EMENDA [2198]

Peor coisa não ha que um erro grave tardiamente achado. Ao corrigil-o, pensamos que foi gol, mas foi na trave: não era um erro, appenas um vacillo. Depois de corrigido, caso lave as mãos quem commettera tudo aquillo, percebe-se que a falha foi suave, talvez inexsistente... Eu logo estrillo: Apposto que foi Murphy quem nos fez perder tempo arrhumando o que talvez nem fosse necessario pôr em ordem! Mas todos nós subjeitos a tal lei estamos: os que foram, mais que o rei, zelosos, mais a isca agora mordem.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA QUEM CULPA A CHAVE DE FENDA [2199]

Até que emfim! O technico ja veiu mexer no equipamento avariado! Paresce competente, mas não creio que a lei de Murphy esteja do seu lado. Elle desparafusa (e accerta em cheio, suppõe ingenuamente) a tampa: achado o foco do problema, ja no meio do adjuste, nota o equivoco, coitado! São tantos parafusos! E essa porra de tampa a qualquer um fará que incorra em erro: era outra a tampa a ser aberta! E toca a começar tudo de novo! Eu, ca commigo, nunca me commovo com technicos: nenhum jamais accerta.

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52 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA QUEM CULPA O CONTRACTO DE VENDA [2200]

E quando installa um technico a novinha e cara apparelhagem que comprei? Está toda testada, mas a minha festança dura pouco, reza a lei. Que lei? Ora, a de Murphy! Ja adivinha você meu drama: mal eu dispensei o technico (e de longe o cara vinha), defeitos verifico... Me ferrei! Agora, só agendando outra visita! O cara volta, testa, e esta maldicta tranqueira então funcciona direitinho! Foi só virar as costas o subjeito, de novo verifico que o defeito perdura, e inutilmente me abbespinho.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UM PRATTO PREMIADO [2204]

Um cara diz: “A coisa que eu odeio é achar algum espinho no filé de peixe!” Diz um outro: “Si, no meio da carne acho algum nervo, eu brigo, até!” Não é que a lei de Murphy ja lhes veiu mostrar quem é que manda? No café de quem não quer assucar, um sorteio fatal joga um tablette a mais! Pois é! No almosso, acharam todos bom o bife, excepto quem quiz carne com mais griffe, em cujo pratto surge a aponevrose. No pratto do “espinhophobo” cae tudo que os outros nem notaram! Bem ponctudo, um grande no gogó lhe para! É dose!

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54 GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO PARA UM PRATTO PREMIADO [2204]

Um gajo diz: “A coisa que eu odeio é achar algum espinho no filé de peixe!” Diz um outro: {Si, no meio da carne acho algum nervo, eu brigo, até!} Não é que a lei de Murphy ja lhes veiu mostrar quem é que manda? No café de quem não quer assucar, um sorteio fatal joga um tablette a mais! Pois é! Não ha quem, desse jeito, um prazer goze! No almosso, acharam todos bom o bife, excepto quem quiz carne com mais griffe, em cujo pratto surge a aponevrose! Não ha quem de gastronomo, assim, pose! No pratto do “espinhophobo” cae tudo que os outros nem notaram! Bem ponctudo, um grande no gogó lhe para! É dose!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UM ILLUSORIO ACCESSORIO [2205]

Funcções demais tem essa ferramenta: perfura, corta, entorta, desentorta. Àquelle canivete ella accrescenta mais umas dez funcções, e outras comporta. Desdenha Murphy desse tal que inventa taes typos de utensilio: não lhe importa que em todas as funcções a ferrugenta tranqueira mal funccione e pese, morta. Fallando em mil e uma utilidades, jamais se viu parar attraz das grades quem vende a collecção de facas “Ninja”. Tem uma pro tomate, outra pro aspargo, mais outra p’ra cenoura... Sem embargo, nenhuma corta tanto quanto finja.

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56 GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO PARA UM ILLUSORIO ACCESSORIO [2205]

Funcções demais tem essa ferramenta: perfura, corta, entorta, desentorta... Àquelle canivete ella accrescenta mais umas dez funcções, e outras comporta. Desdenha Murphy desse tal que inventa taes typos de utensilio: não lhe importa que em todas as funcções a ferrugenta tranqueira mal funccione e pese, morta. Fallando em mil mais uma utilidades, não vi nenhum ladrão que a lei attinja. Jamais se viu parar attraz das grades quem vende a collecção de facas “Ninja”. Tem uma pro tomate, outra pro aspargo, mais outra p’ra cenoura... Ora, restrinja a duas ou trez, porra! Sem embargo, que ao menos corte tanto quanto finja!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UM ROPTEIRO BRAZILEIRO [2206]

Não fallo de Brazil, é claro, mas normal nos é voar si o voo attraza. Mais hora, menos hora, tanto faz, comtanto que cheguemos bem em casa. Sem panne nos controles, aliaz, nem fogo na turbina ou rombo em asa. Normal, emfim, é quando tudo em paz transcorre e nada aborta, feito a NASA. Mas, quando o nosso voo soffre attrazo e perco a connexão, seria o caso de ver na lei de Murphy a causa disso. Por que é que a connexão sahiu na hora, si sempre, ella tambem, falha e demora? Só para que eu desmarque um compromisso!

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58 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA QUATTRO GATTOS RESPINGADOS [2209]

Errar humano é, diz o dictado. Mas quando o Manoel, que muito ganha só para calcular, erra num dado de calculo, o patrão, severo, extranha. E si, de Manoeis, for um boccado? Uns quattro ou cinco? É confusão tamanha que ja ninguem mais sabe si é culpado o Manoel da Sylva ou o Saldanha. “Eu lavo minhas mãos!”, diz o Mané de Souza, e quem garante que não é o proprio o responsavel pela falha? Jamais se saberá: de Murphy a lei me salva si no calculo eu errei no meio dessa estupida gentalha.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA DOIS VINTENS EXCAMMOTEADOS [2210]

Errar no troco é coisa que accontesce nas boas e melhores padarias. Por que será, porem, que o caixa exquesce de dar-nos um tostão todos os dias? Vem sempre troco a menos, reconhesce o proprio funccionario, o Malachias. Um troco a mais, jamais, nem que uma prece eu faça àquelle Murphy, que é Messias. Assim, de falha em falha, o Manoel que, claro, é proprietario, faz papel mais de banqueiro que dalgum padeiro. Quem é que não se lembra dos centavos que o banco “arredondava”? Jamais bravos ficavamos, tão pouco era o dinheiro.

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60 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UMA TRANSMISSÃO OMMISSA [2211]

Si foi de futebol uma partida narrada pelo radio, me estrepei, pois nunca o ligo a tempo: que valida o escore uns quattro a trez, agora, eu sei. Mas não sei quem marcou! Ja transcorrida metade do segundo tempo, a lei de Murphy se confirma: toda a vida repetem o placar que decorei. Caralho! Quanto está não interessa! Quem são os artilheiros, porra? É dessa exacta informação que necessito! Não é que o jogo accaba? Ninguem falla os nomes dos que fazem ser de gala o classico espectaculo, e eu me irrito!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UM PASSEIO QUE ODEIO [2212]

Andar de elevador, Murphy sancciona, mais pune quem reside em alto andar, pois, quando o de serviço não funcciona, demora o social para chegar. Não deu outra: appertei o botão, dona Chlothilde, dez accyma, de appertar accaba! O elevador, que dá carona aos vandalos-mirins, vem devagar. Passou, claro, directo pelo meu: parou primeiro la, depois desceu até aqui, lotado... E eu me apporrinho. Agora vae parando, de um em um, pois fez a molecada o mais commum: em todos os botões mette o dedinho.

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62 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UMA TARDIA TRAVESSIA [2215]

Quem sae à rua encontra, a cada passo, um caso a mais que Murphy corrobora. Si for attravessar, faça o que eu faço: não ponha da calçada o pé p’ra fora. Bem antes olhe: pelo largo espaço, não vem carro nenhum naquella hora. Mas, quando me decido, aquelle excasso e calmo movimento ja peora. Do nada, surge carro attraz de carro, em fila accelerada! Então exbarro, na beira da calçada, em outro otario. Tambem elle deixou de attravessar emquanto a pista expressa era o logar mais hermo e o mais tranquillo itinerario.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO PARA UMA TARDIA TRAVESSIA [2215]

Quem sae à rua encontra, a cada passo, um caso a mais que o delle corrobora. Si for attravessar, faça o que eu faço: não ponha da calçada o pé p’ra fora. Bem antes olhe: pelo largo espaço, não vem carro nenhum naquella hora. Mas, quando me decido, aquelle excasso e calmo movimento ja peora. Do nada, surge carro attraz de carro, em fila accelerada! Eu, solitario que estou, como pedestre, então exbarro, na beira da calçada, em outro otario. Tambem elle deixou de attravessar no poncto em que parei, qual visionario, emquanto a pista expressa era o logar mais hermo e o mais tranquillo itinerario.

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64 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UM INTESTINO INTEMPESTIVO [2217]

Está na lei de Murphy: a caganeira vem sempre inopportuna em seu momento. Eu passo uma manhan, folgado, inteira em casa, e nada, nem siquer um vento. Sabendo que a vontade é costumeira, às vezes eu me sento e cagar tento. Ao recto facilito, caso queira sahir, bem grosso e solido, o excremento. Suppositorios ponho, exforços faço, mas canso de esperar, si o tempo passo pensando que, hoje à tarde, ha agenda urgente. Nem bem à rua saio, e os signaes sinto num omnibus, na fila, ou num recincto em cujo sanitario ouço: “Tem gente!”


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UMA ROPTA ABBARROTADA [2218]

Está na lei de Murphy: quanto mais nós temos pressa, mais vae devagar o meio de transporte. São normaes alguns attrazos, nunca tanto azar. Metrô é exemplo classico: ja faz tempão que, deste lado, sem passar nenhum, agguardo em meio ao povo, mas na plataforma opposta, vou comptar: Passou um, dois, e agora ja o terceiro, vazio até! E eu, deste lado, beiro a furia, impaciente e revoltado. E quando, finalmente, o trem de ca nos chega, está tão cheio que nem dá p’ra todo mundo entrar, e sobra gado.

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66 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UM LIQUIDO EM LIQUIDAÇÃO [2219]

Está na lei de Murphy: a gente faz mais compras do que pode consumir. Banana, por exemplo: o preço assaz barato não nos deixa resistir. Si vemos “em offerta” um elixir do somno, ou capillar, caro, aliaz, achamos que é vantagem. Si subir o preço, ninguem dorme mais em paz. Então sobra a banana, que appodresce. Cabello não terá queda que cesse por causa de elixires ou poções. O somno, como a merda, só vem quando quizer, não quando eu quero, e agora eu mando à puta que pariu as promoções.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO PARA UM LIQUIDO EM LIQUIDAÇÃO [2219]

Está na lei de Murphy: a gente faz mais compras do que pode consumir. Banana, por exemplo: o preço assaz barato não nos deixa resistir. Si vemos “em offerta” um elixir do somno, ou capillar, caro, aliaz, achamos que é vantagem. Si subir o preço, ninguem dorme mais em paz. Então sobra a banana, que appodresce ao lado de laranjas ou mammões. Cabello não terá queda que cesse por causa de elixires ou poções. O somno, como a merda, só vem quando quizer, não quando eu quero. Taes licções jamais apprenderei e, agora, mando à puta que pariu as promoções!

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68 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UM CHEIO VERANEIO [2220]

Está na lei de Murphy: quando à praia vão todos num feriado, não descansa ninguem, nem se diverte, pois quem saia de casa ja estressado, exquesça: dansa! Que a estrada engarrafada não attraia ladrões em arrastões, é uma festança! Que haja agua na caixa e que não caia a dicta como chuva, outra esperança! Emfim, caso voltemos ‘inda inteiros do “baita programmão”, e os malloqueiros não tenham nos roubado, damos graças. Melhor não nos seria ter ficado, tranquillos, desfructando do feriado em casa mesmo, juncto com as traças?


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA QUANDO O AFFECTO AFFECTA [2221]

Está na lei de Murphy: o que começa até que bem, accaba mal; o que começa mal, nem reza, nem promessa dá jeito, nem ha magica que dê. Namoro, por exemplo: si você está appaixonadissimo, interessa ir logo para a cama. Ja se vê que, si ella topa facil, tem boi nessa. E quando ella não topa? O tempo passa, você perde o tesão, e sae à caça de novas adventuras, coisa e tal. Ahi que ella o procura, e se offeresce. Talvez até com outro ella estivesse, você suppõe, e a duvida é fatal.

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70 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UM DOIS A DOIS [2222]

Está na lei de Murphy: o futebol devia ser do povo uma alegria, mas, seja o sabbadão de muito sol ou chova no domingo, é triste o dia. Ao menos quando falla portunhol o “pibe” que, artilheiro, tripudia no escrete canarinho: morde o anzol o nosso time, e acceita a aguinha fria. Ainda que nem sempre nós percamos, é como si perdessemos: passamos nervoso o jogo inteiro, a tarde inteira! Si dois marcamos e a Argentina nada, tememos que a Argentina, de virada, por trez a dois nos vença, a catimbeira!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UMA TARDIA ALLEGORIA [2223]

Depois que a charta é posta no correio, occorrem-nos idéas e a sentença mais propria a cada idéa, que não veiu à mente emquanto a charta ‘inda se pensa. Tambem na poesia tal receio tem justificativa: na presença do auctor, o verso achado não faz feio, mas mau paresce quando sae na imprensa. Ficava bem melhor assim, assado, julgamos, si o poema é publicado. Por que não surge a tempo o termo exacto? Resposta: Murphy explica. Quanto mais eu quero ver meus versos nos jornaes, mais erros saem, que antes não constato.

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72 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UM JANTAR DE GALA [2224]

Está na lei de Murphy: uma toalha carissima, e que raro usamos, não excappa do accidente; uma que valha pouquissimo jamais soffre um borrão. Aquella que vovó deixou bem calha na mesa de jantar, occasião em que não convidamos a gentalha, appenas gente amiga do patrão. Emquanto aquella mesa foi forrada com pannos mais baratos, nunca nada de sujo accontescera a conspurcal-a. Foi só servir a janta nessa, a cara, que a sopa, o vinho, o molho derramara a mais chique madame alli na salla.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO PARA UM JANTAR DE GALA [2224]

Está na lei de Murphy: uma toalha carissima, e que raro usamos, não excappa do accidente; uma que valha pouquissimo jamais soffre um borrão. Aquella que vovó deixou bem calha na mesa de jantar, occasião em que não convidamos a gentalha, appenas gente amiga do patrão. Assim não ha quem sirva algo “de gala”! Emquanto aquella mesa foi forrada com pannos mais baratos, nunca nada de sujo accontescera a conspurcal-a. Mas sempre convidamos alguem Foi só servir a janta nessa, que a sopa, o vinho, o molho a mais chique madame alli na

“mala”! a cara, derramara salla.

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74 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UM EMPECILHO A DOMICILIO [2225]

Está na lei de Murphy: solucione algum problema, e um novo surgirá, creado pelo velho, como um clone gerado por alguem que morto está. Pedindo pizza pelo telephone, accabo desistindo, porque ja demora alem da compta. Um cannellone então peço, e cancello a pizza la. Peor a emenda: agora leva a massa mais tempo do que a pizza, uma desgraça da qual me sinto appenas o joguete. Emfim chega a encommenda: pizza fria, seguida doutro pratto, que seria de massa, e mais paresce ser sorvete.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UMA OCCUPAÇÃO PREOCCUPANTE [2226]

Um hobby nos distrae e não occupa la muito tempo: appenas meia horinha por dia. E pouca coisa exige: a lupa, a colla, uma tesoura, a escrivaninha. Mas vae crescendo, a coisa: a gente aggruppa mais hobbies ao primeiro, e ja exquadrinha revistas, livros, uma catadupa de dados... Quanto tempo a gente tinha! Agora, o passatempo secundario se torna obrigação: ha quem compare-o a um vicio, à dependencia, ao gosto amargo. O tempo livre, que era bem maior (quem saca Murphy cita ja de cor), ficou todo tomado pelo encargo.

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76 GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO PARA UMA OCCUPAÇÃO PREOCCUPANTE [2226]

Um hobby la muito por dia. a colla,

nos distrae, pois não occupa tempo: appenas meia horinha E pouca coisa exige: a lupa, uma tesoura, a escrivaninha.

Mas vae crescendo, a coisa: a gente aggruppa mais hobbies ao primeiro, e ja exquadrinha revistas, livros, uma catadupa de dados... Quanto tempo a gente tinha! Agora, o passatempo secundario, com sellos, discos, algo assim, embargo se torna, obrigação: ha quem compare-o a um vicio, à dependencia, ao gosto amargo. O tempo livre, que era bem maior, ao somno ou ao lazer sempre mais largo (quem collecciona cita ja de cor), ficou todo tomado pelo encargo.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA A LOGICA MURPHOLOGICA [2227]

Millôr advisa: Murphy nada tem a ver com pessimismo. A lei ignora que typo de attitude adopta alguem perante a vida, si sorri, si chora. Si Murphy é imprevisivel, sou refem dos factos, simplesmente. Não melhora si for eu optimista e, com desdem, peora o que achei pessimo ‘inda agora. Tentar burlar é inutil: si alguem for levar o guardachuva, ha de suppor que sae ganhando, chova ou faça sol. Qual nada! Si chover, o vento o vira; si sol fizer, leval-o é ser caypyra, pois Murphy faz que mordam seu anzol.

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78 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA A PREVISÃO NA REVISÃO [2228]

Terror dos escriptores, “gatto” ou “gralha” é aquillo que “misprint” o inglez traduz: o tal erro de imprensa. Quem trabalha revendo provas nunca lhe faz jus. O auctor é quem percebe a grave falha que excappa à revisão: quando eu suppuz que esteja tudo certo e o livro valha o nome do editor, ai! Credo em cruz! Passei e repassei... E não vi nada! Tambem o revisor, na papellada, deixou passar a troca da lettrinha. Só quando sae o livro, lindo, impresso, a lei se manifesta e a Murphy peço que nunca mais me puna... Illusão minha!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO PARA A PREVISÃO NA REVISÃO [2228]

Terror dos escriptores, “gatto” ou “gralha” é aquillo que “misprint” o inglez traduz: o tal erro de imprensa. Quem trabalha revendo provas nunca lhe faz jus. O auctor é quem percebe a grave falha que excappa à revisão: quando eu suppuz que esteja tudo certo e o livro valha o nome do editor, ai! Credo em cruz! Passei e repassei... E não vi nada! De Murphy a lei puniu quem escrevinha! Tambem o revisor, na papellada, deixou passar a troca da lettrinha. Só quando sae o livro, lindo, impresso, e à midia um exemplar ja se encaminha, a lei se manifesta e a Murphy peço que nunca mais me puna... Illusão minha!

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80 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA O CHINELLO DO CEGO [2229]

À rua pouco saio e em casa fico calçando só chinellos. Quando saio os troco por sapatos, cujo bicco de pato seja e não de papagayo. Fui claro? Não? Depois explico o bicco. Agora é nos chinellos que eu ensaio um caso, e a lei de Murphy exemplifico, qual praga que nos parte feito um raio. De volta, eu, que sou cego, então procuro o raio do chinello. Alguem, no escuro, consegue? Em quaes logares pode estar? São varios! Num primeiro, nunca está. Num ultimo, é certeza, notei ja. Si inverto a ordem, logico, dá azar!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA O SAPATO DO CEGO [2230]

De papagayo, o bicco do sapato, ao qual me referi, mais tem a ver com dores na columna. Seu formato influe, claro, na dor ou no prazer. Aquelles com os quaes baratta eu macto no cantho da parede, evito os ter. Só tenho biccos largos, mesmo chato não sendo meu pé: gosto de excolher. Ainda assim, a lei de Murphy pega no pé duma pessoa que está cega: descalço em casa, a sola nunca coça. Mas basta que eu, calçado, à rua saia, e o raio da coceira ja se expraia do dedo ao calcanhar de casca grossa.

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82 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UMA MISSA ENCOMMENDADA [2231]

Ao padre, a lei de Murphy um mandamento mais forte que o sagrado representa. Si faz um tempo bom, poucos por cento irão à missa, é sempre o que elle enfrenta. Si faz tempo ruim, o movimento será ‘inda menor, logo se adventa. E o padre, accostumado, a passo lento caminha nessa tarde tão cinzenta. É claro que attrazado chega à egreja e expanta-se que, à espera delle, esteja ja tanta gente alli, rumor correndo. Então elle se lembra e até celebra a missa para Murphy, a quem não quebra promessas... Seu bom senso eu comprehendo.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA O TENNIS DO CEGO [2232]

Em busca do chinello, o cego exbarra, depois de percorrer o apê todinho, em certo par de tennis, que elle aggarra com raiva, porque o facto é-lhe excarninho. Chinello, elle não acha! Mas, na marra, teria que encontrar pelo caminho o que não procurava! É tão bizarra aquella lei de Murphy, o saphadinho! Emquanto aquelles tennis procurara, jamais os encontrou. Está na cara que assim succederá com o chinello! O cego anda descalço por bom prazo, até que, já exquescido desse caso, tropeça nelle... Como o mundo é bello!

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84 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA A MYSTICA MURPHOLOGICA [2233]

Agora ja nem rezo a São Longuinho! Recorro, curto e grosso, ao padroeiro da lei que mais vigora no caminho dum cego: o proprio Murphy, um sancto arteiro. Nem Pedro Malasartes, que, adivinho, ja foi canonizado, é tão herdeiro do machiavellismo comezinho por entre cujas pedras eu me exgueiro. Portanto, para Murphy agora eu rezo, pedindo piedade... Não desprezo, comtudo, a intercessão do proprio Demo! Estou tão escholado, appós a vista perder, que, mesmo sendo masochista, não subestimo um Murphy, a quem mais temo.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO PARA A MYSTICA MURPHOLOGICA [2233]

Agora ja nem rezo a São Longuinho! Recorro, curto e grosso, ao padroeiro da lei que mais vigora no caminho dum cego: o proprio Murphy, um sancto arteiro. Nem Pedro Malasartes, que, adivinho, ja foi canonizado, é tão herdeiro do machiavellismo comezinho por entre cujas pedras eu me exgueiro. Portanto, para Murphy agora eu rezo, sim, quando em desamparo mais extremo, pedindo piedade... Não desprezo, comtudo, a intercessão do proprio Demo! Estou tão escholado, appós a vista perder, que contra as ondas ja não remo. Me guardo e, mesmo sendo masochista, não subestimo um Murphy, a quem mais temo.

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86 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UM BUFFET DE BUFAR [2234]

Provoca o bandejão chance frequente às antileis de Murphy. Para mim, accaba sempre aquella sopa quente por cuja causa a esta fila eu vim. Nem chega a minha vez, e alguem na frente serviu-se do restinho e deu-lhe fim. Mas resta a sobremesa! Infelizmente, percebo que pegaram meu puddim. Eu sempre chego tarde e perco as frictas, as carnes, o torresmo! Essas maldictas, fatidicas, terriveis, tristes filas! Às vezes, chego cedo, na esperança de achar taes iguarias, mas a pança não encho, pois demoram a servil-as!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO PARA UM BUFFET DE BUFAR [2234]

Provoca o bandejão chance frequente às antileis de Murphy. Para mim, accaba sempre aquella sopa quente por cuja causa a esta fila eu vim. Nem chega a minha vez, e alguem na frente serviu-se do restinho e deu-lhe fim. Mas resta a sobremesa! Infelizmente, percebo que pegaram meu puddim. Va la que isso nem custa tantas pilas! Eu sempre chego tarde e perco as frictas, as carnes, o torresmo! Essas maldictas, fatidicas, terriveis, tristes filas! Jamais as circumstancias são tranquillas! Às vezes, chego cedo, na esperança de achar taes iguarias, mas a pança não encho, pois demoram a servil-as!

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88 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA A BOTA DO CEGO [2235]

Dizer que “quem tem bota, tem trabalho” pertence à popular sabedoria, porem na lei de Murphy me attrapalho mais do que quem enxerga supporia. São muitos os ilhozes e me valho dos dedos ao aptar a porcaria daquelle cadarção, mas fica falho o laço, no cothurno, que eu queria. Accabo desistindo, e a bota admarro a esmo. Saio puto e, num excarro, no mijo, ou no cocô, sei que pisei. Retorno, ‘inda mais puto! Pois da sola quem é que um cagalhão desses descolla? Só quem de Murphy duvidou da lei!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UM SAPATO MARCA “MURPHY” [2236]

Você gostou bastante do modello? Não tem justo o seu numero, ja soube. E quando você gosta do modello e o numero confere, não lhe coube. Si tudo está de accordo, vae perdel-o: recusa o preço por achar que roube. Emfim, si o vendedor logra vendel-o, não cante ‘inda victoria, não se arroube, pois, mesmo que o modello bem lhe aggrade, que seja o seu tamanho e, na cidade inteira, ninguem venda mais barato, ainda assim, você não o terá, devido à forte chuva que ja está cahindo e encharcará o novo sapato.

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90 GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO PARA UM SAPATO MARCA “MURPHY” [2236]

Você gostou bastante do modello? Não tem justo o seu numero, ja soube. E quando você gosta do modello e o numero confere, não lhe coube. Si tudo está de accordo, vae perdel-o: recusa o preço por achar que roube. Emfim, si o vendedor logra vendel-o, não cante ‘inda victoria, não se arroube. Pois, mesmo que o modello bem lhe aggrade, que seja o seu tamanho e, na cidade inteira, ninguem venda mais barato, o azar lhe será sempre mais ingrato. Ainda assim, você não o terá, devido à forte chuva que ja está cahindo e encharcará o novo sapato, formando mais chulé no seu pé chato.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UMA FUMAÇA MAÇANTE [2237]

Quem gosta que lhe soprem pela cara fumaça de cachimbo, ou de charuto? Quem menos sacco tem, mais se depara com isso, em seu espaço e em seu reducto. Si o cara for fumante, nem repara, mas o antitabagista fica puto, pois vive reclamando e até declara que, caso irado, appella ao jogo bruto. Inesperadamente, a baforada attinge, si o tabaco desaggrada, narinas mais sensiveis, Murphy advisa. Depois que ja tossiu, nem addeanta brigar, pois, si é passiva uma garganta, effeitos soffrerá, diz a pesquisa.

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92 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UMA SYMPHONIA SEM SYNTONIA [2238]

Diz Murphy: si você chegar na hora, cancellam o espectaculo, é batata. Tardando a começar, lamenta e chora si, a tempo, p’ra chegar, você se macta. Emfim, quando é você quem se demora, o show já começou... Que coisa chata! Alguem a quem culpar? Sua senhora, que é lerda quando de sahir se tracta. “Depressa! Que molleza! Assim perdemos o raio do concerto, com os demos!” Retruca a dona: “Va você na frente!” Malvado é Murphy: irritam-se por nada! A musica é moderna e desaggrada quem curte a orchestração de antigamente.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UM FREGUEZ DESCORTEZ [2239]

Diz Murphy: quem mais chora e mais reclama é aquelle que não paga, ou que se attraza. Cliente ponctual, de boa fama, com todos os direitos, poupa a Casa. O cara é caloteiro e “mala”: mamma nas tetas do governo, é mente rasa, estupido, bebum, ruim de cama, e como cidadão nobre extravasa. Fiado sempre leva, mas commenta que, aqui, as mercadorias são noventa por cento de segunda, e de terceiro. “Bem feito!”, pensa o chefe. “Accaba nisso dar credito a subjeito irritadiço, pois quanto mais luxento, mais fuleiro!”

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94 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UMA PAUSA EM CAUSA [2240]

Fallando em chefe, Murphy o caso cita do pobre funccionario, que se estressa e encargos mil assume, mente afflicta, temendo que erro minimo o despeça. Mais cedo chega a cada dia. Evita motivos dar ao chefe e se confessa fanatico por trampo. Não attrita com quem um favorzinho a mais lhe peça. Depois dum dia cheio, em que despacha dezenas de encommendas, só relaxa num unico momento, e se expreguiça. Estica as pernas, expõe, p’ra descansal-a, a sola sobre a mesa... E então, na salla, o chefe, às pressas, entra... Que injustiça!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UM VERDADEIRO ALLARME FALSO [2243]

O allarme do automovel só dispara si a porra não está sendo roubada. Ladrão trabalha bem, nem se compara a um troço que faz tanta palhaçada! É machina importada, coisa cara, mas faz o nosso ouvido de privada: o treco só funcciona, está na cara, quando ha silencio, em plena madrugada! Na lei de Murphy consta um corolario fallando em como é besta um proprietario de carro, em como teme o prejuizo. No entanto, a tanta raiva nos convida por causa desse allarme, que a torcida da gente é que lhe roubem gatto e guizo.

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96 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UMA SEMANTICA DA SYSTEMANTICA [2244]

De Murphy o punk é victima, podendo levar na cara aquillo que mais tema: porrada. Eu ca confesso que o defendo, si ao punk é tudo culpa do Systema. P’ra systematizar qualquer problema, não basta transformal-o em lei: dizendo que a lei ainda é falha, chore ou gema o povo, os doutos fazem-lhe um addendo. Mais logico seria rejeital-a, si a lei não presta. Mas quem disso falla? Preferem emendal-a eternamente. Não quer saber o punk a quantas anda o tramite: na musica da banda, melhor ser, do Systema, independente.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

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SONNETTO PARA UM PÊ DEFERIMENTO NESTES TERMOS [2245]

Talvez a lei que Murphy mais assigne e endosse seja aquella que à barreira, ao custo e ao embaraço se destine: a da burocracia brazileira. Xerox authenticado, que ao fanzine não serve, é claro, a fila costumeira, carimbo, formulario... O que define melhor que a lentidão aduaneira? Seus termos são: “Si pode complicar, p’ra que simplificar?” E um lupanar, de attrazo e papellada, nos estupra. Crear difficuldade p’ra vender falsa facilidade: eis o poder cruel, chartorial, do “vide supra”.


98 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA QUEM ESTÁ REDONDAMENTE ENGANNADO [2249]

Reserva a lei de Murphy, aos que à dieta pretendem dedicar-se, a mais frustrante das considerações. Quem carnes veta e come só verduras, não se expante: Verdura, appenas, come um elephante! Quem peixes quer comer e como meta tem logo emmagrescer, antes que jante seu pratto de pescado, isto lhe affecta: Baleias comem peixe, appenas peixe! Retruca um optimista: “Ora, não deixe que um pappo de humorista o dissuada!” Pois faça como queira o natureba: da morte nada excappa, nem ameba, por causa da ração que foi mudada.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA A CREANÇADA ADVANÇADA [2250]

Creança é bicho arisco. Caso alguem queira photographal-a, ella não para quietinha um só minuto. Não dá nem p’ra ter um instantaneo só da cara. Por outro lado, quem appenas tem vontade de filmal-a, ja a compara à estatua de pedra, porque “zen” se torna de repente, a peça rara. Creança é exquisitona, Murphy conta: na nossa frente é muda, não affronta ninguem, e um palavrão não se lhe escuta. É só chegar visita, ella desanda, bem alto, a praguejar, e a todos manda tomar no cu, foder-se, ou ir à puta...

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100 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA O PAPEL DO PAPEL [2251]

É só você sentar-se na privada, si, emfim, sentiu vontade não sentida faz tempo, e se dá compta de que nada que o limpe resta, e a tira era comprida. Os rollos de papel nos deixam cada vez mais damnados e mais pês da vida: accabam logo, fica pendurada appenas a ponctinha retorcida. E agora? Murphy sabe como é suja a bunda de quem caga molle, cuja fedida merda excorre pela perna. O jeito é levantar, passar o dedo e, rapido, lavar-se... Um gosto azedo nos fica no gogó, repulsa eterna.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

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SONNETTO PARA O CONFESSIONARIO DO FUNCCIONARIO [2252]

O cara explica: “A culpa não é minha!” E é cynico: “Fui pego de surpresa!” A culpa não será da vovozinha materna, que gerou a baroneza? Extoura-lhe no collo a comezinha, prevista podridão e, com certeza, explicará o barão que jamais tinha supposto um appagão na luz accesa. Exacto, é para isso, Murphy adverte, que exsiste um ministerio: que só accerte si affirma-nos que errou, com todo o zelo. A lei é clara: quanto mais vital o cargo, mais inepto o eventual e ephemero occupante a preenchel-o.


102 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA O TORTO POR LINHAS TORTAS [2253]

A estrada está deserta. Ao longe, vem, em cada poncta, vindo um caminhão. No meio, a ponte estreita, e Murphy tem certeza: ao mesmo tempo chegarão. De carro você chega em casa e não ha vaga em frente ao predio. Mais de cem metrinhos logo addeante, é contramão, mas estaciona o carro. Diz alguem: “Olá, doutor Godinho! A caminhada faz muito bem, não é?” Você, que nada responde, pensa: “Ah, va tomar no cu!” Chegando ao predio, nota você, puto, que agora ha varias vagas. “Não discuto”, pensa você, “com Murphy e Belzebuth!”


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UM APPROMPTUARIO MURPHOLOGICO [2254]

Si Murphy no hospital uma visita fizer, constatará que a lei vigora em toda a plenitude. A tal da fita usada em curativos corrobora: São dois esparadrappos, Millôr cita, os typos disponiveis alli: ora aquelle que não gruda, e agente evita, ora o que não desgruda, e a gente chora. As pillulas que o medico nos manda tomar antes do almosso e propaganda expalha dos effeitos, são fataes: São justamente aquellas taes que mais estragam nosso amargo paladar e para sempre temos que tomar.

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104 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA A BANANA QUE SE DEU [2256]

Banana, para Murphy, é fructa boa na applicação da lei: si não estão maduras, come todas a pessoa que as compra, verdolengas, por tostão. Si, antes que admaduresçam (que nos doa a pança) as devoramos, nunca vão ser todas consumidas quando excoa o tempo e ja passadas ficarão. Em summa: fructa a gente sempre traz p’ra casa em quantidade que capaz não é de consumir sem que appodresça. Si compra pouco, accaba, e alguem reclama; si compra muito, sobra, e qual a dama que come? Até mendiga foi condessa!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UM NOTORIO FINORIO [2257]

Freguez do Murphy é um certo Godofredo Godinho: por ser gordo, elle adivinha olhares sobre si. Como tem medo de ver-se demittido, se apporrinha. Jamais pelo escriptorio elle caminha de mãos vazias, si é apponctado a dedo: trez folhas de papel, uma pastinha traz sempre, attarefado de arremedo. Num corredor, só anda pelo meio. Na rua, ao lado delle, outro bem cheio caminha, e os dois bloqueiam a calçada. A chance de que o vejam com alguem com quem não quer ser visto serão bem maiores si seu nome, alto, outrem brada.

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106 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UM IMPASSE NA LEI DO PASSE [2258]

Athleta é mesmo grosso, e Murphy adora nos ver contrariados com um craque. Si nosso time o compra, elle, na hora, começa a não valer tanto destaque. Tractava bem a bolla, mas agora paresce que exquesceu e, caso emplaque um gol, foi sem querer. Era, la fora, um idolo; virou galan de araque. Si a camera, isolada, lhe approxima a imagem, não ha griffe que o redima: excarra, coça o sacco, tira monco. E o cabeça-de-bagre que vendemos, no entanto, noutro time agora o vemos brilhando, e nem paresce ser tão bronco.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA OS INFORTUNIOS DA VIRTUDE [2259]

“Virtude, em vez de premio, tem castigo”, dizia Sade, “e o vicio é premiado...” Concorda Murphy: “A mesma coisa digo, embora num discurso não tão sado...” Practique a boa acção: pague ao mendigo o almosso, dê-lhe mais do que um trocado; empreste seu dinheiro a algum amigo que esteja na peor... Depois, cuidado! Uma vezinha só que você dê, a mesma coisa esperam de você dalli por deante, sempre, eternamente. Virtude que a si mesma se castiga: mostrar benevolencia attrae a intriga, a inveja, a ingratidão do “irmão” carente.

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108 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA AS PROSPERIDADES DO VICIO [2260]

Tambem Godinho soffre, no serviço, o effeito negativo da virtude: às vezes elle assume compromisso maior, sem que ninguem appoie e adjude. Por que não allegou: “Fiz o que pude...”? O gordo se exhibiu mais que o magriço, agora cobram delle uma attitude egual: “Você já fez melhor do que isso!” E sua o gordo, sua e passa o lenço na testa, arrependido desse immenso, enorme abacaxi... Virtude ou vicio? Ensigna Murphy: nunca faça bem aquillo que, fazendo mal, ninguem repara nem censura. É desperdicio.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA A EXPERTEZA NA BURROCRACIA [2261]

É facil, muito facil, summamente facil difficultar as coisas para obter vantagem disso. Murphy mente si assim affirma? A coisa está bem clara. Reciproca veridica: si a gente tentar facilitar, nem se compara! É muito mais difficil, coherente com tudo que na lei ja se affirmara. É na burocracia que o preceito tem mais applicação: famoso é o jeito, “jeitinho”, como dizem, que o confirma. Um simples cafezinho, uma “caixinha”, melhor que “Abre-te, Sesamo!”, encaminha papeis e reconhesce qualquer firma.

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110 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UMA COCEIRA TRAIÇOEIRA [2262]

Nervoso é que Godinho mais se coça: nas costas e na sola, a comichão se torna insupportavel quando engrossa a fila à sua espera no balcão. Por que será que, justo quando nossa mãozinha está occupada na funcção mais suja e gordurosa, nos accossa o accesso de prurido? Extranho, não? Si Murphy explica, não adjuda em nada na hora em que se está, de mão molhada, sentindo uma coceira bem no sacco. Na frente dum freguez ou dum collega, Godinho se controla, tosse, offega, e diz com seus botões: “Não seja fracco!”


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

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SONNETTO PARA A CORRESPONDENCIA SEM URGENCIA [2263]

O attrazo, no correio, é relativo. Segundo Murphy, a charta, si é de amor, o cheque que nos é dinheiro vivo, papeis, não contra nós, mas a favor, ah, levam trez semanas! E eu me privo de coisas importantes, do que for urgente e necessario... Um outro crivo regula os documentos sem valor. Convites, propaganda, emfim a “mala directa” (“mala” calha bem chamal-a) não tardam, chegarão no mesmo dia. Si for cobrança, então, é bem capaz de nos batter à porta algum rapaz sympathico, burlando a portaria.


112 GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO PARA A CORRESPONDENCIA SEM URGENCIA [2263]

O attrazo, no correio, é relativo. Segundo Murphy, a charta, si é de amor, o cheque que nos é dinheiro vivo, papeis, não contra nós, mas a favor... Ah, levam de coisas urgente e regula os

trez semanas! E eu me privo importantes, do que for necessario... Um outro crivo documentos sem valor...

Convites, propaganda, emfim a “mala directa” que nos enche e que assedia a todos (“mala” calha bem chamal-a) não tardam, chegarão no mesmo dia! Si for cobrança, então, é bem capaz, emquanto cochilamos nós na salla, de vir batter à porta algum rapaz folgado, que comnosco grosso falla!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UMA RECLAMAÇÃO POR ESCRIPTO [2264]

Quem fez uma encommenda, prompto esteja: segundo Murphy, irá passar nervoso. Vencido ha muito o prazo, elle exbraveja, comsigo mesmo irrita-se, choroso. Godinho foi a victima: despeja a raiva numa charta e, pressuroso, despacha sua queixa malfazeja, de chulo estylo e effeito duvidoso. Naquelle mesmo dia, em que regressa da agencia dos correios, uma expressa remessa empacotada elle recebe. Chega a mercadoria sempre appós cansados de esperar estarmos nós e o termos dicto em termos, como a plebe.

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114 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA A NOSTALGIA DA MELODIA [2265]

Recorda-se Godinho, com pesar, de sua adolescencia: desde então reconhescia um Murphy a boycottar prazeres corriqueiros, sem razão. Ligava o radio e, sempre, na estação que mais syntonizava, ao escutar appenas o final duma canção de sua preferencia, dava azar. Até que, emfim, comprava o amado disco! Não é que, justamente, achava um risco naquella mesma faixa favorita? Não tinha jeito: o gordo sempre foi marcado pela lei... Por mais que soe cruel, hoje é só nisso que accredita.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA AS LINHAS DESCRUZADAS [2266]

Elevador quebrado. Pela escada Godinho sobe e, como é gordo, sua em biccas. Ja procura a chave em cada bolsinho, e vê que Murphy está de lua. Escuta o telephone. Uma affobada mão abre a porta e, rapido, recua, por ter cessado o toque. O gordo brada sonoro palavrão que ouviu na rua. Se affasta, e novamente a porra toca. Attende. Escuta um clique: alguem colloca no gancho o telephone. O gordo estrilla. Se lembra de ligar para quem ama, mas disca errado e, quando o phone chama sem que ninguem attenda, ja se grilla.

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116 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UM HOTEL BARULHENTO [2267]

Quem rhoncha sempre dorme mais depressa que aquelle que não rhoncha e que, na cama, irá se revirar, damnado à bessa, sem que no somno pegue: a Murphy a fama! Godinho, por exemplo, soube dessa verdade, ja hospedado e de pyjama, no quarto dum collega, que não cessa do rhoncho e nem escuta quem reclama. Foi por economia... Arrependido de dividir o quarto, faz ruido bem alto, a ver si accorda o companheiro. O hotel inteiro accorda, excepto o peste, o bocca-de-serrote... Ha quem conteste? Quem rhoncha, o gordo ouviu, dorme primeiro.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA OS OCULOS DO CEGO [2268]

Millôr: “Toda particula que voa encontra sempre um olho”. Eu digo mais: “Um olho sem os oculos dá boa, melhor, optima chance p’ra leis taes...” Os oculos escuros, na pessoa do cego, são adviso aos mais “normaes” que o cara nada vê. Não é à toa, porem, que as lentes são descommunaes. Tambem de protecção contra os tais ciscos funcciona aquelle escudo, pois os riscos que corro ao exquescel-o são batata: Appenas uma vez, uminha só que à rua fui sem elle, e um grão de pó, maior do que um torrão, quasi me macta!

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118 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UMA MOEDA MEHUDA [2269]

Na quotação do dollar, Murphy deita e rolla: quem viaja ao exterior não pode pechinchar que não acceita comprar quando é mais alto seu valor. Na volta, quer vender e, desta feita, encontra o cambio em baixa. Quando for de novo viajar, outra desfeita dos factos: ja subiu... Nunca a favor! Si, para variar, Godinho troca, com muita antecedencia, a massaroca de notas que guardou, e lucra nisso, na certa nem terá opportunidade de usar esse dinheiro, pois lhe invade a casa o “amigo” e nelle dá sumiço.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UMA CONFERENCIA CONFERIDA [2270]

No artigo publicado, ommitte o auctor a fonte mais citada em que baseia seu thema. Arrisca, adapta-lhe o teor, torcendo que o leitor no texto creia. Mas Murphy estava allerta! Algum leitor mais especializado irá, na teia, pegar justo a tal falha, e está a propor que faça a mesma critica quem leia. Si for um tal Godinho quem escreve o artigo, não será, por certo, breve o espaço do jornal para a resposta. Mais chance então terá o leitor attento de falhas apponctar no documento, provando erronea a these alli proposta.

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120 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA A IMAGEM DA EMBALLAGEM [2271]

O frasco de remedio deveria à prova de creanças ser, mas quem garante? Aquelle adviso, em theoria, bastava estar no rotulo. Porem não pensa Murphy assim: caso a tithia, tentando, não consiga abrir, e nem consiga a vovozinha, o frasco cria a idéa de que a tampa veda bem. Bobagem! Vira as costas um adulto e logo a filharada faz o insulto que à industria pharmaceutica mais dóe. Xaropes, gottas, pillulas ou pós, é tudo violavel, tudo! Appós romper o frasco, um filho ‘inda o destroe.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UNS OVOS NOVOS [2272]

Um ovo, diz Millôr, é commummente bom alvo para Murphy. Uma saccola que rasgue, entre outras compras, logo a gente constata, é justo aquella em que elle rolla. Si quebra onde não deve, um ovo mente, por fora, si está podre. Quem controla, olhando, a qualidade, nem presente [pressente] o estrago quando a casca se viola. O chato é que só vemos que não presta depois que foi quebrado, e nada resta sinão jogar do bollo a massa fora. Quebrar directamente um ovo em cyma dos outros alimentos desanima, mas, si o testamos antes, não nos gora.

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122 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA A VALIDADE VENCIDA [2273]

Si houver, para um producto, garantia da technica assistencia por um anno, ou da reposição, Murphy advalia: em treze mezes surge-lhe algum damno. A Murphy é indifferente si confia você na qualidade que Fulano de Tal ou que Beltrano promettia no annuncio da tevê, garboso e uffano. Chamar de “obsolescencia programmada” é cynico euphemismo: aquillo é, nada mais, nada menos, que clichê fuleiro. O troço autodestroe-se em treze mezes, deixando putos todos os freguezes e rico o fabricante trappaceiro.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA O ESPIRITO DO PÃO [2274]

Não basta repetirmos nós que o pão do pobre sempre cae tendo voltado seu lado admanteigado para o chão: detalhes outros pedem mais cuidado. Exemplo: si é manteiga mesmo e não geléa ou margarina, o resultado da queda differença faz; si são só taccos, si é carpete ou cementado. E mesmo que não caia o pão da mesa, será mais molle quanto mais dureza tiver nossa manteiga, ‘inda gelada. A Murphy, é mais provavel que, ao passal-a, você perfure o pão, que estica, estalla, se parte, e cae-lhe a solida camada.

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124 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA O PÃO DO ESPIRITO [2275]

Um livro, advisa Murphy, sempre pede extrema paciencia a seu auctor. Forçoso lhe será que não arrede em nada e nunca ceda ao revisor. Coitado do poeta si elle cede! Achando que lhe faz algum favor, o cara altera as tonicas e impede que o “se” se torne enclitico... É um censor! Maior erro é mandar originaes sem erros, impeccaveis, para os taes bossaes da revisão, que vivem disso. Melhor é commetter um erro crasso, grosseiro, de proposito: é o que faço, deixando o babacão mostrar serviço.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UM VACILLO NO SIGILLO [2276]

Godinho, no escriptorio, experimenta momentos de tensão. Graças a quem? A Murphy! Eis, pois, o gordo, em marcha lenta, que, para tirar copias, vindo vem. Na machina pesada e barulhenta xeroca um documento que contem seu “confidencial” teor. Se ausenta um pouco e, quando volta, ficou sem... Si fosse algum papel desimportante, jamais o exquesceria, quem garante é Murphy, auctor da lei, que não perdoa. Depois de procurar por toda parte, emfim Godinho o encontra! Um quasi enfarte soffreu ao ver que, ao vento, elle ja voa.

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126 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA A INVERSÃO DOS PAPEIS [2278]

Godinho olha, perplexo: duma pilha enorme de papeis, os que lhe estão por cyma repetiram a armadilha na qual cahira ha pouco, o bobalhão. Algumas folhas elle desvencilha das outras; umas tende sua mão a logo desvirar; as que elle pilha de costas e ao contrario o assustarão. Emfim, Godinho accerta a pilha toda! Mas eis que Murphy quer que elle se foda, pois, feita a arrhumação, ella se inverte. Papel que estava certo, torto fica! Mostrava antes o cu, e agora a picca lhe mostra o documento mais sollerte!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UMA PAULADA CALCULADA [2279]

Apponcta bem Millôr a differença que exsiste entre uma lei da natureza e a lei de Murphy: nesta a gente pensa emquanto o pão do pobre cae da mesa. A lei da natureza, em sua immensa e astral sabedoria, dá a certeza de que tudo dará, sem desadvença, errado, e Murphy causa-nos surpresa. Do mesmo jeito, sempre, é como a lei se mostra natural quando eu errei naquillo que errarei: dá na cabeça. Varia, todavia, em Murphy a setta: si estou desprevenido, ella me affecta; si allerta estou, agguarda que eu a exquesça.

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128 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UM CAUDILHO EXPERTALHÃO [2281]

Millôr descreve bem o que seria um lider charismatico: “A melhor maneira de guiar, com maestria, a plebe, a multidão, a sei de cor. Bastante é reparar para qual via a massa se dirige ou, na peor hypothese, de quem se refugia, qual medo lhe provoca mais suor...” Depois, é só correr na frente della, brandindo ou agitando uma amarella bandeira, ou qualquer coisa semelhante. Que digo? Amarellar não acconselha sinão a minha rhyma! Si é vermelha a cor, Murphy consagra o commandante.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA O EXCESSO DE BAGAGEM [2282]

Voltando de viagem, vem Godinho de malas carregado. No saguão do predio, elle, na falta dum carrinho, segura immensa mala em cada mão. Cansado de esperar que o comezinho ranger do elevador o traga ao chão, o gordo, sobre o piso cor de vinho, descansa, arfando, o fardo pesadão. No mesmo instante, chega o elevador. Mal entra, elle se vira, prompto a pôr o dedo no botão do seu andar. Frustrado, vê que o lado para o qual virou-se é errado: Murphy acha fatal que opposto haja um botão a quem entrar.

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130 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UMA CASA LOTADA [2284]

Si forem numeradas as poltronas, é certo que o espectaculo dará ensejo à lei de Murphy, pois nas zonas vazias da platéa o caso está. É justo onde as senhoras mais gordonas deviam se sentar, que ‘inda não ha ninguem, quasi na hora em que as cafonas cortinas vão se abrindo, la e ca. Então chegam as ultimas pessoas: por mais que de maneiras sejam boas, provocam grande incommodo às demais. Occorre que é no meio da fileira que fica o logar vago de quem queira sentar: quem ja sentou se irrita mais.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA O DOMINIO PRIVADO [2285]

No campo das idéas, Murphy fica sentindo-se à vontade. Quando um cara achou aquella rhyma, rara e rica, que estava procurando, alguem a usara. O cara um trocadilho bolla, applica aquillo a um bello titulo e compara o achado (como em “épica”, que “é pica”) às obras-primas que um Millôr creara. Descobre, então, que alguem o “psychographa”, alguem que, si accusado, bem se sapha, dizendo que do povo se utiliza. Roubar alguma idéa dum subjeito é “plagio descarado”; si for feito o mesmo plagio a muitos, é “pesquisa”.

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132 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UM EQUIPAMENTO MARCA “MURPHY” [2286]

Faz tempo que Godinho percebeu que aquella velha machina é uma droga: “O dono não sou eu. Ah, si fosse eu, jogava fora...” Mas ninguem a joga. A machina é da firma. “No museu é que devia estar!” E dialoga Godinho com alguem que se attreveu a delle duvidar e que o interroga: “Verdade? Não funcciona? Pois eu acho que é só mexer com jeito!” Que esculacho! Godinho rindo está: “Não me provoque!” Tentando demonstrar que a traquitana de facto está quebrada, elle se damna, pois ella liga, e ja ao primeiro toque.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA DEPOIS [2287]

Não ha melhor momento do que o dia de hoje p’ra deixarmos p’ra admanhan aquillo que ninguem, de facto, iria fazer jamais, em consciencia san. Assim se diz de quem nunca foi fan de encargos e problemas, quando addia indefinidamente aquella van e inutil decisão que tomaria. Millôr, que, como Murphy, o caso apponcta do cara preguiçoso alem da compta, paresce suggerir que elle é bahiano. Mas elle é brazileiro: eu mesmo, cego, do suicidio nunca me encarrego e vou deixando... Nem marquei um anno.

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134 GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO PARA DEPOIS [2287]

Não ha melhor momento do que o dia de hoje p’ra deixarmos p’ra admanhan aquillo que ninguem, de facto, iria fazer jamais, em consciencia san. Assim se diz de quem nunca foi fan de encargos e problemas, quando addia indefinidamente aquella van e inutil decisão que tomaria. Millôr, que, como Murphy, o caso apponcta, sinão dalgum “nadista” mais uffano, do gajo preguiçoso alem da compta, paresce suggerir que elle é bahiano. Mas elle é brazileiro: eu mesmo, cego que nunca se conforma com tal damno, do suicidio nunca me encarrego e vou deixando... Nem marquei um anno.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA O SEGREDO DO POLICHINELLO [2288]

Millôr diz que o segredo do successo é de sinceridade usarmos, mas explica: só fará grande progresso quem conseguir fingir-se de veraz. Me faço de sincero si confesso que, às vezes, de mentir serei capaz, mas, mesmo si desculpas a alguem peço, irão dizer que o faço em tom mordaz. Poeta é mesmo assim, Murphy resalta: fazendo da mentira sua falta maior, finge chorar, mas exaggera. Accaba gargalhando, e sua dor provoca appenas riso, si alguem for levar a serio a magoa mais sincera.

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136 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UMA COLHER TORTA [2289]

Nas brigas, sobra para quem apparta a parte mais difficil: dar razão às duas partes. Nunca se descharta, comtudo, a lei de Murphy na questão. Exemplo: caso um bronco a cara parta dum cara bem mais fracco, você não consegue demovel-o com a farta dosagem de argumentos mais à mão. Você lhe diz “Não batta nelle! Pense na sua mamãezinha!” e não convence aquelle troglodyta, que retruca: “Fallou commigo, cara? Tá querendo xingar a minha mãe? Quando eu me offendo, peor é p’ra quem entra na muvuca!”


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA AS BODAS DE OURO [2290]

A Murphy, a duração dum casamento inverte a proporção do que se gasta na festa. Sendo um accontescimento de midia, dá-lhe um “Corta!” o cineasta. Si for casorio pobre, ‘inda se arrasta aquella relação por meio cento. Mas, quando a “socialite” não é casta, o escandalo é mais rapido que o vento. Famoso jogador que, num castello francez, com a modello formou bello par, logo mais, nas nupcias, se separa. Aquelle peão velho que fez pouca comida, só pãozinho e carne louca, ainda della aguenta ver a cara.

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138 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA QUEM PRECISA DUMA MÃOZINHA [2292]

Alguem ja percebeu que a maioria das coisas que fazemos, seja a urgente medida, seja o affan do dia-a-dia, exige muita practica da gente? Trabalhos manuaes? Nem só seria dos mesmos que eu lhes fallo: experimente alguem organizar a theoria de Murphy de maneira efficiente. Annote em pedacinhos de papel aquella casuistica cruel conforme na lembrança nos pullula! Trez mãos precisariamos ter para fazermos tudo aquillo que separa um homem dum macaco... ou duma lula!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UM BRINQUEDO QUE DÁ MEDO [2293]

Um brinquedo inquebravel é perfeito e tem sua maior utilidade, segundo Murphy, para dar um jeito nos outros brinquedinhos dessa edade. Que jeito? Ora, quebrando-os! Seu conceito está precisamente no que Sade pregava sobre o orgasmo do subjeito que goza si outro soffra e se degrade. Principio da gangorra, é como chamo aquella lei de Murphy que meu amo invoca no momento em que me fode: “O mundo foi creado para quem dispõe do que outrem põe! Resta, a quem tem juizo, obedescer: manda quem pode!”

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140 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UMA REPETITIVA “MURPHILOSOPHY” [2294]

Nem com o fatalismo deve a lei de Murphy confundir-se, nem siquer com mero pessimismo. Constatei na pelle o que versejo por mester. É com o cayporismo, mesmo, eu sei, que está relacionado o que vier de bom ou de ruim: jamais serei feliz, nem quando a sopa é de colher. Si a sopa vem quentinha, ou queimo a lingua, ou acho alguma mosca, quando pingo-a na bocca aos poucos, morta na colher. E, caso venha fria, está provado: o lado positivo occulta o lado real de qualquer coisa, de qualquer...


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UM LENTO ATTENDIMENTO [2295]

Godinho foi ao medico. Quizera jamais necessitar duma consulta! Mas sente-se pesado: ora, pudera! Não é do seu problema a causa occulta. Assim como em qualquer salla de espera, naquella a lei de Murphy logo advulta na mesa das revistas: nem a Vera na cappa em algo orgastico resulta. Tal como a bella actriz, que já não é novinha, as taes revistas são até mais velhas do que um satyro impotente. O gordo se chateia: elle terá bastante que esperar, pois alli ja estão outros gordões na sua frente.

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142 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA QUEM CORRE “RISCO DE MORTE” [2296]

Suspeitem dos philologos! Talvez quem seja muito sabio saiba, alem do proprio nome, em puro portuguez dizer que tem “diproma” e “crasse” tem. Um cara “especialista” é sempre alguem que estuda, estuda, e sabe cada vez mais sobre cada vez menos, e vem naquillo progredindo: é o que elle fez. Refiro-me ao estupido grammatico que, só porque se torna “midiatico”, pretende cagar regra e ser oraculo. Sabe absolutamente tudo accerca de simplesmente nada e, antes que perca o bonde, traduz “Múrfi” pro vernaculo.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UM PAPPO TELEPHONICO [2297]

“Alô! Doutor Godinho? Aqui quem falla é Rocha, o despachante! O documento não deu p’ra ficar prompto! Estou na salla do Esteves, o assessor... Olhe, eu lamento...” - O que?! Cê tá brincando! Minha mala tá feita! Admanhan mesmo eu represento a empresa no exterior! Faço uma escala no Rio, mas de la não dá, nem tento! “Eu sinto muito, amigo! Até a semana passada, estava facil! Mas nem grana por fora pode dar um jeito agora!” - Ah, va tomar no cu! Só pode ser a tal da lei de Murphy! Que prazer o Demo tem commigo! Elle me adora!

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SONNETTO PARA UMA MURPHOLOGIA DO VESTUARIO [2298]

No dia em que Godinho põe gravata e veste paletó, cae de pigmenta o molho e faz estragos, é batata, do punho ao collarinho, e alguem commenta. Deu brilho no sapato? Ja constata o gordo: vae chover! E se lamenta, prevendo um temporal que caia e batta no couro, alem da lama, que é nojenta. No entanto, si elle veste appenas jeans, pode expirrar a calda dos puddins da mesa inteira, e a calça fica limpa. Si está de camiseta, pode até cahir torrão de assucar no café, que ainda ella, branquinha, se repimpa.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SONNETTO PARA UMA MURPHOLOGIA DO ITINERARIO [2299]

“Que tal cortar caminho por aqui?”, pergunta Godofredo. Quem está com elle no automovel nem sorri, pois todos estressados estão ja. O transito é terrivel. “Nunca vi um congestionamento desses! La no Rio não tem disso!”, diz, de si para comsigo, um velho, ja gagá. Si fossem pela via principal, teriam ja chegado, pois o tal attalho os attrazou ainda mais. Na lei estava escripto: “Quem tem pressa ignore o gordo e pegue a via expressa, em vez de vir por vias transversaes.”

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SONNETTO PARA A TEIMOSIA NA UTOPIA [2300]

Si, mesmo na peor, um optimista quizer contrariar o que aqui vim tentando demonstrar, talvez insista fingindo que “nem tudo é tão ruim”. Ao cego, que perdeu, alem da vista, os brios e o cabaço, é nada assim tão pessimo que appague qualquer pista de que ‘inda não peore: é foda, emfim. Si um supersticioso na madeira quizer batter e a Murphy ainda queira tentar neutralizar, está fodido! Pois tudo, neste mundo, actualmente, de plastico ou de latta, é resistente a humanos. Melhorar? Eu, hem? Duvido!


SEGUNDA PARTE DISSONNETTOS MURPHOLOGICOS



A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO PARA JANEIRO [2101]

Janeiro é mez de comptas. Ja não sobra nem cheiro dos assados natalinos. Agora é só bolleto que me cobra o carro, a casa, a eschola dos meninos. Durissimo, sem margem de manobra, descasco abacaxis, corto pepinos. Ninguem, mais do que eu dribblo, se desdobra em meio a proprietarios e inquilinos. Tentei guardar o decimo terceiro. Fodido está si alguem disso se gaba! Pois quem fallou que fica algum dinheiro no saldo, si a vidinha anda tão braba? Das ferias volto até mais estressado, pegando no pesado, que me enraba. Só tem, de positivo, o mez um lado: faltando appenas onze, um anno accaba.

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DISSONNETTO PARA FEVEREIRO [2102]

Não é que carnaval seja o que odeio, mas uma coisa a Juppiter eu rogo: que o mez de fevereiro, ‘inda no meio e mesmo que bissexto, passe logo. Quem foi ao litoral e anda a passeio ignora si ‘inda treino ou si ja jogo. De ferias, o politico está alheio às dividas de vulto em que me affogo. As aulas ja voltaram, e o toró que estáva admeaçando, vem ahi. Diluvio que será, vae dar um nó no transito, chaotico por si. A mais, um feriadão de farra em nada refresca meu suffoco, ja previ. Folia só me estressa, pois, passada a terça, a cinza é preta por aqui.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO PARA MARÇO [2103]

Em março as coisas voltam ao normal, depois de muito ensaio e phantasia. Paresce que, passado o carnaval, funcciona tudo e um anno principia. Mas logo o céu preteja e um temporal desaba: agora é noite o que era dia. As aguas do verão, que um jovial Jobim cantou, são mesmo uma agonia. O congestionamento, o allagamento, até chuva de gelo participa do grande prejuizo: eis o que enfrento, fazendo coração da minha tripa. E o mez, que não termina?! Inda tem gente saudosa dum mandão que desça a ripa, lembrando um trinta e um que, infelizmente, é nuvem negra e nunca se dissipa.

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DISSONNETTO PARA ABRIL [2104]

Abril é mez de Paschoa, mas não batte o espirito da coisa mais na gente. Um symbolo nos falta, que arrebatte do povo o coração, alem da mente. No maximo, se pensa em chocolate, em ovo, em dar uns doces de presente. Inutil pretender algum resgate da fé, da tradição, que se sustente. Queremos é que abril, quanto for antes, nos deixe em paz e, neste kalendario, cheguemos logo em maio: os elegantes casacos sahirão, então, do armario. Tiremos o cavallo, todavia, da chuva: o clima agora é louco e vario, virou cada estação uma anarchia maior que a Paschoa, caso alguem compare-o.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO PARA MAIO [2105]

Das mães, alem das noivas, cae em maio a commemoração mais esperada dum anno, no commercio: nem o Pae, o Noel, tem tal condão, como os de fada! Mamãe commove, exige que um balayo de compras movimente a filharada. Às moças casadoiras, seu ensaio de pompa e circumstancia é uma bollada. Nesse interim, a vida rolla, dura. A sorte que almejamos é madrasta ao cidadão commum, que na fartura não vive, pois não veiu de alta casta. A gente, que não pare e que não casa, tambem uns putos gasta e se desgasta. A foda que empattamos nos attraza um mez que ja não passa, só se arrasta.

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DISSONNETTO PARA JUNHO [2106]

Junina ou joanina, não importa. Qualquer que seja o termo, as festas dão ensejo a lembrar gente que comforta: São Pedro, Sancto Antonio e São João. Si a moça casadoira o sancto exhorta por fé, pede o politico ladrão que o sancto aos cofres-fortes lhe abra a porta a fim de que elle, impune, metta a mão. Forró, fogueira, fogos e ballão... O bollo de fubá, de milho a torta... De luzes e barulho uma explosão folklorica os nocturnos ares corta. Nem tudo vale commemoração, si um sonho bom a gente sempre aborta. Meu proprio anniversario põe-me tão tristonho, que paresce data morta...


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO PARA JULHO [2107]

As ferias escholares são, aqui, pretexto a todo typo de recesso: no radio, sem surpresa, pois, ouvi que ha placa de “fechado” no Congresso. De quem previa hinverno o tempo ri. Assim, dos cobertores me despeço e penso em ir à praia... Mas senti o ar secco e ja de tosse tive accesso. Calor, polluição, secca... ha de tudo que ao cidadão anonymo apporrinha, excepto, é claro, aquelle frio agudo que a gente, ingenuamente, achou que vinha. Fazendo inhalações, o mez espero passar, nessa rhinite comezinha, e torço p’ra que agosto seja mero e simples repeteco à ladainha.

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156 GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO PARA AGOSTO [2108]

Agosto do papae seria, mas os filhos mal se lembram que elle exsiste. Durão, desempregado, o que um rapaz iria de presente dar-lhe? É triste. Dos typicos azares que o mez traz, o mais cumulativo é o que consiste na sexta-feira, treze, quando faz calor: não ha quem monstros não adviste! Vampiros, lobishomens e zumbis, que excitam mentes quentes como a minha, passeiam pela noite! Eu mesmo fiz questão de dar, tambem, minha voltinha. Mas quando pelo sol a lua cheia se troca e o povo ao trampo se encaminha, na rua ninguem resta que em mim creia e passo o mez, de novo, a andar na linha.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO PARA SEPTEMBRO [2109]

Septembro é primavera, ou deveria ser, nestas latitudes. Quem me dera ver flores e sentir a poesia que empresta à Natureza a primavera! Mas nada a ver: septembro se inicia com data patriotica que gera pruridos nos politicos e addia as coisas que, de facto, a gente espera. Na practica, o mez passa sem que nada melhor nos accontesça ou do céu desça. Até pelo contrario: a passarada não canta, e ‘inda nos caga na cabeça. Viramos a folhinha com enfado, descrentes de que vire a sorte advessa, prevendo, num mez antes de accabado, que nova assombração nos apparesça.

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DISSONNETTO PARA OUTUBRO [2110]

Primeiro, foi o dia da creança. Depois, virou semana, ja que assim se vende mais brinquedo. O mez advança e nunca a propaganda chega ao fim. Agora o mez todinho nessa dansa passamos. Brincadeira, para mim, não é que só me augmentem a cobrança de encargos que me drenam o dindim. Paresce que os paes nadam em dinheiro, que exbanjam grana a rodo sem um ai e vivem a comprar tudo com cheiro de futil ou superfluo que sae! Não pago, do que devo, nem metade! A divida crescendo sempre vae e o tempo todo vem publicidade tentando me impingir que sou bom pae!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO PARA NOVEMBRO [2111]

Nem bem entra novembro, e ja começa aquella propaganda natalina! Será que não percebem? Fartos dessa mania estamos todos! Mas é signa! Em cada pratteleira, em cada peça de má publicidade, em cada exquina se exhibem panettones! E ha quem peça esmollas, donativos... Que roptina! Si as comptas a pagar chovem-me em cyma, si credito não tenho no varejo e o meu me caloteiam, desanima ver essa falsa imagem de festejo. Torcendo fico para que novembro, com seu agouro advesso e malfazejo, só seja um mez do qual jamais me lembro e cujo alegre espirito não vejo.

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160 GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO PARA DEZEMBRO [2112]

E mais um anno accaba! Ainda bem! Não vae deixar saudade e, na melhor hypothese, oxalá, não será nem lembrado por um triste pormenor. O sino batte, o sino de Belem, que aquella cantilena sei de cor. Porém nada renasce e ninguem vem salvar a humanidade do peor. Será? Talvez nós mesmos estejamos entregues, pessimistas... Essa advessa ciranda nos domina! Precisamos ao menos dum motivo na cabeça! Por que não, no final dum anno mau, ou antes que, no proximo, o mal cresça, suppormos nós que o proximo degrau nos leve para cyma, e não que desça?


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO PARA O DOMINGO [2121]

Si sabbado sem sol, segundo o dicto, não ha, sempre tem missa no domingo. Da egreja à rua, o gajo, muito afflicto, na manga vê cahir um grosso pingo. Temendo pelo terno, que é bonito e caro, o gajo solta um chulo xingo e, achando que dá tempo, no gambito põe sebo, se exquivando dum “mendingo”. Se empenha por aquella roupa brega, debalde, pois a chuva cae a rodo. Comsigo diz “Agora é que eu me fodo!” e com razão: na exquina, elle excorrega. Cahiu, se enlameou nessa refrega. Em casa, todo sujo, vê perdido seu dia de descanso e diz “Duvido que em cyma de mim outra praga pega!”

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162 GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO PARA A SEGUNDA-FEIRA [2122]

Segunda sem preguiça não ha, diz o adagio popular. Principalmente si o tempo for chuvoso e quem não quiz perder a hora estava em cama quente. Fataes allegações ao infeliz occorrem para o attrazo no battente: culpar, de novo, o transito, ou dar bis àquella de accordar, hoje, doente. Tarefas tem, mas elle pouco entrega. Um dia de trabalho que não passa. Serviço accumulado, qual a graça achavel na piada dum collega? O chefe estrilla quando elle navega. Na volta, augmenta a chuva, a rua allaga. Putissimo, o coitado roga a praga que, tudo indica, nelle mesmo pega.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO PARA A TERÇA-FEIRA [2123]

A terça-feira é Gorda só si for a vespera de Cinzas. Fora disso, a sorte será magra ao soffredor que sae, na affobação, para um serviço. Estando engarrafado o corredor dos omnibus, tem elle um compromisso urgente, mas a chuva faz favor de, grossa, encher um trecho allagadiço. Temendo ja perder aquella vaga, molhado, exbaforido, o gajo chega depois que sua vaga já foi pega por outro candidato, e roga a praga. Ha sempre um novo azar que tudo estraga. Coitado! Para a proxima entrevista a data cae na terça... Elle que insista até que o clima mude e sorte traga.

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164 GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO PARA A QUARTA-FEIRA [2124]

De Cinzas, quarta-feira ja tem cara de dia bem nublado, e o medo expalha. No dia-a-dia, a quarta se compara a azar e mau agouro a quem trabalha. Perdendo quasi o horario, elle dispara a pé, sob um calor que é uma fornalha. No poncto, o omnibus lota e sua cara gravata fica torta e a “estica” falha. Não finda ahi a signa do coitado. Nem desembarca, a chuva ja desaba: o jeito é chegar, elle que se gaba do terno, ao trampo todo admarrotado. O clima fica, mesmo, bem pesado. Atroz coincidencia: a demissão temida sae, então, mas a razão não vem da roupa, vem dum mau-olhado.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO PARA A QUINCTA-FEIRA [2125]

Si é Sancta, a quincta enseja aquella scena fatal do lavapés: dum trombadão o padre uma chulapa, que pequena não é, beija, em signal de humilhação. Si a quincta é dos infernos, nem dá pena daquelles que ao trabalho, às pressas, vão. A chuva a contratempos os condemna: no minimo, um banhinho levarão. Tem gente que, no caso, quasi infarcta. O gajo vê que a nuvem aziaga lhe paira na cabeça, e roga a praga: “Que chova la no raio que te parta!” Tem gente que o peor nunca descharta. É tiro e queda: o extrondo que se segue vem como si o diabo que o carregue desague o que accumula desde a quarta.

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DISSONNETTO PARA A SEXTA-FEIRA [2126]

Si a sexta-feira é treze, nem precisa que seja o mez de agosto: o cara à rua ja sae desconfiado de que a brisa que desde hontem soprou não continua. Foi dicto e feito: pelo radio, advisa a meteorologia, nessa sua mania de allarmar, duma indecisa tormenta, que ora advança, ora recua. Mas ella vem ou ella não vem, porra? Sim, chega a chuva, e della não excappa quem tenha um guardachuva ou traga a cappa: a enchente faz das ruas uma zorra. Molhado, mais molhado que cachorra, em casa elle não volta antes da aurora do sabbado... E colloca para fora a praga mais maccabra que lhe occorra.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO PARA O SABBADO [2127]

Dizer que não ha sabbado sem sol, conforme o adagio cita, é uma intenção que vale, mas não entra para o rol das probabilidades da estação. Prevista foi a chuva, e o que estava programmado... mas acho que é melhor ver um jogo na tevê, do que o

futebol Não sei não, do hespanhol Timão.

Por causa do seu clube predilecto, teimoso, o torcedor corre ao estadio, até que a tempestade dissuade-o, ilhado que ficou pelo trajecto. E, para que um azar seja completo, partida que, aliaz, foi cancellada, pois em campo allagado quem não nada se affoga... E o sabbadão termina quieto.

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168 GLAUCO MATTOSO

SATYRICO TIRESIAS [3127]

Mas, gente, é muito facil ser propheta! Exemplo: para o proximo Natal prevejo uma catastrophe, tal qual aquella que, ‘inda agora, nos affecta! O mesmo no anno novo: outra concreta, fatal calamidade natural, com muito morto e damno material, é coisa que um vidente ja interpreta. Perguntam “Onde? Quando?” e eu logo lembro: nalgum paiz da America Latina; será no finalzinho de dezembro, à parte gente morta na chacina. “Tambem algo em janeiro? Algo em novembro?” “Alguem famoso morre?” E eu, com divina visão, adviso: logico, algum membro das Lettras, é o que um cego vaticina!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

VALLE DE LAGRYMAS [4465]

O dicto diz que, para morrer, basta estar vivo. Verdade. Mas tambem é facil de occorrer o azar, alem da morte... e, de desgraça, a lista é vasta. Queimar a mão é simples, mas contrasta curar a queimadura: a gente tem que olhar para a folhinha. Caso alguem o braço quebre, tempo maior gasta. É sempre assim: na hora da desgraça, as coisas accontescem num instante, um olho, que Satan pisca, perante. Na cura, não: o tempo nunca passa. Malefica, a tendencia triumphante caminha sempre à frente, feito caça que excappa ao caçador. Que ninguem faça idéa de que a guarda o anjo garante!

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ENTERRO DE LUXO [4676]

Que sorte! Na lotteca foi jogar naquelle dia, justo! Jamais ia! Jamais accreditou em lotteria! Sonhou, sei la, cansou de ter azar! Sahiu de casa cedo e, pelo bar passando, ouviu alguem: “Hoje é meu dia!” “Tambem o meu!” -- pensou. Que tal seria ficar rico, parar de trabalhar? Jogou. Apposta simples. Seis dezenas. Manhan seguinte, abrindo o seu jornal, checou: accertou todas! Glorias plenas! Tomou aquelle susto! Passou mal... Levado foi, às pressas... Foi appenas chegar, morreu na porta do hospital. Os medicos desdenham dessas scenas folkloricas do sobrenatural.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

IMPERTINENCIA URINARIA (I) [4749]

Paresce ser da edade! A gente urina aos poucos, nunca tudo! Vae sahindo o jacto e, si pensamos estar findo, quer outro, ja, sahir! Jamais termina! Gotteja, para... Novas gottas... Signa ingrata! Terminou? Não! Ja vem vindo vontade novamente! Mas que lindo momento estou passando na latrina! Sentado, nem me animo a levantar! Passado um tempo, entendo que mijei tudinho e me levanto do logar. Mas sei que não mijei tudinho, sei! Egual ao meu, mais gente tem azar? Depois que me vesti... Batata, é lei: molhada está a cueca! Salutar, não acham? Que mijão que eu me tornei!

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IMPERTINENCIA URINARIA (II) [4750]

Paresce uma torneira aberta: o jacto dum joven, quando mija, jorra grosso, barulho faz de ducha! Quem ja moço não é, que seu destino encare, ingrato! Commigo foi assim... O simples acto de estar em pé, mijando, de alvoroço não era nem motivo. Agora, endosso eu dou a quem se queixa, e não me jacto! Nem quero que ninguem mijar me veja! Em pé ja nem mais fico: na privada me sento, emquanto a rolla só gotteja, aos poucos, devagar, envergonhada. Às vezes, o final penso que enseja. Mas, quando accreditei que ja mais nada está para sahir, a malfazeja urina volta... e sinto a mão molhada!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

NA RAIZ DA QUESTÃO [4977]

Não dizem mais que alguem “tomou no rabo”. Não usam phrases como “se fodeu”, “tomou no cu”, “levou ferro”, mas eu escuto appenas isto: “La vem nabo!” “É nabo!” “Vae ser nabo!” Ainda accabo achando que esse nabo é o que o plebeu entende por seu damno, seu mal, seu problema, seu azar... Gosta o Diabo! “Cenoura” não tem tanta força, nem “pepino” ou “mandioca”. Mas paresce que ao caso um vegetal melhor lhes vem à mente para aquillo que mais cresce. O nabo maior força nisso tem. É como si, fodido, alguem dissesse: “Não posso acceitar isso! Ah, não! Ninguem meresce! Só commigo isso accontesce!”

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174 GLAUCO MATTOSO

PERSEVERANTE PERFECCIONISMO [5561]

Finissimo perfume em meu cuzinho passando vou durante o banho, quando de espuma as suas pregas vão ficando cobertas, com cuidado, com carinho. Gastando sabonete, eu exquadrinho o rego e meus escrupulos expando do rabo ao sacco, em toque lento e brando, até lavar as partes direitinho. Os dedos, do mindinho ao pollegar, eu ponho a trabalhar! Não sou verdugo, de esponja não farei dildo ou sabugo que exfolle! Metto os dedos devagar! Depois que aquelle sordido logar ficou cheiroso e limpo, ja do jugo diario me livrando, então me enxugo... e sinto outra vontade de cagar!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

MANIFESTO ALLARMISTA [5572]

“Adviso, esse é o primeiro: a coceirinha! Segundo adviso é o proprio pente seu! Cabello que começa a cahir...” Eu gostava desse annuncio em cada linha. Creanças, o imitavamos e minha voz era até maccabra: “Percebeu? Cabello, quando cae, amigo meu, inutil é testar qualquer mezinha!” Qual tonico, qual da droga capillar alguem? Quer elle careca ficará, bem Um leigo Calvicie dirá que é sorte,

nada! A ladainha ja convenceu rico, quer plebeu, depressinha!

intelligente ja adivinha: é biologica! Um atheu ter cabello é qual meu breu, mas o azar com Zeus se allinha.

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176 GLAUCO MATTOSO

LEI DA PALMADA DE MURPHY [5589]

Mamãe, que seu filhinho não maltracta, com todo o jeito pede. Mas, por mero capricho, o filho grita com voz chata: “Não quero, mãe! Não quero, mãe! Não quero!” Fingindo não ouvir sua bravata, com toda a paciencia nesse lero insiste ella, mas ouve a phrase ingrata: “Não quero, mãe! Não quero, mãe! Não quero!” Papae, que julga aquillo ser mammata, quer ordem e intervem num tom severo. O filho, mais gritando, o pae destracta: “Não quero, pae! Não quero, pae! Não quero!” Si filho meu assim me desaccapta, sabendo que tal coisa não tolero, a chance de que nelle eu nunca batta será, naturalmente, egual a zero.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

MAUS FLUIDOS [5597]

Agosto, na politica, tem fama de tragicos eventos. Ora, alguem duvida dum agouro que reclama cuidados? Quem do azar medo não tem? Batata! A deputada cae de cama e morre estertorando! De refem é feito um senador! Outra na trama corrupta, ao ser flagrada, a surtar vem! O proprio presidente não excappa dum surto, da renuncia, do processo de impeachment pelas coisas que, à soccappa, ja fez, fará, faria, réu confesso! Em meio ao pesadello, minha nappa, que entope, fedor sente! Emquanto peço soccorro, o ranho grosso que me tapa sae! Passa agosto, e ao somno ja regresso...

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178 GLAUCO MATTOSO

MEME DA GRIPPE [5903]

Não pode ver chinezes sem ficar nervosa, a senhorinha. Aliaz, não quer ver nem da Korea, do Japão, ninguem por perto. Teme se infectar. Ouviu fallar da grippe, similar àquella tal do frango, ou do leitão, direito ja nem sabe. Faz questão da mascara, ao sahir. Mas deu azar. Pegou um resfriado qualquer, feito aquelles que entupir vão o nariz, appenas. Mas, inquieta, logo quiz correr ao hospital, com dor no peito. Occupa, ja nas ultimas, um leito inutil ao doente que, feliz, pegara a verdadeira, mas se diz curado. Nem usou lenço, o subjeito!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

INIMIGAVEL VESTUARIO [5931]

A roupa se rebella contra a gente! Quem curte leis da physica, confere-a: é “Lei da Teimosia da Materia”! Na duvida, vestir-se experimente! Jamais a camiseta quer de frente ficar para você! Faz tambem seria, tenaz opposição, ou faz pilheria a meia, a sunga, a blusa renitente! As mangas ao contrario querem, por pirraça, se enfiar pelo meu braço e, sempre que meu pé no furo passo, a perna se inverteu, quer se indispor! Ja sei que pelo advesso, quando for calçar a meia, a appanho, mas eu faço questão de me vingar si, suadaço depois de usal-a, adspiro-lhe o fedor!

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180 GLAUCO MATTOSO

OPHIDIO SEM OFFICIO (II) [5943]

É gente que não tem o que entregar. Só ficam diffundindo uma fofoca. Na rede um imbecil sempre colloca boatos velhos sobre novo azar. Maconha ja será vendida em bar. A falsa, pois da boa nem ha coca. Poderes brigam? Falta quem convoca? Preparam outro golpe militar. O virus cem milhões ja contamina. Pessoas pelas ruas vão cahindo, cadaveres ao sol dum dia lindo. Ninguem logrou achar uma vaccina. Qualquer resto de viveres termina. Quem não morrer de fome em sua toca na certa morrerá, sem ser masoca, da grippe, menos elle, esse que opina.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SATYRESIAS [6095]

Facillima se faça a prophecia na bocca do ceguinho que propheta se torna si tambem for bom poeta. Componha pessimista a poesia! Si for hoje à de hontem bem facil o a mesma dor

peor nossa agonia comparada, se interpreta porvir: mais nos affecta um dia appós um dia.

Si fosse exactamente a mesma dor, nos accostumariamos ao mal. Da proxima vez, nunca a dor egual será, porem mais forte, é de suppor. Sinão, não tinha graça! Assim, si for auctor dalgum oraculo fatal, você exaggere muito o mau signal, ou não será das trevas portador.

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182 GLAUCO MATTOSO

HASHTAG DEU RUIM [6153]

Não era para azar egual ao seu nós todos termos, Glauco, porra! Ah, va tomar no cu! Você, que cego está, saudade tem daquillo que perdeu! Mas eu, que me julguei ser philisteu em vez de ser Sansão, me vejo ca em casa confinado! Porra, dá mais raiva de quem vive no seu breu! A mim, que sempre achei ser mais experto que um misero ceguinho, tão chinfrim que mais paresce um bicho de mim perto, foi muito vergonhoso, pô! Foi, sim! A todos que teem olho bem aberto, não era para estar a coisa assim! Devia, sim, ter dado tudo certo! Sahiu bastante errado! Deu ruim!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

RACIOCINIO [6234]

Astral inferno, Glauco, o que será? Será do anniversario o que, um mez antes, passamos em azares torturantes? Será cada ponctada que nos dá? Será que nos darão noticia má a cada dia, até poucos instantes faltarem para alguns participantes cantarem parabens na hora “H”? Será que trinta dias de infelizes eventos compensar vão um só dia de commemoração e de alegria? Vantagem haverá, Glauco? O que dizes? Será que, anno appós anno, taes reprises se fazem necessarias? Que seria dos cynicos astrologos si a fria razão não permittir que brindes bises?

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184 GLAUCO MATTOSO

BOAS INTENÇÕES [6457]

Não, Glauco, não me indagues como sei! A velha, de accidente vascular, ficou paralysada, a repousar, agora cadeirante, constatei... Mas ella pensa: “Pensam que estarei feliz só por ficar a tomar ar aqui nesta varanda? Puta azar! De Murphy confirmada foi a lei!” “Eu fico olhando para aquella gente normal que, pela rua, para ca e para la passeia! Mais me dá vontade de morrer, si estou doente!” “Acharam que melhor alguem se sente na frente dos saudaveis, quando ja perdeu os movimentos? Mais gagá e invalida me sinto, simplesmente!”


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SEDENTARIA CHORADEIRA [6579]

Glaucão, a quarentena ja demora demais para accabar e alguem está bastante entediado? Ficará ainda por mais tempo! Senta e chora! Nas urnas, por azar, ficou de fora aquelle candidato que está ja por muitos perseguido, mas será eterno favorito? Senta e chora! Teu time, que ja quasi commemora o titulo, perdeu no tapetão os ponctos necessarios e, então, não mais chega na tabella? Senta e chora! A tua visão, Glauco, só peora e logo cego tu, feito um Sansão sem forças, vaes ficar? Azar! Então, não resta alternativa! Senta e chora!

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186 GLAUCO MATTOSO

ORACULO DO SECULO [6600]

Aquella tão lethal grippe hespanhola, Glaucão, foi uma praga secular? Notaste que ella veiu, por azar, tambem quando uma decada ja rolla? No caso, duas decadas! Eschola ja fez a theoria que vem dar tal prazo para a nova a se expalhar depois dessa covidica marola! Hem, Glauco? Que tu pensas? Outra dessas virá passado um seculo, somente? É mesmo? Outra viria de repente? Caralho! Uma vaccina, assim, às pressas? Mais outra? Ainda mais? Ah, não me peças que creia assim num surto tão frequente! Não basta a depressão que a gente sente ao vermos descumpridas as promessas?


TERCEIRA PARTE DISSONNETTOS DESDICTODOS



A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

BORN UNDER A BAD SIGN [7001]

Éo cego um azarado de nascença, embora algo enxergasse ‘inda creança. Si ponho minha vida na ballança, percebo que estar vivo não compensa. Cegueira progressiva foi doença chamada de glaucoma: quando advança, não pode ser detida. A gente dansa bonito, mas cumprindo uma sentença. Meu signo no Zodiaco não é, por si mesmo, malefico. O que pode dar azo de explicar por que se fode alguem, é praga. Nella tenho fé. Nasci marcado. Mas da praga até que algum lucro retiro, pois o bode na salla me compensa no pagode que faço ao lamber, neste mundo, um pé.

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MEMORIAS DA PRISÃO [7002]

Meu guia me fallou: {O senhor ja pensou na quantidade de cocô que ja cagou na vida, seu “dotô”?} De facto, não suppuz. Alguem dirá? Emquanto me conduz, o guia dá idéas que irei, dentro dum pornô sonnetto, destrinchar. Siquer Rimbaud no thema nem pensou, patente está. Idéas associo, bem se vê. Depois de tanta merda ja cagada, pensei: gentalha somos, azarada à bessa! Que, leitor, acha você? Cagar tanto cocô sem que nos dê a tripa liberdade... Não ha nada peor! Prisão de ventre, camarada, ninguem meresce, excepto os do “pudê”!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

ESTADO DE ATTENÇÃO [7003]

Na pedra tropecei. Disse meu guia: {Tão cedo, seu “dotô”, ja tropeçando?} De facto, o dia achei que bem nefando começa si ruim esteja a via. E, na em na

para completar o feio dia, volta cahiu chuva. Justo quando casa, finalmente, vou chegando, poça passo. Um pé n’agua se enfia.

O guia deu risada. Sempre ria da minha desdictosa situação. Eu antes me importava. Agora, não. Punhetas ja batti, na theoria. Suppuz que elle deleites curtiria podendo me zoar. Occasião não falta. Testarei o seu tesão, assim que tiver chance, sem phobia.

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WALKING THE DOG [7004]

A um guia meu propuz esta questão: si cegos conduzir é trabalheira. {Levar o meu cachorro na colleira dá bem menos trabalho! Né, patrão?} Deu deixa, comparando o cego ao cão, que muito me rendeu. Esta cegueira pretexto deu a chistes, pois quem queira curtir entenderá tal gozação: -- Cachorro obediente, você tem? {Ja tive. Mas nem sempre era mansinho.} -- Um cego talvez seja... No caminho reclamo muito, ou deixo você zen? {Patrão, si depender for só de quem enxerga, nenhum cego faz biquinho!} -- O cego obedescia direitinho? {Na marra! Ah, dó não tenho de ninguem!}


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SENHA TROCADA [7005]

Andei dum molecão na companhia, à guisa de meu guia. Algum ganhava, mas menos do que espera quem ja trava battalhas, se mantendo todo dia. O gajo me conduz e, pela via, eu vou phantasiando ser escrava a minha bocca delle, que não lava artelhos nem pentelhos. Phantasia? Talvez nem phantasia aquillo seja, pois elle ja deu dica de que tem tesão quando faz chistes com alguem que, embora seu patrão, ja nada veja. Sondando, perguntei: Si, de bandeja, um cego obedescer ao que lhe vem à mente, que fará com o refem? Resposta: {Ah, nos meus pés elle rasteja!}

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MOTTE DO MOLECOTE [7006]

Commum é, nessas feiras do Nordeste, um cego caçoado pelo guia. Amigos de la dizem que daria bom motte, esse mordaz cabra da peste. Concordo plenamente! Que não reste qualquer duvida accerca da magia que induz a minha lyra à phantasia de cego masochista que me veste! Ja tive, sim, um guia nordestino. Fazia gozação, claro, commigo. Um dia perguntei si de castigo me punha, si pudesse, esse menino. Resposta: {Ah, “dotô”, ponho, sim! Ensigno a ser menos queixoso! Si consigo mandar, mando fazer tudo o que digo, até beber aquillo que eu urino!}


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TROCA DE FARPAS [7007]

O guia, de proposito, me empurra num muro, numa cerca, numa grade, de modo que eu me ralle e desaggrade. Só falta gritar {Oba! Legal! Hurra!} Um gajo mais fortão, valente, exmurra alguem, si fizer isso. Na verdade, nós, cegos, somos fraccos. Qualquer Sade, brincando, nos opprime e nos dá curra. Desleixa quem me leva, si me queixo demais, ao caminharmos na calçada. Até que engulo quieto, pois culpada é minha rabugice, do desleixo. Em troca, que elle falle grosso deixo: {Os cegos meresciam é porrada! Só servem de capachos e mais nada! Deviam é chupar!} Me cae o queixo!

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COLHENDO MADURO [7008]

Um dia, commentei com o meu guia que cegos indianos chupam picca nas castas inferiores, o que indica haver, para até cegos, serventia. O gajo deu risada, pois sabia das minhas intenções. Mas quem não fica curioso por detalhes dessa rica cultura, de exemplar sabedoria? Detalhes dei. O guia pediu mais. Ficou, provavelmente, de pau duro. Previ que commentasse: {Bem escuro, o mundo delles... Sorte dos normaes!} {Bem chupam esses cegos? Eu jamais irei saber. Aqui, porem, atturo alguns que, si chupassem, mais futuro teriam!} Engoli meus proprios ais.


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OLHO CLINICO (II) [7009]

Dos cegos massagistas indiquei a clinica ao meu guia, que foi la curtir uma nas solas. Eis que está a fim de me contar o que ja sei: {Gostei de ver! O cego, sem ser gay, o tennis me descalça, a meia, ja vae dando uma de gueixa, de babá, fazendo coceguinha... Ah, cara, amei!} {Si todos os ceguinhos, doutor, gente assim fosse, eu diria que até tem alguma serventia quem tá sem visão... Não o doutor, naturalmente!} Se explica mal, me exempta, mas não mente. Suggere que prazer terá, por bem poder enxergar, caso seu refem eu seja. Algo percebo que me tempte.

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ALEM DE QUEDA, COICE (II) [7010]

Não acha (perguntei ao guia) azar demais, para alguem cego, ver só breu e ainda divertir quem não perdeu seus olhos? E você? Curte zoar? O guia, que bem sabe trabalhar commigo, respondeu: {Doutor, sou eu suspeito p’ra fallar, mas philisteu é quem não estiver no seu logar!} Sim, elle está sciente da cegueira soffrida por Sansão, da qual lhe fallo. Alem eu fui: contei que chupou phallo, depois de cego, duma gangue inteira. {Sei disso. (confirmou) E quem não queira chupar, leva porrada! Não, forçal-o não posso... Né, doutor? Mas de vassallo um cego ja fiz, nessa brincadeira!}


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SUBTIL PERFIL [7011]

Quem fica cego fica dependente dum guia, pois lhe falta a autonomia que um cego de nascença tem na via, usando uma bengala condizente. Bengala tambem uso. Ninguem tente, porem, me convencer de que seria bastante essa vareta que se enfia em cada buraquinho pela frente! Dependo, sim, do guia. Algum ja foi gentil e respeitoso, mas tambem um outro me fazia de refem do sarro. Não darei o nome ao boi. Até que curto, caso um delles zoe, mas finjo que me offendo quando alguem piada faz de cegos. Foi alem aquelle que não pede que eu perdoe.

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TARA NA CARA [7012]

É symbolo o cegueta da chupeta, segundo um dos meus guias, a quem fiz perguntas que não eram tão subtis. Aqui vae a conversa. Não é peta! -- Então é natural que um cego metta na bocca paus de gente mais feliz? {Mas claro! Não será pelo nariz que irá chupar gostoso uma caceta!} -- Sarrista, você! Então bocca de cego ja jeito leva para tal funcção? {Ah, leva! Se percebe como são os beiços pensos! Jeito tem, não nego!} -- Será que em minha cara ja carrego a marca dessa triste condição? {Carrega, sim, doutor! Arre, eu só não lhe metto pois, depois, cadeia pego!}


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PALAVRA DESEJADA [7013]

O mesmo guia (aquelle que estivera na clinica dos cegos) me conduz na rua. Ando tão tropego, que induz meu passo o riso franco da gallera. Meu guia ri tambem, como se espera. Confuso, o pé lhe piso. O gajo jus fará, sim, ao sadismo dos mais crus e toscos practicantes. Mas coopera: {Pisou no meu pé -- Né, Glauco? -- outra vez!} -- Foi sem querer... Pisei, então, em cheio? {Dóe paca, sim! Massagem cê ja fez, num pé, não é? No seu ou num alheio?} -- No seu posso fazer... Quer ser freguez? {Mas tenho chulé paca! Tem receio?} -- Magina! Como os cegos, massageio sem choro! Somos servos de vocês!

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LUVA DE PELLICA [7014]

Emquanto o massageio, o guia (agora ja tenho um novo) mexe o pé cansado, depois da caminhada. Foi pisado por mim e vê que chega a sua hora. No pappo, elle se vinga, commemora ter boa visão. Falla com enfado: {Vocês, cegos, ao menos esse lado teem, Glauco. Por que tanto você chora?} {Mal sabe andar na rua, só me pisa no pé, mas me compensa com seu tacto... Assim... Isso... Pô, tenho o pé bem chato! Não tenho? Uma massagem suaviza!} {Você reclama muito! Não precisa fallar mal da cegueira! Não lhe batto na cara, ao dizer isso, mas é facto que enxergo bem... Ah, Glauco, que mão lisa!}


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TRABALHADOR INFORMAL [7015]

O gajo que me guia sarro tira da minha cara. Goza si eu exbarro no poste, na parede, si no barro affundo o pé. Diverte-se, delira! Sim, posso demittil-o, mas a lyra me pede que tolere. Si do sarro reclamo, me responde como narro nos proximos quartettos. Sim, confira: {Sem essa, Glauco! Ouvi fallar que todo ceguinho chupa rolla! Para mim, teem mais é que chupar! Achou ruim? Eu tenho visão boa, não me fodo!} {Um cego se doer é grande engodo! Quem chupa rolla achar irá que vim só para trabalhar, Glauco? Pois sim! Tambem quero curtir, à bessa, a rodo!}

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PERCALÇOS DA CALÇADA [7016]

Na rua ninguem anda sempre em paz. No vomito do bebado ou na bosta dos cães: de pisar nisso, quem que gosta? Meu guia com que eu pise, rindo, faz! Faz isso de proposito, o rapaz! Que eu fique sem chiar o cara apposta? Magina! Mas, si eu chio, uma resposta tem prompta. Si for boa, tu dirás! {Queria que eu pisasse tambem, ora? Si entrasse em sua casa de sapato tão sujo, quem pagava, appós, o pato? Melhor pisar você! Cego não chora!} {Pisasse eu, lhe diria: Não adora baixeza? Agora abbaixe! Vae, a jacto, lamber na sola a bosta, seu ingrato!} Lembrar disso me inspira a lyra, agora.


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MALFAZEJO GRACEJO [7017]

Na rua, com meu guia, às vezes cruzo com outro cego. Occorre que sozinho vae elle, bengalando. Seu caminho é muito mais difficil, eu deduzo. Meu guia até commenta: {Algum abuso se presta a supportar!} Um excarninho ja grita “Chupa, cego!”. Ouço o damninho gracejo, mas o golpe não accuso. Si peço um commentario de lambuja ao guia, que por menos nada deixa, diz este: {Quando um cego mais se queixa da sorte, nem tem chance de que fuja!} {Sem chance! Esse coitado rolla suja na certa ja chupou! Quem não desleixa assim é você, Glauco!} Boa deixa peguei. Qual carapuça a sobrepuja?

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RECURSOS HUMANOS [7018]

Um velho tem, em casa, Um cego, pela rua, tem Nem sempre são pessoas bastante preparadas no

cuidador. seu guia. que eu diria sector.

Si guia bem treinado o cego for querer, vae pagar caro. Quem confia nos typos informaes dá serventia a muito molecote. Eu quiz me expor. Sim, varios contractei que, sem pudor, curtiam meu constante desnorteio e riam quando choques eu, em cheio, soffria no trajecto. Que suppor? Supponho que ninguem é malfeitor à toa. São mais sadicos, eu creio por causa do que grita, no passeio, um povo -- “Chupa, cego!” -- gozador.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

DISCURSOS DESHUMANOS [7019]

Um desses jovens guias me dizia: {Apposto que o senhor vae se ferrar! Não faltam é barreiras no logar por onde nós passamos todo dia!} {Eu digo porque vejo! O senhor ia batter sua cabeça, devagar, no galho, mas bastou eu lhe advisar e, rapido, batteu! Quem não riria?} {Não posso fazer nada quando o cego decide se foder, mesmo, por si! Reclama quando a gente disso ri? Então por que pisou, hontem, no prego?} {Risada dou, gostosa, sim, não nego! Mas coisa bem peor ja fiz! Xixi na bocca, por exemplo! Sim, curti por elle de masoca ter um ego!}

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EXCEPÇÕES DE PRAXE [7020]

Ja tive, tambem, guias que cuidado commigo demonstravam na calçada, livrando minha cara abbobalhada dum choque desastroso ou desastrado. Ainda assim, colloco como dado curioso o que um fallou, mais camarada: {Coitado do senhor! Pô, não ha nada que possa reverter olho cegado?} {Nem posso me ver cego! Não consigo siquer imaginar uma desgraça tamanha! Não aguento que se faça piada, não, com isso, meu amigo!} {Andando, o senhor corre esse perigo na rua, ja que, emquanto o senhor passa, a turma dá risada! Até, devassa, lhe grita “Chupa!” a turma! Ah, quasi eu brigo!}


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HONRAS DA CASA [7021]

A casa é sua, mijar, irmão, Peidar pode à Cagar tambem,

mano! Caso queira alli fica a privada! vontade, camarada! si está com caganeira!

Cuspir no chão eu deixo! Bananeira, até, pode plantar, si isso lhe aggrada! Nem ligo caso alguem aqui me invada! Cerveja tem alli na geladeira! Dinheiro tenho pouco, mas algum valor tem essa griffe, está na moda! Querendo curtir uma boa foda, que tal minha mulher? Drama? Nenhum! Você ja soltou caspa, arrocto, pum... Massagem no pezão acceita, brother? Do typo não serei, que se incommoda, pois meu azar é fora do commum!

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MERO LERO, MAS SINCERO [7022]

O gajo, que surtasse, era frequente no predio onde morei e, sendo meio lelé, ja todos tinham-lhe receio. Trombei com elle e disse francamente: {Não leve a mal... Sabia que tem gente que fica calma às custas dum alheio problema? Alli no Egypto, um louco, um feio, um velho, um gordo... gozam plenamente! {Sim! Sabe como? Um cego os chupa, bem gostoso! Os cegos, la, teem que chupar! Lhe juro! Dum egypcio fui vulgar cobaya! Sim, tornei-me seu refem!} {Sim, posso, si quizer, como um nenen, mammar na sua rolla até gozar e engulo toda a porra! Meu logar é esse! Vou deixal-o muito zen!}


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CORPO DE DELICTO [7023]

Disseram que esse gajo torturado foi, Glauco, mas tortura... Ah, não acceito! Então não se tortura mais direito! Do typo não acceito um falso dado! Filmaram? Pois deviam ter filmado! E photos? Não ha photos? O subjeito até tem maxillar no mais perfeito estado! Deveriam ter quebrado! Serviço foi de porco, porra! Caso eu fosse torturar alguem, primeiro furava, Glauco, os olhos! Prisioneiro na minha mão é cego! Os olhos vazo! Você, Glauco, se queixa do descaso com cegos nesta terra? Não, parceiro! Ainda não viu nada! Com isqueiro e machina de choques... eu arraso!

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NOVECENTO [7024]

Por que fazendo tambem, provoca

extranhar, hem, vate? Elles estão no governo o que se faz, no futebol, quando algum az seu rival! Não é, Glaucão?

Os caras são marrentos, Glauco! Ou não? A sola mostra alguem! Ninguem quer paz, só guerra! “Lamba aqui!”, falla, mordaz! Azar de quem está na opposição! Exempto jornalista, caso opine, será zoado, como um “exemptão”! Os puxa-saccos lambem, typo um cão, as botas de quem, ora, a face empine! Um dia a coisa vira! Mussolini cahiu e foi chutado, ja no chão! À forra quando forem, meu irmão, talvez em NOVECENTO vire cine!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

CALCINHA [7025]

Calcinha appertadinha serve para mostrar melhor a bunda alguem, não é! Mas usa quem quizer, né, Glauco? Ué! Eu, nunca! Nisso nunca tive tara! Você nem compta, Glauco! Quem repara nas roupas folgadissimas, até demais, que você veste, bota fé que manda a moda às favas! Faz bem, cara! Mas, quando um sujo ri dum mal lavado, ou dum exfarrappado um ropto ri, só mesmo na politica daqui assumpto ja se torna a certo “gado”. Azar do brazileiro que, coitado, alem de morrer como nunca vi, aguenta, a se exhibir, um travesti de bruxa com fardinha de soldado.

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DEVIDO DESCOMPTO [7026]

Não posso ver um cego que me dá vontade de foder sua garganta, fazel-o comer merda... Ah, Glauco, tanta maldade commetter no camará! Por que será, Glaucão? Por que será? Será porque sou mesmo um sacripanta? Ou elle minha rolla ja levanta por ter, na vida, sorte mesmo má? Lembrou bem, menestrel! Um azarado suggere que está sendo, do destino, aquelle que meresce o que imagino que seja punição por ser culpado! Si culpa tem de la, pouco mau, Glauco, batti só num

aqui, si desd’o lado me importa! Fui menino sou assim porque, franzino, ceguinho, o mais ferrado!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

OTHER GUY [7027]

Mais tragica, ao ceguinho, qual inhaca? Casar-se com esposa que, sapeca, com outro gajo, macho paca, pecca na sua frente e tudo o cego saca! Alem de ser chamado de babaca por elle, sente cheiro da cueca do cara, até da meia! Si defeca, tambem sente fedor da sua caca! Peor ainda! Aggrava aquella zica o cego ser chamado de boboca e, embora aquillo choque quem se choca, chupar do Ricardão a suja picca! Qual cego assim se ferra? Dou a dica: eu mesmo! Nem você, que se colloca na pelle dum fatidico masoca, supporta, Glauco, um desses! Mas se explica!

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ZIQUIZIRA [7028]

Conhesce, cara, alguma ziquizira peor que ser um corno, sendo cego? Pois esta cruz fatidica carrego! Sim, minha esposa affirma que é da lyra! O gajo, sem reservas, chega, tira o tennis, tira a meia! Ja me pego sentindo o seu chulé! Mas não sossego! Abusa de mim, elle, sim! Confira: Alem de fornicar, na minha cara, com ella, põe bem alto o som mais brega, me força a amar aquillo, me pespega tabefes si reclamo que me enfara! Ainda mais, Glaucão! Elle compara um cego com um bicho! Sempre exfrega o pé na minha cara! Quem se nega a delle levar ferro mais se azara!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

AMANTE CAPTIVANTE [7029]

Mais este ingrediente quero pôr no scenario que, infeliz, um cego vive. Casado ja, Glaucão, -- Verdade! -- estive e fez minha mulher de mim um corno. Peor! Si virei do seus pés Um clima

não bastasse esse transtorno, gajo um servo que, inclusive, massageava! Que declive! decadente e sem retorno!

Sim, antes de trepar com a putana com quem, desadvisado, me casei, o gajo me chamava até de gay, mandava descalçal-o! Que sacana! Não acha, Glauco, um drama aquella insana e extranha relação? Mas me livrei! Agora da massagem sou o rei, mas só si elle me paga alguma grana!

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NA MÃO DO RICARDÃO [7030]

Ser corno, sendo cego, vate, é barra! A gente se rebaixa até demais! Alheia ao nosso azar, aos nossos ais, a puta com qualquer gajo se exbarra! Atturo um Ricardão que ja, na marra, me manda descalçar descommunaes sapatos, botas, tennis e demais calçados! Nem siquer os desadmarra! Alem de descalçal-o, Glauco, tenho que meias retirar de pés suados, grudadas e fedidas! Seus cansados pés ‘inda massageio com empenho! Você diz que me inveja? Ah, não! Ferrenho seria ao castigal-o um desses sados! Melhor imaginar que são meus dados veridicos, gozar com seu engenho!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

LINGUA DO POVO [7031]

Ficou ceguinha a filha da vizinha. Morreu a mãe. Cuidei dessa cegueira na marra. Virou minha chupeteira. Incrivel era a lingua da ceguinha! Lambia, molhadinha, toda a minha piroca! Nem pensar que ella não queira! Na cega a gente manda! Prazenteira me foi aquella bocca beiçudinha! Sim, claro que pensei naquella zica damnada da menina! Que infeliz destino! Mas é como o povo diz: Meresce padescer quem cego fica! Você tambem, Glaucão, ja chupou picca por causa da cegueira, não foi? Quiz chupar? Si não quizesse, elles gentis seriam? Nunca! Até levavabicca!

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PODOLATRIA NO FUNK [7032]

No funk, em certos bailes, a gallera estava dividida: cada lado ficava attraz da chorda. Bem mostrado, erguido o pé mais alto, um tennis era. Gostavam de exhibir solas. Pudera! O tennis, que tem griffe, foi comprado por quem ganhou, no traffico, um trocado e conta, ja, vantagem... Que se espera? Espera-se que fique por ahi? Qual nada! Si refem dalguns rivaes um joven la cahisse, de seus ais ninguem mais saberia, assim ouvi! Mas, antes de morrer, levou xixi na cara, alem de, claro, dar fataes lambidas nesse tennis que jamais usou quem não andou em turma alli!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

ESSA NÃO VALEU [7033]

Me diga, menestrel, si foi azar ou não! Obedesci, dum subjeitinho bem sadico, ordens dadas com damninho intento! Me ferrei! Vou lhe contar: O gajo, que (depois de caminhar por tudo quanto é sujo ou mau caminho) borrou a sua bota, direitinho me fez lamber a sola, devagar! Lambi, Glauco! Lambi bosta grudada, chiclette, excarradella, mas tambem achei uma gillette presa bem no sulco da borracha! Que roubada! Sangrei a minha lingua! Não aggrada fallar disso, concordo, mas ninguem dirá que tive sorte, porra! Nem siquer tive prazer! Não valeu nada!

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ESSA VALEU [7034]

Me diga, trovador, si foi má sorte ou não! Dum gajo sadico cumpri as ordens mais brutaes: bebi xixi, comi cocô, sim! Nada que comforte! Mas elle quiz, tambem, só por esporte, fazer-me de capacho! “Lamba aqui!”, mandou. Na sua sola percebi as manchas de sujeira, alem dum corte! Senti, Glauco, na lingua aquelle gosto amargo da poeira no soalho, mas, em compensação, o meu trabalho rendeu algo docinho: o sangue exposto! Talvez você não curta, mas, no posto de escravo, para tudo quebro o galho! Serviu de curativo nesse talho a minha baba! Até manchei meu rosto!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

ZICA DUPLA (I) [7035]

O cego com a cega caminhava. A gangue de moleques os attacca. Não pode defendel-a, mas bem saca que tinha sido feita, ja, de escrava. Si a cega se recusa, a coisa aggrava. Então, o cego ouve: {Eia! Chupa, vacca! Ahê! Gostoso! Chupa!} Fodem paca. Emfim, elle tambem ja se deprava. Mas elle nem sabia bem chupar e teve que apprender, alli, na hora, debaixo de porrada. Chupa, agora, chorando, mas entende seu logar. Emquanto chupa, pensa: “Puta azar!” E escuta a molecada: {Cego, chora! Vae, eia, sente o gosto!} Commemora a sadica turminha, a gargalhar.

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ZICA DUPLA (II) [7036]

A cega me contou. Accostumada estava, mas o cego não sabia. Achou que excappariam, pela via, andando os dois junctinhos, mas qual nada! {É claro que eu estava appavorada! Temi mais, foi por elle, que engolia caralho sem ter nunca da folia tomado parte! Eu era callejada!} {Coitado delle, Glauco! Chupei picca ja muito, bem sabia abboccanhar! Mas elle nunca tinha desse azar provado! Meu temor se justifica!} {Batteram nelle, Glauco! O ouvi chorar! Até que elle entendeu: o cego mica na vida! Qualquer dia, sua zica chegar pode num simples caminhar!}


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SERMÃO DA PUNIÇÃO [7037]

Levei surra de relho, Glauco! O cara me disse que battia porque cego precisa appanhar para apprender! Pego, exactas, as palavras, ó, repara! {Appanha, cego! O relho serve para mostrar quem é que manda aqui, não nego, mas serve tambem para que teu ego se ponha no logar de quem se azara!} {Vae, presta attenção! Ouve meu conselho! Estás pagando tudo que meresces! De nada mais te valem tuas preces! Apprende o que te ensigno com meu relho!} {Irás chupar bastante, pois coelho não goza como eu! Pensa: si pudesses ver, outrem pagaria! Ou tu te exquesces de como ja chupaste meu artelho?}

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IMAGENS POLEMICAS [7038]

A artista performatica não tem nenhum pudor, nem nojo, não, Glaucão! Ceguinha tambem, come com a mão qualquer nojeira crua que lhe deem! Num video (Removeram, Glauco, bem fizeram!), ella come esse colhão enorme que tiraram, no sertão, dum buffalo! Supporta aquillo quem? A scena choca mesmo! Muita gente polemicas viu nella! A theoria suggere que ceguinhos alegria dão, nisso, para todo bom vidente! Allegam que ella fora rudemente forçada a fazer isso, que seria normal usarem cegos... Mas iria você comer colhões? Como se sente?


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

SCENAS DA CRACKOLANDIA [7039]

A vida não é facil p’ra vocês! A cega, que ja soffre da cegueira, na testa traz lettreiro: “Chupeteira”! Com ella a molecada farra fez! Hem, vate? E com você? Ja foi freguez da sadica gallera? Não, não queira dizer que foi appenas mais besteira das redes sociaes! Não tem talvez! Disseram que você ja foi filmado chupando, de joelho, o pau dum noia! É falso, Glauco? Falso uma pinoia! Está pelas imagens registrado! Então não foi você? Com qual coitado fizeram isso? Pô, ninguem appoia tal coisa, Glauco! Só não nos condoe a má sorte si for sua, seu damnado!

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IRONIA NA VIA [7040]

Chupei um morador de rua, vate! Eu ia bengalando quando o cara barrou minha passagem! Disse para mim: {Cego, para ahi! Quer que eu te macte?} Parei, pois reagir não posso! Tracte você de imaginar qual era a tara do cara, quando um cego se compara a mero chupador de quem lhe batte! Mandou adjoelhar. Obedesci... Mijou na minha bocca! Que engolir eu tive aquelle horrivel elixir! Mammei, claro, depois que fez xixi! Levou alguma grana, que perdi sem drama. Bem peor foi ser fakir em nova penitencia... Que curtir nós temos puta azar, né? Você ri?


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SYNESTHESICA PARCERIA [7041] (para Tato Fischer) Vi Tato como musico. Os oitenta são annos libertarios. Parceria fizemos em canções de poesia maldicta, marginal, rude e briguenta. Tocava seu piano, com mão lenta ou rapida, saudando um novo dia ou dando um viva à noite. Na magia da luz o conhesci, luz que se ausenta. Não vejo mais as cores, mas a voz de Tato canta sempre em meu ouvido. Talento polychromico tem sido aquillo com que brinda a todos nós. Tem elle seu astral, ainda appós mais trevas, luminoso. Não duvido que novas syntonias tem sabido viver. Sobreviver, si somos pós.

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230 GLAUCO MATTOSO

CASTIGO DIVINO [7042]

Ah, Glauco! Criticaste o commandante, o nortekoreano! Não se faz tal coisa com o mythico rapaz! A sorte de seu povo elle garante! Diz elle que está livre, doradvante, do virus seu paiz! Si elle é capaz ja disso, tu, Glaucão, não lhe darás teus gratos parabens? Elle é possante! Coitado do gordinho, Glauco! Porra! Dos nossos deputados, certamente, algum os parabens dará, contente, a alguem que tal nação assim soccorra! Mais gente tu verás que, inerme, morra à bessa pelo mundo! Mas somente o povo da Koréa não se sente na merda, como o nosso, o de Gomorrha!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

NOMES IMPRONUNCIAVEIS [7043]

Não, Glauco, não devemos, mas de jeito nenhum, pronunciar aquellas más palavras! Só fallar disso ja traz azar, poeta! Assim, ó: dicto e feito! Meu pae morreu daquillo que, eu suspeito, a prostata augmentou! Isso me faz ter medo mais do termo que da assaz terrivel proporção desse defeito! De Deus a gente falla, mas da sua antithese jamais! Não posso nem lembrar, sem sentir panico, de quem, por traz, com seu tridente, nos accua! Escreves tu taes nomes, mas a tua maldicta poesia, Glauco, tem trazido perdição, te fez refem do chulo, do calão, da giria crua!

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232 GLAUCO MATTOSO

GATTO PRETO [7044]

Sou cego, como tu, mas minha zica é bem maior que a tua, pois não vejo o gatto preto quando o malfazejo bichano bem na minha frente fica! É gatto do vizinho, mas titica fazer vem aqui em casa! Meu desejo é que elle de mim fuja, mas almejo em vão, pois a assustar-me se dedica! Ah, Glauco, que diria a dona Chica si visse quando attiro o pau no gatto e nunca accerto o bicho? Não, de facto, azar tenho o maior! Como se explica? Sim, sei que é preto o gatto porque dica me deram! Si soubesses como é chato ter esse cocozinho no sapato, meu medo não serias quem critica!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

ESCADA NA CALÇADA [7045]

Você de mim rirá, Glauco, mas juro que tenho o meu azar, pois sou tambem ceguinho! Va, me diga si não tem razão de ser, de facto, o meu appuro! Não é superstição, mas asseguro que escadas me dão medo! Sempre, sem falhar, passo debaixo duma, bem na hora de cahir algo mais duro! Não só lattas de tincta, mas até tijolos, ferramentas, o caralho! Trajectos ja alterei! Pego um attalho, mas sempre escadas surgem! Bote fé! Si fico machucado? Pô, não é de ferro uma cabeça! Acho que calho é para ser, na vida, assim paspalho, causar, na rua, chistes da ralé!

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234 GLAUCO MATTOSO

ESPELHO PARTIDO [7046]

Mentira, menestrel, tudo mentira! Não dizem por ahi, Glauco, de quem quebrou algum espelho, que só tem septe annos seu azar? Nunca! Confira! Aquelle espelho enorme, em que se mira, de corpo todo, um gajo... Bah, pois bem! Quebrei-o, trovador! Virei refem da zica, sim, pois todo mundo vira! Occorre que isso, Glauco, tempo faz! São decadas e decadas! Qual septe, qual nada! Melhorar, quem me promette? Meu sancto? Jesus Christo? Satanaz? Ninguem resolve nada! Sou capaz até de imaginar que me compete, a mim, virar o jogo, mas me mette alguem na bunda a rolla... Ah, perco o gaz!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

PHEIJÕES ABBENÇOADOS [7047]

Sim, vate! Essa covid é sorte má! Nós somos azarados nesta terra! Mas ja me preveni, Glauco! Não erra quem crê nestes pheijões que Deus nos dá! Comprei-os baratinho! Sim, foi la naquelle mesmo templo onde se encerra a fonte dos milagres! Só se ferra quem nunca la pisou, meu camará! Cozido o tal pheijão, ja faz effeito! A gente vae peidando fartamente! É muito poderosa, a tal semente! No peido sae o virus! É perfeito! Mais forte é nosso peido, mais proveito nós temos contra a peste que, impotente, ja passa logo! Claro que se sente maior fedor, mas... Porra, não tem jeito!

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236 GLAUCO MATTOSO

FESTA DE ARROMBA [7048]

Pô, Glauco, numa festa, por enganno, cheguei e, em vez de rango ou de bebida, eu tive, sim, foi pessima accolhida! Que trauma, meu amigo! Pô, que damno! Aquillo foi horrivel, deshumano! Levaram-me, vendado, ja despida a roupa toda, a um sotam, sem sahida, janella, nada! Entrei foi pelo cano! Aptaram-me, foderam-me... Risada ouvi, de muita gente em plena farra! Chupei, bebi xixi, sempre na marra, tomando só pisão, chute e porrada! Jogaram-me na affora! Vate, você, sobre a pesada! Não é

rua, madrugada entendo por que narra cegueira, tanta barra conto, não, de fada!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

AZAR D’OCÊ [7049]

Ei, olha la, gallera! Aquelle cara otario, o tal ceguinho, passeando! Que trouxa! Nem calcula que nefando destino boa peça lhe prepara! Ahi! Segurem elle! Deixem para mim certas attitudes de commando! Tomaram a bengala? Boa! Quando tentar fugir, à frente elle se azara! Tá vendo? Tropeçou! Cahiu foi bem nos nossos pés! Assim que eu pisoteio! Legal, hem? Uau! Chutei-o bem em cheio na cara! Agora forças ja nem tem! Vem, fica de joelho! “Ocê” refem é nosso! Vae chupar, cego! “Ocê” veiu à rua? Pois fará nosso recreio ficar mais divertido! Chupa, vem!

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238 GLAUCO MATTOSO

CARREIRA ALVISSAREIRA [7050]

Ninguem, Glaucão, soffreu cegueira à toa! Em que mais crê você? No seu destino? Num exsistencialismo? O que imagino é foda, meu! Sem chance! Que se doa! Aqui, tem que pagar cada pessoa por tudo que fizera antes! Foi fino larappio? Um bandoleiro? Um assassino? Um dia, alvo será de quem caçoa! Seu caso, por exemplo: uma cegueira do typo só se explica por ter sido algum perverso cara, algum bandido cruel e sanguinario na carreira! Por isso você chupa, da maneira mais porca, a rolla, lambe, si eu decido, a bosta que grudou no mais battido pisante que tirei da sapateira!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

EXTRAMUROS [7051]

Mantive, Glauco, um cego prisioneiro em carcere privado! Fiz xixi num coppo, o fiz beber! Me diverti! Usar um cego foi-me prazenteiro! Sim, elle percebeu, só pelo cheiro, tambem as fezes liquidas! Curti bastante que essa sopa piriry foi puro! Sim, tomou o pote inteiro! Bem, tive que forçal-o... Um argumento usei, vate, infallivel: seu azar! Um cego jamais pode reclamar! Jamais achar irá nada nojento! Mas curto quando enjoam! Não aguento sem rir dum ennojado paladar! Ainda bem, Glaucão, que seu logar está fora daquillo que eu invento!

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240 GLAUCO MATTOSO

VEZEIRO CADEEIRO [7052]

Sim, Glauco, o meu avô, que no papel usou Chico Coelho, foi chamado por seu diffamador, cabra saphado à bessa, de Xixi Cocô! Que fel! Mas isso não foi nada! De Miguel o velho nem se fez! De seu aggrado foi essa alcunha! Ah, não! Não me degrado assim, Glaucão! Sou muito mais rebel! Papae se envergonhava delle, creia! Sim, quando perguntado, respondia vovô que de jogar-se na bacia sentia até vontade! Coisa feia! Mas eu me divertia, pois ja cheia de merda a cara delle, certo dia, deixei, a seu pedido! Porcaria seu fracco sempre fora, na cadeia!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

CEGUEIRINHA [7053]

Não, uma cegueirinha à toa, cara, não pode desgraçar a vida assim! Você está muito triste! Para mim, ninguem por um motivo tal se azara! Conhesço muito cego que, de vara em punho, vae à lucta! Acha ruim o nivel das calçadas, mas, emfim, se exforça, pô, se vira, se prepara! Cahiu? Pô, se levante! Não permitta que venham lhe pisar na mão que ralla a pelle na calçada, da bengala em busca, bengalinha tão bonita! Não, Glauco! Você chora demais, cita só cegos pessimistas! Ja se eguala a um normovisual o cego “mala” que vive maldizendo uma desdicta!

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242 GLAUCO MATTOSO

CEGUEIRAZINHA [7054]

Você reclama appenas por ficar p’ra sempre sem visão? E se apporrinha por causa da banal cegueirazinha causada por glaucoma? Ah, deixe estar! Problemas se resolvem! Uso um par de enormes, feios oculos na minha carinha linda! Ainda assim, não vinha queixar-me de problema tão vulgar! Deseja andar na rua? Va com sua bengala branca, Glauco! Caso caia, evite que gurys da peor laia lhe pisem na cabeça, que está nua! Sem vara? Sem chapéu? Que restitua exija dessa turma cada “traia”! Reaja quando ouvir delles a vaia, ou quando um chute a bocca lhe destrua!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

PIA ANALOGIA [7055]

Não fiques jururu, poeta! Pensa que duas faces tenha a moedinha da vida, trovador! Sim, nessa linha, ainda tens a face que compensa! Não ligues quando a treva mais se addensa! Verás um novo dia, bardo! Minha humilde intuição diz que é trevinha à toa! Não tens essa alegre crença? As faces da moeda, aliaz, dão fiel allegoria da cegueira, meu vate! Quando alguem, por brincadeira, na cara te cuspir, não chores, não! Sim, deixa que te cuspam! Sim, Glaucão, de novo que te cuspa quem bem queira! Calcula, menestrel, a prazenteira imagem que de ti todos farão!

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244 GLAUCO MATTOSO

VIDA MANSA [7056]

Até que não estou tão chateada! Perdi meus paes, perdi meu irmãozinho... Havia aquella pedra no caminho... O carro cappotou, rollou na estrada! Perdi tambem, Glaucão, meu camarada nas luctas tão heroicas que, cedinho, travamos no paiz -- que, coitadinho, morreu nas mãos daquella vil cambada! Perdi todo o dinheiro duma herança deixada por vovô... Perdi tambem a fé que mamãe teve num Alem! Perdi, Glaucão, na vida a confiança! Jamais perdi, comtudo, minha pança... Mas, em compensação, eu como bem! Azia nunca tive! Eu estou zen! Só temo ficar cega... A edade advança!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

AZARADA JORNADA [7057]

Ainda que poemas faça à bessa, você nunca passou por isso, vate! Mas cego sou tambem e, que me macte, só falta alguem, na rua! Não, sem essa! Azar sou eu que tenho! Ja começa bem cedo, quando saio! Si me batte alguem na bengalinha... Ai! Eu que tracte de achar onde cahiu, e bem depressa! Emquanto eu engattinho, o chão tacteio, em busca da vareta! Não demora, alguem na mão me pisa, commemora ter boa visão! Viro seu recreio! Si imploro eu levo um poeta, mas aquelle em

piedade, bem em cheio, pé na cara! Você chora, azar mesmo... vigora que, excaldado, sempre creio!

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246 GLAUCO MATTOSO

VARIAÇÕES EM TORNO DA VARIANTE [7058]

Não fallo? O nosso azar, vate, é tremendo! Nem bem elles approvam a vaccina, ja surgem mutações do virus! Signa terrivel, uma zica que só vendo! Agora, que fazer? Estive que irão jogar no lixo o chegou, ou da Allemanha! que sejam uns bilhões ja

lendo que da China Se imagina se perdendo!

Mas isso não é nada! Agguarde, vate, dum novo virus, ceppas ‘inda mais ligeiras, transmissiveis e lethaes! Ninguem conseguirá mais dar combatte! Você, que é bruxo, fica livre! Empatte será, porque, ja cego, com seus ais ninguem se importará! Nem nós, normaes, siquer degustaremos chocolate!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

CHIP CHINEZ [7059]

Ouviu, Glaucão? Estão ja commentando! Disseram que, embutido na vaccina, um chip espionar vae a roptina de todos nós! Prognostico nefando! Mas claro que é mentira! Desde quando se implanta chip em liquido na China? Suppõe quem fake news taes dissemina que somos todos trouxas? Nem sonhando! Chineza sabotagem? Não, qual nada! Occorre, na verdade, que esse chip é mesmo extraterrestre! Essa tal grippe é fructo duma tactica advançada! Até que, em toda a Terra, nos invada a tropa alienigena, se equipe nas redes quem quizer e participe lacrando, mas é lucta fracassada!

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248 GLAUCO MATTOSO

SALIVA EXTENSIVA [7060]

Aquella grossa crosta, resistente, em torno do tendão, do tornozello, não sae, por mais que insista nosso zelo no banho, só com agua morna ou quente! Mais grosso, o calcanhar, frequentemente, me fica até rachado! Quero vel-o macio, mas trabalho dá mantel-o cuidado, passar creme, persistente! A minha sola toda, muito chata, dum tracto precisava, que lhe dê, não digo uma apparencia de bebê, mas, pelo menos, numa dose exacta! Só sua lingua cega, Glauco, tracta com jeito dum pé destes! Só você! É mesmo! Qualquer gajo que não vê lambia assim, debaixo de chibata!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

ANIMAL COLLATERAL [7061]

Eu tenho um tal azar, Glaucão, que si tomar essa vaccina da covid, você nem se questione, nem duvide que viro um chimpanzé, viro um saguy! Peor! Andam dizendo por ahi que quem tomar de si ja não decide e passa a ter conducta que convide os outros a zoar, como ja vi! Sim, Glauco! Vi zoarem um coitado que contra a grippe ja tomou vaccina e teve febre, tosse, puz na urina, na porra, no cocô! Ficou chumbado! Commigo certamente exsiste um lado mais tragico: você nem imagina que medo de empostar voz de menina que eu tenho! Vão dizer que sou veado!

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250 GLAUCO MATTOSO

MILONGA DO CORONGA [7062]

Blogueiros ja commentam! Não, não é possivel nós acharmos que se tracta de mero raciocinio! O virus macta quem não tomar vaccina! Bote fé! Porem, quem toma vira jacaré, segundo o presidente, que sensata visão tem do problema, se constata! Drummond fallou: “E agora, seu José?” Não quero pessimista ser, Glaucão, mas acho que essa porra até peora! Si eu viro um jacaré, vae, sem demora, alguem me exterminar nesta nação! Do jeito varrendo a lei do e morre,

que essa fauna todos vão do paiz, ja aqui vigora “Si correr, o bicho chora com ou sem vaccinação!”


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

EFFEITO PLACEBO [7063]

Do modo como os factos eu concebo, é tudo suggestão, Glaucão! Tomar remedio ou não tomar, no meu radar, causar vae um effeito de placebo! Si o gajo não souber, pode dar sebo de picca mixturado ao caviar que irá até dar um viva ao paladar! Si ignoro, qual groselha sangue eu bebo! Conhesço um camarada aqui na zona que como uma gazosa bebeu soda! Não, nada accontesceu, Glaucão! É foda! A gente, na maior, se condiciona! Rollou assim no caso do corona! Neguinho mal tossiu, ja se incommoda, achando que pegou! Si está na moda, morrer irá, sentado na poltrona!

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252 GLAUCO MATTOSO

DESPEITO DA DESFEITA [7064]

Poeta, meu marido é um despeitado! Desculpe, intimidades si lhe fallo daquelle presumpçoso, cujo phallo nem pode ser chamado de cajado! Mas elle fica fulo si me enfado da sua gabolice! Falso gallo, assim o chamo, para não chamal-o de brocha, de impotente, de veado! Não, Glauco! Bem dotado não é, não! A minha bocetinha, sim, é festa aos olhos de quem isto não detesta! Pois elle desdenhou della, Glaucão! Precisa ver que grande e bello vão das pernas tenho, vate! Quem contesta? Os homens todos gostam, bardo, desta chochota! Até meu novo Ricardão!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

CIUMES DO CIUME [7065]

Glaucão, não me conformo! O meu marido é muito ciumento! Não de mim, mas deste cachorrinho! Um bassê, sim! Mas... como sabes qual meu preferido? Pois elle é que é culpado si eu decido ter este bassezinho! Sim, só vim a tel-o por ter elle num mastim seu maximo xodó, sua libido! Estou desconfiada, sim, poeta, que desse cachorrão elle estará querendo mais que cama! Acho que está, de facto, cahidão! Isso me affecta! Não, Glauco! Não serás quem me interpreta mal, certo? Me expliquei bastante e ja tu sabes que me sinto só babá dum fofo bebezinho! Sou discreta!

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254 GLAUCO MATTOSO

SAUDADES DA SAUDADE [7066]

Saudade, esse vocabulo de lusa feição, não se traduz por nostalgia, tampouco pelo termo que quem via e está, como hoje estou, nas trevas, usa. É muito mais e envolve, na reclusa vidinha solitaria, aquella thia solteira que ser freira não quiz, pia e crente no perdão pela recusa. Envolve, na viuva, a sensação da perda. Nos escravos, o lamento do banzo. Nos edosos, o momento que chega de partir, da prece em vão. Envolve, alem daquelles que se vão, cadernos, livros, photos... Quando tento das cores recordar, vem-me, cinzento e vago, um sentimento de illusão.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

HORROR DOS HORRORES [7067]

Não, Glauco, horror maior eu nunca vi! No video, o gajo fica admarradinho, vendado, sem saber que um excarninho gruppinho vae servir-se desta aqui: Collocam uma aranha nelle, ei! Ih! enorme, cabelluda, de damninho adspecto! Desvendado, o coitadinho, em panico, urra, berra! A turma ri! Talvez tenha appostado, Glauco, nem deu para me inteirar! A gente nota, porem, que elle não ‘guenta aquella quota de maxima tortura! Aguenta quem? Você supportaria ser refem daquella joven, sadica patota? Nem mesmo si mandassem lamber bota? Concordo! Uma bichana dessas... Hem?

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256 GLAUCO MATTOSO

EXACTO RETRACTO [7068]

Me lembro do sonnetto que um rapaz fez para mim, dizendo que a cegueira retracta a chupetinha da maneira mais nitida, fatidica, veraz. Bem joven, nos seus vinte, elle poz gaz no jogo do sadismo com certeira visão. O cego faz tudo o que queira um normovisual, o mais capaz. Preciso nem será ser açoitado, chutado ou mutilado. O cego fella appenas por ouvir quem interpella, tal como, ouvindo um gajo, me degrado. O gajo diz: “Você quer ser surrado? Então me lamba a rolla! Passe nella a lingua, devagar, e na goela me faça gozar, cego desgraçado!”


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

DESGRAÇA NA PRAÇA [7069]

Eu vinha caminhando, Glauco, mas na poça tropecei! No chão cahi, quebrei a perna! A dor fez o xixi sahir, fez o cocô! Calçadas más! Tentei pedir adjuda dum rapaz, que disse: “Elle está bebado!” Um gury até cuspiu em mim! Pô, nunca vi maldade tal! Não, isso não se faz! A dor foi augmentando muito! Então, alli desfallesci, da molecada motivo de desdem! Adultos, cada um ia commentando, olhando o chão: “De rua moradores! Elles são nojentos! Veja, dormem na calçada, se cagam e vomitam! Não ha nada mais porco na cidade, meu irmão!”

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258 GLAUCO MATTOSO

DESGRAÇA EM MASSA [7070]

De rua moradores, Glauco, vão aos poucos augmentando na cidade! Não, nada addeantar vae! Nem pôr grade, nem muro, nem levar para a prisão! Ficamos nós, sim, presos, pois eu não consigo mais sahir! Um bando invade a praça aqui detraz, fica à vontade mijando, defecando no portão! Aquella multidão de zumbis ‘inda irá tudo occupar, caro poeta! Por elles por que tanto ‘ocê se affecta? É gente desprezivel e malvinda! Sim, tenho medo, claro, de que, finda a minha profissão, seja concreta a chance de, eu tambem, ser um proleta a menos e integrar essa berlinda!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

AZAR SELECCIONADO (I) [7071]

De quattro: sim, foi nessa posição que tive de ficar, logo de cara, na frente de dois homens. Um compara dois typos de cegueira. A rir estão. “O cego de nascença (faz questão um delles de dizer) menos se azara que aquelle que perdeu a vista. Para mim, este satisfaz mais o tesão.” “Mais curto humilhar este, que perdeu, (empurra a minha cara com o pé) pois mais no seu azar é que tem fé.” (nas minhas costas o outro põe o seu) “Nem quero que elle seja tão atheu, (seu tennis minha fuça força até que eu sinta, attravés delle, seu chulé) pois pode me entender: sou philisteu.”

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260 GLAUCO MATTOSO

AZAR SELECCIONADO (II) [7072]

“Treinado foi o cego p’ra chupar com technica appurada? (appoia a sola na minha nucha) {Ah, claro! Teve eschola, chupou muito caralho cavallar!} “Perfeito! Um cego deve seu azar saber que incluirá, no gorgonzola da rolla, degustar, como uma esmolla, aquillo que a cabeça accumular!” Emquanto falla, appoia nas costas, na careca, a bocca com o bicco da de leve dando um chute

seu pezão me pressiona lanchona, ou um pisão.

E eu penso que elle possa ter razão si excolhe cegos como quem, na zona, excolhe sua puta, a mais gluttona por rolla, a que perdeu sua visão.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

MAU SIGNO [7073]

De todos do zodiaco, alem de “escorpião”, mas este bem peor é, si por um outro nome

o mais feio, é “caranguejo”, como o vejo, é que o nomeio.

De “cancer” si chamado, o que eu receio é que elle induza ao proprio, o malfazejo, ou mal até maior -- e, neste ensejo, me lembro do glaucoma: accerto em cheio! Ha cegos de outro signo? Os ha, decerto. Mas elles se conformam e, talvez, felizes até sejam, si vocês pensarem num ceguinho mais experto. Porem, no verso, faço o jogo aberto e digo que do azar eu sou freguez, pois, quando competir vou, dois ou trez na frente estão: nem chego delles perto!

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262 GLAUCO MATTOSO

MÁ SIGNA [7074]

Azar nos vem do horoscopo? O que eu creio é que este facilita a sorte a quem nasceu em certo signo, mas refem alguem é dum destino grave e feio. Sortudos ha de cancer? Não me veiu à mente nenhum nome bom. Porem, de cancer mais azar, não, ninguem tem! Aqui sou campeão neste torneio! Um gajo perguntou: “Por que conceito tão pessimo você faz da cegueira? Enxergo bem, mas acho bom que queira fatidico dizer que é seu defeito!” “Assim, me sinto forte e me approveito dum cego quando quero, da maneira mais sadica! Affinal, a brincadeira dá gosto si, depois, digo: Bem feito!”


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

O CÉU É O LIMITE [7075]

“Apponctem o caralho para cyma (dizia Luxemburgo), em direcção ao céu!” Aos jogadores, o tesão está no jogo ganho, é o que os anima... Mas quem no futebol gozos sublima accaba se trahindo! Né, Glaucão? Pretexto nunca falta aos que ja são propensos a crear um certo clima! Vencendo ou não vencendo, o vestiario dum delles a fraqueza presencia! No banho, um dedo bobo alguem enfia num bobo buraquinho, o mais otario! Diziam que jamais quiz o Romario daquillo desfructar! Mas quero, um dia, ouvir alguem contando que seria dum pincto, não dum dedo, o toque hilario!

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264 GLAUCO MATTOSO

AMOR DE PERDIÇÃO [7076]

Não, Glauco, o teu amor ao pé não vae salvar-te! Esse peccado nem está na Biblia contemplado, mas fará um martyr de quem nelle tanto cae! Irás te lamentar, com mais um ai pungente, dessa tara que está, ja cansando o teu leitor, que de gagá te chama! Tua fama só decae! Meu pé tu ja lambeste e bem notei, de facto, como um cego se degrada! Curti cada lambida, curti cada chupada no dedão, senti-me rei! Não nego que prazer sempre terei na sola coceguenta, titillada por uma lingua cega! Mas culpada é tua tara, nunca a minha, eu sei!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

AMOR DE SALVAÇÃO [7077]

Depois duma tão longa quarentena, pergunto-me que falta accontescer de pessimo, de tragico. Um dever eu tenho, como bardo que se antenna. Achar quero um factor que valha a pena em verso resalvar, mas ja prazer não vejo quando os donos do poder adjudam a perdermos nesta arena. Ninguem Ninguem Ninguem Ninguem

quer quer mais quer

A quem, no A Lucifer? nem elles! Nos salvam

a ninguem prestar soccorro. com ninguem perder a briga. valoriza a mão amiga. nem saber si eu vivo ou morro.

desconsolo, mais recorro? A Baccho? Ninguem liga, É preciso que se diga: os lambeijos dum cachorro!

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266 GLAUCO MATTOSO

BARATO BARATO [7078]

Que foi? Tá me extranhando? O meu perfume achou forte demais? Agora cheiro gostoso tambem causa verdadeiro incommodo? Outra bronca cê que arrhume! Paguei barato, claro! O que resume essencias taes é “cheiro bom”! Nem beiro o nivel social e financeiro daquelles, de gastar, que teem costume! Da minha agua de cheiro você não gostou? Que preferia? Meu cecê? Meu sebo? Meu chulé? Que quer você? Que eu feda, abertamente, no sallão? Prefere que eu disfarse? Pois então! Não fique me cobrando, pô, não dê desculpa deslavada! Ah, meu, não vê que tenho o mesmo cheiro do povão?


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

PRAGA COMPARTILHADA [7079]

“Você, seu puto, filho duma puta, não gosta de xingado ser, não gosta que mandem que se macte, né, seu bosta? Pois venha! Me processe! Venha à lucta!” “Incumba seu preposto, que conducta tem mesmo de capacho, que resposta me cobre na justiça! Alguem apposta que ganhe? Pois opponho outra disputa!” “Sim, essa duma praga que convido a todos que propaguem! Toda a gente torcendo p’ra que morra! Cê que tente barrar as multidões! Bundão! Bandido!” Assim ouvi, Glaucão, e não duvido da praga duma velha que se sente bastante injustiçada! Antigamente chamavam “macumbeira”, tenho ouvido!

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268 GLAUCO MATTOSO

CORRECTIVO COLLECTIVO [7080]

Prefiro ommittir nomes, caro bardo, mas dizem por ahi que cegos são é praga social! Me entenda, não estou chamando um cego de bastardo! Provavel é que seja alvo de dardo do typo você, Glauco, mas razão aquelles que commentam, sim, terão, si nunca foi julgado um felizardo! Você, pelos seus versos, é culpado de tudo o que disserem de peor dum cego! Não terei, pois, a menor peninha de você, seu desgraçado! Se queixe! Se lamente! Só me enfado de tanta choradeira! Sei de cor a missa! Não sou cego, ora! Melhor assim, pois me divirto com seu fado!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

DESCONTROLE EMOCIONAL [7081]

Bah, Glauco! O gajo falla que processa quem delle commentar a baboseira, mas quero (insisto) ver sua caveira agora, rapidinho, bem depressa! Aquelle verme é burro, besta à bessa! Bundão! Cuzão! Estupido! Toupeira! O gajo bebe, fuma, chupa, cheira! Ainda quer que alguem desculpas peça? Magina! em caso que sou ja meio

Me instruiu meu advogado, de qualquer queixa, a fallar descontrolado! Tenho um ar doidivana, admalucado!

Daquillo que fallei eu não me evado, mas isso se resalva, pois vulgar é todo linguajar mais popular, de sorte que está livre meu recado!

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270 GLAUCO MATTOSO

BORRALHEIRA BANDALHEIRA [7082]

Ridiculo! Um escandalo, poeta! Nas photos, hoje, pelo cellular trocadas, não se peja de mostrar as partes uma pleiade indiscreta! Poetas de renome, de correcta carreira, se desnudam, em logar de estarem versejando! Por azar, nenhum nu que se exhibe nos affecta! Pellanca de montão, pincto cahido, barriga advantajada, algum grisalho bigode, sem pentelhos um caralho, careca a reluzir, sacco rendido... Nem mesmo, p’ra consolo da libido, um masculo pezão nos quebra o galho! Só pés daquella Gatta do Borralho, rhachiticos! Alguem curtiu? Duvido!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

ROSTO EXTRANHO [7083]

Você vae perceber, pelo tamanho do tennis, que quarenta e trez eu calço, até quarenta e quattro! Quando eu alço o pé, facil alcanço um nariz fanho! Tambem vae perceber que eu, facil, ganho tamanho no meu penis! Não é falso que chupa bem a bocca que no encalço está dum pau que nunca toma banho! Você vae, pelo faro, o meu buquê sentir, notar que cheiro de ralé eu tenho, de sebinho, de chulé, de povo! Que outra dica quer que eu dê? Mas o melhor de tudo é que você não pode ver, saber não vae qual é meu rosto! Vae chupar meu pau, meu pé, no escuro! Que delicia! Nem me vê!

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272 GLAUCO MATTOSO

DIA “D” [7084]

No dia que tiver que ser, será! Quem sabe? Quem souber meresce um... um... Um doce! Isso! Mas acho que em jejum irá ficar, pois data... Ah, não! Não ha! Qual hora? Muito menos! Hora “H” é força de expressão! O mais commum é mesmo dizer “um momento”, “algum momento”... O tiro certo ninguem dá! Hem? Como saberemos, Glauco, qual a hora de morrermos, ou a morte mais breve e previsivel? Essa sorte só mesmo os bruxos teem, é natural! No caso dos politicos, o mal que fazem é tão grande, que mais forte é a praga do povão! Não ha quem corte o rhumo da revanche, em hora tal!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

EXCLARESCIMENTO DESPOTICO [7085]

Voltaire ja declarou: O dia “D” vem antes de “E” e depois de “C”, mas hora “H” depende muito! Ser agora até pode! Depende de você! Não acha, Glauco? Pode ser clichê, mas tanto ‘ocê brincou, annos affora, com isso no DOBRABIL, que de cor a sentença a gente lembra quando lê! “Discordo dessa these, em cem por cento daquillo que você, nas redes, falla, mas lucto p’ra que, livre, possa achal-a viavel e podal-o jamais tento!” Com muitas variantes, argumento egual dei por Voltaire e puz na valla commum da poesia! Todo “mala” repete isso, Glaucão, feito um jumento!

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PÉ DIABETICO [7086]

Ficando vae, aos poucos, insensivel o pé dum diabetico, Glaucão? E quando umas lambidas dá, no vão dos dedos, alguem, elle acha que é crivel? E então? Elle accredita estar num nivel tão baixo quem lambeu, num nivel tão rasteiro, que na borda do dedão até sente prazer? Isso é possivel? {Sim, isso coincide com aquillo que conta quem curtiu, num pé ja bem inchado, o que um podolatra fez, sem o minimo pudor, para servil-o!} {A lingua do subjeito, sem vacillo, lambeu até ferida, das que veem a quasi gangrenar! Tem que ser zen quem lambe tantos velhos num asylo!}


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

GERONTOPHILIA [7087]

Entendo quem, Glaucão, jovens procura, um mytho cultivando da beldade, da porra adolescente! Não, quem ha de tal gosto questionar, a esta altura? Mas velhos eu prefiro! Na madura edade, não! Gagás! Com mais edade que o tal Mathusalem! Sim! Que me aggrade, só velhos bem caducos! Tara pura! Não posso fazer nada si prefiro rheumaticos, banguelas, carequinhas, pés todos deformados... São as minhas manias, Glauco! Fico louco! Piro! Por vezes, dá seu ultimo suspiro o velho si transamos, mas tu tinhas que ver as piccas molles que, justinhas, na minha bocca cabem! Eu deliro!

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DIPSOMANIA [7088]

Não, Glauco! Não sou bebado! Magina! Sou colleccionador! Sim, de licor! Excolho pela marca, pela cor, por cada detalhinho que se ensigna! De mentha, curaçau, de tangerina, do Porto, moscatel, seja qual for o typo ou procedencia... Ah, que sabor magnifico! Com algo um tal combina! Notei que tu preferes licoreiras de vidro ou de crystal, bem lapidadas, em vez do contehudo! Não te enfadas de tantas nessas tuas pratteleiras? Não, Glauco! Não me causam bebedeiras pesadas os licores! Só folgadas me ficam as cuecas... E chupadas serão inevitaveis, caso queiras!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

COTHURNOLATRIA [7089]

Mania que se expalha, Glaucão, é aquella que mais vemos hoje em dia! Não sabes qual? Direi: essa mania de botas lamber, rusticas, até! Não lambem, não, qualquer descalço pé, tal como outro podolatra lambia! Preferem a botina que seria mais propria dum milico da ralé! Nem bota de major, nem de tenente, só dessas de sargento ou de recruta, mais sujas e pesadas, de quem chuta e pisa com mais força, dessa gente! Mas tu, que não ficaste indifferente ao facto, não extranhas tal conducta? Entendo... Quanto mais filho da puta quem usa, mais masoca alguem se sente!

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278 GLAUCO MATTOSO

ALGOLAGNIA [7090]

Não, Glauco! Masochista não sou, não! Appenas porque gosto de levar algumas chibatadas e sangrar, não podem fazer essa affirmação! Dor quero sentir, forte, essa dor tão aguda das lambadas! Meu logar éo desse flagellado mais vulgar, do tronco ou pellourinho, pelladão! Não sou como você, que se degrada lambendo, rebaixado, o pé dum cara! Preciso que quem batta tenha tara bem sadica, a da mestra mais malvada! Megera assim ainda não vi: cada mulher foi boazinha!Mas dá para ser servo dum machão quem não repara na cara desse bruto camarada!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

COPYLEFT [7091]

Si temos “copyright”, hem, por que não alguem ter “copyleft”? Tahi, poeta! A nossa liberdade ninguem veta de termos um mercado livre, irmão! Mas nossos cellulares todos são chipados, grampeados! É completa a rede de espiões que nos affecta, fuçando, rastreando, como estão! Até quando transamos nos espia um typo voyeurista de robot, capaz de detectar o mais pornô signal da trivial podolatria! Sabendo qual chulé você lambia, vão elles lhe vender o que Rimbaud usou: meias eguaes às do vovô! Sim, Glauco, um vendedor nos teleguia!

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280 GLAUCO MATTOSO

ACCESSO AO SUCCESSO [7092]

Canções, poemas, contos... Um romance... Do mesmo auctor, de varios... O que faz das obras favoritas, mesmo as más, aquellas que terão a melhor chance? Ainda que algum critico se canse de eguaes achar centenas, é capaz de nunca as entender! Algumas das melhores só são vistas de relance! O que é que explica, Glauco, um se tornar tão celebre entre tantos tão eguaes? Até melhores, quando olhar tu vaes com calma aquelle especime exemplar? Só pode ser a sorte, eis que um azar persegue a maioria dos fataes exemplos de versões originaes perdidas, exquescidas no radar!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

MOTIVO RELATIVO [7093]

Foi pelo buracão da fechadura um gajo visto, louco, a degustar dum outro o cu, naquelle familiar hotel, da moral publica mais pura. Depois disso, na hora do jantar, o gajo reclamou daquella dura especie de pellinho, de mixtura ao musculo, na sopa. Deu azar. Indaga-lhe o garçon, meio offendido: “Ué, mas o senhor nojo não sente daquelle cu, chupado loucamente! Por que dum pello sente? Faz sentido?” Responde o gajo: {Nojo certamente você teria caso, num lambido cuzinho, achasse, inteiro, um mal cozido pedaço de cebolla, ainda quente!}

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ARES TUMULARES [7094]

É, Glauco, um genocidio! Que fazer? Quem deixa, dessa forma, alguem sem ar? Não basta não haver hospitalar soccorro para todos? É dever! Mas elle não só faz por merescer a morte mais ingloria! Vae faltar ar quando seu suspiro final dar for elle, o desgraçado no poder! Ha varios desgraçados nesta terra, alguns asphyxiados numa cama, alguns obedescendo quem os chama de escravo, de cabrito que não berra! Mas chega a vez, é claro, dum que emperra governos, planos, vidas de quem ama seu proximo ou parente! Se derrama um sangue, mas a praga assim se encerra!


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

PET THERAPIA [7095]

Glaucão, por que será que essas creanças doentes, no hospital, precisam tanto da vinda dum bichinho? Meu expanto é que ellas sempre guardam esperanças! Tu podes entendel-as, as alcanças nos sonhos que accalentam? Accalanto não ouvem, mas se accalmam sempre, emquanto tocarem orelhões, pattas ou panças! Sim, quando um bassezinho chega alli no quarto, a creançada accorda, fica allerta, animadinha, ja sorri, ja brinca, appesar dessa triste zica! Por mais grave que seja, de per si, um cancer, o bassê se promptifica a ser o mais fofinho que um gury ja vira, antes da morte, é o que se explica...

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SACY DE DUAS PERNAS [7096]

Folklorico, o sacy tem uma perna só, claro. Mas alguem vae perguntar: Como é que elle faz para caminhar? Será que seus pullinhos bem governa? Não sendo um recrutado da caserna, não usa bota, claro. O calcanhar está ja bem cascudo. Circular não vae na bicycleta mais moderna. Comtudo, uma questão sempre nos fica pendente: E sua rolla? Advantajada será? Vale por rapida pernada um golpe, em capoeira, dessa picca? Aquillo que, talvez, se verifica é que ella aos folkloristas mais aggrada por causa do sebinho, uma camada de queijo nacional: typica dica.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

MULA COM CABEÇA [7097]

De lixo o carroção, quando menino, eu vi que era puxado por jumentos na rua que, de terra, seus momentos alegres sempre teve, eu imagino. Pensei commigo: muito pequenino ja foi esse volume do nojento detrito na cidade... Nunca tento pensar na quantidade. Me previno. Agora tanto lixo se produz que paira sobre nós a maldicção. Aquelles jumentinhos todos vão, ja mortos, visitar-nos, eu suppuz. Serão assombrações, aos olhos nus, com caras de coitadas. Lembrarão aquellas sempre vistas no sertão, cantadas por quem ja perdeu a luz.

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VAMPIRO VEGANO [7098]

O sangue symboliza a carne crua, a vida que palpita, a natureza terrena, a bistequinha alli na mesa, os corpos mutilados pela rua. Mas, quando dos cadaveres jejua a fome dos zumbis, se faz illesa a veia no pescoço da princeza que, como prima donna, ainda actua. Paresce que estão indo, nessa moda vegana, alguns vampiros de cultura moderna, alternativa, que mixtura valores, e ninguem mais se incommoda. Só que elles não se importam que, na roda da glande, ‘inda queijinho seja a pura camada de sebinho, si a natura mantem-se inalterada, a cada foda.


A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO

LOBISHOMEM VIRALATTA [7099]

Os novos lobishomens, cada vez mais, tornam-se cachorros de vulgar estirpe, num paiz de singular e pobre tradição, menos burguez. Deixaram de ser lobos, si vocês notarem: começaram a virar as lattas pelas ruas, em logar de estarem a attaccar, como os michês. Mas ‘inda a gente encontra alguem que creia nas feras transformadas, a vagar nas noites de clarissimo luar, às sextas-feiras, uma lua cheia. São velhos cavalheiros cuja veia poetica alimenta a regular e eterna michetagem, sob um ar extranho, de temor, de cara feia.

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288 GLAUCO MATTOSO

SALDO NEGATIVO [7100]

Num anno tão pandemico, começa o virus a mactar mais do que ja mactou, Glauco! Promette que será um anno demoniaco! Mais essa! Problemas que ja tinhamos à bessa augmentam nessa crise! Para la de tudo, o nosso bolso ficará mais leve, exvaziado mais depressa! Não, umas esperanças acconselho perdermos, caro vate! Pollyanna nenhuma mais exsiste que se uffana de olhar-se, animadinha, num espelho! Azar assim terrivel e parelho não tive siquer quando estive em canna! Emquanto perdurar a crise insana, o saldo permanesce no vermelho!




SUMMARIO SONNETTO PARA UM DEJEJUM DESADJEITADO [2137]..................11 DISSONNETTO PARA UM DEJEJUM DESADJEITADO [2137]...............12 SONNETTO PARA UM AZAR ELEMENTAR [2138]........................13 DISSONNETTO PARA UM AZAR ELEMENTAR [2138].....................14 SONNETTO PARA UM ENUNCIADO ADMANTEIGADO [2142]................15 DISSONNETTO PARA UM ENUNCIADO ADMANTEIGADO [2142].............16 SONNETTO PARA UMA LIGAÇÃO INOPPORTUNA [2148]..................17 SONNETTO PARA UMA RISOPHYSICA MURPHOLOGICA [2156].............18 SONNETTO PARA UM BANHO ANTILEGAL [2157].......................19 SONNETTO PARA O QUE SE ACHA PERDIDO [2158]....................20 SONNETTO PARA UM CEGO PÊ DENTRO DA ROUPA [2159]...............21 DISSONNETTO PARA UM CEGO PÊ DENTRO DA ROUPA [2159]............22 SONNETTO PARA UM ULTIMO QUE NÃO RI [2160].....................23 SONNETTO PARA UMA HILARIA CULINARIA [2161]....................24 SONNETTO PARA AQUELLE ARTIGO SOBRE A LEI DE MURPHY [2162].....25 SONNETTO PARA UMA DESCHARTABILIDADE DISCUTIVEL [2163].........26 SONNETTO PARA UMA DISCUTIBILIDADE DESCHARTAVEL [2164].........27 SONNETTO PARA O CONTRATEMPO ROPTINEIRO [2167].................28 SONNETTO PARA O MYSTERIO DO RELOJOEIRO [2168].................29 SONNETTO PARA UM QUADRO DYSFUNCCIONAL [2169]..................30 SONNETTO PARA UM EXPERTALHÃO PASPALHÃO [2170].................31 SONNETTO PARA UMA DOR DE BARRIGA EMPURRADA [2173].............32 SONNETTO PARA UMA DOR DE CABEÇA EMBURRADA [2174]..............33 SONNETTO PARA UMA REUNIÃO CONVOCADA [2175]....................34 SONNETTO PARA UMA DISCUSSÃO PROVOCADA [2176]..................35 SONNETTO PARA QUEM SAE NA CHUVA [2177]........................36 SONNETTO PARA QUEM CHOVE NO MOLHADO [2178]....................37 SONNETTO PARA UM PROCEDIMENTO PADRÃO [2179]...................38 SONNETTO PARA UM PASSAGEIRO ESTRESSADO [2180].................39


SONNETTO PARA CADA COISA FORA DO LOGAR [2182].................40 SONNETTO PARA UM MEDALHÃO MALPASSADO [2183] ...................41 SONNETTO PARA UM SACCO MAL PUXADO [2184]......................42 DISSONNETTO PARA UM SACCO MAL PUXADO [2184]...................43 SONNETTO PARA UMA COBRA QUE NÃO MORDEU [2186].................44 DISSONNETTO PARA UMA COBRA QUE NÃO MORDEU [2186]..............45 SONNETTO PARA UMA NUVEM NEGRA [2189]..........................46 SONNETTO PARA UM GAZ FUGAZ [2194].............................47 SONNETTO PARA UM HILARIO ITINERARIO [2196]....................48 SONNETTO PARA A SIMULTANEIDADE SEM PIEDADE [2197].............49 SONNETTO PARA QUEM SE ARREPENDA DA EMENDA [2198]..............50 SONNETTO PARA QUEM CULPA A CHAVE DE FENDA [2199]..............51 SONNETTO PARA QUEM CULPA O CONTRACTO DE VENDA [2200]..........52 SONNETTO PARA UM PRATTO PREMIADO [2204].......................53 DISSONNETTO PARA UM PRATTO PREMIADO [2204]....................54 SONNETTO PARA UM ILLUSORIO ACCESSORIO [2205]..................55 DISSONNETTO PARA UM ILLUSORIO ACCESSORIO [2205]...............56 SONNETTO PARA UM ROPTEIRO BRAZILEIRO [2206]...................57 SONNETTO PARA QUATTRO GATTOS RESPINGADOS [2209]...............58 SONNETTO PARA DOIS VINTENS EXCAMMOTEADOS [2210]...............59 SONNETTO PARA UMA TRANSMISSÃO OMMISSA [2211]..................60 SONNETTO PARA UM PASSEIO QUE ODEIO [2212].....................61 SONNETTO PARA UMA TARDIA TRAVESSIA [2215].....................62 DISSONNETTO PARA UMA TARDIA TRAVESSIA [2215]..................63 SONNETTO PARA UM INTESTINO INTEMPESTIVO [2217]................64 SONNETTO PARA UMA ROPTA ABBARROTADA [2218]....................65 SONNETTO PARA UM LIQUIDO EM LIQUIDAÇÃO [2219].................66 DISSONNETTO PARA UM LIQUIDO EM LIQUIDAÇÃO [2219]..............67 SONNETTO PARA UM CHEIO VERANEIO [2220]........................68 SONNETTO PARA QUANDO O AFFECTO AFFECTA [2221].................69 SONNETTO PARA UM DOIS A DOIS [2222]...........................70 SONNETTO PARA UMA TARDIA ALLEGORIA [2223].....................71 SONNETTO PARA UM JANTAR DE GALA [2224]........................72 DISSONNETTO PARA UM JANTAR DE GALA [2224].....................73


SONNETTO PARA UM EMPECILHO A DOMICILIO [2225].................74 SONNETTO PARA UMA OCCUPAÇÃO PREOCCUPANTE [2226]...............75 DISSONNETTO PARA UMA OCCUPAÇÃO PREOCCUPANTE [2226]............76 SONNETTO PARA A LOGICA MURPHOLOGICA [2227]....................77 SONNETTO PARA A PREVISÃO NA REVISÃO [2228]....................78 DISSONNETTO PARA A PREVISÃO NA REVISÃO [2228].................79 SONNETTO PARA O CHINELLO DO CEGO [2229].......................80 SONNETTO PARA O SAPATO DO CEGO [2230].........................81 SONNETTO PARA UMA MISSA ENCOMMENDADA [2231]...................82 SONNETTO PARA O TENNIS DO CEGO [2232].........................83 SONNETTO PARA A MYSTICA MURPHOLOGICA [2233]...................84 DISSONNETTO PARA A MYSTICA MURPHOLOGICA [2233]................85 SONNETTO PARA UM BUFFET DE BUFAR [2234].......................86 DISSONNETTO PARA UM BUFFET DE BUFAR [2234]....................87 SONNETTO PARA A BOTA DO CEGO [2235]...........................88 SONNETTO PARA UM SAPATO MARCA “MURPHY” [2236].................89 DISSONNETTO PARA UM SAPATO MARCA “MURPHY” [2236]..............90 SONNETTO PARA UMA FUMAÇA MAÇANTE [2237].......................91 SONNETTO PARA UMA SYMPHONIA SEM SYNTONIA [2238]...............92 SONNETTO PARA UM FREGUEZ DESCORTEZ [2239].....................93 SONNETTO PARA UMA PAUSA EM CAUSA [2240].......................94 SONNETTO PARA UM VERDADEIRO ALLARME FALSO [2243]..............95 SONNETTO PARA UMA SEMANTICA DA SYSTEMANTICA [2244]............96 SONNETTO PARA UM PÊ DEFERIMENTO NESTES TERMOS [2245]..........97 SONNETTO PARA QUEM ESTÁ REDONDAMENTE ENGANNADO [2249].........98 SONNETTO PARA A CREANÇADA ADVANÇADA [2250]....................99 SONNETTO PARA O PAPEL DO PAPEL [2251]........................100 SONNETTO PARA O CONFESSIONARIO DO FUNCCIONARIO [2252]........101 SONNETTO PARA O TORTO POR LINHAS TORTAS [2253]...............102 SONNETTO PARA UM APPROMPTUARIO MURPHOLOGICO [2254]...........103 SONNETTO PARA A BANANA QUE SE DEU [2256].....................104 SONNETTO PARA UM NOTORIO FINORIO [2257]......................105 SONNETTO PARA UM IMPASSE NA LEI DO PASSE [2258]..............106 SONNETTO PARA OS INFORTUNIOS DA VIRTUDE [2259]...............107


SONNETTO PARA AS PROSPERIDADES DO VICIO [2260]...............108 SONNETTO PARA A EXPERTEZA NA BURROCRACIA [2261]..............109 SONNETTO PARA UMA COCEIRA TRAIÇOEIRA [2262]..................110 SONNETTO PARA A CORRESPONDENCIA SEM URGENCIA [2263]..........111 DISSONNETTO PARA A CORRESPONDENCIA SEM URGENCIA [2263].......112 SONNETTO PARA UMA RECLAMAÇÃO POR ESCRIPTO [2264].............113 SONNETTO PARA A NOSTALGIA DA MELODIA [2265]..................114 SONNETTO PARA AS LINHAS DESCRUZADAS [2266]...................115 SONNETTO PARA UM HOTEL BARULHENTO [2267].....................116 SONNETTO PARA OS OCULOS DO CEGO [2268].......................117 SONNETTO PARA UMA MOEDA MEHUDA [2269]........................118 SONNETTO PARA UMA CONFERENCIA CONFERIDA [2270]...............119 SONNETTO PARA A IMAGEM DA EMBALLAGEM [2271]..................120 SONNETTO PARA UNS OVOS NOVOS [2272]..........................121 SONNETTO PARA A VALIDADE VENCIDA [2273]......................122 SONNETTO PARA O ESPIRITO DO PÃO [2274].......................123 SONNETTO PARA O PÃO DO ESPIRITO [2275].......................124 SONNETTO PARA UM VACILLO NO SIGILLO [2276]...................125 SONNETTO PARA A INVERSÃO DOS PAPEIS [2278]...................126 SONNETTO PARA UMA PAULADA CALCULADA [2279]...................127 SONNETTO PARA UM CAUDILHO EXPERTALHÃO [2281].................128 SONNETTO PARA O EXCESSO DE BAGAGEM [2282]....................129 SONNETTO PARA UMA CASA LOTADA [2284].........................130 SONNETTO PARA O DOMINIO PRIVADO [2285].......................131 SONNETTO PARA UM EQUIPAMENTO MARCA “MURPHY” [2286]...........132 SONNETTO PARA DEPOIS [2287]..................................133 DISSONNETTO PARA DEPOIS [2287]...............................134 SONNETTO PARA O SEGREDO DO POLICHINELLO [2288]...............135 SONNETTO PARA UMA COLHER TORTA [2289]........................136 SONNETTO PARA AS BODAS DE OURO [2290]........................137 SONNETTO PARA QUEM PRECISA DUMA MÃOZINHA [2292]..............138 SONNETTO PARA UM BRINQUEDO QUE DÁ MEDO [2293]................139 SONNETTO PARA UMA REPETITIVA “MURPHILOSOPHY” [2294]..........140 SONNETTO PARA UM LENTO ATTENDIMENTO [2295]...................141


SONNETTO PARA QUEM CORRE “RISCO DE MORTE” [2296].............142 SONNETTO PARA UM PAPPO TELEPHONICO [2297]....................143 SONNETTO PARA UMA MURPHOLOGIA DO VESTUARIO [2298]............144 SONNETTO PARA UMA MURPHOLOGIA DO ITINERARIO [2299]...........145 SONNETTO PARA A TEIMOSIA NA UTOPIA [2300]....................146 DISSONNETTO PARA JANEIRO [2101]..............................149 DISSONNETTO PARA FEVEREIRO [2102]............................150 DISSONNETTO PARA MARÇO [2103]................................151 DISSONNETTO PARA ABRIL [2104]................................152 DISSONNETTO PARA MAIO [2105].................................153 DISSONNETTO PARA JUNHO [2106]................................154 DISSONNETTO PARA JULHO [2107]................................155 DISSONNETTO PARA AGOSTO [2108]...............................156 DISSONNETTO PARA SEPTEMBRO [2109]............................157 DISSONNETTO PARA OUTUBRO [2110]..............................158 DISSONNETTO PARA NOVEMBRO [2111].............................159 DISSONNETTO PARA DEZEMBRO [2112].............................160 DISSONNETTO PARA O DOMINGO [2121]............................161 DISSONNETTO PARA A SEGUNDA-FEIRA [2122]......................162 DISSONNETTO PARA A TERÇA-FEIRA [2123]........................163 DISSONNETTO PARA A QUARTA-FEIRA [2124].......................164 DISSONNETTO PARA A QUINCTA-FEIRA [2125]......................165 DISSONNETTO PARA A SEXTA-FEIRA [2126]........................166 DISSONNETTO PARA O SABBADO [2127]............................167 SATYRICO TIRESIAS [3127].....................................168 VALLE DE LAGRYMAS [4465].....................................169 ENTERRO DE LUXO [4676].......................................170 IMPERTINENCIA URINARIA (I) [4749]............................171 IMPERTINENCIA URINARIA (II) [4750]...........................172 NA RAIZ DA QUESTÃO [4977]....................................173 PERSEVERANTE PERFECCIONISMO [5561]...........................174 MANIFESTO ALLARMISTA [5572]..................................175 LEI DA PALMADA DE MURPHY [5589]..............................176 MAUS FLUIDOS [5597]..........................................177


MEME DA GRIPPE [5903]........................................178 INIMIGAVEL VESTUARIO [5931]..................................179 OPHIDIO SEM OFFICIO (II) [5943]..............................180 SATYRESIAS [6095]............................................181 HASHTAG DEU RUIM [6153]......................................182 RACIOCINIO [6234]............................................183 BOAS INTENÇÕES [6457]........................................184 SEDENTARIA CHORADEIRA [6579].................................185 ORACULO DO SECULO [6600].....................................186 BORN UNDER A BAD SIGN [7001].................................189 MEMORIAS DA PRISÃO [7002]....................................190 ESTADO DE ATTENÇÃO [7003]....................................191 WALKING THE DOG [7004].......................................192 SENHA TROCADA [7005].........................................193 MOTTE DO MOLECOTE [7006].....................................194 TROCA DE FARPAS [7007].......................................195 COLHENDO MADURO [7008].......................................196 OLHO CLINICO (II) [7009].....................................197 ALEM DE QUEDA, COICE (II) [7010].............................198 SUBTIL PERFIL [7011].........................................199 TARA NA CARA [7012]..........................................200 PALAVRA DESEJADA [7013]......................................201 LUVA DE PELLICA [7014].......................................202 TRABALHADOR INFORMAL [7015]..................................203 PERCALÇOS DA CALÇADA [7016]..................................204 MALFAZEJO GRACEJO [7017].....................................205 RECURSOS HUMANOS [7018]......................................206 DISCURSOS DESHUMANOS [7019]..................................207 EXCEPÇÕES DE PRAXE [7020]....................................208 HONRAS DA CASA [7021]........................................209 MERO LERO, MAS SINCERO [7022]................................210 CORPO DE DELICTO [7023]......................................211 NOVECENTO [7024].............................................212 CALCINHA [7025]..............................................213


DEVIDO DESCOMPTO [7026]......................................214 OTHER GUY [7027].............................................215 ZIQUIZIRA [7028].............................................216 AMANTE CAPTIVANTE [7029].....................................217 NA MÃO DO RICARDÃO [7030]....................................218 LINGUA DO POVO [7031]........................................219 PODOLATRIA NO FUNK [7032]....................................220 ESSA NÃO VALEU [7033]........................................221 ESSA VALEU [7034]............................................222 ZICA DUPLA (I) [7035]........................................223 ZICA DUPLA (II) [7036].......................................224 SERMÃO DA PUNIÇÃO [7037].....................................225 IMAGENS POLEMICAS [7038].....................................226 SCENAS DA CRACKOLANDIA [7039]................................227 IRONIA NA VIA [7040].........................................228 SYNESTHESICA PARCERIA [7041].................................229 CASTIGO DIVINO [7042]........................................230 NOMES IMPRONUNCIAVEIS [7043].................................231 GATTO PRETO [7044]...........................................232 ESCADA NA CALÇADA [7045].....................................233 ESPELHO PARTIDO [7046].......................................234 PHEIJÕES ABBENÇOADOS [7047]..................................235 FESTA DE ARROMBA [7048]......................................236 AZAR D’OCÊ [7049]............................................237 CARREIRA ALVISSAREIRA [7050].................................238 EXTRAMUROS [7051]............................................239 VEZEIRO CADEEIRO [7052]......................................240 CEGUEIRINHA [7053]...........................................241 CEGUEIRAZINHA [7054].........................................242 PIA ANALOGIA [7055]..........................................243 VIDA MANSA [7056]............................................244 AZARADA JORNADA [7057].......................................245 VARIAÇÕES EM TORNO DA VARIANTE [7058]........................246 CHIP CHINEZ [7059]...........................................247


SALIVA EXTENSIVA [7060]......................................248 ANIMAL COLLATERAL [7061].....................................249 MILONGA DO CORONGA [7062]....................................250 EFFEITO PLACEBO [7063].......................................251 DESPEITO DA DESFEITA [7064]..................................252 CIUMES DO CIUME [7065].......................................253 SAUDADES DA SAUDADE [7066]...................................254 HORROR DOS HORRORES [7067]...................................255 EXACTO RETRACTO [7068].......................................256 DESGRAÇA NA PRAÇA [7069].....................................257 DESGRAÇA EM MASSA [7070].....................................258 AZAR SELECCIONADO (I) [7071].................................259 AZAR SELECCIONADO (II) [7072]................................260 MAU SIGNO [7073].............................................261 MÁ SIGNA [7074]..............................................262 O CÉU É O LIMITE [7075]......................................263 AMOR DE PERDIÇÃO [7076]......................................264 AMOR DE SALVAÇÃO [7077]......................................265 BARATO BARATO [7078].........................................266 PRAGA COMPARTILHADA [7079]...................................267 CORRECTIVO COLLECTIVO [7080].................................268 DESCONTROLE EMOCIONAL [7081].................................269 BORRALHEIRA BANDALHEIRA [7082]...............................270 ROSTO EXTRANHO [7083]........................................271 DIA “D” [7084]...............................................272 EXCLARESCIMENTO DESPOTICO [7085].............................273 PÉ DIABETICO [7086]..........................................274 GERONTOPHILIA [7087].........................................275 DIPSOMANIA [7088]............................................276 COTHURNOLATRIA [7089]........................................277 ALGOLAGNIA [7090]............................................278 COPYLEFT [7091]..............................................279 ACCESSO AO SUCCESSO [7092]...................................280 MOTIVO RELATIVO [7093].......................................281


ARES TUMULARES [7094]........................................282 PET THERAPIA [7095]..........................................283 SACY DE DUAS PERNAS [7096]...................................284 MULA COM CABEÇA [7097].......................................285 VAMPIRO VEGANO [7098]........................................286 LOBISHOMEM VIRALATTA [7099]..................................287 SALDO NEGATIVO [7100]........................................288



Titulos publicados: A PLANTA DA DONZELLA ODE AO AEDO E OUTRAS BALLADAS INFINITILHOS EXCOLHIDOS MOLYSMOPHOBIA: POESIA NA PANDEMIA RHAPSODIAS HUMANAS INDISSONNETTIZAVEIS LIVRO DE RECLAMAÇÕES VICIO DE OFFICIO E OUTROS DISSONNETTOS MEMORIAS SENTIMENTAES, SENSUAES, SENSORIAES E SENSACIONAES GRAPHIA ENGARRAFADA HISTORIA DA CEGUEIRA INSPIRITISMO MUSAS ABUSADAS SADOMASOCHISMO: MODO DE USAR E ABUSAR DESCOMPROMETTIMENTO EM DISSONNETTO DESINFANTILISMO EM DISSONNETTO SEMANTICA QUANTICA INCONFESSIONARIO DISSONNETTOS DESABRIDOS SONNETTARIO SANITARIO DISSONNETTOS DESBOCCADOS RHYMAS DE HORROR DISSONNETTOS DESCABELLADOS NATUREBAS, ECOCHATOS E OUTROS CAUSÕES


São Paulo Casa de Ferreiro 2021




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