CANCIONEIRO CARIOCA

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CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO



GLAUCO MATTOSO

CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

São Paulo Casa de Ferreiro 2021


Cancioneiro carioca e brazileiro © Glauco Mattoso, 2021 Revisão Lucio Medeiros Projeto gráfico Lucio Medeiros Capa Concepção: Glauco Mattoso Execução: Lucio Medeiros ________________________________________________________________________ FICHA CATALOGRÁFICA ________________________________________________________________________ Mattoso, Glauco CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO/Glauco Mattoso São Paulo: Casa de Ferreiro, 2021 440p., 21 x 21cm ISBN: 978-85-98271-28-4 1.Poesia Brasileira I. Autor. II. Título.

B869.1


NOTA INTRODUCTORIA Esta selecção de sonnettos, uma das mais volumosas dentre as collectaneas thematicas ja effectuadas na obra do auctor, foi originalmente publicada (2008) na serie "Bibliotheca Mattosiana" da editora Annablume. O repertorio recapitula todas as phases e generos da nossa musica popular, glosando as lettras pelo crivo fetichista e sadomasochista do poeta maldicto, que, entretanto, não se ommitte em face dos adspectos sociaes e politicos retractados no universo da chamada "velha guarda", da "joven guarda", da bossa nova e da MPB subsequente. Aqui desfilam, à guisa de epigramma, os mais variados typos urbanos, suburbanos e interioranos no ambiente escatologico e eschatologico do auctor. Alguns sonnettos foram reestrophados como dissonnettos (em quattro ou mais quartettos) e novos poemas do typo foram accrescentados para a presente edição, visando o formato digital, a exemplo de varios ebooks publicados pelo sello Casa de Ferreiro.



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DISSONNETTO SOBRE UM REPERTORIO ALEATORIO [3000] Cantei sobre o cantado. O cancioneiro do samba e da marchinha é carioca, mas como brazileiro se colloca, si formos ver a coisa por inteiro. Cabrocha com malandro, partideiro com velha ou nova turma, tudo toca no callo da favella e da malloca, no morro, no cortiço ou no terreiro. Morei la poucos annos, o bastante appenas para ouvir a battucada de longe, admortescida, mas constante. Agora, na victrola ou nessa cada... Vez mais moderna midia, dissonante não fica a verve escripta da cantada. Aquelle que meu livro leu garante que tive voz poetica affinada.

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10 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO DISCOGRAPHICO [0106] Cantou Carmen Miranda sobre um cão que lambe os pés de toda a malandragem. No nosso cancioneiro sobra imagem em torno desse grau de humilhação. Martinho joga a femea la no chão, aos pés do battuqueiro, um personagem machista qual rockeiro de garagem, onde ella chupa sem reclamação. A referencia ao pé tem precursor: Na marchinha "Pé de anjo" ha um bem grahudo, a cuja proporção tambem alludo, capaz de até pisar no imperador. Não sou especialista, mas estudo um jeito especial de ser cantor em rhythmo que prazer causa ao leitor: Na lingua um pé me põe a cantar mudo.


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SONNETTO A ERNESTO NAZARETH, ou SONNETTO DE UMA NOTA SÓ [0295] Paulinho da Viola, Pixinguinha: Por mais que os exaltemos, como eu vinha (são symbolos supremos do sambinha), forçoso é recuar até Chiquinha. No tempo em que a mulher, do lar rainha, transita entre a parochia e uma cozinha, Gonzaga quiz compor samba e marchinha e deu ao povo aquillo que não tinha. Porem é Nazareth quem se advizinha do genio pioneiro dessa linha e faz de seus maxixes campainha. O rico tinha a polka ou a valsinha. O pobre battucava, não convinha. Mas Nazareth refina a má farinha!


12 GLAUCO MATTOSO SONNETTO CAETANICO [0345] Arauto da verdade tropical, cantou nomes de nomes, como Arrigo, Jacintho Pincto Aquino Rego, digo, Mattoso, Mattos, Tons, Tins, Bens, e tal. Propoz orientar o carnaval e a nave conseguiu singrar comsigo. Tractou de egual p'ra egual o joio e o trigo. Junctou sopa com mel, mammão com sal. Aos probos prohibiu de prohibir. Aos pobres deu licença de brilhar. Bebeu da juventude um elixir. Tem mais caetanidade em caetanar que aos outros anthroponymos ser Sir. Seu Zé não é Caetano, uns nunca é par.


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SONNETTO SEM-TECTO [0369] Malloca a mais saudosa foi aquella que fez do Adoniran chronista urbano. O Joca, o Matto Grosso e outro fulano são symbolos que a musica congela. Cortiço ou invasão? Bairro ou favella? Blocado, sublocado ou subhumano? Qualquer habitação serve de panno de fundo para o enredo da novella. Paredes teem ouvidos, não teem olho. Um simples papellão pode ser casa. O pobre não precisa de ferrolho. Noel tambem foi genio: é cama rasa a folha de jornal na qual me encolho. O orvalho é o tecto, e o cego ave sem asa.

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14 GLAUCO MATTOSO SONNETTO DESBARATADO [0410] Celly tomava banho de luar. Rodava o Ronnie Cord a rua Augusta. Erasmo é tremendão, mas não assusta. Roberto não prohibe de fumar. Mutantes zoam sallas de jantar. Raul faz da loucura causa justa. A Ritta é rhyma rica e caro custa. Ro Ro roça na moça e quebra o bar. Cazuza, mais que os Seccos, mexe e vira. Renato Russo toca na ferida. Arnaldo Antunes mira no que attira. Quem leva do Thayde não revida. Quem anda pela rua entende um Ira! O rock entrou num becco sem sahida.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO SONNETTO AMPLIFICADO [0526] Chiquinha abriu as alas femininas. As duas Aracys teem cor de Rosa. A Carmen, charme, fama fora goza. A Dalva do adulterio abre as cortinas. As Elzas e Elizeths são divinas. Cauby soube como Angela é famosa. Isaura é paulistana pela prosa. São Paulo é da Ignezita nas exquinas. Maysa e Nora Ney bossam a fossa. Dolores dura a dor do amor confesso. Elis diz como a lucta é coisa nossa. Da Ritta e da Celly samba não peço. Ro Ro, Gal e Bethania teem voz grossa. Mas tu, Maria, calas teu successo.

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16 GLAUCO MATTOSO SONNETTO EXTRA-EXPRESSO [0529] Mandou aquelle abbraço para o Rio. De Sampa enaltesceu a Freguezia. Levou compasso e regua da Bahia. Em Londres troca o Tropico por frio. Com Jorge, Ritta e Marley antevi-o. Com Berry, Cliff ou Wonder bem veria. Com elle fez eschola a ecologia e a eschola fez o samba em que eu follio. Veado ou piccapau, elle os compacta. Metaphora, si abstracta, elle a concreta. Com synthese a internet elle retracta. É agil, presto, experto, pois poeta. Agillimo, da raça expressa a natta. Agudo, mas dulcissimo: ultra-estheta!


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SONNETTO NAZARETHADO [0568] Uns dizem que ella de india tinha cara; a uns outros parescia um rapazelho. Famoso mesmo foi o seu joelho, alem da voz, que mais se advelludara. Velludo, mas cortante, coisa rara: quer fosse a Lindonéa nosso espelho ou fosse o Carcará bordão vermelho, o facto é que, no mappa, a natta é Nara. Da Bossa Nova é musa mais bemquista. Tropicalista diva, brilha quieta. Rebelde mais serena não se advista. Foi idolo, na lucta, do poeta, ao mesmo tempo olympica e humanista, pois Nara é natta, é nota, é gatta, é netta.

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18 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO DA MUSICALIDADE [0940] Na bossa nova é o sabadabadá. No yeyeyê são brotos e uma braza. No frevo e no baião nem agua rasa nem secca desarrecta o carcará. No samba é um esquindô que o toque dá. No rap um mano com a mina casa. Compasso de marchinha nunca attraza nem bolla nem ballão, hymno e arraiá. Simbora, olê-olá, lari-larai, carrão e curras, anarchia, oi-oi, mulé-rendêra, saravá-meu-pae. Não vinga violeiro que destoe. Quem ja bebeu demais, dansou: cae, cae! Leva meu samba esse bumba-meu-boi. Fazendo a hora, quem diz vou não vae. Ja vem vindo e virá, será o que foi.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO SONNETTO DA RAINHA POSTA [1277] Mutantes sem a Ritta? Nem pensar! É como sem Cazuza haver Barão, ou sem Renato Russo a Legião, ou Beatles só com Paul e Ringo Starr! Da Mama Cass ninguem toma o logar! Nirvana, Queen, Ramones, todos são acephalos si falta o vozeirão melodico ou asperrimo a cantar! Morrendo o Bobby Fuller, não ha banda que pague ao Buddy Holly bom tributo: nenhum Hullaballoo na praia manda! A Ritta nem morreu! Por isso puto fiquei ao ver que a Zelia às vezes anda dizendo ser herdeira do que escuto!

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20 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO DO CHORO RASGADO [1491] "Rasguei a phantasia...", a canção diz. Palhaço por trez dias e, chegada a quarta-feira, somos o infeliz de novo? Está essa historia mal contada. Ser outro gajo todo mundo quiz durante o carnaval, mas isso nada teria com palhaços. O que fiz o tempo todo, excepto palhaçada? Nem ultima vez, nunca só primeira. Palhaços todos somos, o anno inteiro. Porem, a vocação do brazileiro é carnavalizar a quarta-feira. Pensemos a questão desta maneira: Digamos que fui feito de palhaço por quem dá circo e pão, mas questão faço de sel-o appenas quando o leitor queira.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO DISSONNETTO DA GAFIEIRA [1690] Levou um pé na cara e foi ao chão quem tinha provocado um magricella no meio do sallão. O valentão fallado foi no samba e na favella. Define Billy Blanco o quasi anão appenas como "um fracco", mas aquella bondosa descripção não mostra o quão franzino é o typo que, xingado, appella. Cuidado, pois, com elle, meu parceiro! Diz o compositor ser faixa-preta o tal baixinho: que ninguem se metta, portanto, a appellidal-o de "chaveiro". Vezeiro no jargão do brazileiro, paresce ser o termo o que o insulta, e não si essa estatura difficulta paqueras no dansante pardieiro.

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22 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO DA INCONVENIENCIA [1706] De manhan em frente "As aguas não quero

cedo, um bebado passeia ao hospital. Cantando, grita: vão rollar! Garrafa cheia ver sobrar..." A coisa irrita.

La dentro, quem de dores experneia escuta aquillo e mais se debilita. Mostrando estar, de facto, com a veia, o bebado é um tenor de voz bonita. "Eu bebo, sim, e estou vivendo...", canta. Paresce seu orgulho ser tremendo. A voz ja lhe enrouquesce na garganta: "Tem gente que não bebe e está morrendo..." Foi retirado pela viatura. Alem de dores chronicas soffrendo, no quarto um paciente agora attura o medico: {Não beba, eu recommendo...}


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO DISSONNETTO DA CHARTA INESPERADA [1714] Naquella velha historia da canção, a charta recebida nem será aberta, pois quem tem desillusão ja não quer nem saber o que diz la. A lettra reconhesce: aquella mão da qual ganhou caricia escripto ja teria que "Eu não amo você, não..." e, assim, de novo nada a dizer ha. A gente, nesses casos, se accovarda. Coragem lhe faltou, ja que era incerta a cara que teria a charta aberta: seria cara triste ou felizarda? Foi, com seu enveloppe de cor parda, rasgada, mas a charta continua incognita. Bem, caso alguem possua seu endereço, a proxima não tarda.

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24 GLAUCO MATTOSO SONNETTO PARA UM SAMBA-CANÇÃO [1727] "Bohêmia" ou "bohemia"? Na canção seria "bohemia"! Tambem acho que, em certos casos, vale a tradição dum uso popular, mas que diacho! Nelson Gonçalves faz com emoção aquillo que Adelino diz do macho: maltracta, pisa, e ainda ellas lhe são fieis e compassivas, um capacho. Noel, que mais que o Nelson vive o typo bohemio, não diz "Nunca que eu me grippo, jamais eu me resfrio no sereno..." Gandaia é só bonita em poesia, pois, na tuberculose ou pneumonia, o gajo diz: "...por isso me condemno..."


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO DISSONNETTO PARA UMA MARCHINHA [1728] Antigas, eram boas. Mas a breca levaram e, mais tarde, ja escutamos: "Eu macto quem roubou minha cueca p'ra fazer panno de pratto!" Ora, vamos! Comtudo, analysemos si esta pecca por falta de decoro: convenhamos que um pouco de quem mija e quem defeca retem-se na cueca que citamos. Portanto, enxugar pratto com aquillo, suppondo que uns sacanas assim agem, seria, mais que equivoco ou vacillo, um acto da mais pura sacanagem. Ninguem uma cueca roubaria sabendo que tem essa suja imagem, a menos que pensasse em putaria... Na bocca pôr aquillo é ter coragem!

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26 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO PARA OUTRA MARCHINHA [1729] Compondo, elle não poupa (Que esculacho!) bobagens taes que numa lettra ponha. "Não quero nem saber si o pato é macho! Eu quero é ovo!", canta o semvergonha. Si o pato não é femea, alguem que sonha em exigir-lhe um ovo é doido, eu acho, a menos que a malicia se supponha e iremos exhibir cara de tacho. A coisa vae ficando mais grottesca. Si o pato for veado, ovo não bota, mas ja faria jus a tal chacota, commum numa canção carnavalesca. Fallando ja de pose principesca, mais logica seria outra inferencia, pois, pato à parte, a natural tendencia é vermos num pavão ave mais fresca.


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DISSONNETTO PARA UM ROCKZINHO ANTIGO [1730] "Entrei na rua Augusta a cento e vinte por hora...", é o que cantava o Ronnie Cord. Ja foi aquella rua de requincte, justificando quem assim a abborde. Butiques, lindas gattas, isso o ouvinte podia até suppor, pois quem recorde batte no velocimetro nem vinte anninhos tem, e seu papae é lorde. Mas filhos não são gente tão idonea. No tempo dos playboys, foi cadillac o carro cobiçado, e 'inda de fraque vestia-se um rapaz na ceremonia. Agora tal noção torna-se erronea. A velha rua abriga appenas putas, emquanto quem tem carro faz disputas nos rachas, bem alem da Villa Sonia.

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28 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO PARA UM CHA-CHA-CHA [1731] Para Angela Maria um compoz o cha-cha-cha nenhum seria o beijo à força das mulheres

Adelino no qual peccado libertino conquistado.

O tal "beijo roubado" eu o defino como uma violencia si for dado na marra, mas, si appenas clandestino e cumplice, é um arroubo enamorado. Ninguem ter necessita alguma classe. Mulher finge que nega. Homem a aggarra e dá, de lingua, aquillo que, na marra, é como si por bem se consummasse. Mas, uma vez estando face a face, problema é que não fica a coisa nisso: prevendo que não haja compromisso, o coito é o mais provavel desenlace.


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SONNETTO PARA UM SAMBOLERO [1732] "Ninguem me ama...", canta Nora Ney, "ninguem me quer...", coitada, se lamenta, "ninguem me chama...", e disso eu é que sei, "de Baudelaire...", nem meus versos commenta. Si um Antonio Maria foi um rei da dor de cotovello, hoje essa lenta especie de canção ja não tem lei que a prenda ao bolerão la dos cincoenta. Depois fallou-se em "musica de fossa", que em Angela Ro Ro vae fundo e engrossa, beirando o triste espirito do blues. Si Nora Ney, Maysa, ou a Dolores cantassem 'inda agora, seus valores teriam ja quebrado alguns tabus.

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30 GLAUCO MATTOSO SONNETTO PARA UM TANGO [1736] Até Nelson Gonçalves rende e paga tributo aos argentinos: a Gardel e ao proprio ambiente urbano cuja saga o tango immortaliza, bem fiel. "Quem paga hoje sou eu!" Não deixa vaga a hypothese de, amargo como fel, seu caso ser intrinseco a uma chaga social, cujo symbolo é o bordel. Do lar, que "actualmente não exsiste", a historia é sempre "egual, amarga e triste", contada por quem paga uma rodada. Nos bares de São Paulo ou Buenos Aires, tragedias parallelas, similares, repetem-se, uma a uma, e um tango em cada.


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DISSONNETTO PARA UM BAIÃO [1737] Chamar de "mulher macho" a Parahyba na voz do Gonzagão, foi bello achado. Difficil, nessas lettras, um escriba que synthetize o orgulho delicado. Delicadeza, diga-se, é o que em riba dum thema mellindroso está versado, e não qualquer frescura à qual se inhiba alguem de referir-se com cuidado. Si as lesbicas tambem são parahybas, suppondo-se que sejam patriotas, podiam ser brazilias, curitybas, campinas, salvadoras ou pellotas. Talvez as nordestinas sejam mais locaes, universaes, por quaesquer quotas. Heroicas quando lesbicas, jamais usaram sapatões... appenas botas.

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32 GLAUCO MATTOSO SONNETTO PARA UMA MODA DE VIOLA [1738] É preciso um sotaque bem caypyra: quem finge é bom que faça muito ensaio, a menos que à Ignezita eu me refira: "Co'a marvada pinga é que eu me attrapaio!" Cachaça experimenta e della tira tal sarro, que no riso eu sempre caio si escuto aquella moda: de mentira ou não, ventila o thema e descontrae-o. Fallar de alcoholismo na mulher é coisa melindrosa a quem só quer usar um tom didactico ou pedante. Mas quando o verdadeiro sertanejo abborda essa materia, nella vejo só graça no sotaque de quem cante.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO DISSONNETTO PARA UM XOTE [1739] Gonzaga bem define a Carolina: cheirosa, seja la que porra for que queira nos dizer... da fedentina das partes não será de se suppor. Talvez dalgum perfume que a menina costuma usar: disfarsaria o odor ou fica essa mixtura 'inda mais fina a quem é, nos forrós, bom fungador? Ninguem se indaga, caso a canção cante? Me vejo compellido, nesse caso, a logo especular, alem do prazo vencido em seu melhor desodorante... Si, quando ja descalça do pisante, tambem dentro da meia o cheiro está curtido e quem metter o nariz la terá direito a um passo dar addeante.

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34 GLAUCO MATTOSO SONNETTO PARA UMA MARCHA-RANCHO [1740] Me lembro de Caetano quando penso nas regras que se quebram ao cantar: "Caminhando contra o vento, sem lenço e sem documento..." é um caso exemplar. Si o rhythmo é violado, por extenso entende-se que a metrica a calhar ja não poderá vir... E, nesse immenso vazio de escansão, qual lingua usar? Caetano no compasso aguenta a mão, mas, quando se pergunta "Por que não?" a gente sempre pensa em alegria. Depois da Tropicalia, quem não vae attraz do trio electrico, sem pae nem mãe está no andar da poesia.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO DISSONNETTO PARA UM SAMBA-ENREDO [1741] Glorioso, Sergio Porto na avenida desfila, ao publicar "Macunahyma". Laurindo, cujo pae, Jorge de Lima, proclama a Escravidão, é quem convida. Gregorio, que fundou Apparescida, rompeu com Jorge Amado, pois o clima peora quando Oswald, 'inda por cyma, lhe come a prima Gilka, ja comida. Tal como deu foi tudo: no que, mal com não cessa de

Pepeu, caso vacille, bordel quem manda é Mario, Rosa deixa o seminario, enviar chartas ao Chile.

Emquanto Vanzolini juncta a bile, Drummond faz com Machado um novo tracto: agora a bonequinha do Lobato será porta-estandarte do desfile.

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36 GLAUCO MATTOSO SONNETTO PARA UMA CANTIGA DE RODA [1752] Cantando que "Attirei o pau no gatto..." estavam as creanças, mas alguem achou que se empossava no mandato de moralizador, e ja nos vem com outra: "Não attire o pau no gatto..."! Será que alguem pretende ser tambem censor da tradição? Nenhum novato a historia "rectifica", nem ninguem! No livro "Oitenta e quattro" se mostrava que a civilização, agora escrava do totalitarismo, era subjeita a revisões historicas: o pau é que nos foi jogado pelo mau bichano, e nós miamos, desta feita.


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DISSONNETTO PARA UMA VALSA ALVISSAREIRA [1842] Addeus ao anno velho todos dão, achando que não deixa uma saudade. Mas quantos annos velhos la se vão que um dia foram novos? Que maldade! Por que será que os outros teem, então, ainda uma esperança, si a vontade se frustra? Eu do futuro a sorte não almejo, si o passado dissuade. Mas faço disso tudo um carnaval e torço por vocês! Sahude! Grana! Solteiros vão casar! Ninguem se damna na vida de casado, e coisa e tal. Sabemos, affinal, como é fatal: Na proxima virada, aqui estaremos torcendo novamente, pois queremos que um anno voe e chegue outro Natal.

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38 GLAUCO MATTOSO SONNETTO PARA QUEM SEUS MALES NÃO EXPANTA [2093] Cantando "...para, Pedro, Pedro, para...", "...passei a noite procurando tu..." e que "...não sou cachorro, não...", o cara mostrou que não estava jururu. Mas deu azar. Um typo Brucutu, com quem sempre na feira se depara, não quiz saber: mandou tomar no cu quem canta com vozinha de taquara. O gajo se offendeu. Bemhumorado chegara, e um besta vinha pro seu lado querendo lhe estragar um novo dia? Sahiram na porrada. O truculento ganhou, mesmo appanhando: seu intento, que era baixar o astral, ja contagia.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO DISSONNETTO PARA UM BIGORRILHO [2545] Ouvi, quando creança, uma canção extranha: bigorrilho que fazia mingau. Pode soar pornographia tirar do pau cavaco, não é não? O Antonio, que trepava, com tesão devia, é claro, estar! Que mais faria aquelle que "sirica" todo dia no pau? Faria só masturbação? Na minha cabecinha, o tal mingau de porra não passava! Eu sei, vocês dirão que sou tarado em alto grau e só de sacanagens sou freguez. Talvez sacana assaz me seja o pau, mas pensem bem: o cerebro que fez aquella musiquinha teve um mau, ou casto pensamento? Errou, talvez?

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40 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO PARA UM CASO ACCABADO [2546] Será que um fim de caso é mesmo assim? Que o caso "está na hora de accabar" appenas "desconfia" quem, no par, se sente mais carente? É assim o fim? Só fallo, aqui, por mim. E, para mim, o "addeus em cada gesto, em cada olhar" sem termos "a coragem de fallar" não basta, como eu logo a saber vim. Preciso foi que o gajo não mandasse que as botas lhe tirasse eu mais, e o pé não mais elle appoiasse em minha face. Assim foi que perdi na scena a fé. Preciso foi que nada mais rollasse. Preciso era que eu, cego, fosse até ao poncto de entender que não é "classe", mas "casta" meu logar, juncto à ralé.


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DISSONNETTO PARA UMA MULHER LINGUARUDA [2547] Mulher que, ha muito tempo, nos provoca meresce, o que, levar? Umas respostas mais duras? Que p'ra ella vire as costas a gente? Outro veneno egual, em troca? Segundo Ary Barroso, na malloca resolve-se a questão como as appostas indicam: na porrada! De mãos postas que implore ao macho, ou elle a exmurra e soca! Duvidam? Mais que pata choca falla aquella venenosa da marchinha! E como é que acconselham a tractal-a? Hem? Como castigar quem apporrinha? É simples! Feito negra na senzala! Simplissimo: "Dá nella!" É o que sublinha o khoro! E, emquanto o macho ri na salla, ella que va chorar la na cozinha!

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42 GLAUCO MATTOSO SONNETTO PARA NÃO DIZEREM QUE NÃO SE FALLOU [2548] Verdade é que "nem tudo que se diz se faz". Assim cantava o Mario Reis, na sua voz de bicha. Mas que fez aquella bicha, quando cantou bis? Primeiro, elle cantou, para os Brazis ouvirem: "Mulher nua, eu quero!" As leis moraes foram burladas, mas vocês no Mario enxergam impetos viris? Nem morta! Quando o Mario a regravou, cantou: "Não quero mais ficar na tua!" E ella ja não faz parte do seu show. A bicha se assumiu! Mas continua ainda se enrustindo quem virou o seculo a fingir querel-a nua!


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DISSONNETTO PARA AS MULHERES DESAPPARESCIDAS [2549] Que coisa! Essas mulheres todas somem nas lettras das canções! É de sumiço que estou fallando, mesmo, e incluo nisso marchinhas nas quaes chora a voz dum homem: "Cadê Mimi?", "Cadê Zazá?"... Retomem a busca, e ha sempre um nome encontradiço: "Cadê Maria Rosa?" Mau serviço dão dellas si os boatos nos embromem. Pergunta "Vocês viram por ahi a Chica, Chica Boa?" um triste Orlando. Ninguem achou Zazá, Rosa ou Mimi. Que raio succedeu com esse bando? Fugiram, como disse Ritta Lee? Si querem, continuem procurando. Mas, quando a Chica foge, ja assumi: faltou colhão a alguem, faltou commando.

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44 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO PARA UM REI POSTO [2550] Não tem nenhum creado de libré, nem sceptro, nem coroa, nem castello. Pergunta-se elle mesmo, e eu interpello: que raio de monarcha que, então, é? É rei da voz quem canta, e reina até com justa liderança, lindo e bello. Mas o compositor, pé-de-chinello, lamenta que ninguem lhe beije o pé! Sim! Descaradamente, elle confessa ser lider no pedaço onde o chefão morrera: de reserva elle era a peça. Agora quer reinar, quer ter funcção. Aguentem esse trouxa! Aguentem essa! Não tendo sangue azul, por que razão se arvora alguem que mande, ou mesmo peça, que um subdito lhe beije o pé e a mão?


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SONNETTO PARA UM PECCADO ORIGINAL [2554] Cantava "Eva querida, eu quero ser o teu Adão!" a bicha genial. Mas Mario entoa a musica com tal sarcasmo, que o contrario dá a saber. "Café que Adão tomava" com prazer era o que "Eva coava": a original parodia circulou, com seu fatal cacophato, sarcastico a valer. O amor paradisiaco domina as lettras do mundano cancioneiro momesco, e exbanja a satyra ferina. "Querido Adão..." cantou, com seu brejeiro estylo, aquella Carmen, a menina que, em nosso carnaval, peccou primeiro.

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46 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO PARA UMA TELA DESBOTADA [2555] Ary Barroso é mesmo um convencido! Querer que essa "Aquarella" represente a synthese, em canção, da nossa gente é muita pretensão! Disso eu duvido! Francisco Alves até nem vê sentido algum nesse "inzoneiro", que accrescente um rotulo ao mulato irreverente que Ary diz ser o symbolo querido. Cantava "risoneiro", ou algo assim, o Chico. E esse "coqueiro que dá coco"? Coqueiro dá castanha? Amendoim? Pergunte a algum legitimo "caboco". Cansei da clicheria. Achei chinfrim. Si quiz fazer um hymno, fez um oco glossario de bordões que, para mim, nem chega aos pés dum lyrico barroco.


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SONNETTO PARA UM CRESPO PRECONCEITO [2565] Cabello de mulata nunca nega a cor, mas Lamartine Babo explica: "Eu quero o teu amor!" Só que isso implica o preconceito, "como a cor não pega". Tambem um preconceito seu collega lettrista reflectiu, ja que alguem fica, na lettra, a lamentar, nos dando a dica de amar a escravatura. E o jogo entrega: "Voltasse a escravidão, eu compraria e em carcere privado (o coração), sem pejo, essa mulata manteria!" E a "nega do cabello duro"? Não ha pente que a penteie! Quem havia de, agora, contra os negros ver canção?

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48 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO PARA QUEM PEGA, MACTA E COME [2566] Emquanto a Bossa Nova só decanta o barquinho, o banquinho e o violão, João do Valle choca o cidadão burguez, que 'inda miseria não viu tanta. Porem o que ao sulista mais expanta é o facto de haver aguia no sertão, chamada "carcará", bicho que não perdoa quando almossa ou quando janta. No meio da aridez, qual sua presa? "Os burrego novim não pode andá: elle pega no imbigo inté mactá..." Assim nenhuma vida vive illesa. Suppoz um carioca o carcará? Pois é: o bossanovista tem na mesa seu bife de filé, mas a burgueza canção mais preoccupada agora está.


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DISSONNETTO PARA UMA ORGIA INGENUA [2571] Na giria dos lettristas, era "orgia" palavra com sentido não tão baixo quanto o de "bacchanal", e nem encaixo "suruba" nessa extensa putaria. "Orgia" era somente essa vadia vidinha do bohemio, cujo excracho consiste em mixturar-se ao populacho noctivago, indolente à luz do dia. Amar sem ser amado é como a cruz! Por causa duma orgia, uma mulher despreza o mesmo macho que a seduz e fica com um novo que vier. Alheia a tantos gajos jururus, abrir sua janella ella nem quer ao pobre seresteiro, que faz jus à fama e em busca vae dum novo "affair".

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50 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO PARA A CONFIANÇA MUTUA [2572] Mulher comprehensiva foi aquella que, alem de permittir ao macho orgia, ainda, com affagos, o advertia: "Cuidado com as putas da favella!" Emquanto lhe accenava da janella, dizia: "Inda me resta esta alegria de saber que, depois da bohemia, gostar de mim você diz e revela!" Reciproca o malandro, por seu turno, concede si a mulher lhe jura amor: promette até deixar o affan nocturno. Mas tudo vira filme de terror... Diz elle, num tom funebre e soturno: {Mas veja la, mulher, hem? Só si for sincera, e não fingida! Eu não me enfurno em casa p'ra você chifre me pôr!}


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DISSONNETTO PARA UMA JUSTIÇA SOCIALISTA [2577] Vandré nunca escondera uma intenção bem sadica, sahisse vencedora a tal revolução. Que vingadora justiça elle pretende ter à mão? Açoite! Exactamente! No patrão, no pae, no general... A assustadora desforra era a "madeira" que ja fora, talvez, "de dar em doido" na prisão. Provindo da aroeira, o tal cipó no lombo "vae descer até quebrar"! Geraldo quer surrar mesmo sem dó, sem mesmo disfarsar de algoz um ar! Que valvula ao sadismo, hem? Pensem só! Si, sob o communismo, algum logar do mundo fosse assim, desfeita em pó estava uma utopia secular!

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52 GLAUCO MATTOSO SONNETTO PARA UMA GRAÇA QUE ENCHEU [2578] Disseram ser Vinicius tão machista que a femea "coisifica" na "Garota", tão linda, "de Ipanema". Mas ha gotta de humor num parescer que nisso insista? Ao macho é natural que uma conquista procure facturar, mas quem lhe bota na bocca mais sentido do que exgotta o termo "coisa" é muito criticista. Tambem "coisa mais linda" eu puz na ficha da minha bassezinha, cujas pattas são tortas, e o corpinho uma salsicha! Chamar de "coisas lindas" suas gattas, amigos meus as chamam! Até bicha ao bofe diz palavras mais ingratas!


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SONNETTO PARA UMA LETTRA QUE PASSA [2585] Naquelle que, domingo, vae ao parque, visivel alegria identifico. Que importa si elle é pobre ou si elle é rico? Importa é que, tambem, no bonde embarque. No circo, não ha quem mais ponctos marque que o magico, que em tudo mette o bicco. De todas as canções que fez o Chico, "A banda" é seu fiasco, o mau Buarque. Que banda "canta" coisas? Banda toca! De facto, a lettra é fracca. Uma ironia, pois delle essa é canção que mais se evoca. Que magica teria a melodia, capaz de enriquescer quem não retoca seu unico defeito em poesia?

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54 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO PARA UM CAVALLO TIRADO DA CHUVA [2586] Confesso, não me empolgo nem me exbaldo naquelles festivaes. Não boto fé na esquerda musical: della não é, do nosso cancioneiro, o melhor saldo. Virou monotonia, mas Geraldo mostrou, só dessa vez, quem é Vandré: talvez não nos aggrade, mas até consegue ao socialismo dar respaldo. Prepare o coração, você que senta, folgado, na poltrona, e appenas vaia Roberto e applaude Chico, nos sessenta! Está ficando justa a sua saia! Audaz reviravolta ja nos venta! Dispara uma rajada, de tocaya, a allerta sentinella e, si alguem tenta montar, cae do cavallo! Ha quem não caia?


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DISSONNETTO PARA UM MOTTE INCOMMENSURAVEL [2605] No tempo da marchinha, ha quem invente de tudo como thema: Tyrol, China, touradas, mar, deserto... Mas a fina visão do Hervê tal fama não desmente. "Inconstitucionalissimamente", palavra cuja lenda predomina na lingua, lhe serviu como supina tirada, o tom mantendo irreverente. Na bocca duma Carmen, é perfeita a historia da mulher que algum ingrato "deixou para semente" e ja a rejeita. Um caso bem frequente, é o que eu constato. Mas não com tal palavra, desta feita. Nenhum dos dissonnettos em que tracto do thema desamores approveita. Só mesmo o Cordovil apprompta o pratto!

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56 GLAUCO MATTOSO SONNETTO PARA UMA CABELLEIRA PECCAMINOSA [2606] Agora os mussulmanos radicaes condemnam si o Propheta for usado na charge ou numa satyra. Engraçado! Então o carnaval não vale mais? E aquella do Zezé, que os mais "normaes" chamavam ja de "bicha", "transviado" e até de Mahomé? Teve cuidado, acaso, o tal lettrista? Ora, jamais! Mas nem por isso o dono do cabello comprido teve a sua cabelleira cortada na censura, é bom dizel-o. Ainda bem que, aqui, quem quer que queira barrar a brincadeira, appenas pelo excesso do seu zelo, faz besteira.


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DISSONNETTO PARA OUTRA VERDADE DO VINHO [2614] "Mys-te-ri-o-so amor, tu me deixaste a bocca em braza..." E o Chico, bocca cheia, exalta essa mulher que, si na veia lhe fosse inoculada, era um contraste. Quem sabe nem passasse ella dum traste sem graça, ou duma bicha... Si tonteia um homem, ja, de bebado, não creia naquelle pappo, e delle bem se affaste! A "sombra vaporosa", eu a comparo àquelle venenoso menininho que o Ritchie, num barato, tornou caro e encheu, no seu rockinho, de carinho. Taes versos não illudem mais meu faro. Diziam ser menina, mas o anjinho da guarda me contou que não é raro trocar tudo, ao tomar um simples vinho.

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58 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO PARA A MAMMADEIRA COSTUMEIRA [2629] A tradição oral ganha sentido mais phallico e mammario na marchinha. "Mamãe, quero mammar!" E a chupetinha ingenua ja não é: falla à libido. Mais topicos tambem não invalido na lista de allusões: o da canninha exemplo é de "mammar", quando a tetinha se troca por gargalo, si eu decido. A Carmen recommenda dar chupeta si o bebado (ou bebê) fizer seu choro, mas as Irmans Pagans tiram a teta e fazem ao bebum mais desafforo. Ri disso quem só fica na punheta. "Chorar não addeanta!", fazem khoro. Quem queira ser chupado, então, que metta na bocca dum ceguinho sem decoro.


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DISSONNETTO PARA UM CONDOMINIO CONCORRIDO [2630] Aurora, si você fosse em vez de me trahir o iria desfructar desse que eu tiro do montão

sincera, tempo inteiro, dinheiro que a droga gera!

Emquanto o saldo liquido não zera, montei, aqui no Rio de Janeiro, um lindo appartamento, com porteiro, piscina e elevador, à sua espera! Mas, falsa como sempre, você quiz sahir com o porteiro, o zelador, o syndico, o cartola, e até o juiz! Só falta convidar um torcedor! Não fique se fazendo de infeliz! Agora, Aurora, é tarde! Por favor, não venha interphonar, pois já me fiz, do time todo, escravo e chupador!

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60 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO PARA UM PECCADO PELLADO [2631] Tractando-se de apperto, é dos carecas que gosta mais aquella mulherada todinha la da rua! Não ha nada errado em ser careca, porra, necas! Importa é que, por dentro das cuecas, está nosso caralho! Essa cambada de putas, que passeia na calçada, peccou mais do que eu pecco ou que tu peccas! Portanto, va p'ra casa do chapéu o raio da vergonha! Qual pudor, qual nada! Sou careca e não sou réu! Não peço nem licença nem favor! Na cama até meresço algum trophéu! Tambem a minha rolla, si eu ca for direito reparar, não vae pro céu, por ser careca e ao mundo, assim, se expor!


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO DISSONNETTO PARA UM INDIGENA INDIGNADO ou UM ATTRITO COM A TRIBU [2632] O que? Mim não querer quinquilharia, missanga, annel, collar, porra nenhuma! Pensando indio ser trouxa? Aqui não fuma cachimbo algum da paz quem negocia! Não quer indio saber pirataria! Só quer que o cara pallida se assuma e veja si a tal "ongue" logo arrhuma as coisas que promette todo dia! Um indio necessita é dum apito! Por isso nossa tribu mais se ennerva! Faz falta, aqui na taba e na reserva, quem ouça nosso appello e nosso grito! Aqui só vem o branco buscar herva, madeira, mineral, e até palmito! Só sabem desmattar! Não accredito que, desse jeito, a selva se preserva!

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62 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO PARA UMA ARAPUCA PARA O JUCA [2633] "Vou dar uma bimbada bem bombada na bocca da mulher que é minha escrava!" Sem freios de moral, assim fallava o Juca, que na Mooca tem morada. Do Braz era esse Juca, mas, si cada vez vae mais para longe de onde estava, é que seu caso clinico se aggrava juncto à communidade favellada. "Malfeito que é bemfeito": assim se explica o mal de que foi victima o fodaz, de tanto foder boccas sua picca. Armaram-lhe um flagrante: por detraz... Da fama de machão, o Juca fica chupando, no escurinho, outro rapaz. Depois vem reclamar da sua zica na vida, que ninguem o deixa em paz...


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SONNETTO PARA UM BATTE-BOCCA QUE VIROU ARRANCA-RABO [2634] {Eu quero mais respeito, filha! Ouviu? Está ja carregado este ambiente, mas vejo que você fica contente em ver-me dizer "Puta que pariu!" Sabendo ser bem curto o meu pavio, por que me provocar? Si, de repente, eu perco as estribeiras, vae ter gente dizendo que sou dado ao desvario! Procuro não perder, jamais, a linha, emquanto o bafafá rolla na salla, mas, caso va parar la na cozinha...} Pois a mulher, que ouvia, não se cala: no samba, ella retruca, se abbespinha, e accaba a discussão no tapa, à balla.


64 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO PARA UMA VAGABA NA VAGA [2635] Maria Candelaria é funccionaria que entrou, ja promovida, na carreira: cahiu na lettra "O", pois, pistoleira, saltou de paraquedas! Nada otaria! Não sendo, siquer, universitaria, passara, num concurso, na primeira das vagas disponiveis! Ninguem queira, porem, levantar duvida contraria! Si teve pistolão para tal cargo pegar, o meresceu, pois seu extenso curriculo é profundo, aberto e largo, a cada dia disso me convenço. Por Si, pro sou

isso não a tolho nem embargo! em meio expediente, eu a dispenso, almosso ou pro café, do seu encargo, chefe frouxo? Nunca! Foi bom senso!


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DISSONNETTO PARA QUEM TEM BOM GOSTO [2636] O samba que diz isso é meio fracco de lettra, pois Caymmi alguns tem feito muitissimo melhores. Mas direito tem elle de jogar fora um cavaco. Mostrando que confia no seu tacco, affirma que ninguem é bom subjeito si não gostar de samba. Eu approveito seu motte e meu refrão tambem emplaco. "Ruim é da cabeça, ou é doente do pé", diz Dorival, mas eu prefiro dizer que sou doente, simplesmente. "Do pé", não: "pelo pé", sim, eu suspiro. Supponho o meu leitor ja sorridente. Quem gosta só de pé ja deu um tiro no proprio, pois dirão que sua mente biruta é como a minha, quando eu piro.

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66 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO PARA UM MACHO MACHUCADO [2637] Não é só na marchinha que um machão, chegando tarde em casa, verifica comsigo ter havido a mesma zica dos outros, que ficaram ja na mão. Sumiu-lhe a mulherzinha! Onde estarão as outras, Zazá, Rosa, Mimi, Chica, fugidas, que ninguem identifica appenas pelos traços da feição? Agora foi-se Hellena e fez-se o samba no qual o macho é sempre um coitadinho que para farra ou vicio não descamba nem deixa abbandonado o proprio ninho. Mas elle paga: soffre e se excolhamba. Sozinho, ja carente dum carinho, pergunta-se cadê sua caçamba, si a chorda elle roeu, feito um rattinho.


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DISSONNETTO PARA UM IDOLO DA JUVENTUDE [2638] Ninguem é mais cacique nessa aldeia! Bom mesmo é o Eduardo, esse Araujo que usava o cabellão na testa e cujo carrão era vermelho, elle allardeia. Botinha, que um playboy usa sem meia, o Edu tambem a tinha: fica sujo o couro de poeira, si um sabujo qualquer não o lamber, quando passeia. Da festa o dono sempre se penteia sem uso dum espelho, e faz successo. Egual peguei um gajo em minha teia e cujo pé tão grande é, que nem meço. Si a seu chulé não faço cara feia, quer elle impressionar e, quando peço que tire a bota, o cheiro me tonteia. Fanatico por elle me confesso.

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68 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO PARA UMA BOTA NA BOCCA [2639] Garota "pappo firme" foi aquella que tudo elogiava no Roberto. O que o playboy usasse, estava certo: cabellos longos, terno sem lapella. Porem, para a Candinha, é mattuschella o joven que se mostra tão aberto às modas mais malucas. Eu ja allerto que estava a fofoqueira dando trella. Achava que era a bota "extravagante", mas tinha, na verdade, algum fetiche secreto por tal typo de pisante, embora quem o calce não capriche. Que botas o playboy use, que encante e, mesmo que com isso o Rei se lixe, insiste a fetichista... Mas, durante a noite, a bota impede que ella a piche.


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DISSONNETTO PARA UMA ABBORDAGEM REPELLIDA [2640] "Pirata" de pau", de macho postura,

elle cantava ser, "da perna olho de vidro e aquella cara garanhão. Mui firme e clara mas versão ha, mais moderna.

O velho capitão, que da caverna tirou seu segredinho, tinha tara por homem, mas jamais a confessara, e a coisa circulava em roda interna. Queria plantar pistas no radar, temendo o que viessem a suppor: "Não tente outro pirata me abbordar! Só tenho, aqui, mulheres a compor... Da nau, a guarnição lançada ao mar!" Foi tudo phantasia que, ao sabor das ondas, se rasgou: agora, a dar o cu para um corsario, aguenta a dor.

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70 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO PARA UM CONTRACTO COM O MULATO [2642] Mulher que do malandro muito appanha melhor papel na cama desempenha. Noel, porem, não quiz descer a lenha na sua, por achar que ella faz manha. Castiga a masochista, pois tamanha vontade de appanhar talvez não venha de novo a apparescer alli na Penha, aonde Noel volta e fama ganha. Mas, quando outro malandro na Juju batteu até cansar e até deixal-a sangrando, Noel põe seu tacco a nu, mostrando, no gattilho, que tem balla. No morro, sempre impera algum tabu. Accordo feito: ou elle faz a mala e some la do bairro, ou tem o cu fodido, appanha muito, e 'inda se cala.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO DISSONNETTO PARA UM LOUCO AMOR [2643] Na musica, Roberto se confessa desesperadamente appaixonado pela namoradinha do estimado amigo. E agora? Como sahir dessa? Peor é quando um joven attravessa aquella phase em que descobre o lado erotico do macho que, egualado a si, veja a barreira que os impeça. Assim se deu commigo: o que eu queria não era namorar a namorada do amigo, era o garoto da gurya, paixão que foi platonica, frustrada. E fica mais completa a theoria: A amiga, que de boba não tem nada, do seu namoradinho desconfia, mas finge nem saber si é cobiçada.

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72 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO PARA UM RAPAZ REGENERADO [2644] Malandro Chinello Baralhos detalhes

usa tamanco? Ou é chinello? é o que o Jorginho joga fora. e navalhas são, agora, dum passado que eu congelo.

E quanto a Noel Rosa? Eu não appello, tal como elle appellara, a quem adora a vida de malandro. O que melhora a imagem do sambista é o verso bello. Que deixe de arrastar esse tamanco, ja que tamanco nunca foi sandalia, suggere-se ao rapaz que não é branco nem canta a canção typica da Italia. Embora sem emprego ou saldo em banco, que passe a usar sapato, e a bocca cale-a o typico mulato, ou sente o tranco da branca sociedade, em represalia.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO DISSONNETTO PARA CHATEAR, APPENAS [2645] E ja que mencionamos o sapato, sabendo que ella gosta do marron, o gajo, que é do contra, achava bom tractar sua mulher com desaccapto. Que faz, então, esse marido ingrato? Sapatos brancos compra, porem com particular detalhe: o mesmo tom não tem, em cada pé, o pisante chato. É "só p'ra chatear" que o gajo faz tal coisa com a pobre da mulher. Até terno amarello usa o rapaz, ou mesmo um bonnezinho de choffer. Será que elle deseja ser mordaz? Será que é "chatear" o que elle quer? Ou, exhibicionista, elle é capaz de expor-se até sem roupa, si puder?

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74 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO PARA UM STRIP-TEASE COLLECTIVO [2646] Sahir pellado à rua é phantasia que muita gente estupida cultiva. Fazendo observação mais selectiva, até gente educada tal queria. Cantando "Eva, me leva...", na follia o macho cae e, franco, não se exquiva de, a todos, confessar sua lasciva e lubrica intenção, que o delicia. "Ninguem (pensa o machão) tal acto ousara!" "Eu vou tirando tudo o que puder! Eu jogo a roupa fora!", exclama o cara. Usando pouca roupa, ainda quer... Livrar-se da cueca, elle declara! Inveja, é o que elle sente da mulher que tira sutian, calcinha... À tara nudista, o carnaval é de colher.


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DISSONNETTO PARA UMA BANANEIRA PLANTADA [2647] No tempo da marchinha, a mulher nua achava que é moderno e que é bacchana dizer que só com casca de banana nannica se vestia em plena rua. Nem mesmo a Luz del Fuego, que 'inda actua na pelle das serpentes e se irmana aos entes demoniacos, sacana seria a poncto duma fé tão crua. Brincar o carnaval até quem zen se julga brinca, até quem se acha o tal. Ser "exsistencialista" não é bem o caso de quem topa a bacchanal... Suppondo que faz só o que lhe convem. Mas como, no Brazil, o carnaval pretexto dá a quem queira ficar sem nenhuma roupa, plantam bananal.

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76 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO PARA UM VEXAME A QUEM DESMAMME [2648] Tá doido! Ja pensou? Cê tá no bar, battendo pappo, e logo a roda augmenta. Um bamba da sinuca alli se senta, propondo jogo. Vamos ao bilhar! Anima-se a torcida. Até ganhar cê pode uma partida. Mas inventa, de subito, a neguinha barulhenta recemchegada, que cê volte ao lar. "Que lar? Nem te conhesço!", diz você. Mas ella traz no collo e a todos mostra aquelle seu fofissimo bebê, chantagem que nem é da Cosa Nostra. Mas ella vem disposta ao fuzuê: {O filho é seu! Você que fez a jostra!}, reclama a nega doida. Então se vê um macho que a uma femea alli se prostra.


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DISSONNETTO PARA UM PLANEJAMENTO FAMILIAR [2649] Si o gajo que com ella teve o filho topar a volta ao lar, está sciente daquillo que o agguarda. Mas a gente previa facilmente esse sarilho. "A ser pae de familia eu não me humilho!", dizia aquelle otario. Mas consente em se benzer. Consulta uma vidente e até um periquitão, no affogadilho. {Virá uma filharada! Mammadeira terá que conseguir, diariamente, e ainda vae ouvir a choradeira! Você que se prepare e, então, aguente!} Não vejo prophecia mais certeira. Assim previu o oraculo, e não mente siquer o periquito. Ninguem queira foder sem camisinha! Experimente!

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78 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO PARA UM FILHO DESOBEDIENTE [2650] Maria, latta d'agua na cabeça, o morro vae subindo e nem se cansa. Levando, pela mão, uma creança, la vae a mãe. E caso o filho cresça? Difficil Ao baile "indola" emballa.

é que à mãe elle funk irá. Quando a droga, pesa na E mette balla em

obedesça. não dansa, ballança, quem meresça.

Maria não queria um filho assim. Queria que o moleque, la na feira, vendesse só laranja. Honesto, emfim. Sem vicio que durasse a vida inteira. No maximo, um só pó: pirlimpimpim. Mas elle ganhou grana de quem cheira e viu que era mais facil o dindim. Trocou pelo trocado a brincadeira.


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DISSONNETTO PARA QUEM SÓ PODE ESPERAR [2651] Neguinho ja começa a levar sova assim que apprende a andar. E, pela vida, a offensa, que elle engole e não revida, terá que supportar do berço à cova. A troça que seus nervos põe à prova é um acto a que o gury branco o convida. Ouvir "Chupa, neguinho!" faz ferida que nunca cicatriza e se renova. O branco ensigna o escravo, que lhe serve de sacco de pancada, a chupar picca e, adulto, quer que humilde se conserve, sem nada reclamar da sua zica. Um dia, a casa cae, o caldo ferve. Um dia, aquella classe branca e rica descobre emfim que, caso elle se ennerve, vingança vae querer, e a justifica.

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80 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO PARA UM CONTRACTO DE DESACCORDO [2652] Si sadomasochista foi Noel, Ary não fica attraz. "Duro com duro não faz bom muro", e em cyma desse muro não fica, si a questão é ser cruel. Casal? Dupla de sadicos? Papel fará de masochista quem, no escuro? Alguem tem de ceder, mas "Asseguro que não sou eu!", diz cada um, rebel. Quem gosta de ver outros padescerem não pode ser parceiro dum confrade: na cama a mesma coisa os dois ja querem. Ninguem assim ninguem mais persuade. Não é para que os bardos considerem? Dilemma a resolver! Nem mesmo Sade queria um masochista. Si puderem, os sadicos torturam quem "Não!" brade.


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DISSONNETTO PARA UM GUARDAROUPA DEVASSADO [2653] Em "Chão de estrellas", isto é principal: "Nossas roupas communs, dependuradas na chorda, qual bandeiras agitadas, paresciam extranho festival..." Os "trappos coloridos", no varal, expõem, entre familias favelladas, aquella intimidade que as más fadas madrinhas desenharam muito mal. Cuecas e calcinhas sem estylo nem griffe, camiseta velha e feia, maiô mais de baleia que sereia... Mas la ninguem se importa com aquillo. À vista, é mais berrante aquella meia grosseira: seu chulé, posso sentil-o de longe, e o reconhesço sem vacillo, lavada mesmo. É logico: eu usei-a!

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82 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO PARA A SAHIDA DA SAIA JUSTA [2654] Mulher battendo em homem tambem dera assumpto para samba. Um vassourão empunha a mulatona, que o machão tentou abbandonar, pois ella é fera. "Está la no portão, à sua espera!", alguem advisa. O gajo, que ja não pretende namoral-a mas a mão não desce na mulher, teme a megera. E agora? Si ella entrar, na certa o pau irá mesmo comer! Então o jeito é aquelle, quando o pagador é mau, porem ja não impõe nenhum respeito: Achar um biltre em casa, alli? Babau! Despiste o cobrador! Não tendo peito para encaral-o, peça que alguem "Chau!" lhe diga: "Não está!" Soa perfeito.


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SONNETTO PARA UMA PRAÇA QUE NÃO ACCABOU [2655] Tão larga, mas tão larga, essa avenida, que, ao ser aberta, engole toda a praça. Reducto de sambistas, a desgraça de estar fora do mappa foi sentida. "A Praça Onze é toda a nossa vida!", reclamam as escholas. Mas quem passa na Presidente Vargas, hoje, em massa, nem liga, e tem a Liga onde resida. Agora é no Sambodromo que rolla, pomposo e magestoso, esse desfile que empolga multidões e move a eschola. Mas, caso sua historia alguem compile, a praça provará que ja extrapola limites tão estreitos como o Chile.

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84 GLAUCO MATTOSO SONNETTO PARA UMA DIFFICIL DIGESTÃO [2656] No China é que se come bem barato! Não entra o carioca em restaurante que sirva uma porção tão abundante e possa do peão encher o pratto! Mas dizem que seu dono é muito chato, que é "duro de roer" e que, durante a noite, caso, insomne, elle levante da cama, assusta o cão e assusta o gatto. O estomago lhe rhoncha e faz barulho tão alto, que incommoda a vizinhança. É a sopa, que pesou, de pedregulho! Dá nisso alguem, de noite, encher a pança com tudo que sobrou. Eu não embrulho meu bucho, mas a insomnia ja me cansa.


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DISSONNETTO PARA UMA ROUPA SUJA POR LAVAR [2657] Si é tão maravilhosa essa cidade, encantos mil, é claro, fazem jus ao titulo que, em summa, se traduz por praia, carnaval... tudo que aggrade. É justa, essa marchinha, ninguem ha de negar. Mas, si a cidade nos seduz, reclamam que, de noite, falta luz e falta agua de dia! Que maldade! "A minha grande magoa é que, la em casa, não tem agua! E eu preciso me lavar!" É assim que outra marchinha o caso vaza. Com tanto mar e matta, em tal logar... Jamais a caixa d'agua fica rasa si a sordida politica adjudar. Mas, quando um dictador o lado attraza do povo, nada pode melhorar.

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86 GLAUCO MATTOSO SONNETTO PARA OUTRO BAHIANO [2658] Ja fiz sonnetto ao Gil, fiz ao Caetano, mas hoje o que me intriga é como pode alguem, que na Bahia se accommode, dizer tão duras coisas do bahiano. Aquelle professor, sei la, Fulano de Tal, que o nome delle appaga, implode, não vê que quem diz isso só se fode? E agora? Vae querer direito humano? Si for discriminado, elle nem tem moral para pedir perdão, respeito ou voto! Mas o gajo foi alem: Fallou que o berimbau toca com jeito um mano porque só tem, vejam bem, uma chorda e é primario! Eu não acceito!


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SONNETTO PARA QUEM VAE PARA PASARGADA [2659] Para Maracangalha eu vou embora, pois la nem só do rei eu sou amigo. Vou de uniforme branco, e vem commigo a minha companheira, esta de agora. Vou pôr chapéu de palha, que, la fora, o sol está bem forte. E, si eu consigo alguma grana, exsiste até um perigo de que por la eu me torne o rei da hora. Mas como? Então você não me accompanha? Querida, pense bem! Maracangalha melhor é que uma França ou Allemanha! Não seja tão teimosa! A gente encalha aqui neste buraco! A quem só ganha salario de miseria, o Braz é Italia!

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88 GLAUCO MATTOSO SONNETTO PARA QUEM NÃO ARREDA PÉ [2660] Daqui não saio! Podem me prender! Ninguem me tira! Podem mesmo até deixar-me sem comer! Eu batto o pé e insisto: ninguem tem esse poder! Sem agua, eu furo um poço! Me foder não vou, mais do que estou! Desta ralé tornei-me o portavoz: elles teem fé naquillo que eu reclamo! É meu dever! Onde é que eu vou morar? Tenha o senhor a sancta paciencia! A filharada eu tenho que levar aonde for! Si não tem carne, eu compro um osso! Nada me abbatte! A sopa ganha o gosto, a cor, e a gente vae levando a caminhada!


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

SONNETTO PARA UM MALLOQUEIRO FOFOQUEIRO [2661] O Arnesto convidou, então nós "fumo". Chegando la, porem, não "encontremo" ninguem. Dalli p'ra casa, nós "vortemo" com uma baita "réiva", eis o resumo. O Joca e o Matto Grosso puxam fumo, por isso se perderam, e eu ja temo que, como sem malloca nós "fiquemo", estejam pela rua, ahi, sem rhumo. O velho palacete assobradado, depois de demolido, deu logar a um predio egual ao banco, esse do Estado. Agora é que eu não posso, ja, ficar nem mais um minutinho, que attrazado estou, e o trem das onze vae passar.

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90 GLAUCO MATTOSO SONNETTO PARA UMA SOLIDÃO DESERTICA [2662] O clima do Brazil é muito quente, mais quente que o deserto do Sahara. Por isso é que pedimos sempre para Allah mandar refresco para a gente. Andei eu procurando, inutilmente, aquella moreninha que roubara o olhar deste malandro, mas tomara que Allah me adjude, Allah, que é tão clemente. Quem era a moreninha? Uma princeza, a mais bella odalisca de Baghdad, mais bella até que a propria tyroleza. Sem agua e sem mulher, assim não dá p'ra gente folliar! Sancta Thereza, ao menos, é mais fresco. Eu fico la.


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DISSONNETTO PARA UMA ESTHETICA KOSMETICA [2663] Pinctura está na moda, ultimamente: bocca rubra, olhos pretos, rosea face. Sapeca, a sirigaita de alta classe se pincta e "melindrosa" ja se sente. Você, pois, que se pincte! Mas não tente pinctar, na rua, o septe! Caso passe assim na minha frente, o desenlace será, decerto, a copula indecente! Pinctou até seus labios da vagina! Porem ella não pincta como eu pincto! Pois pincte o que quizer, então, menina! Confesso que à vontade ja me sinto... Para pinctar meu olho que a latrina conhesce, e a lisa cutis do meu pincto. Hem, vamos combinar? Você combina: Não ha ninguem tão sancto no recincto.

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92 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO PARA AS BALZACAS QUE NÃO SÃO BABACAS [2664] Confesso que não quero nenhum broto. Mulher tem que passar, até, dos trinta. Mais seria, mais madura, mais distincta, me aggrada. E eu ja, tambem, não sou garoto. Qualquer menina, agora, ser piloto deseja, joga futebol, e pincta o septe la na rua! Quer que eu minta e diga, si sou dextro, ser canhoto? Punheta só batti com mão direita! Meninas muito livres, moderninhas, não fazem o meu genero ou receita, ao sacco não trarão eguaes farinhas. Quem é que ao meu jeitão mais se subjeita? Sopinha mais gostosa faz, com minhas verduras preferidas, só quem deita commigo sem bobagens e abobrinhas.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

DISSONNETTO PARA UM BOM EXEMPLO [2665] Cadê seu cabacinho? Estava aqui ainda agora! É mesmo? Foi o ratto quem, rapido, roeu? Cadê esse ingrato? O gatto é que o comeu? Ah, ja entendi! Você não tem vergonha? Inda sorri, sabendo ter soffrido um desaccapto tamanho? Si é commigo, até me macto! Só de pensar, ja tenho um piriry! Tá bom. Mas faz de compta que eu não sei. Na bocca dos vizinhos vae cahindo você, si continua assim, sem lei, achando o caso todo muito lindo. Eu sempre de você desconfiei. Às quattro da matina é que vem vindo você la da gandaia? Eu, que sou gay, não varo a noite! Poupo-me, me blindo!

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94 GLAUCO MATTOSO SONNETTO PARA UMA DONA CARINHOSA [2667] Por que meu coração batte, feliz, ao ver a minha dona, quando chega da rua? É que ella falla: "Ah, minha nega! Você quer passear?" E eu sempre quiz! E os meus olhinhos, todo mundo diz, sorrindo logo ficam. Quem me pega no collo, uma lambida quer, e eu, cega de tanta excitação, dou logo um bis! Até que emfim! À rua ella me leva! E, pelas ruas, este meu olhar não para de seguil-a, até na treva! De noite é mais gostoso passear, pois, como o meu corpinho mal se eleva accyma do chão, sujo-o sem ligar.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

DISSONNETTO PARA UMA CANTIGA DE FODA [2668] Yoyô quer o cabaço de yayá. Yayá quer o caralho de yoyô. O tempo de creança ja passou. Passou essa ciranda toda, ja. Agora o pirolito appenas dá bombada, quando batte, e mais pornô ficou a poesia, pois ja vou dizendo sem rodeio o que vem la. Melhor, agora, é a gente ejacular na bocca, no cuzinho ou na boceta, pois cada buraquinho é um bom logar a quem não se contenta com punheta. Si cedo ja sahiu do proprio lar, chupar um pirolito, antes que metta no furo, é a mais feliz preliminar na dansa da creança que é espoletta.

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96 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO PARA UMA DANSA A DOIS [2669] Um meia-nove é facil que nem valsa. Ficamos, eu p'ra ca, você p'ra la. Aqui na cama, o espaço sempre dá. Espere eu só tirar a minha calça. "Rancheira", antes chamavam. Esta é falsa. A verdadeira é "Lévis". Mas não va mudar o nosso assumpto, porque eu ja estou notando o tennis que cê calça. Na valsa, tinha até patinadores, mas neste nosso rock é só botina e tennis. Só variam, mesmo, as cores. Não ha por que sahir dessa roptina. No sexo ja variam os humores. Papae-mamãe é chato, pois termina depressa. Um meia-nove tem sabores tão fortes quanto a meia ou quanto a urina.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

SONNETTO PARA A ALPHABETIZAÇÃO DOS OPPRIMIDOS [2670] "A-eme-e-i" quer dizer "amei". "Esse-o-efe-erre-i" quer dizer "soffri". Si um ama e soffre, e um outro goza e ri, da sadica chartilha impera a lei. Mas, nesse abecedario, eu nunca sei quando é que uma cedilha vae alli ou sae o accento agudo que ia aqui, ja tantas as reformas que adoptei. Juju, que de chartilhas anda cheia, até ja escreve "assukar", "çal", "qafé". Às vezes, ella ainda titubeia. Dez annos, e a coitada 'inda tem fé que um dia apprenderá, para que leia, lambendo, um texto em braille no meu pé.

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98 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO PARA UMA CASTANHOLA MASTURBATORIA [2671] Fogosa, e natural da Catalunha, aquella minha idyllica hespanhola! "Queria que eu tocasse castanhola", mas na cabeça a coisa eu nunca punha. Braguinha, por exemplo, é testemunha: não dei para a hespanhola muita bolla. Fallei-lhe: "Joga fora a castanhola!" Mas ella fica triste e se accabrunha. Em troca, eu dei a ella, de presente, o meu melhor pandeiro, para ver si assim ella ficava mais contente com outra qualquer coisa que fazer. Testei, tentei, teimei, inutilmente, porem não teve jeito. Algum poder secreto a castanhola tem, que a gente não sabe, de excital-a e dar prazer.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

SONNETTO PARA UMA ALLITTERAÇÃO HALLUCINADA [2672] Passou Pedro Primeiro por problema primario, pois pediu pelo penico. Podia peorar, para pôr picco passivo, parescendo piracema. Tentei te traduzir tamanho thema torcendo tudo, tendo tosco tico thematico tacanho tamanhico. Terei tyrannizado o theorema? Às vezes, Almirante se mettia, que nem Carmen Miranda, na empreitada maluca de gravar algaravia. Terriveis travalinguas, mas que nada de logico trarão à poesia, pois rende tal nonsense só risada.

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100 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO PARA UM AGGRAVAMENTO DO QUADRO [2673] Pelo costume de beber gelado, peguei um resfriado do caralho. Mas, para não gastar o meu cascalho, tentei ser, por mim mesmo, medicado. Tendo experimentado eu um boccado de chas, poções, xaropes, ja me valho até das orações, mas é trabalho inutil, pois não tenho melhorado. Demais eu acho até que não pedia ninguem, nenhum licor da juventude! Quem sabe a tal vaccina que annuncia o nosso ministerio da sahude... Consiga prevenir essa Mas pode ser, tambem, ou pode peorar: si eu agora encommendei meu

endemia. que nada mude, só tossia, atahude.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO DISSONNETTO PARA QUEM NÃO PARA [2674] Resaca e sacarolha estão na veia poetica de todo follião. Qualquer bobão será mau beberrão, porem o bom bebum jamais tonteia. As aguas vão rollar! Garrafa cheia não quero ver sobrar! Eu passo a mão na sacarolha, e bebo de montão! Resaca a gente cura na cadeia! Depois de solto, eu volto à bebedeira! Peor é quando o gajo, por tristeza, lembrando da mulher, enche a caveira! Ahi nem vale a pena estar à mesa... Com gente desse typo! Só quem queira brincar deve beber, sem alma presa! Jamais digo ao leitor que estou à beira do porre, p'ra deixal-o na incerteza...

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102 GLAUCO MATTOSO SONNETTO PARA UMA JUSTA CAUSA [2675] Patrão, si eu me attrazei foi porque o trem attraza, ou da Central, ou Leopoldina! Accordo às quattro horinhas da matina! Razão p'ra demissão, ah, ninguem tem! É mais do que lotado que elle vem, mas quem ao seu trabalho se destina não pode reclamar! Nem imagina o apperto si só vem de carro alguem! Aquelle meu relogio está maluco! Por culpa delle, quasi que me attrazo, pois canta sem motivo o tal do cuco! Mas eu de cucos nunca faço caso. É só com um problema que eu encuco: o nivel do patrão, que é muito raso!


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DISSONNETTO PARA A TOCAYA NA PRAIA [2676] Assalta corações, esse pirata da areia, que persegue uma sereia aqui em Copacabana. Volta e meia, algum cabaço novo elle arrebatta. Si a foda uma sereia só lhe empatta, ou quando uma garota é muito feia, o gajo desconversa, e ja passeia em busca, pela praia, de outra gatta. Você tambem foi victima do pappo furado desse gajo? Ora, Suzanna, tão casta era você! Virou farrappo! E o gajo só lhe dando uma banana! Os olhos, quando a vejo, quasi tapo! Está irreconhescivel! Que sacana o tal pirata! Ainda bem que excappo eu delle, pois perneta não me enganna!

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104 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO PARA OUTRO TYPO DE BONDE [2677] Quem queira, suba o morro e venha ver a nossa informalissima maneira de se sobreviver! E, caso queira junctar-se a nós, topamos, com prazer! Trouxinhas, papellotes, a saber, productos desta industria tão caseira; tijolos, saccolés: para quem cheira ou fuma, nada falta, podem crer! Trabalho registrado? Eu, hem? Que nada! Salario de miseria não compensa! Prefiro esta bagunça organizada! Otario é quem trabalha nessa immensa... Cadeia productiva controlada! Bonde São Januario? Dá licença, doutor! Mas que conversa mais fiada! Ninguem ja no trabalho tem tal crença!


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DISSONNETTO PARA UM CASAL CONSENSUAL [2678] Mas como elles se humilham! Uma vez de cada um. Primeiro, o macho diz: "Voltei p'ra me humilhar!" Ella, feliz, sorri. Mas vae chorar depois, talvez. "As lagrymas rollavam" E ella fez o mesmo, adjoelhada. Elle não quiz, no entanto, perdoal-a, e esses servis momentos se repetem, mez a mez. "Me chamem de covarde! Mas attire a pedra, a primeirinha, quem não é, aos pés duma mulher que a gente admire e para quem sejamos a ralé!" Gozando por fazer que o macho pire, diz ella: {Adoro um homem no meu pé, mas, quando elle me pisa, expanca, inquire, mais quero e mais alegre eu fico, até.}

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106 GLAUCO MATTOSO SONNETTO PARA UM LAMENTO CHORAMINGUENTO [2679] Magina! Essa tristeza me accompanha e o raio da saudade me maltracta sem pena, desde quando aquella ingrata morreu accidentada na montanha! Estou inconsolavel! Quem extranha o meu comportamento, que rebatta aquillo que eu affirmo, mas, na data da morte della, eu sempre faço manha! Então eu exaggero? Ah, foi vacillo! O mau compositor diz que estou triste "appenas", "só", "somente" por aquillo! Até paresce coisa que consiste em scisma: "só" por causa disso? É grillo à toa, passageiro! É manha! É chiste!


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

DISSONNETTO PARA UMA MULHER DIVIDIDA [2680] O nosso appartamento vive, agora, à meia luz, tal qual naquelle tango. Está tudo accabado, e o meu candango querido, no Uruguay, lamenta e chora. Entre quattro paredes, rememora seu pessimo passado, como o Jango. Ainda injuriada, até me zango, lembrando e me culpando: "Sim, senhora!" Errei, sim, reconhesço, em expulsal-o. Mas elle é que forçou a situação, querendo sempre em casa ser o gallo, me dando ponctapé, dando pisão! No meio da sessão, um intervallo. Deixava-me sozinha e, garanhão, corria para a orgia! Do cavallo cahiu, e foi bem feito! Errada? Eu, não!

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108 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO PARA UM MATREIRO CAVALHEIRO [2681] Não se batte em mulher com uma flor, appenas com o cabo da vassoura. Batter na companheira não desdoura a fama do malandro, não, senhor! Noel se mostra, às vezes, fingidor, pois sabe que a saphada nunca fora nenhuma sancta e, sendo peccadora, meresce que lhe battam sem pudor. Mas elle diz que é contra a natureza fazer da femea sacco de pancada, pois, sem mulher, quem vae servil-o à mesa, fazer café, fazer a limonada? Quem vae sempre esperar, de luz accesa? Quem vae tirar-lhe as botas, appós cada jornada de trabalho, ou de molleza na rua, quando vara a madrugada?


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

DISSONNETTO PARA UM ALLOPRADO APPOSENTADO [2682] Fui louco. Resolvi tomar juizo. A edade vem chegando, e ja não sou aquelle masochista que chupou caralhos e escutou do macho o riso. Pezões, desde e limpo, este na lingua. Si é só porque o

o mais sordido ao mais liso ceguinho supportou massagens hoje dou, assumpto 'inda pesquiso.

Num mundo tão ingrato e tão cruel, eu fui, talvez, o cego mais masoca, e ja desempenhei o meu papel no circo, no presidio ou na malloca. Ja pude ser, das fodas, Então, é natural que eu um pouco de sossego, si da exquina ao meu dever

menestrel. queira, em troca, o bordel não me convoca.

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110 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO PARA UM COITADO CONFORMADO [2683] Noel sadomasoca se revela o tempo todo. Às vezes, diz que sabe soffrer calado aquillo que lhe cabe, às vezes se revolta e se rebella. Sorrir de quem padesce: elle ri della, querendo se vingar, caso se gabe de ser quem, no namoro, tudo accabe, mas saca que melhor rirá a cadella. Vingança é só pretexto: o que elle quer é ver que uma mulata sapateia até no seu caixão, quando couber a scena numas pernas de sereia. Emquanto se mantem qualquer affair e emquanto elle não morre, quer que creia o ouvinte que elle batte na mulher, mas della é pedestal, bonita ou feia.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

DISSONNETTO PARA OS GAGOS MULHERENGOS [2684] É mu-muita cru-cru-cru-crueldade! Mu-mulher, fi-fizeste-me um estrago! De nervoso, estou fi-ficando gago! E tu me ma-ma-mactas de saudade! Eu fa-faço tu-tudo que te aggrade, mas ne-nem si-siquer ganho um affago! E quando eu, so-sozinho, va-va-vago pe-pelas ruas, acho um con-confrade: Mas elle é o con-contrario de mi-mim, pois sua ga-gagueira é intencional. ne-nem sempre elle fa-falla ma-ma-mal: si está com mu-mulher, não age assim. "Si, no sallão, eu acho aquella tal garota que procuro, o mal tem fim e ja não fica a vida tão ruim; si não, gaguejo, é na-na-natural!"

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112 GLAUCO MATTOSO SONNETTO PARA OUTRO ANGLICISMO NO RABO [2685] A culpa é do cinema, diz Noel. Agora todo mundo falla inglez, ou pensa que consegue fallar. Fez questão de protestar, e foi cruel: "A giria la do morro era fiel ao nosso proprio estylo, mas vocês transformam o malandro num freguez das modas importadas! Que papel!" Tambem Assis Valente se incommoda com essa macacal exhibição e falla com desprezo dessa moda: {Não vê que está fazendo um papellão, malandro? "Shit" é merda, "fuck" é foda! Do gringo eu sou palhaço, não sou "clown"!}


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

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DISSONNETTO PARA UM LEÃO QUE NÃO SOSSEGA O RABO [2686] Vestiu uma camisa toda, bem... "listada". Ou é "listrada"? Tanto faz, ja que tirou do dedo, o tal rapaz, o annel, que é de doutor, e peso tem. Sahiu, no carnaval, feito um nenen, dizendo, pela rua, ser capaz de dar o cu, mammar, tomar por traz, de ser sodomizado por alguem. Bem sabe performar o seu mester de modo convincente e caprichado: Pegou, no guardaroupa da mulher, calcinha e sutian. Phantasiado... Assim, foi ver si alguem seu rabo quer. Odeia que o confundam com veado, pois acha que, si sobrio elle estiver, jamais parescerá desmunhecado.


114 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO PARA UM PAPPO DE BISTRÔ [2687] Garçon! Faça o favor! Corra e me traga, depressa, um chocolate, mas bem quente! Torradas com patê, mas um decente patê, sinão meu paladar estraga! Aquella outra mesinha, alli, tá vaga? Prefiro sentar la. Me traga, urgente, presuncto fatiado, mas nem tente trazer daquelle, p'ra engannar quem paga! Eu quero do importado! Ah, não se exquesça do bollo, com recheio e cobertura, mas não com cobertura muito espessa nem com glacê de crosta muito dura! Tem pinga de tonnel, da que envelhesça? Sim, vou querer cachaça, mas da pura, que a falsa só me dá dor de cabeça! A compta? Ah, desta vez você pendura!


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

SONNETTO PARA UM BONDE ABERTO [2688] Seu conductor! Dim! Dim! Seu conductor! Favor parar o bonde! Eu vou descer! Paresce que vocês só teem prazer si a gente corre! Devagar c'o andor! Correr p'ra que? P'ra onde a gente for, um dia a gente chega! Si eu perder a hora, pego o bonde que correr bem menos do que os outros, né, doutor? Tem gente que não paga o bonde, não, ainda mais si brinca o carnaval! Tambem! Querer cobrar dum follião! Nos dias uteis, pode ser normal cobrar: va que alguem tenha algum tostão! Mas no feriado!? Vir cobrar-me? Qual!

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116 GLAUCO MATTOSO SONNETTO PARA UMA CALÇADA APPINHADA [2689] E como "vaes" você? Vou navegando, vou temperando, vou sassaricando, levando advante a vida, battalhando e, si possivel, battalhando em bando. Fica quem for mais velho no commando. Notando alguem, a gente vae andando attraz e, quando menos esperando está, vamos cercando e depennando. Inutil resistir! Quem tá no arame, que nem a gente tá, não tem receio de nada! Então, coitada da madame! Até menina pode entrar no meio. Na minha turma, caso ella se chame Gal, ja virou Gallinha, no passeio.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO DISSONNETTO PARA A FAUNA ANIMADA [2690] O gallo tem saudade da gallinha: morreu, a coitadinha! Carijó foi ella. Dizem que puxou a avó. E meio addoentada ella ja vinha. Assim como a coitada da avezinha, tambem minha mulher morreu... Que dó que dá da filharada! Eu, então, só, estou inconsolavel sem a minha! Mas a diversidade faz tamanho milagre, que você nem accredita! É só sahir à rua, e alguma eu ganho que sempre me confirma aquella escripta! Passando ou não sabão, com ou sem banho, o peru faz gluglu, e a periquita faz seu proprio barulho, meio extranho, mas é o som animal que mais me excita.

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118 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO PARA A REPETIÇÃO DA PETIÇÃO [2691] Bancando o burocrata, Noel falla que irá "pensar no caso" da menina. Emquanto a papellada elle examina, promette dar-lhe entrada e encaminhal-a. Pedindo uma estampilha, elle assignala tambem ser necessaria a photo. Signa difficil, pensa a moça, emquanto assigna a documentação para esse "mala". "Espere mais um anno", elle graceja. "Não posso resolver neste momento", fingindo que com pena della esteja emquanto checa cada documento. Faltou um cafezinho, uma cerveja? "Não acho aquelle seu requerimento", confessa, emfim. Não fora bemfazeja a sua actuação, em grau tão lento.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

SONNETTO PARA UMA DOCE ILLUSÃO [2692] O sonho do sambista é ver a elite sambando e ao povo dando mais valor. É claro que o sambista é sonhador: a elite faz de compta que o permitte. Um delles formaliza seu convite: quer ver o deputado e o senador no rhoncho da cuhyca... Ah, faz favor! Politicos teem dores, teem arthrite! Cabrocha no piano da patroa? Magina! E até chegou-se a commentar que um sambinha o Thio Sam com gosto entoa! Que os gringos saberão appreciar duvida a propria Carmen, que, em pessoa, foi la, perdendo aqui melhor logar.

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120 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO PARA QUEM RI PRIMEIRO [2693] Acaso dar risada virou crime? Alguns compositores, com desdem, debocham de quem ri, como si alguem que errou jamais se emenda ou se redime. Palhaços são quem mais, nesse regime, padescem. Mas que culpa o gajo tem si aquella gargalhada que lhe vem talvez até com palhaçada rhyme? De camarote assistem ao fracasso daquelle que gargalha. Estão torcendo demais p'ra que se foda o tal palhaço. Os sadicos que colhem dividendo... Do typo fazem scena que eu não faço. Sorrindo de mim mesmo, eu o defendo, ao ver que meu amor sahiu de braço bem dado com quem vive me offendendo.


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SONNETTO PARA UMA COTOVELLADA DESNIVELADA [2694] Fallando de fracassos, quem lamenta seus proprios insuccessos faz da dor de cotovello um premio ao soffredor, de tanto que exaggera, augmenta e inventa. A coisa até se torna somnolenta: "Relembro, sem saudade, o nosso amor...", ou "com saudade", alguem ha de compor, mas nada de effectivo se accrescenta. A "historia dolorosa de um fracasso" não passa de lamuria, e o cotovello só dóe porque na mesa falta espaço. Appoia na beirada quem quer tel-o bastante dolorido. Eu ja nem faço tal coisa: coço o sacco, tiro um pello.

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122 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO PARA UMA COMMUNICAÇÃO SEM FIO [2695] O chefe da policia, que ja tem o mais caro e moderno cellular, mandou, pela "internete", me advisar que sem dansar não vae ficar ninguem. "Alli na Babylonia tem, tambem, um baile funk activo e popular. Você vae se sentir no proprio lar, a menos que prefira ser refem..." Refem, feliz, lamber Tomara

eu? Até pode ser idéa caso me faça o trafficante seu cothurnão frente à platéa! que eu appanhe e que, durante...

O baile, eu appresente minha estréa nos palcos cariocas, brilhe e encante! Que gloria prum poeta! Que epopéa! Ao menos um bom thema me garante!


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DISSONNETTO PARA UMA CARA CARA [2696] Você, que é jardineira, ja não acha que está fora de moda essa mania de sempre lamentar si a ventania as flores despetala e até despacha? Que importa si a camellia se exborracha? Chorar ja viu você que nem valia a pena. Ainda vale a melodia, porem, e pode ser refeita a marcha. Talvez eu introduza a minha tara! Que tal assim: "Não fiques mais tão triste, que o cheiro do teu pé nem se compara àquelle que nas flores tu sentiste!" "Prefiro teu pezinho em minha cara que todas as camellias! Vae, desiste de tanta choradeira, minha cara! Ver quero o teu pezão, dedão em riste!"

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124 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO PARA UMA PUXAÇÃO E UMA CHUPAÇÃO [2697] Só fico imaginando um puxasacco sahindo a desfilar, em plena rua, durante o carnaval! Qual será sua bandeira, seu refrão, seu tom, seu fracco? Assumo, expertamente, um ar velhaco e visto a phantasia, nua e crua, daquelle que seu chefe põe na lua, e vamos ver quaes versos eu emplaco. "Patrão, posso engraxar o seu pisante?", eu ja sonnettizei, ainda sem noção de ser capaz, mas vou alem: "Chefinho, quer que eu chupe emquanto cante?" Passado para traz, peão que vem na frente só se ferra. Eu sigo addeante, até me superando, doradvante, pois chupo os puxasaccos! Faço bem?


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SONNETTO PARA UM PEDINTE SEM REQUINCTE [2698] Depois duma phase aurea, o carnaval decae bastante. Prestem attenção e digam si terei ou não razão de achar que a decadencia foi geral: "Me dá um dinheiro ahi!" É original? Quem canta "Não vae dar? Não vae dar, não? Você vae ver a grande confusão!" paresce admeaçar algo fatal. No entanto, que é que faz o tal rapaz? Bebeu até cahir! Ah, va tomar cachaça com xixi, si for capaz! Pensei que o gajo fosse approveitar e mactar um politico! Aliaz, talvez hoje occupasse o seu logar!

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126 GLAUCO MATTOSO SONNETTO PARA UM MOLEQUE BESTIAL [2699] Eta moleque bamba! É de encommenda! Ja foi até vaqueiro, é o que se diz. Em tudo o gajo mette seu nariz, em busca das vaquinhas da fazenda. Eta moleque bamba! Não se emenda! Até pegar gallinhas elle quiz, e quasi, pelo gallo... Por um triz, não foi biccado. Alguns acham que é lenda. Agora, o que se conta é que o rapaz deixou gallinha e vacca ja de lado, e só de cadellinhas corre attraz. O facto é que elle está mais assanhado que nunca e, sem cadellas, é capaz de vir foder um cego accostumado.


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DISSONNETTO PARA UMA EGUA IMPACIENTE [2700] La vae o meu trollinho, vae rodando, aos trancos e barrancos, pela estrada, agora totalmente exburacada, e vae, a cada passo, se attrazando! Coitado do alazão! De vez em quando, tropeça, torce a patta, e agora nada garante que, ao final dessa jornada, ainda inteiro e vivo irá chegando! Tambem, do trolle, o pobre passageiro, ou conductor, se estressa e se preoccupa. Ao ver quem vae de carro, o dedo chupa, temendo que não chegue vivo e inteiro. E fico incentivando eu (Upa! Upa!), curtindo o meu tesão interesseiro. Si demorar demais, dou ao primeiro que venha, no meu lombo, uma garuppa.

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128 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE A ESTRELLA COBIÇADA [2741] A praia do Leblon já se compara, segundo essa marchinha popular, à propria Honolulu. Pode surfar, portanto, o carioca que o sonhara. Porem, no carnaval, pretende o cara, auctor da marcha, ver-se no logar de quem pede champanhe e caviar ao lado duma actriz, a sua tara. A tal americana, loira e linda, foi vista, em Hollywood, a pôr em braza, dansando, os corações, e põe, ainda. Quer o compositor, em sua casa, que a moça prove, e sinta-se bemvinda, um pratto de tutu: que se compraza!


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO SONNETTO SOBRE UMA SOFFRIDA VIDA [2742] Um tanto quanto extranho, o soffrimento que a marcha diz passar na vida aquella mulher, a do leiteiro. A vida della não é tão dura quanto a que eu enfrento. O leite do marido dá sustento aos dois, bota comida na panella. Só por lavar garrafas não é bella a vida? Isso tem pouco fundamento. Coitado é do leiteiro, que não tem feriado e passa a noite no sereno! Mas elle é que excolheu, não o condemno. Meu caso é que não é café pequeno, pois tenho que dar leite, mas ninguem me paga, ja que é meu mesmo o nenen.

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130 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE UMA AMIZADE TROCADA [2743] -- Me diga, meu amigo: o que faria você si, ao visitar-me, descobrisse que agora estou casado com a Nice, garota que ja fora sua um dia? {Bem, para lhe ser franco, eu ja sabia que a Nice me fez essa cretinice. Mas o que ella, na certa, não lhe disse é que ser corno manso eu toparia.} -- É mesmo? Quer dizer que ella me dá, me chupa, meu pé lambe, e você nem se importa? Nem com raiva você tá? {Com raiva até que estou. Mas eu tambem chupava sua rolla e seu pé, ja que, sendo masochista, digo amen.}


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

DISSONNETTO SOBRE O ACCINCTE DO OUVINTE [2744] Você não vae dizer que eu desaffino, vae? Isso me provoca immensa dor! Alem do mais, você, conhescedor de musica, dirá tal desattino? Seu gosto eu sei que é chique, muito fino e, si classificar-me você for, dirá que até sou bom compositor, mas, como cantor, lembro o Celestino. Agora, convenhamos: por que tanto desdem com elle? Só porque o estylo vocal ja cae de moda e perde encanto? Pois eu, nesse tocante, estou tranquillo. A bolla dos tenores eu levanto! Você, porem, nem canta, ha que assumil-o! Paresce estar fallando, emquanto eu canto, de facto! Qual a bossa que ha naquillo?

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132 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE UMA CARREIRA BRILHANTE [2745] Voltei, dizem, americanizada. Fiquei careta, agora que estou rica. Pandeiro não supporto, nem cuhyca. Nem rhythmo tenho mais, nem molho, nada. Não topo aquella velha battucada das rodas de malandros. Tudo indica que extranha e esnobe minha imagem fica sem os ballangandans da bahianada. Mas sabem? Não me affecta esse veneno! Que importa si no samba ja não fico à noite, alli, debaixo do sereno? Importa é que, com pillulas, com picco, com pó, com meu fuminho, é bem pequeno o tempo que me sobra para um bicco.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

DISSONNETTO SOBRE UM DESTINO CANINO [2746] Eu gosto é de cachorro vagabundo, que vive sem colleira e sem patrão, cachorro de sargeta, aquelle cão sem dono, que não toma banho, immundo. Aquelle la do morro, que, segundo a musica, não samba, mas lhe dão a chance de lamber todo pezão descalço de malandro que ha no mundo. Si estão só de chinello, o viralatta fareja, vae fuçando, e o gajo deixa que lamba entre os artelhos. Que mammata! Melhor um cão, na falta duma gueixa... Melhor alguem que pise que quem batta... Às vezes, alguem ouve a sua queixa, ainda que não ganna e que não latta, e, expondo a sola à lingua, se desleixa.

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134 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE UMA ESPERA E UMA PROCURA [2747] Por que será que o Jorge diz que estava descalço la no parque? Estava à espera de alguem? Mas não será por essa mera questão de acaso que elle assim ficava. Será que areja o pé porque não lava? Será que uma coceira é tão severa? Será que ja seu tennis a gallera roubou? Ninguem tal lettra à toa grava! O Jorge não explica, mas supponho que estava, não à espera dum amor, mas sim dalgum podolatra tristonho que delle esperaria algum favor. Coitado! Resultado deu o sonho? O pobre fetichista, é de suppor, ficou maravilhado! Me envergonho, mas digo: fui eu mesmo o lambedor.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO SONNETTO SOBRE A DANSA DA CHUVA [2748] Fallando nelle, eu acho bem melhor só Ben, e não Benjor. Mesmo si for por numerologia, vou propor que Ben tem melhor fluido em deredor. Um supersticioso bem de cor terá tudo que o Jorge vae compor si a chuva já molhou o seu amor de novo: é recorrente o pormenor. O Jorge até fez prece p'ra que a chuva não pare de deixar ensopadinha, molhada como um pincto, a sua uva. Si a chuva a despenteia e desallinha, chupal-a, assim molhada, feito luva lhe calha, como ao cego a chupetinha.

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136 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE UM DESPROPOSITO PROPOSITAL [2749] Noel do palpiteiro faz chacota. Refere-se aos otarios em geral, que pensam fazer algo original mas chovem no molhado e erram a nota. Um delles é lynchado porque arrocta vantagem: toca o hymno nacional, mas no pandeiro! E aquelle outro bossal que tem carro e no tanque nada bota? Um dia, p'ra comprar a gazolina, tem de vender o carro! Inda pergunta si o bonde do Ouvidor passa na exquina. Difficil tanta asneira ficar juncta na mesma lettra! A veia mais ferina, Noel a tem si doutro thema assumpta.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

SONNETTO SOBRE UMA PRAGA QUE NÃO COLLA [2750] Queria ver você de camisola no asylo, ou ver você pedindo esmolla na exquina, ou ver, de fraque e de cartola, você na padiola! Boa bolla! Queria até bordar, na propria golla da camisola, um nome assim: "boiola", que indique que você leva pistola no rabo, e 'inda rebolla! Boa bolla! Queria ver você, sem ventarola, no inferno, ou ver você quando se atola na merda até a beiçola! Boa bolla! Mas, como isso não rolla, me consola saber que você quer que eu lamba a sola da sua bota suja, rapazola!

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138 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE UM TRAPALHÃO PASPALHÃO [2751] Na versão de "In the mood", o cara é tão distrahido, que nem sabe o que faz. Fiquemos, pois, com pena dum rapaz capaz de fazer tanta confusão! Chinellos deposita, não no chão, mas sobre o travesseiro! Então, zaz-traz, se deita no tapete! Accende o gaz, de manhan, p'ra frictar o seu roupão! Encheu elle a banheira p'ra tomar seu banho, e foi passar pasta de dente no pão, sem perceber o paladar! Mexeu com a colher, inconsciente, a aguinha da banheira, e foi lavar o cu num canecão de leite quente!


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO SONNETTO SOBRE UM BOATO MALICIOSO [2752] Disseram que você pinctou o septe, chupou uvinha, até de caminhão! Agora vae fazer operação, entrar na faca, entrar no canivete! Aquillo que o povinho ja repete é que na battucada você não se dá por satisfeito e faz questão, na praça, de bancar o maluquette! Dansou o pirolito com pagé, com chefe e com cacique! Inda queria mammar, seu saphadinho, né, bebé? Valente se enrustiu, mas ironia não falta nessas lettras: falta um pé lambido, mas demais eu já pedia!

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140 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE A DIATRIBE ENDIABRADA [2753] Na sua sopa eu sou a suja mosca! No seu quarto, de noite, a zumbizar, perturbo o seu somninho! Deu azar dizer você que minha lettra é tosca! Sinhô, que tanto gosta que se enrosca, compoz lettra peor! No meu logar, você faria o mesmo, p'ra dribblar milico! E ha quem no bosque só se embosca! Prefiro advaccalhar com Al Capone que caminhar, correr em disparada, ou que me advisem pelo telephone! Feliz foi meu parceiro, que, do nada, virou magico! Caso me abbandone, será que me mantenho na parada?


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

SONNETTO SOBRE UMA SOLIDA CONSTRUCÇÃO [2754] Tijolos empilhando, o Chico é magico. Compõe, com seu talento quasi mythico, em lettras muito accyma do rhachitico rockinho, seu protesto anthropophagico. Na phase em que o paiz viveu seu tragico periodo de censura, o senso critico do Chico foi um pulpito politico, oppondo-se ao regime coprophagico. O Pedro, que é pedreiro, se despede da esposa, beija o filho, e então se macta, jogando-se do predio, pois não cede. Motivos elle teve, mas a natta mantem-se no poder: o predio é sede do banco que seu filho, hoje, contracta.

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142 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE UM PARTIDO QUE FALLA MAIS ALTO [2755] Lamenta o partideiro que o partido, tambem appellidado de pagode, se tenha deturpado e que até pode sumir, de tanto que perdeu sentido. Paulinho, cujo Rio é colorido de azul, mas da Portella, logo accode, pedindo que o povão não se incommode, pois como passageiro tudo é tido. Ainda quem à casa delle va, ou na da Vicentina, do pheijão famoso com certeza provará! Então vae ouvir samba e ver que não sumiu, como não some o do Vavá, no Rio, nem no nosso coração!


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

SONNETTO SOBRE A FIDELIDADE PARTIDEIRA [2756] Martinho, por seu turno, tambem não enjoa: sempre foi homem do mar. Garoa é toda chuva que affinar, mas elle, que não chora, aguenta a mão. Um branco não cantou, como o negão, accerca do fatal vestibular e dessa educação particular que lucra a cada nova geração. Battuque na cozinha, elle não "qué": por causa do battuque, um accidente, um minimo, um qualquer, queimou seu pé! Mas pode o battuqueiro estar doente do pé, pois ganha cocegas e até lambidas da cabrocha obediente!

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144 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE A LAPA QUE NÃO EXCAPPA [2757] Um bairro "princezinha" foi do mar. Num outro é que a garota tem mais graça. Mas onde a malandragem toda passa a noite é la na Lapa, a vadiar. Na Lapa quem nasceu quer se orgulhar até do que apprendeu com essa raça malandra, cuja fama ja ultrapassa o mappa federal. Esse é o logar! Paulinho da Viola foi quem fez ao bairro uma homenagem derradeira, naquelle samba-enredo para inglez. Inglez? Coisa nenhuma! Da primeira... Vez, quando eu escutei, digo a vocês: dansei, mas não contive a choradeira! Será, quaesquer que sejam os porquês, local do saldo d'alma brazileira.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

DISSONNETTO SOBRE O QUE A PENHA DESEMPENHA [2758] Escravo, desta vez, pelas respostas que deste, não te imponho outro castigo. Exijo só que à Penha vás commigo, pagar os teus peccados e as appostas! Sabendo que as escadas tu não gostas nadinha de subir, de cara eu digo: irás, e de joelho! Eu não consigo, mas tu me levarás nas tuas costas! Alem de me pagares a passagem, o almosso, e me servires de cavallo, farás como os romeiros todos agem, rallando como eu mesmo nunca rallo. levando voluntaria desvantagem, perdão tu pedirás! Para proval-o, terás que, frente ao povo, ter coragem de beijos em meus pés dar, meu vassallo!

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146 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE UMA VILLA QUE SE VENTILA [2759] A Villa, sem farofa, tem feitiço capaz de, em Noel Rosa, um bemestar tão grande provocar, que a tal logar jamais esse poeta foi ommisso. O bairro tem, no mundo, um compromisso: sambar! E, si São Paulo sabe dar café, Minas dar leite, o paladar da Villa é um bacalhau fricto e rolliço. Comi desse bollinho que, sem par, do gosto da ambrosia pouco dista. Mas Wilson provocava um malestar por causa da polemica bairrista... Instando que Noel volte a affirmar: "Você não sabe nada! Não insista! Até Mangueira e Estacio veem pagar [vêm] tributo! Até Salgueiro engrossa a lista!"


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

SONNETTO SOBRE UM ESTACIO SEM POSTFACIO [2760] Com "Ebano" pretende o Melodia dizer alguma coisa da attitude de quem quer mais respeito à negritude. Mais claro é que não fica, todavia. Tambem, ao que paresce, elle queria seu bairro enaltescer, mas eu não pude sacar coisa nenhuma. Alguem me adjude, pois acho que fiquei sem syntonia! Por que será que o sol não adivinha que allude à juventude transviada um mano que acha a mina magrellinha? Mysterios do poeta. Inda que nada se entenda, nem siquer a menor linha, seu nome não é Lettra, e o cara aggrada.

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148 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE A MINEIRIDADE SEM EDADE [2761] Si Minas ja deu leite, Milton só quer dar licção aos Beatles sobre o lixo deste Terceiro Mundo, deste nicho do samba, da toada e do forró. Mas, nesta dictadura, sente dó da propria pelle, dando-se ao capricho de ver-se suicida. Eu não pasticho tal lettra, mas não sinto nella um nó. O que, tal como o Chico, elle desapta é um riso de esperança, que a amargura appenas mascarava, e se delata. Dribblava, tambem elle, uma censura feroz, mas, si a canção se prende à data, na exquina um pappo utopico perdura.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

SONNETTO SOBRE UMA VIAGEM QUE NÃO PEGOU [2762] Si Milton foi amargo e foi sublime, tambem condescendente foi com quem compoz aquella porra do tal trem azul, cuja chatice não redime. Que tem na cabecinha quem tal crime commette? Na cabeça não me vem idéa tão ruim, e de ninguem aguento um pé no sacco que mal rhyme! Prefiro um trem mais proximo e lotado, tal como o que das onze nunca passa, deixando quem o perde preoccupado. Não ponho em quem viaja uma mordaça, mas, quando um popular dá seu recado, não ha quem tal barato melhor faça.

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150 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE UM TERRITORIO LIVRE [2763] "Orgia" ja ganhou novo sentido, mas outra palavrinha está mudada. Rhymar "samba" com "bamba" não é nada: mais coisas o sambista havia sido. Curioso é o "desaccapto", definido, no morro, como a fama desfructada por toda competente battucada bisada até, nas ruas, a pedido. A origem bem se explica: prohibida por perturbar a ordem ca do asphalto, no morro é que a follia tinha vida. Mas vinha o carnaval, e esse salto alto dos brancos se rendia, na avenida, ao negro, "de maneiras" dicto "falto".


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

DISSONNETTO SOBRE OUTRO EXTRANHO NO NINHO [2764] Morei no Rio e nunca me occorreu cruzar com um famoso: a cruzar vim com outro maldictão egual a mim, Sampaio, o que calou o Zebedeu. Com Raulzito Seixas bem se deu, mas era mais sambista, por assim dizer, que quem no rock achasse um fim, um meio, ou um inicio, esse plebeu. Botou bloco na rua, mas ficar indo ao programma o resto da vidinha, é o Seu samba é differente,

não quiz do Chacrinha que elle diz. pois não tinha...

Assim como o Roberto, ou como o Assis, origem carioca, ou como a minha. Meu pappo com Sampaio deu feliz noção de não seguir nenhuma linha.

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152 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE UM TREM SUPERLOTADO [2765] O trem de Chattanooga foi, no rock, por Ernie Fields, mais rapido, orchestrado. Mas Carmen puxa a braza pro seu lado e o caso vira samba, em novo enfoque. E caso o americano não se toque, explica a brazileira que, sambado, o trem lembra a Central e que, lotado, um carro irá, allegorico, a reboque. Diz ella ir ao encontro, la, de alguem, mas acho que foi, mesmo, é passear, tomar um cafezinho... Que é que tem? No meio do caminho, alli no bar, um outro follião que vem no trem encoxa e ja convida p'ra transar.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

DISSONNETTO SOBRE UMA EXQUINA LIBERTINA [2766] Que foi que accontesceu no coração bahiano e nacional desse Caetano que canta o cruzamento paulistano mais feio e degradado do centrão? Talvez lhe despertasse essa emoção ter visto (e até pensado ser enganno) aquelle meninão bem suburbano que surfa la na praia, de calção. Reconhesceu seu idolo, o moleque, e veiu-lhe ao encontro, de sorriso armado, a convidar que um homem peque. Caetano, muito timido e indeciso... Sorriu, desconversou e, posto em xeque, queixou-se: alli não era o Paraiso. Si alguem quizer saber, emfim, o que é que alli buscou, direi: não é preciso.

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154 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE A PERIPHERIA QUE EU QUERIA [2767] Ja Gil, quando mandou aquelle abbraço ao Meyer, a Ollaria, ao Realengo, aos morros e à torcida do Flamengo, creou, em Sampa, um pouco de embaraço. Alguns não entenderam, mas eu faço questão, mesmo si manco e si capengo, de ver que o paulistano tanto dengo tem quanto o carioca, em seu pedaço. No fundo, elle cantou todo logar que, metropolitano ou suburbano, resuma uma cultura popular. Por isso a Freguezia teve um mano cantado como punk, a nos mandar, a todos nós, que entremos pelo cano.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

SONNETTO SOBRE AS AGUAS POR DEBAIXO DA PONTE [2768] É pau. É pedra. É o fim, não do caminho, mas da necessidade duma phrase mais longa, ja que o samba quasi em phase de extincto paresceu. Chegou pertinho. Si eu sou o samba, digo: eu não definho assim de graça, emquanto, em minha base, houver algum pandeiro que se case com palmas, tamborim, cuhyca e pinho. Será resto de toco esse pagode fajuto, essa lambada, a sertaneja breguice, que não vibra nem saccode. O samba, o verdadeiro, não fraqueja, não fecha seu verão, porque não pode morrer, como morreu quem o festeja.

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156 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE DOIS PASSARINHOS [2769] O ticotico tá... Tá outra vez aqui! Tá devorando o meu fubá! Si quer se alimentar, elle que va fazer um outro otario de freguez! Que va catar coquinho, ora! Vocês me tirem esse bicho daqui, ja! Por que não vae comer minhocas la no meio do pomar, como ja fez? Eu ja tentei de tudo! Puz alpiste, um gatto, uma armadilha, um expantalho... Qual nada! O passarinho não desiste! Peor é aquella bicha, que o caralho da gente nunca larga! Nem com fiste fuçando se contenta! E eu nunca falho!


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

SONNETTO SOBRE O TURISMO SEXUAL [2770] Quem diz que tem, diz que tem, diz que tem, tem o corpo febril, cheiro de matto, e come vatapá como seu pratto mais typico, é só ella, mais ninguem! Aquella mulatinha tem, tambem, o samba no seu pé, que um desaccapto ja fez, dansando, ao lado do mulato, mostrando o corpo aos gringos que aqui veem! Cantou aqui no Rio, no Pará, em Sampa e na Bahia! O gringo vê que a puta é de menor, mas vamos la! Alguns, mal chegam, pedem, ja: {Cadê as "niñas", as meninas? Não me va dizer que é prohibido! Só você!}

[vêm]

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158 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE UMA RECEITA QUE DELEITA [2771] Me digam, affinal: que é que a bahiana terá que, no Brazil, outra não tem? Não é corpo fechado, que ninguem com essa mentirinha mais se enganna! Será o ballangandan? Mas qualquer mana vestida desse jeito, que me vem, paresce ser bahiana! A gente nem percebe, ja que a cor todas irmana! Alguem me segredou: exsiste um meio, aliaz, dois, que indicam si ella é, de facto, bahianinha, e nisso eu creio. Um delles é frictar o acaragé, que só a bahiana sabe! Outro só veiu a ver quem na mão della deu seu pé!


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

DISSONNETTO SOBRE UMA PAIXÃO NÃO CORRESPONDIDA [2772] Tahi: para você gostar de mim, eu ja fiz quasi tudo! Então não faça commigo uma desfeita dessas! Graça nenhuma tem agir commigo assim! Si alguem, de outra pessoa estando a fim, fizer tudo que eu faço, a todos passa a idéa de ser puta que, na praça, se vende a qualquer typo, por dindim! Ja dei a bocetinha, ja a chupeta lhe fiz, engoli porra, dei o cu. Nem tem onde o caralho mais me metta! Nem sei como não fico jururu! Que mais você pretende que eu commetta? Você não se convence: acha que o cru motivo de fodermos, fora a peta, não passa do tesão e do tutu!

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160 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE UM SONHO EXQUESCIDO [2773] O Milton inventou seu proprio caes. Querendo ser feliz, inventa o mar e agguarda a vez, emfim, de se lançar. A vez não chegará, porem, jamais. Si Minas não tem mar, pelas Geraes passeia-se de trem, mas o seu lar é o mundo, é um universo, e pode estar em outras praias, outros litoraes. Até numa cidade do extrangeiro, que lembra, quando alguem ri, de passagem, o riso addormescido do mineiro. E quando alguem se lembra da viagem sonhada, que se addia, e do saveiro no caes, chora, invejando-lhe a coragem.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

DISSONNETTO SOBRE UM RAPAZ PERTINAZ [2774] Na rua Augusta entrei na contramão. Voando no meu carro, nem buzina usei. Mas, na calçada, uma menina chamou, sem me notar, minha attenção. Insisto na buzina, porem não ha jeito de attrahil-a: uma vitrina toda a attenção da joven ja domina, e perco tempo, aqui no meu carrão. Caralho! De mim ella nem suspeita! Tentando estacionar, eu não consigo nenhuma vaga nessa rua estreita. Na exquina, attropelei mais um mendigo. Subindo na calçada, desta feita consigo vel-a olhar-me, mas ja sigo em frente, e a loja abbaixo o carro deita. Bem feito! Para todas foi castigo!

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162 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE UMA AUCTORIDADE PARDA [2775] Mas esse "seu doutor" manda e desmanda! Seria algum politico? Seria algum dos que, em qualquer peripheria, domina o carnaval e rege a banda? Convence o portuguez, faz propaganda do samba brazileiro, da alegria que reina, annualmente, na follia, propondo que o negocio aqui se expanda. Mas manda, o tal "doutor", que toda a gente não pare de gingar, de saccudir o corpo! E o povo ginga, obediente! Pergunto-me: será que algum emir, pachá, sultão, calipha, é competente a poncto de obrigar-nos a sorrir?


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

SONNETTO SOBRE A DECADENCIA DA AUDIENCIA [2776] Cae, cae! Ninguem mandou excorregar! Não vou te levantar! Cae, no telhado, a chuva. Acções despencam no mercado. Lucrou quem tem mais sorte do que azar. Cae mais um dictador, e dá logar ao sujo senador, ao deputado ladrão. Cae a audiencia, e o reputado canal appella para, em pello, um par. A lettra original dizia assim: "Mourão... Vara madura que não cae! Oi! Catuca por baixo, que elle vae!" A porra soa clara para mim: "Machão! Vara que é dura, mas não vae! Catuca alguem por traz, que ella entra e sae!"

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164 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE A CADENCIA SEM DECENCIA [2777] Puxar chordão é coisa para macho! Quem vae na frente aguenta um empurrão, um tranco, uma encoxada, a exfregação, sem mostras de que acceita esse esculacho. Mas finge, appenas, elle, pois eu acho que gosta, e de puxar só faz questão por causa dos que attraz chegam e vão mostrando que não teem cara de tacho. De pau é a cara delles! Tarantella é só mais um pretexto aos taes casaes, dos quaes nem sei quem vae ser elle ou ella. Appenas a cadencia é que jamais decae, pois quem mais macho se revela é quem melhor rebolla e brinca mais.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO DISSONNETTO SOBRE UM CASAL NORMAL [2778] Que coisa! Só porque cheguei em casa cantando e ja bebum, depois da hora, a minha esposa deixa que aqui fora eu fique? Então um homem não se attraza? Mulher ja sabe disso, quando casa! Aquella que exbraveja, xinga e chora está perdendo tempo, eu digo. Agora é tarde, pois um macho não se arrasa! Trancou a porta? Então, não abre, não? Pois vou approveitar! Agora estico a noite, que só trez ainda são! Não vou ficar pagando mais um mico! Não quero fallar outro palavrão! No trampo eu ganho a vida, não sou rico! Só quero ter direito à diversão! Mas ella fica assim, si está de chico!

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166 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE O CHINELLO VELHO E O PÉ DODÓE [2779] Sinhô disse que o amor é só pinctura e que o pincel estava era na mão dum cego! Na canção, o cego não fallou si tem cor clara ou cor escura. Mas era mau de lettra, hem? Quem attura um samba tão ruim? Quem tem visão que diga qual a cor do amor, então! Não cabe isso ao pinctor, cavalgadura! E tudo p'ra dizer que o amor é cego e a gente mal consegue amar a uma pessoa só na vida! É o que eu allego! Mas digo-o bem melhor: a gente arrhuma alguem como quem mette o pé num prego. Chinello não diz "Não!" nem se enciuma!


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

SONNETTO SOBRE O JAVALI QUE JA VALI [2781] Não quero aquelle porco do chiqueiro! Aquelle vive sujo e só na lama chafurda! Eu quero o bicho que se chama "do matto", o que eu achei, eu só, primeiro! Vem ca, porquinho, vem! Pelo teu cheiro me sinto, ja, attrahido! Não reclama! Daqui só vou embora si p'ra cama consigo te levar, meu companheiro! Tambem, depois, p'ra mesa! Mas a gente, primeiro, vae transar! Ai, eu adoro bichinho assim selvagem, resistente! Si posso te comer, eu commemoro gozando loucamente, doidamente! Não dando, fico triste, mas não choro.

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168 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE O BICHO E A BICHA [2782] Cantando alegremente, quem la vinha? O pato! E quem pedira, sorridente, no samba para entrar? Sim, minha gente: o proprio, elle, o marreco! Que turminha! Tambem o ganso, é claro, se advizinha e pede uma boquinha! Eu sou doente por um bichinho assim, obediente, que deixa até que eu faça chupetinha! Com todos os michês assim eu tracto: si forem maus commigo, sou bem manso; si não, não pago o pato, nada, neca! Dum gajo que tiver um pé de pato eu chupo, p'ra que affogue, em mim, o ganso. E pago, si for reco, uma merreca!


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

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DISSONNETTO SOBRE QUEM APPELLA E QUEM NÃO É DONZELLA [2783] Mas vejam só, senhores, que mulher me foi apparescer! Que quer a bella moçoila? Que eu me mude da favella e deixe a malandragem, é o que quer! É molle? Que accredite quem quizer! Paresce até piada! Uma cadella daquellas vir pedir que, só por ella, alguem se regenere, si puder! Respondo, que tenha deixar de abrir mão

até com muita educação, paciencia, que não posso ser malandro e folgadão, disso quando o sacco coço.

De sacco cheio fico, meu irmão, pois, si ella insiste, ahi que eu tenho um troço e parto p'ra aggressão! A ripa, então, resolve: é caso facil, esse nosso!


170 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE QUANDO O BICHO PEGA [2784] Foi um, foram dois, foram mais de cem. Vieram perguntando donde eu vinha, aonde eu ia e, como eu nunca tinha resposta, me faziam de refem. E sempre apparescia, rindo, alguem mandando que eu fizesse chupetinha, que desse meu cuzinho: "Anda! Engattinha! De quattro! Chupa aqui! Vem chupar, vem!" Ah, para soccorrer, ninguem me veiu! Depois que feita em caco está a viola, aquella "alma bondosa" entra no meio. Pergunta: "Mas como é que alguem viola assim uma pessoa? É muito feio fazer isso com gente!" E me consola.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

SONNETTO SOBRE A FIDELIDADE IDEOLOGICA [2785] Cantora, appenas uma. E são só trez auctores que, na idéa, botam fé num novo ser humano que a ralé redima e que se vingue do burguez. Elis, com Chico e Milton, foi quem fez justiça ao ideal, mas foi Vandré quem mais se explicitou, tanto que até sahiu, mudo, de scena, duma vez. Primeiro, em disparada elle corria. Depois, foi caminhando a passo lento. Depois, elle parou. Retornaria? Quem não retornaria ao movimento seria Elis, mas essa virou cria da lenda e tem logar no firmamento.

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172 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE A BATTUCADA REVIVIDA [2786] No dia em que apparesço neste mundo, junctou-se a malandragem, que na orgia vivia a vadiar. Assim seria eu nella iniciada. Ou me confundo? Cachaça ou mammadeira? Com profundo pesar eu reconhesço que bebia. No morro, a gente cedo se amasia, e aos quinze engravidei dum vagabundo. Mulher fui de malandro, levei sova, jogada fui na rua, exmolambada. As marcas no meu corpo são a prova. Meu caso de exquisito não tem nada, mas, pela voz da Elis, ja se renova e torna até saudosa a battucada.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

SONNETTO SOBRE UMA ETERNA JURA QUE NÃO DURA [2787] Orgia, com mulher e com bebida, é lei do vagabundo, como diz mais um compositor. Mas quem não quiz sahir, tambem, foi ella, dessa vida. Mais raro é a malandrinha que decida quebrar a jura feita: "Sim, eu fiz promessa, mas vocês são imbecis si acharem que eu estava convertida!" Nascida e (mal)creada nesse meio, jamais conseguiria supportar o amor que lhe impuzesse qualquer freio. Voltou, como o bohemio, para um "lar" precario e provisorio, mas ja veiu dizendo que esta vida ha de deixar.

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174 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE QUEM RI MELHOR [2788] "Tu podes rir de mim, mas eu não quero que soffras como eu soffro! Sou feliz appenas por te amar! Quando tu ris assim, mais eu me humilho e te venero!" Si um homem diz taes coisas é sincero? Talvez, sendo masoca, mas, si diz o opposto, é mais honesto com quem quiz fazel-o de palhaço, um reles, mero. "Bem feito! Foste louca em me deixar! Agora voltar queres? Qua! Qua! Qua! Gargalho de prazer, para zombar! Estás no meu caderno, ó mulher má! Ainda te verei sem pão, sem lar, e eu, bem aggasalhado, a rir-me ca!"


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

SONNETTO SOBRE O REQUINCTADO REQUENTADO [2789] Será a felicidade como a pluma que o vento vae levando, ou como a gotta de orvalho numa petala? Si ignota paresce-nos, o certo é que se exfuma. Porem não significa coisa alguma ao pobre que, vivendo sua escrota vidinha, nem repara na garota que passa e para a praia, linda, rhuma. Appenas a illusão do carnaval, que dura só trez dias, representa a ephemera euphoria, e coisa e tal. Assim a Bossa Nova, nos sessenta, tentou conciliar o social com toda essa poetica luxenta.

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176 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE UMA DISPARIDADE QUE JA CHEGA [2790] Tristeza não tem fim; felicidade, sim! E como a saudade é só tristeza, a gente, deante della, está indefesa, na hora em que a lembrança nos invade. Na voz bossanovistica, a saudade é coisa de somenos, que, na mesa risonha do boteco, a subtileza dum verso culto torna amenidade. Não era assim, na lettra mais antiga. Ou se dramatizava, ou se gozava carnavalescamente: o Reis que o diga! Mas vem João Gilberto e manda à fava o rigido limite: accaba a briga do serio com o comico, e elle grava.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

SONNETTO SOBRE A MULATA [2791] Foi feito o preconceito sem receio. Feitor, quasi, será o compositor: "Mulata, mulatinha, meu amor, tenente-interventor teu me nomeio!" Um outro quer compral-a e diz: "Anxeio que volte a escravidão!" Mas esse auctor, ou seja, quem componha, la quem for, enxerga na mulata um pratto cheio. "Quando ella passa, todo mundo grita: estou nessa marmita!", canta a plebe, segundo outra marchinha que se cita. E quanto à dicta cuja? Ella recebe tudo como louvor: "Não sou bonita appenas pros meus negos!" Se percebe!

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178 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE A MORENA [2792] Dizer que a moreninha é "temptação" virou logar commum. "Me faz penar o brilho do luar no teu olhar!", tambem é recorrente citação. Podolatra que sou, occasião não perco para achar, si eu procurar, alguem que lhe enaltesça o calcanhar, o dorso, o tornozello e até o dedão. Cantando uma marchinha pela rua, carecas logo tiram seus bonnés. Cantando que "a victoria ha de ser tua, morena prosa!", os homens dão grau dez... Querendo que a morena esteja nua. Mas não appenas nua... "Tu não és rainha só de cara ou corpo: actua em scena a cor morena dos teus pés!"


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SONNETTO SOBRE A LOIRINHA [2793] Num hymno ao carnaval, o Lamartine dizia que, de loiras, era um quincto, na praça ou no sallão, qualquer recincto, si um numero, talvez, se determine. Si fosse o americano, pelo cine, as loiras fallariam mais ao pincto e aos olhos masculinos, mas não sinto que o typo em nosso gosto predomine. "Em vez da moreninha, tu serás, do nosso carnaval, nova rainha!", proclama quem da loira faz chartaz. Mas rara, em nosso samba, ou na marchinha, seria aquella lettra que só traz idéa de que um sonho o negro tinha.

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180 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE UMA CINZENTA QUARTA-FEIRA [2794] Quarta-feira de cinzas admanhesce e repete-se a scena de costume: somente restará lança-perfume vazio, mas seu cheiro não se exquesce. Ainda canta, como si estivesse em pleno carnaval, sob o volume do som dos trios. Caso elle não fume mais um, pensa na vida, e ja padesce. Viaja o follião nessa jornada tão curta, que se finda numa quarta. Agora, na semana, só ballada. Da "cinza do passado" está ja farta a sua geração. Que dure cada follia um anno, e o trampo um raio o parta!


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DISSONNETTO SOBRE UM BETO BOM DE BALLA [2795] Agora tem mania de brigão, mas era, o tal do Beto, um cara quieto. Entrou em canna e volta, ja, directo pro morro, onde provoca confusão. Conflicto nos Cabritos, quando não intriga no Formiga. Um desaffecto tombou no Juramento, e o mais selecto sambista la do Pincto foi ao chão. Ninguem segura o gajo, pois, sinão, invade seu commando, no concreto, até o Maracanan e o Canecão. Na Penha, no Borel, no proprio tecto... Ponctudo la da Gavea, no Allemão, por toda parte sabem quem é Beto. Eu fico calculando, com tesão, qual seja seu chulé: meu predilecto!

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182 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE UM DESABRIGADO BRIGADO [2796] O orvalho vem cahindo e vae molhar meu corpo, attravessando o cobertor! Orvalho é o que dizia certo auctor: agora é um temporal a desabar! Dormir na rua, si não temos lar, é coisa natural, mas quando for a chuva muito forte, não se expor a ella é mais prudente. Em que logar? Aqui, sob a marquize do mercado! Mas, mesmo neste cantho, uma gotteira me deixa ensopadinho e resfriado! Si fosse só o chapéu, sobra quem queira tal thema musicar! Mas um coitado sem-tecto não faz samba, só se exgueira!


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO SONNETTO SOBRE UM MORADOR DA ORLA [2797] Não tenho onde morar! É só por isso que moro aqui sozinho, aqui na areia! Alguem duvida? Venha, quem não creia, ver como eu me accommodo, sem enguiço! Peor era morar la no cortiço! A gente se expremia numa meia parede com os indios duma aldeia cayssara, sem comforto nem serviço! Agora melhorou! Eu passo o dia nadando... Ja peguei uma corzinha marron, que até conquistas propicia. O chato é o melanoma, que se anninha até sob o cabello, e essa allergia que tenho ao caranguejo que se appinha!

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184 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE UM BOM DE BOCCA [2798] Eu como o que apprendi com minha avó! Na minha casa, pratto raso, não! Aqui nós só comemos de porção! Meu pratto é aquelle fundo, fun-de-o-dó! Comer pastel? Eu como, mas um só é pouco: tem que ser o pastellão da feira, com garapa, e sem o vão de vento no recheio, né, Jacob? A pizza, da grandona, a gente pappa inteira, uma p'ra cada, como faz a turma la na Italia: nada excappa! Devoro até a beirada, e sou capaz de remactar pastel, pizza e garapa com varios mungunzás e guaranás!


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DISSONNETTO SOBRE A PROMISCUIDADE DELLA [2799] Eu juro! Nunca mais tive alegria depois que te deixei, minha querida! És mesmo o grande amor da minha vida! Sem ti não sou feliz siquer um dia! Nem posso accreditar que quem fodia commigo, toda noite, ja convida amigos meus para essa concorrida suruba, cuja fama só se amplia! Estou aqui, sozinho, e tu te mettes com todos esses gajos, que nem banho diario teem tomado, esses pivetes! Não achas isso um troço muito extranho? Mas, antes que peor tu me interpretes, ao menos poderias (não me accanho, confesso) permittir que alguns boquettes pudesse eu, num, fazer, do meu tamanho!

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186 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE UM JURAMENTO E UM MANDAMENTO [2800] Mas como esse Sinhô, de lettra, é fracco! Supplica que ella jure pela Sancta Cruz, pelo Redemptor, e está quem canta subjeito ao violão ver feito em caco! Paresce mui devoto, esse velhaco, mas contra o mandamento se levanta, roubando até refrão doutra garganta, dizendo que confia no seu tacco! Si samba é passarinho, quem pegar primeiro fica dono da auctoria: paresce ave que, às tontas, va voar. Heitor não acceitou a theoria e disse que tal samba tem mais ar de plagio que da jura em que se fia.


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DISSONNETTO SOBRE UMA CANOA FURADA [2801] Não é que esse barquinho, a deslisar nas aguas oceanicas me dá um odio desgraçado? Elle que vá ver só si la no inferno exsiste mar! Ser intellectual não dá logar de graça ao pappo piegas! Si não ha censura ainda, o samba justo la, na classe mais lettrada, foi gorar? Prefiro o sambolero, o cha-cha-cha, ainda que me ennoje o paladar! Manhan de sol? Macio azul do mar? A calma de verão? Que blablabla! O samba popular tem mais a dar! Barquinho... Sabada! Mar... Sabada! Bada! Bada! Bada! Mar! Mar! Mar! Mar! Sabadabada! Sabadabada!

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188 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE A BURGUEZIA BEM PENSANTE [2802] Melhor define a Bossa Nova aquella noção de "muita calma p'ra pensar". É calma até demais, si o militar tomava, pela força, a mortadella! Eu tive sorte, pois, pela janella do quarto em que morei, pude advistar, ao longe, o Redemptor! Mas o logar daquella Redemptora era uma cella! Que faz, na Bossa, o raio do lettrista? Banquinho, violão... Va pro diabo! Depois do golpe é que elle achou a pista! Mas paro por aqui, sinão accabo... Ficando com mais raiva que o sambista, um "Corcovado" a ouvir, de cabo a rabo! E sempre que um babaca nisso insista, terei que retrucar, mais e mais brabo.


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SONNETTO SOBRE UMA LINHA QUE CAE E UMA QUE DECAE [2803] Alô! Alô! Responde, si é que gostas de mim, me amas, de facto! Estás me ouvindo? Ficaste mudo? És mesmo muito lindo! Tetéa da mamãe! Voltas-me as costas? Por que me deixas, filho, sem respostas? Si deste o nosso caso ja por findo, vae, diz-me duma vez! Vou insistindo, até vou implorando, de mãos postas! "Alô? Alô, mamãe! Sou eu! Te amo, mas temos que parar! Não tá direito! Tu sabes que é com pena que eu reclamo! Incesto é coisa feia! Eu te respeito, não posso concordar! Não sou do ramo, não é com meretrizes que eu me deito!"


190 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE A VIDA DE SOLTEIRO [2804] A vida de casado é boa, mas solteiro é bem melhor! Quem é solteiro não dá satisfacções o tempo inteiro. Prefiro a boa vida de rapaz. Casado, em tudo quanto quer ou faz, consulta a mulherzinha. E, cavalheiro, permitte que decida ella primeiro. Accaba, toda vez, voltando attraz. Si sae, leva a mulher. E tem, si fica, que sempre perguntar o que ella quer. Solteiro volta tarde e nem se explica, ainda que elle tenha algum affair. Commigo bem Até porque, contar que, seria o tal

assim se verifica. si eu fosse p'ra mulher às vezes, saio a fim de picca, "se salve quem puder"!


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO SONNETTO SOBRE A CASA ARROMBADA [2805] Antigamente, a chave era no cincto de ferro, aquelle tal, da castidade. Agora, qualquer um, sem tranca, invade a vulva e a despucella com seu pincto. Mas eu, que sou sambista, não consinto que a lettra seja clara e desaggrade senhoras de familia. A virgindade vigora sempre, mesmo quando eu minto. "Não quero mais amar! Fechei a porta dum pobre coração abbandonado!": assim é que uma lettra se comporta! "Guardei no coração, e bem guardado, teu nome!" Mas a chave é lettra morta: na marcha, até se perde o cadeado!

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192 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE UM ARRANCA-RABO NO FORRÓ [2806] Não faça isso commigo, seu doutor! Me prenda não! Não faça isso commigo! Explico ja por que é que eu tanto brigo: encontro sempre algum provocador! Doutor, não sou ninguem p'ra me indispor com macho, si me tracta como amigo! Mas é que, no forró, como lhe digo, o cabra nem me pede por favor! Ja chega e vae tomando quem eu tiro, com toda a gentileza, p'ra dansar! Assim não dá! Nos brios eu me firo! Até, seu delegado, p'ra poupar a balla que se perde nalgum tiro, pros fundos fui com elle conversar!


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DISSONNETTO SOBRE A VOZ POETICA [2807] Naquelle tempo, nem havia IBAMA, por isso é que um espirito damninho furou, sem compaixão, do passarinho os olhos, e ninguem delle reclama. Uns dizem "passo preto", ou que se chama "assum", mas qual será nem adivinho. Só sei que, p'ra cantar mais bonitinho, o bicho, cego, em choro se derrama. Coitado! De gaiola nem caresce! Impossibilitado de voar, é como si soltinho elle estivesse e quasi nem se affasta do logar. A gente da canção jamais se exquesce: Gonzaga comparou-se àquelle azar, mas eu é que sou passaro! Uma prece me resta: "Dae-me, ó Zeus, voz p'ra cantar!"

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194 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE UM EXTRANHO NO FOGÃO [2808] Que é isso, Capitão? Sae da cozinha! Aqui não é logar p'ra nenhum cabra que é macho ficar, mesmo que assim abra melhor a cuca! Vae! Entra na linha! Que é isso, Capitão? Larga da minha panella de pressão! Nem bem accaba de ver a mão queimada, e ja se gaba do pratto, que prepara, de gallinha? Ai! Esse Capitão não toma jeito! Vae la p'ra salla, vae! La só tem home tomando aperitivo, inflando o peito! Vae la, contar vantagem! Quando a fome vier, elles me chamam! Eu respeito teus dotes, mas teu pratto ninguem come!


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SONNETTO SOBRE QUEM VAE E QUEM VOLTA [2809] Addeus, addeus, addeus... A palavrinha tem cinco lettras: cada uma chora, si alguem, que se despede, vae embora definitivamente... Impressão minha? Tem gente que usa "addeus" por meia horinha: se ausenta, volta logo, nem demora, mal cinco minutinhos fica fora, mas usa essa palavra comezinha. Peor é quando alguem vae logo alli, dizendo, rapidinho: "Volto ja!" E some, sem mais dar signal de si. São varias. Uma dellas foi Zazá. A outra foi a Rosa. Outra, a Mimi. Nenhuma me voltou... Por que será?

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196 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE A INGRATIDÃO DA NOVA GERAÇÃO [2810] Ai, esses moços! Pobres moços! Ai, coitados, si soubessem o que eu sei! Jamais passavam pelo que eu passei! Mas elles não escutam o papae! Às vezes, até rezo: "Senhor, dae juizo aos meus rapazes! Si eu errei naquillo que ensignei, à vossa lei fazei que se subjeitem, ó meu Pae!" Inutil! Os meninos ja não veem [vêm] metter na minha bocca, não me obrigam à foda, não me fazem de refem. Paresce que enjoaram, que nem ligam praquelle que cuidou, desde nenen, de todos, mesmo que o contrario digam.


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SONNETTO SOBRE AS AMIZADES SUSPEITAS [2811] "Empresta, vae! Empresta, meu amigo! Devolvo-te admanhan! No mez que vem, sem falta, estou pagando, juro!" Eu, hem? Amigo dizes ser? Parei comtigo! Dinheiro ja emprestei, ja dei abrigo a muito amigo assim, e fiquei sem a grana. Até meu livro os gajos teem coragem de roubar! São um perigo! Agora não te empresto, nem que o pé na cara tu me ponhas! Meu algoz ja foste, alem da compta! Eu perco a fé! Distantes é melhor, mesmo, que nós fiquemos, pois, sinão, levas-me até o verso que componho e a minha voz!

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198 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE UM ZÉ MARIA DA CONCEIÇÃO [2812] Me lembro muito bem: você vivia sonhando, la no morro, com um monte de coisas que não tinha. Nem me conte que foi que andou fazendo! Eu ja sabia! Desceu e foi parar em plena via mais publica da zona! E, sob a ponte andou, que eu sei, dormindo. Minha fonte garante, e nella a gente bem confia. Desceu para subir, disse você. Ninguem pode dizer que não subiu, mas, por aqui, de novo faz michê. Não venha cochichar-me esse seu "Psiu!" Vender quem quizer venda, dar que dê! Quem, p'ra sobreviver, dá seu chibiu, seu cu, sua boquinha, ja se vê, na rua accabará, meu caro! Ouviu?


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DISSONNETTO SOBRE UM BARRACÃO À DISPOSIÇÃO [2813] De zinco, destelhado, sem pinctura, de latta, de tijolo, de madeira... Qualquer dos materiaes serve a quem queira viver, aqui no morro, na fartura. Barraco sempre encontra quem procura. Ja basta, p'ra dormir, aquella esteira commum aqui nos altos da Mangueira. Sahir daqui? Jamais, a gente jura. Vivemos pendurados, ca no morro. Ja somos tradição deste paiz. Não falta espaço, nem para o cachorro. Até, para um podolatra que diz... Lamber pé de malandro, si eu recorro ao morro, alguem me hospeda, e estou feliz, alem de indifferente a todo exporro da parte dos caretas imbecis!

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200 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE AS FUSÕES E AS CONFUSÕES [2814] Chegou, chegou a hora! Até já fiz convite, eu que sou samba, à parceria com tango, com bolero e, quem diria, com jazz e rock, aqui nestes Brazis! Só danso, mesmo, o samba. Ninguem quiz dansar a Bossa Nova, pois não via compasso algum dansavel. Syntonia não ha, para quem mexe seus quadris. Do jazz, uma influencia mais directa tentei deixar de lado: esse improviso estica-se, e o andamento todo affecta. Ainda é bem preciso ser conciso, sinão o instrumentista se punheta. E a gente, sem dansar, olhando o piso.


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SONNETTO SOBRE UMA ALLEGORIA ABOLICIONISTA [2815] De cortar unha eu tenho a tesourinha, mas mesmo aquella unhinha do mindinho maior é do que o meu dedão todinho! Não basta uma tesoura como a minha! Não fallo de nenhum pé de gallinha, porem dum pé de pato, que exquadrinho com olhos cobiçosos: um ceguinho que usar as duas mãos p'ra appalpar tinha! Exacto: o pé dum anjo, que é tão grande a poncto de pisar no imperador, no rei, no presidente, em quem commande! O imperador, podolatra si for, no chão se jogará para quem ande por sobre seu corpinho: o homem de cor!

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202 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE UM METALLEIRO MOTOQUEIRO [2816] Tambem de sapatão fiz collecção, tal qual a Ritta Lee, mas só pisante usado por quem batta o pé bastante no baile funk ou neste, de rockão. Aqui vou reparando que quem não calçou o maior numero garante calçar quarenta e quattro e que, durante a dansa, em quem se accerca dá pisão. Então vou me chegando e ja me deixo chutar, levar uns coices com o salto e, quando caio ao chão, um pé no queixo, alem da bocca, sempre isso resalto. Detalhes mais podolatras enfeixo depois, propondo ao gajo: si mais alto não for o preço, eu compro, e nem me queixo, a bota que elle ralla pelo asphalto.


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SONNETTO SOBRE UMA PANACÉA QUE ESTRÉA [2817] Emfim eu organizo um movimento inedito, que dê logar à banda do Chico, sem deixar Carmen Miranda de lado com seu bando, que eu requento. Planejo um carnaval bem barulhento, com pé de serra, cama na varanda, ballangandan, banana em propaganda, sambando e caminhando contra o vento. Attraz do trio electrico não vou, mas não porque morri, só porque estou à frente, ao lado e accyma da geléa. Não quero nem saber quem teve a idéa: si Oswald um passarinho ja appanhou, agora isso faz parte do meu show!

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204 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE UMA NAÇÃO EM PROMOÇÃO [2818] Eu vendo, mesmo a preço de banana, o nosso territorio, aqui incluido o inteiro contehudo, que, duvido não possa interessar a quem se uffana. Aqui temos politico sacana, ladrão de collarinho, actor bandido, prefeito cangaceiro, indio vendido, malandro otario e padre doidivana. Nós temos jogador perna-de-pau, piloto tartaruga e cantor brega. Tambem temos porquinho e lobo mau, alem de, em Cabaceiras, uma cega. Em Sampa temos cego puto, o No samba e na marchinha, um não falta, que componha, em a satyra impagavel, prompta

Glau. meu collega maior grau, entrega.


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SONNETTO SOBRE UM PAPPO FIRME [2819] Eu, juncto com Erasmo e com Edu, e os quattro alli da banda, que é da hora, João, Paulo, Ricardo e Jorge, agora a nova geração pomos a nu. Que a Bossa Nova va tomar no cu! A propria Velha Guarda rememora appenas seu passado! É foda, mora! Os brotos querem algo bem mais cru! Eu quero é que vá tudo para o inferno! Si a nossa lettra é pobre, recheada de "mesmo" e de "eu lhe amo", isso é moderno! Nós, septe cabelludos, madrugada affora, nem chinello, nem mais terno usamos: é botinha copiada!

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206 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE UMA ESTRATEGIA ESTHETICA [2820] Doidinho estou por esse pianinho electrico, com amplificador, e nelle logo, para o meu amor, tocar o rock experto que escrevinho! Não vou usar aquelle passarinho que estava na palmeira, nem favor eu peço para encher meu som de cor: não faço nada novo ou moderninho! Só quero reformar a minha banda, que estava muito pobre e bem plebéa. Mas tenho que excolher a propaganda. Então procedo assim: caso a platéa... Reclame, fazer, e Mas caso eu mudo,

uma pesquisa a gente manda revendemos a geléa! o desaggrado mais se expanda, pois mudei sempre de idéa.


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SONNETTO SOBRE UM LOBISHOMEM QUE NÃO FOI BICHO-PAPPÃO [2821] Coruja, pyrilampo, sacy, fada, bailando na floresta: quem retira daquella imagem algo, que refira virada musical, teve a sacada! Paresce que não tinhamos, ca, nada tão novo e creativo! Aquelle vira rockistico colloca, então, na mira do publico a figura, alli, pellada. Pellada, ou seminua, tanto faz: o facto é que elle dansa e se projecta, emquanto o militar é o capataz. Fazer o que? Si a lettra do poeta calou-se, ao menos surge algum rapaz ousado, e quasi em scena se punheta.


208 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE A BAHIANIDADE RENOVADA [2822] Brazil, electrifique o seu pandeiro! O cavaquinho electrico ja é nossa realidade! E de café um bule pode dar o motte inteiro! "Chorare" ja accabou! Agora o cheiro do novo está por compta de quem pé bahiano tenha, firme, em terra até então rockada em "rítimo" extrangeiro! Rockar p'ra que? Mais besta é tu, si for appenas copiar a Tropicalia! Melhor mesmo é sambar, mas com mais cor! E ao samba colorido nunca falha junctar versão electrica de auctor antigo a um nonsensinho: é o que bem calha!


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DISSONNETTO SOBRE A PADROEIRA E A LADROEIRA [2823] Cantava a Dalva a prece em samba feita: "Ave, Maria! Laraririri! Rogae por nós...", e tal, vae por ahi. E dava dos devotos a receita: "Rogae por esta terra, que se deita em berço exsplendoroso e nunca vi mais bella outra no mundo...", e piriri, pororó, que mais nada se approveita. Façamos, entretanto, umas erratas. O que não se approveita não é nem a lettra, mas a terra, sem cascatas, sem mattas, borboletas... tudo sem! Pilhada, devastada, ella, às barattas entregue, nem espera mais do Alem qualquer dessas benesses, dessas chatas cantigas, desse falso nhenhenhem.

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210 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE A MISCIGENAÇÃO DA NAÇÃO [2824] "Remota battucada", eis o que explica o jeito que a bahiana tem no andar, seu passo compassado, seu olhar mortiço! A battucada deu a dica! Battuque, bamboleio... A bella e rica plethora de palavras quer passar a idéa de que a moça, ao ballançar seu corpo, alguma raça identifica. Seus olhos "scismadores e fataes" suggerem mestiçagem: a bahiana seria uma mulata, nada mais. Na cor, elles são verdes, mas se enganna quem pensa em virgens areas florestaes: seu pae era allemão e a mãe, putana.


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DISSONNETTO SOBRE UMA SANDALIA DE COURO [2825] Querendo ver... Você pegue um pandeiro e ponha esse instrumento musical na mão do brazileiro mais bossal, que o gajo dá no couro por inteiro! Querendo ver... Você, que interesseiro é, como eu sou tambem, pegue essa tal "sandalia cor de pratta", esse fatal calçado, que não pega o menor cheiro! E faz o que com ella? Ora, colloque no pé duma mulata! Então verá que vale ouro, a battuta! Isso, provoque! Melhor provocação, verá, não ha! Faltava, claro, um leve e simples toque: Assim que a mulatinha diz que está cansada de sambar, vae ver que choque terá você: o chulé tá forte, ja!

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212 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE UM CARNAVAL RITUAL [2826] Confetti... pedacinho colorido de saudade, ai, ai, ai, ai... Quando eu vejo você na phantasia, meu desejo é pol-a novamente. E me decido. Vesti-me de palhaço: é o que tem sido a minha imagem, quando dou ensejo a toda gozação, pois vou, sem pejo, fazendo o que me mandam, sem gemido. Não só no carnaval é que, affinal, eu posso ser palhaço, não concorda você? Toda semana ha bacchanal! É só, na scena, darmos uma chorda! É meu procedimento sempre egual: Retiro os confettinhos que na borda do panno se prenderam. Saio e, mal addentro o clube, um sadico me abborda.


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DISSONNETTO SOBRE UM PIERRÔ APPORRINHADO [2827] Pierrô, si appaixonado, dá vexame a toda hora. Pela Colombina faz tudo, até se humilha, si a menina for sadica e impedir que elle reclame. A bella Colombina tem o infame capricho de exigir (Quem imagina?) que o cara experimente sua urina na lingua, como prova de que a ame! Mas, quando ja Pierrô se adjoelhara, faz ella que Arlequim seja quem mije na bocca do coitado! Mas que tara! Poema assim, como é que alguem redige? Agora fica a coisa bem mais clara! Peor é que Arlequim ainda exige que engula o mijo! O gosto se equipara a vinho com wermuth e pinga! Vige!

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214 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE UM SUSPEITO DE PEDOPHILIA [2828] Corrente é coisa forte! É bom cuidado tomar! Contra você já toda a gente commenta! Si duvida, experimente tocar naquelle assumpto delicado! Exacto: aquillo mesmo! Tem notado que todos desconfiam de quem sente tesão por algo assim tão indecente? Melhor que se previna, está advisado! Tem gajo que só pensa, sim, naquillo! Mas finge bem, disfarsa, e assim mantem as mesmas apparencias, mui tranquillo. Você, por outro lado, foi alem do poncto, meu! Insisto em prevenil-o: cuidado quando lida com nenen!


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DISSONNETTO SOBRE QUEM SAHIU MAS NÃO QUERIA [2829] Tem gente que não deixa, nunca, o morro. Tem gente que não sae porque não pode. Tem gente que, ja fora, do pagode saudosa vae ficando p'ra cachorro. Bem rapido, à memoria si eu recorro me occorre a despedida e ja me accode o verso que, talvez, mais incommode alguem que quer sahir mas leva exporro: "Mangueira, foi na minha despedida: chorei quando chorava todo mundo..." Favella dá saudade, ou é fingida? Depende: o bom sambista sente fundo. Cachorro que lambeu, tambem, soffrida saudade tem do pé dum vagabundo. Eu mesmo sou saudoso! Quem duvida? Mas noutros versos nisso me approfundo...

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216 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE QUEM QUERIA MAS NÃO SAHIU [2830] Fundaram, lá no morro, um cabaré. Queriam que eu la fosse, mas eu não tolero a malandragem, e questão farei de recusar, no grito, até. Peguei uma ogeriza da ralé que idéa ninguem faz! A opinião que tenho é que de civilização caresce aquella escoria. Claro, né? Um dia, ainda saio desta porra e arranjo algum ricaço que me dê comida, cama, casa, e me soccorra! Só volto si essa gente, que nem vê tevê, reconhescer que, aqui em Gomorrha, abunda puta e falta mais michê!


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SONNETTO SOBRE UM TRABALHADOR CONVERTIDO [2831] Debaixo da jaqueira nosso amor nasceu. Me lembro bem: você calçava sandalia! E o collarinho eu ja tirava: tornei-me malandrinho, com louvor! Da turma da Mangueira, sem favor nenhum, sou o sambista que mais grava successos. A gravata que eu usava, troquei-a por um lenço, em viva cor. Agora, só carrego o paletó no braço e, si você calça sandalia, meu pé folguei num chinellão charló. Um bello par formamos: você calha ao gosto dum podolatra, e eu sou só quem pisa na boquinha que trabalha.

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218 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE DOIS PERDIDOS NUMA "BOITE" SUJA [2832] Estou triste, na triste noite fria, pois ella ja não volta para mim. Fatal é, neste triste botequim, saudade transformar-se em agonia. Amigo, quer fazer-me companhia? Não tenha accanhamento: eu aqui vim chorar, e ver você chorando assim nos torna companheiros, nos allia. Não devo nem pensar em ser feliz! Me sinto derroptado, e é meu destino tomar mais alguns tragos deste aniz. Por isso outros tambem nem recrimino: Estamos sempre promptos a dar bis. Então? Beba commigo! Então, menino? Ja tem onde dormir? Por que não quiz dormir commigo? Eu sirvo, não domino.


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DISSONNETTO SOBRE UM BONDAGISMO ARRISCADO [2833] Fazendo tique-taque, o coração me marca seu compasso, dum atroz viver. Batte mais forte quando o algoz me admarra e me admordaça, sem perdão. Inutil implorar, pois elle não affrouxa os admarrilhos. Logo appós aptar-me, elle admeaça, em tom de voz sinistro, me pinçar pelo colhão. Eu fico appavorado! O battimento cardiaco accelera! E corro o risco de ter um peripaque violento! Os olhos arregalam-se! Nem pisco! Às vezes, me mexer até nem tento! Culpado é o coração! Agora arisco eu ando pela rua! Num momento qualquer, posso encontral-o... e volta o disco!

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220 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE A UTOPIA DA ALFORRIA [2834] Si encontro, pela rua, o meu carrasco, commigo penso: a occasião é boa p'ra tudo resolvermos. Coisa à toa, paresce, mas só faço outro fiasco. Eu tento argumentar, mas é com asco que o gajo passa a olhar minha pessoa, de cyma a baixo. "Então não quer que doa?", pergunta, rindo, e sei que já me enrasco. Si fallo em me livrar do seu poder, castigo até maior elle me applica: açoita-me mais, antes de foder, e tudo mais atroz se verifica. Aos outros, é fajuto o meu prazer. Foi optima, essa idéa de quem fica me pondo minhoquinha... Mas vae ver que é boa só p'ra alheia, dura picca.


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SONNETTO SOBRE UM MAU MUSICO [2835] Domingo, meu programma é sempre assim: ouvir, la no coretto, quando toca a banda mais antiga aqui da Mooca, chamando muita gente até o jardim. De longe ja se escuta o Seraphim tocando sua tuba. O que me choca, e choca outros, tambem, é que elle, em troca do officio de tocar, não quer dindim. Até ahi, não ha nada de extranho: trabalho voluntario é bem normal. Extranho é o que elle pede como ganho! A gente sempre leva um animal pro gajo: um pato, um porco... Elle dá banho no bicho, fode e solta... E toca mal!

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222 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE UMA LUA INDISCRETA [2836] O sol nasceu p'ra todos, diz o dicto. A lua, todavia, não se exhibe à toa, a qualquer um. Mas não prohibe ninguem de fazer feio nem bonito. Foder à luz da lua, eu accredito, é muito temptador. Você se inhibe sabendo que nenhuma diatribe lhe tolhe a foda e nada está interdicto? Então! Si a noite é quente, vamos la! Na grama alli do parque, então, fodamos! Si alguem apparescer, galho não ha! Para participar o convidamos, e vamos surubar! A lua está, por certo, convidada a ver que amamos!


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DISSONNETTO SOBRE UM PEÃO E SEU PEZÃO [2837] Faz tempo que eu trabalho feito um louco, ficando alem da hora, dando um duro damnado, e continuo neste appuro! Estou, mesmo, ganhando muito pouco! O meu syndicalista está ja rouco de tanto protestar, mas eu procuro ficar fora da greve. Eu sei, atturo demais, mas a champanhe, um dia, expouco! Duvidam? No momento, falta um zero na ciphra do que eu ganho, tudo bem. Acaso bom salario ganha alguem? Mas rico é meu patrão, e escravo o quero! Achei o seu segredo: elle me tem tesão pelo pezão! Vou ser severo, mostrar que ser pisado não tolero por elle, escravizal-o, e augmento vem!

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224 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE UMA ADMEAÇA APOCALYPTICA [2838] Tem gente que annuncia e que garante, p'ra breve, o fim do mundo. Foi assim que accontesceu no morro. Para mim foi chance de levar a tara advante. Naquelle valetudo, fiz, durante uns dias, tudo quanto a guardar vim de porco e de nojento. Foi ruim só quando terminou aquelle instante. Deixei que me mijassem, no cocô fartei-me e me expojei, lambi sebinho da picca do malandro mais mesquinho, fui puto, performei filme pornô. Agora, desmentido o fim, me allinho de novo na roptina, no tarot voltei a trabalhar e meu chatô vem sendo um centro espirita ao povinho.


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SONNETTO SOBRE UM FUMANTE SEM AMANTE [2839] Ninguem me quer! Ninguem de "amor" me chama! A vida vae passando, e eu sem ninguem! Me falta quem me abbrace e queira bem! Estou aqui deitado, só, na cama! Mais uma noite triste se derrama no coppo que exvazio. Nunca vem ninguem aqui, de noite: a gente tem que olhar a vela a arder, e arder na chamma! Accendo meu cigarro, o derradeiro. Fumei ja varios maços, e a fumaça preenche o quarto todo, com seu cheiro. Cigarro appós cigarro, o fumo traça ethereas espiraes, mas o bombeiro, que mora aqui do lado, recto passa!

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226 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE UM PRESIDENTE DE ALTOS PLANOS [2840] Brazilia provocou um rebulliço na vida nacional. Uns a favor, uns contra, o presidente irá se expor à sanha das más linguas, sabe disso. Alguns compositores compromisso tiveram com a satyra: quem for ouvir o Juca Chaves, vae suppor que fosse o Juscelino muito ommisso. Sympathico ou vaidoso? Ha só defeito? Mas outros o defendem: Si os pardaes protestam, que protestem! É bem feito! Nonô passou voando, das Geraes ao Rio e, si Brazilia teve peito de erguer, agora voa muito mais!


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SONNETTO SOBRE AS CORES DA ESCHOLA [2841] Mangueiras sempre nascem da semente, bem juncto da nascente. Uma mangueira não morre nunca! Aquella alli ja beira os cem, duzentos annos, certamente! E mesmo quando o clima está inclemente, o samba sae à rua. Só se exgueira p'ra dentro do theatro si ha quem queira curtil-o sentadinho, indifferente. Onde o sol faz a sombra, esse é o logar onde quem faz os sambas é o poeta. Ninguem pode vendel-o, ou alugar. Nem sei si a minha eschola predilecta é verde-manga-rosa-azul-do-mar ou é mesmo marron, cor mais correcta.

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228 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE A ANDROGYNIA E A PHANTASIA [2842] Mandinga, candomblé, lá na Pavuna não falta. Cangerê tambem. Por la, abunda umbanda, alem do samba, e ja disseram que só dá gente turuna. Macumba e battucada, como alumna, tem toda a creançada, sem babá nem fada, que alli nasce. O "pessoá" é duro, e com machão se coaduna. Boatos circularam, de que alli jamais nasceu menina, só menino. Magina! A mulherada disso ri! O samba alli jamais foi clandestino... Nem Até que Por

disse que mulher não faz xixi! quiz, por capricho, o meu destino eu fosse hermaphrodita e travesti! isso é que com tudo, la, combino.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO SONNETTO SOBRE UM TOLO CONSOLO [2843] Amor! O senhor sabe la o que é isso? Por uma mulherzinha ter loucura? E sabe, meu senhor, o que é tortura? É vel-a ter com outro um compromisso! Não é porque eu sou pobre e sou mestiço que vou me conformar! Ninguem attura tal discriminação! Mas ella jura que gosta mesmo delle... E eu a cobiço! Senhor, eu sou nervoso, lhe confesso. Si aquelle desgraçado, que com ella namora, me encarar, eu nada meço! Mas temo taes extremos: quem appella accaba se damnando, e algum successo eu faço com as negas da favella.

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230 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE UM RELACIONAMENTO COMPROMETTEDOR [2844] Meu nome em seu caderno ainda está? Pois risque, appague ja! Tambem delete do seu computador! Caso me affecte alguma consequencia, eu nego ja! Você tá sujo, cara, porque la no morro qualquer macho, até pivete, conhesce o seu passado! O seu boquette famoso já ficou! Que fama má! Si alguém me perguntar, eu nem conhesço você! Rasgue os bilhetes que trocamos e queime aquellas photos do começo! Não somos, nem escravos, nem os amos! Não temos, por Satan, nenhum appreço! Você tá percebendo? Então façamos accordo assim: perdi seu endereço, e todos pensarão que nós brigamos.


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DISSONNETTO SOBRE UMA DOCE VINGANÇA [2845] Por que tu bebes tanto assim, rapaz? Ja chega, ja passaste tu da compta! Por causa de mulher? Então me apponcta a dama que tamanho mal te faz! Então é aquella la? Pois tu me dás, agora, uma razão mesmo de monta! Aquella fulaninha é futil, tonta, não vale que tu percas tua paz! Não xingues, não praguejes, em mandinga nem penses! Não rebaixes teu valor! Melhor parar agora com a pinga! Nenhuma dellas sabe dar amor! Aquella muito menos! Vae! Te vinga! Suggiro que commigo vás te expor na frente da cadella: a gente ginga, rebolla, e ella que as coisas va suppor.

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232 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE UMA FRIA VINGANÇA [2846] Morri de rir! Ainda eu ca gargalho, lembrando do que disse, ha pouco, um cara: te viram quando estavas indo para um lanche, no caminho do trabalho. Pediste o piccolé, para que um alho do bife, emfim, passasse, quando entrara no bar aquelle cego que tem tara por pés e que, sem putas, quebra o galho. Ao cego offeresceste teu sorvete, mas elle, desastrado, o fez tombar por sobre ti, todinho, e no tapete sujissimo daquelle mau logar. Molhado dos sapatos ao collete, de susto excorregaste em pleno bar, cahindo extatellado! Eu, p'ra cacete, gargalho, pois negaste-me o manjar.


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SONNETTO SOBRE A MINHA CANINHA [2847] "Marvada" mesmo, a pinga! Eu bebo e caio, de chofre, de maduro, de repente, mas quem dessa cachaça experimente cae juncto! E, p'ra levar, nós "dá trabaio"! Da branca, da amarella, eu dou meu "taio" na pinga aqui da casa. Bebo quente, gelada, mixturada... Essa aguardente egual não tem! A fama eu, della, "expaio"! Que fallem! Que commentem! Sou pinguço, não nego! Mas pudera! Da cachaça não ganha o americano nem o russo! Uisque, rhum, tequila... não teem graça! Producto "nacioná" me faz, de "bruço", cahir por ella! Então, levanto a taça!

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234 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE UMA AUTOMASSAGEM [2848] Papae Noel, será que você tem uma felicidade, de presente, promptinha, p'ra me dar? Deficiente meresce ser feliz! Você não vem? Faz tempo que eu pedi, mas de ninguem ganhei porra nenhuma... "Experimente pedir, pelo Natal, que em sua frente lhe surja um pé com bota e um outro sem..." Assim me acconselharam, assim fiz. Não deu la muito certo. O pé com bota, levei-o bem no meio do nariz! E quanto ao pé descalço, ja se exgotta o prazo natalino e por feliz me dou com o meu proprio, em mão canhota!


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SONNETTO SOBRE UM INVESTIDOR FALLIDO [2849] Meu mundo, ó céus, cahiu! É o que me fez ficar assim, na merda, a mão attraz e addeante a outra... Tanta falta faz a grana, num mundinho tão burguez! No banco, era o gerente mui cortez commigo, emquanto a Bolsa estava assaz euphorica, subindo... Mas as más tendencias retornaram duma vez! Globalizado, o mundo fica, agora, volatil e inseguro. A você, peço, portanto, que me deixe, sem demora. Viver va sua vida, com successo, ao lado de quem saiba quando é hora de acções comprar, vender... Não sei, confesso!

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236 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE AS BOAS COMPANHIAS E SUAS ACÇÕES [2850] Prevejo: a solidão vae accabar commigo! É muito estupido quem queira viver nessa esperança a vida inteira! Desisto, e ja nem saio deste bar! Amigo é coisa facil de encontrar, não sendo uma amizade verdadeira. Tambem de achar amante uma maneira bem simples é pagar, num lupanar. Eu quero, todavia, algo sincero: que seja alguma lagryma, que seja ao menos um sorriso... Isso é o que eu quero! Será que este coitado muito almeja? Será que minhas magoas exaggero? Será pedir demais? Si alguem deseja morrer menos sozinho, juncte zero, mas não à esquerda: o amor vem de bandeja!


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DISSONNETTO SOBRE UMA DESVALORIZAÇÃO IMMOBILIARIA [2851] Você está vendo só? Foi deste jeito que as coisas accabaram... Nossa casa estava accostumada com a rasa altura destas aguas... Que defeito! Foi erro de projecto, pois o leito do corrego, de subito, extravasa e põe tudo a perder! A gente casa, constroe um lar... e nada eu approveito! Só resta, agora, fetida, essa lama! As flores na janella, uma varanda tão grande, em que cabia até uma cama! por agua abbaixo tudo isso desanda! O vento, na roseira, não reclama mais nossa poesia: a propaganda do immovel tem que arcar com a má fama, sem cheiro dum perfume de lavanda.


238 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE UMA SEPARAÇÃO SEM REPARAÇÃO [2852] Está tudo accabado! Desta vez vae cada qual prum lado! Eu, hem? Durante o tempo em que vivi com esse amante, foi duro de aguentar a estupidez! Ja chega, francamente! Ora, vocês calculem que appanhei delle, bastante, passei fome, perdi somno! O pisante do gajo 'inda engraxei! Os filhos? Trez! Não sou mulher p'ra tanto! Francamente! Comida sem gordura eu cozinhava! Eu quero é que elle o mesmo experimente! Vocês entenderão por que estou brava! Cuidar do lar, então, elle que tente! Agora vamos ver si o gajo lava a roupa sem sabão! Um dia a gente se vinga! Francamente! Eu fui é escrava!


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SONNETTO SOBRE UM PACTO RENOVADO [2853] Ja sei! Vamos fazer de compta, amiga, que o tempo não passou! Como si a vida parasse, estacionasse! A gente lida assim com o relogio: ninguem liga! Então, não é bacchana? Então, me diga alguma coisa, amiga! Si a comida no pratto sempre exfria, alguem revida comendo só salada! Ha quem consiga? Decerto! Nós podemos! Caminhemos nós dois nesse sentido! Não concorda você que bem melhor, assim, vivemos! Si a cama não funcciona, bem... a chorda só cae do lado fracco! Agora temos que achar que como algoz você me abborda.

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240 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE UMA BEIJOQUEIRA QUE QUEIRA A PORQUEIRA [2854] Beijei, ja, cada beiço, que vocês nem podem calcular! Desde a beiçola do negro até a do velho, que se exfolla comendo coisa quente no chinez! Os labios masculinos que eu, talvez, beijara com tesão, dum rapazola seriam. Foi no tempo em que na eschola ainda eu estudava, certa vez. De Ja ou De

la p'ra ca, perdi nojo e vergonha. beijo qualquer bocca, seja suja limpa, cheire a pinga ou a maconha. putas fallam? Sou a dicta cuja!

A puta que não chupe que se exponha! A puta que não chore e que não fuja da recta, e aguente o pau que o gajo ponha até no fundo, a todas sobrepuja!


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DISSONNETTO SOBRE UMA SENHORA ENCRENQUEIRA [2855] Faustina, corra aqui! Venha ver só quem é que está la fora, no portão! É sua mãe, a minha sogra, e não exquesce aquella trouxa, aptada a nó! Apposte! Vae haver forrobodó! A velha vae metter-se em confusão commigo e com vizinhos! Vou, então, tractar de ir ja p'ra casa da vovó! Faustina! Eu não fallei? Pois olhe la! Aquella jararaca se metteu num baita arranca-rabo! Corra, ja! Que scena! Que scenario mais plebeu! Assim, não! Quem aguenta? Assim não dá! Pegou-se a tapa, a velha, com o seu Walfrido e, pelo jeito, elle é que está levando mais porrada até do que... eu!

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242 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE UM VEADO CORNEADO [2856] Ella se enamorou de outro rapaz. Assim que o furacão nosso destino sellou, nos affastamos. Imagino que agora esteja rindo... Tanto faz! Bebi champanhe, algum tempinho attraz, na festa de noivado delles. Fino buffê, muita comida, e eu me domino p'ra não sahir do serio. Estou em paz. Appenas apparencia, pois, no fundo, aquillo que eu queria era, na cara da vacca, dar uns tiros, iracundo. Algum macho commigo se compara? Suppuz varios disparos, num segundo, tambem na cara delle... Mas tomara que ella conhesça logo o vagabundo com quem casou, de quem ja levei vara!


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DISSONNETTO SOBRE UMA MUNDANA DORMINHOCA [2857] Accorda, patatyva! Abre a janella! É quasi meio-dia! Que preguiça damnada, essa que tens! Perdeste a missa, as aulas, e vazia está a panella! Relembra a vidinha de luzinha do um tom que

madrugada em que, na bella gandaia, essa mortiça abajur poz na linguiça se advermelha e se amarella!

Fodeste loucamente, e meu chouriço chupaste sem pudor? Ah! Pois espicha a cara na janella! Atturas isso! Te lembras do meu paio, do que exguicha? E então? Ja provocaste rebulliço! De ti commentarão: "Uma salsicha chupou, a meretriz, sem compromisso nenhum com a decencia! Ella se lixa!"

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244 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE UM ALCOHOLATRA AMARGURADO [2858] Tornei-me um beberrão e, na bebida, procuro me exquescer daquella ingrata que amei. Mas a saudade me maltracta demais, e não tem jeito a minha vida... Primeiro, foi com vinho. Só quem lida com marcas consagradas sabe a data correcta duma safra. Só quem tracta da adega, como eu tracto, não duvida. Mas a separação me desleixou: passei a beber vinho de segunda, wermute, e até cachaça! E grogue estou! Si, ao menos, fosse aquella vagabunda... Tambem boa de coppo... Bem, não vou fazer mais conjectura que confunda, sinão o meu leitor, que chato achou, dirá que o menestrel bebe e redunda.


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SONNETTO SOBRE UM BEIJOQUEIRO FOFOQUEIRO [2859] Por isso é que me chamam de "terror dos machos namorados": sou capaz de dar beijo melhor do que um rapaz que tenha, pela moça, algum amor. Cadella, virgem, seja la quem for, eu beijo por egual. É que me traz prazer essa questão que a moça faz de repetir, pedindo por favor. Eu quero é que ella implore p'ra ganhar de mim mais um beijinho, pois sou doce de bocca e de caralho, é bom lembrar. Eu "faço ella" chupar, como si fosse putinha e, si um rapaz no seu logar quizer ficar, ferrou-se e arregalou-se!

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246 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE UM CASAL CINEPHILO [2860] Meu bem às vezes falla que queria commigo ir ao cinema. Eu digo não. Eu quero, na verdade, mas durão preciso me mostrar para a gurya. Meu bem chorando fica e, de alegria, me ponho a rir por dentro. A moça em vão não fica: então, me explica que a sessão maldicta é de terror, e me allicia. Sou duro, mas si o filme for de horror, de monstro, lobishomem, ja fraquejo: acceito até si de comedia for. Agora, meu bemzinho seu desejo vê sempre satisfeito: o exhibidor é muito amigo della, logo vejo.


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DISSONNETTO SOBRE AS MULHERES INTANGIVEIS [2861] Amar é aquelle typo de prazer que a gente, vez na vida, vez na morte, encontra, caso tenha a boa sorte de achar uma mulher de bem querer... Que saiba desfructar sem pretender demais, que leve tudo por esporte, que saiba ser humilde, que supporte pancada e que dê compta do dever. O samba, que é machista, às vezes goza do macho que a respeita appenas pela lei: quando Deus a femea faz formosa, o mundo se encarrega de fazel-a... Luxenta, convencida e presumpçosa. Mulher, quando luxenta, é como a estrella e, quando muito linda, é como a rosa. A rosa é de cheirar; a estrella, vel-a.

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248 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE O RAPTO CONSENSUAL [2862] O gallo, quando canta, é porque é dia. Mas, quando canta fora da roptina, é moça que por ave de rapina vae sendo sequestrada e que asas cria. Por isso, é bom cuidado ter, Maria! Sinão, um gavião vem, na surdina, teu cheiro farejando, e faz, menina, comtigo o que com outras já faria: Foder-te, envergonhar-te e deschartar-te! Tambem de bom alvitre é que o marido à esposa recommende, quando parte: "Si até certos maridos tem fodido, aquelle rapinante que se farte com elles! Mas não ergas teu vestido!"


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SONNETTO SOBRE UM PAPEL RIDICULO [2863] É mesmo como um circo, a nossa vida, e nosso coração é que é o palhaço, fazendo pirueta, como eu faço, por causa da pessoa mais querida. Tem cara de palhaço quem convida alguem para um programma e espera um laço mais firme logo appós! Si for ricaço, porem, a mulher sae compromettida! Mas, mesmo assim, o gajo de pateta prosegue no papel, pois a mulher tem nelle appenas uma mera meta: Tomar-lhe a grana! Obtido o que ella quer, descharta o gajo, ou fica, si é dilecta herdeira, alem do primo e do choffer.

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250 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE UM POETA MENOR [2864] Eu posso ser pequeno, mas por fora. Por dentro, sou grandão, ja que tamanho não era documento la no antanho, nem prova coisa alguma, ainda agora. Sou magro, sou franzino, mas melhora bastante o meu conceito quando eu ganho um premio litterario, e nem extranho si o proprio imperador me condecora. Va la que o tal monarcha tenha só um titulo ficticio e que não seja capaz de medalhar a própria avó. Não faço trova, glosa nem pelleja, mas só no madrigal e no rondó meresço mais o bollo que a cereja.


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DISSONNETTO SOBRE UM GALANTE NO VOLANTE [2865] Buzina que se preza faz "Fom! Fom!", e não "Curru! Curru!": no meu carrão, eu tenho as duas, mas só lanço mão daquella que appresenta melhor som. Si passo pela praia do Leblon mostrando-me, lindão, na direcção do carro, não ha puta e boy que não deseje uma carona, e eu acho bom. Galan superdotado me sahi! Cappota conversivel me permitte expor melhor a cara, que, por si, bastava p'ra que acceitem meu convite. Mas quero impressionar quem sente aqui no banco do carona e que accredite ser bella a minha mascara que ri. Ninguem mais me supera, aqui na city!

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252 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE UMA ESPERANÇA QUE NÃO SE ENCERRA [2866] Si está "no coração", na capital, seria aquella serra o proprio morro. Com olhos no passado é que o percorro, mas pouco esperançoso, é natural. Em que se transformou o carnaval? Negocio? Diversão? Quando eu concorro ao titulo, revivo o samba, ou morro com elle, no padrão commercial? Turismo à parte, aquelle unico bem, ou ultimo, do morro, se constata que até sobrevivido o samba tem. Emquanto houver cachorro viralatta lambendo o pé malandro, alli, de alguem, o samba sobrevive e não tem data.


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SONNETTO SOBRE UM PAIZ QUE TROPICA [2867] Eu moro num paiz tropical paca. Por Deus abbençoado, elle é bonito só pela natureza, pois não cito mais nada, alem do samba, que elle emplaca. Perguntam-me: "Mais nada? Vista fracca, a sua! E os parasitas? E o mosquito? E as aguas polluidas? E esse mytho das febres, que victimam até vacca? Si temos carnaval em fevereiro, tambem nós temos dengue, raiva, grippe e cholera: dansamos o anno inteiro! Ainda que você não participe (me fallam) do desfile, paira um cheiro de exgotto até no camarote VIP..."

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254 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE UM PAPEL DE PONCTA [2868] Si de na ao

o lobo fez papel de bobo e o pato portavoz da Bossa, qual seria, musica, o papel que caberia cão? Só o de lamber pé largo e chato?

Por mim, pode ser esse, mas constato que, para alguns, ser cão desprestigia o gajo, ja que o povo tem mania de vel-o feito gatto e até sapato. "Não sou cachorro, não! Viver não quero assim tão humilhado!", com seu cunho vulgar, do Soriano é o testemunho de todo cantor brega, que é sincero. Mas nem por ser cachorro eu me accabrunho e sou tambem sincero si venero um pé, mas não um pé qualquer, um mero: um pé sambista, emquanto o meu empunho.


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DISSONNETTO SOBRE UM CASAMENTO CAYPYRA [2869] Antonio estava prestes a casar, na egreja, com a filha de João. Mas passa a mão na noiva esse ladrão chamado Pedro, à beira, ja, do altar. Ballão que vae subindo irá parar aonde? La no céu? Ou cae na mão da gangue balloeira, de plantão no bairro, ou em qualquer outro logar? Negocio de ballão é tudo egual: subiu, sem que se saiba aonde va. Comptou com elle Antonio, mas o tal ballão na mão de Pedro agora está. O caso tem desfecho natural: Chorão, Antonio bebe. A noiva ja perdeu seu cabacinho. E Pedro, mal comeu a noiva, em cyma de outras dá.

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256 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE UMA NOITE ENFEITADA [2870] Eu quero que as creanças dormir vão e as flores que perfumem minha salla, na noite em que meu bem vem visital-a, depois de muita jura e indecisão. O cheiro do banheiro chega e não ha jeito de evital-o, si trescala na casa toda, e a molecada "mala" não dorme, quer só ver televisão. Ternura em meu olhar nem sei si ainda terei, com essa espera e essa demora. Mas nunca fui la, mesmo, muito linda. A noite vae passando e, ja na hora do filme de terror, essa bemvinda presença chega, come, e vae-se embora.


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SONNETTO SOBRE AQUELLAS QUE BORBOLETEIAM [2871] Mais voltas fica dando a mariposa em volta duma lampada si exfria o tempo, mas não sei si ella queria, de facto, se exquentar, ou outra cousa. Appenas sobrevoa, jamais ousa pousar naquella luz. Durante o dia, se esconde, mas, à noite, rodopia em torno, sem pousar. Mas onde pousa? Talvez na minha cama. Me comparo à lampada, e as mulheres considero que sejam mariposas. Não fui claro? Me explico, então, melhor: dellas eu quero só sexo, mas, si cobram muito caro, accabam sem freguez. Eu sento e espero.

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258 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE UM MANO UFFANO [2872] Estou suando neste collarinho, callo appertado dentro do sapato, mas, quando é branco o gajo, eu sempre tracto de estar naquella estica, de terninho. Mais facil, dos clientes, é o ceguinho, que nunca quer saber si sou mulato ou negro: quer lamber o meu pé chato, chupar-me, e só. P'ra esse, eu nem me allinho. Cor de jaboticaba, de azeviche, sou negro e tenho gosto! O cego é branco, mas quero que se foda, que se lixe! Commigo, o masochista é sempre franco: espera que eu lhe pise, que eu lhe exguiche, que eu goze, e eu sangro o saldo seu no banco.


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SONNETTO SOBRE UM BEMFEITOR DA FAUNA [2873] La vem o seu Noé, que em casa tem mais bichos que na Biblia reunia. Mascottes que vão desde aquella enguia electrica ao leão, 'inda nenen. Aqui, compra a ração. Compra tambem brinquedos pros filhotes: um que mia, aquelle outro que latte... Veiu, um dia, pedir carne com osso e carne sem. Curioso, perguntei. Fallou: "Você precisa conhescer aquelle anjinho, aquelle filhotinho de bassê..." {A carne é pro bichinho?}, eu adivinho, mas elle exclaresceu: "Não! Quer que eu dê tal coisa? Eu o alimento é com beijinho!"

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260 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE A CORRESPONDENCIA NÃO-CORRESPONDIDA [2874] Será o pombo-correio tão tolinho a poncto de levar, no proprio bicco, a charta que, de amor, identifico só pelas palavrinhas de carinho? Taes chartas, e esta mesma que escrevinho agora, sobram sempre, como um mico, na mão do amante pobre, si algum rico roubar-lhe a namorada... Né, pombinho? Quer sejam remettidas, devolvidas, rasgadas ou queimadas, sempre eguaes são ellas, desunindo duas vidas. Das juras do começo até as finaes e eternas despedidas, não são lidas sinão emquanto escriptas, e jamais.


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SONNETTO SOBRE UMA MUSA QUE SE ACCUSA [2875] "A lua vem surgindo, cor de pratta, nos altos da montanha verdejante. Reclamam, na janella, a sua amante as lyras do cantor, em serenata." Mixturem-se taes versos, e mais chata ainda esta seresta, e quem a cante, será, cada vez mais. Porem, durante bom tempo, o estylo foi, no disco, a natta. "Não tens que trabalhar, és malandrinha..." Só isso se approveita numa lyra repleta de chavão e de abobrinha. A quem seja que a lettra se refira, a serio não seria a cadellinha levada: alguem por puta, então, suspira?

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262 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE A LAVAGEM DA ROUPA SUJA [2876] Quem é que diz um addeusinho no portão? Quem é que muda os botõesinhos na camisa e, de manhan, não faz barulho quando pisa, e, quando pedes qualquer coisa, não diz não? Quem é que arrhuma teus papeis na escrivaninha? Quem é que accerta teu lacinho na gravata? Quem é que faz o teu bifinho com batata e estraga tanto as lindas mãos la na cozinha? Quem é que nunca diz palavra má que gore o bom casamento, nem faz outras coisas más? Quem é que reza, só por ti, la no oratorio? Quem é que diz, ao cellular, que não estás? Quem é que sabe que não paras no escriptorio? Quem é que mais economiza luz e gaz? E, no entretanto, o casamento é um illusorio dever, eu sei, pois te enamoras dum rapaz!


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SONNETTO SOBRE UM MALICIOSO CIOSO [2877] Mas tem que accontescer logo commigo? Tanta mulher no mundo, e fui gostar daquella mais bonita do logar, que, por signal, casou com meu amigo! Não sou Roberto Carlos, mas lhes digo: gostar duma casada é muito azar! Não quero desmanchar, delles, o lar, por isso é que me imponho este castigo. Sagrado é o casamento! Que direito eu tenho de estragal-o, si até posso dizer que, às escondidas, approveito? Castigo é não casar, mas esse troço ficou ultrapassado. E, si o subjeito chiar, por traz, tambem, delle, eu accosso!

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264 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE UMA GAROTA MAROTA [2878] Você deu endereço, mas errado, e o nome deu trocado. Minha eschola, porem, é muito boa: dei-lhe bolla, mas falso foi, tambem, dado o meu dado! Disseram que você tem commentado que faz a saphadeza e depois rolla de rir... Tentou commigo um rapazola o mesmo expediente, e está ferrado! Você tem coração inconsequente, rapaz, que até paresce com estribo de bonde: sempre cabe alli mais gente! Mas é gente da sua propria tribu! Commigo, não! Commigo ninguem tente, pois eu sou escholada! Não me inhibo e digo sem rodeios: de innocente não passo nem bilhete, nem recibo!


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

SONNETTO SOBRE UM SERESTEIRO RASTEIRO [2879] Si a noite um triste addeus nos insinua, alguns compositores a parada resolvem, de maneira appaixonada, lettrando a serenata, à luz da lua. Um delles "Boa noite!" diz, e sua canção deixa pensar si a mão beijada seria, ou não, um pé... Numa saphada leitura, esse dilemma continua. "Beijando, hei de, teus dedos, te dizer..." Eu mexo nestes versos, os mixturo, inverto, ou embaralho, por prazer, mas sempre concluindo que, no escuro, o gajo beija artelhos... Não quiz ser explicito, comtudo: era inseguro.

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266 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE UM SERESTEIRO INTERESSEIRO [2880] "Cadeiras da bahiana": essa expressão comporta tanta coisa! Que é que tem de tão gostoso, em seus quadris, alguem, a poncto de causar tanto tesão? Feitiço, cangerê, mandinga? Não! O nosso trovador, no fundo, vem attraz duma cocada, que ninguem melhor sabe fazer que aquella mão. "Eu canto a lenta valsa, sem dar ratta! Por isso visitei tua janella, tentando compor minha serenata..." {Cantor (diz a bahiana), tens voz bella, mas, pela cocadinha, quem me tracta com jeito é quem sambista se revela!}


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DISSONNETTO SOBRE UM LAÇO LASSO [2881] Eu te amei como pude, feito gente. Fui inteiro, metade, fui ferida e faca, fui a volta, fui partida, fui tudo e nada: o opposto, simplesmente. Opposto presuppõe, logicamente, confronto. Entre dois sexos, appellida o coito dum casal, que convalida aquillo que se goza e que se sente. Mas, si por monosyllabos os dois parceiros dialogam, o sentido ficando vae menor, diminuido, estreito, e faltam nomes para os bois. Laconicos, succinctos, eu duvido que tenham mesmo amado a tempo, pois a vida muito curta foi. Depois de tudo, nada resta, aptado, unido.

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268 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE UM RISO RASO E UMA FENDA FUNDA [2882] Eu quero ser o riso e ser o dente. Eu quero ser o dente e ser, tambem, a faca, a faca e o corte, um corte bem profundo, bem vermelho e sorridente. Sou raiva, sou vaccina, sou somente o espaço entre o que é sem e o que contem, a briga do que vae com o que vem, de espelho e luz, de passaro e semente. Meu berço, eu faço e fiz na viração. Na tempestade, appenas, addormesço. Descanso só si estou no furacão. Não tenho nem patrão, nem endereço. Não faço nem poema, nem canção. Fazer, no som, nonsense, tem seu preço. Alguns ja me entenderam, outros não. Um dia, eu vingo, eu cresço, eu apparesço.


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SONNETTO SOBRE UMA JORNADA ESTELLAR [2883] Si veem para brigar, vão ter commigo. [vêm] Pensando o que? Que podem vir aqui no céu, neste jardim, fazer xixi? Eu ponho todos elles de castigo! Veem elles com bandeiras, mas nem ligo. [Vêm] Tambem com umas armas, que eu já vi. Mas delles este kosmo todo ri. Si querem, pois, brigar, eu tambem brigo. Não pense um astronauta que liberta, aqui nesta galaxia, seu instincto voraz e predador! Estou allerta! Si pensa em ser parceiro, até consinto que junctos estejamos quando apperta a prega: sou astral, mas tenho um pincto!

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270 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE O PINHO E O CHORINHO [2884] Aquelle inseparavel companheiro que ao Chico appellidou Chico Viola é o mesmo que ao Paulinho 'inda consola a fim de que não chore o tempo inteiro. Porem, Paulinho para e diz, cabreiro: "Eu tento exquescer della, mas me admola o raio da viola! P'ra saccola irá, de agora em deante, e irá ligeiro!" Não cumpre o promettido, fica claro, pois nem para o bahu, nem para o sacco tem ido o violão, que custa caro. Com pinho ou sem viola, o poncto fracco do cara é o proprio choro, é o que eu reparo, e não uma saudade, é o que eu destacco.


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DISSONNETTO SOBRE UM TRAJE DE GALA [2885] Viver indifferente é uma conquista difficil de alcançar. Quem não tem grana disfarsa, canta, ri, mas não enganna ninguem, pois suas vestes dão a pista. Gravata, paletó, calças... a lista vae longe. Com que roupa? Elle tem gana de estar na festa, olympico e bacchana, mas vive exfarrappado, esse sambista! Será a philosophia efficaz meio de me manter estoico, indifferente à grana, ao consumismo? É o que eu receio. É a grande frustração que a gente sente. Perdidos como cego em tiroteio, philosophos tambem são, como a gente, subjeitos à vaidade, e papel feio farão, si os condecora o presidente.

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272 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE UM HABITUÊ NUMA DEPRÊ [2886] Garçon, não quero nada. Nem café, nem leite, nem manteiga na torrada, nem agua bem gelada. Nada, nada! Só quero ficar só, chorar, até. Si eu da de

as coisas não chegassem nesse pé, ia até pedir a marmellada casa, aquella torta recheada nozes e castanhas... Um filé...

Talvez, antes da torta, um medalhão ao molho de mostarda, que convida a arroz e frictas juncto, hem? Que pedida, não acha? Ou cê tem outra suggestão? Lombinho com farofa? Puxa vida! Foi muito bem lembrado! Traga, então, um pratto de torresmo, uma porção maior, p'ra accompanhar... Sim, a bebida!


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DISSONNETTO SOBRE UM HABITUÊ NUM CHIQUÊ [2887] Aqui, neste logar, neste logar que fora de nós dois, aqui jamais suppuz que voltaria, muito mais feliz e bem casado... É aqui meu lar! Eu sempre tinha estado neste bar, servido pelo mesmo garçon. Taes me foram os eventos, tão fataes, que até parei de vir, de frequentar. Agora, me livrei daquella mala sem alça, e retornei ao botequim mais chique do pedaço. E vim de gala. É poncto da maior honra p'ra mim! Sim, sei que toda a gente de mim falla! De terno, com gravata, assim eu vim por causa de mulher. Quero aggradal-a e sei que ella detesta alguem chinfrim.

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274 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE UMA PHASE PHRENETICA [2888] Oitenta é, p'ra mim, hontem, e septenta antehontem. Do Renato e do Cazuza memoria ainda viva tenho, e accusa momentos mais agudos, e os augmenta. Foi epocha de rock, a barulhenta e fertil decadinha, de profusa procura por prazer, mas ja sem musa, sem noite de luar, negra, cinzenta. "Ainda é cedo, cedo, cedo, cedo...", cantava a Legião, mas a doença castrou à juventude seu folguedo. "Felizes são as mães!", foi a sentença... Marcante dessa vida sem segredo, mas tragica, do filho que em si pensa. Lembrar de tudo aquillo dá até medo: a compta dos que foram fez-se immensa.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

SONNETTO SOBRE UMA CRISE DE IDENTIDADE [2889] Ninguem me telephona, nem visita, ninguem! Por que, meu Deus, não sou amada nem tenho, mais, amigos? Hoje, cada minuto é eternidade... Estou é fricta! Ah, vou me produzir, ficar bonita, sahir, dar um rollê... Pela calçada apposto que eu encontro alguem que invada meu corpo e minha vida, essa maldicta! Vidinha como a minha é solidão total, aqui trancada e deprimida! As horas vão passando, os dias vão! Não quero me mactar! Eu quero a vida! Preciso me assumir: sou sapatão! Sou feia, mas com isso a gente lida!

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276 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE UM DOMINADOR DIMINUIDO [2890] Você passa por mim e nem me nota, ou finge que não nota. Braço dado com novo, bem mais novo, namorado, me esnoba, ergue o nariz e banca bota. Mas ja lambeu, que eu lembro, a minha bota, ja tive meu caralho bem chupado por essa bocca linda, e como sado você me desejou, cega e devota! Foi minha fellatriz, a fiel e favorita! Agora de mestra, de senhora, Mas quanto fingimento!

minha escrava posa airosa e brava? Quanta prosa!

O curso dos eventos ninguem trava! Dá muita volta o mundo! Vae, chorosa, voltar quem, desdenhosa, me esnobava e então nós vamos ver quem é que goza!


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SONNETTO SOBRE UMA VIAGEM DESBUNDADA [2891] Um dia, deu vontade: então eu quiz sahir deste paiz, ir ver a Europa. A gente hesita, hesita... e, um dia, topa: parti, portanto, e fui para Paris! De facto, a architectura tem perfis que aqui ninguem encontra: até na coppa das arvores, nas torres... Quem se dopa, viaja, mas não grava, como eu fiz. Batteu logo a saudade, todavia: Paris também tem rio, tem o Sena, mas era um outro Rio o que eu queria! O Rio de Janeiro! Aqui a morena abunda! Sem metrô nem galleria, aqui, comtudo, a vida vale a pena!

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278 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE UM BONDAGISTA INDISCIPLINADO [2892] Não tenho mais ninguem na vida, eu juro! Por isso, o meu consolo é só você, amor, e ja lhe explico, aqui, por que. Fiz tudo sem querer, agi no escuro! Agora, me attormento e me torturo, mas, quando a gente pode ver, e vê, procede com cautela. Ninguem crê que possa alguém, vendado, ser tão duro. Mordi com muita força a sua mão, eu sei, mas o chicote me machuca demais, dahi a minha reacção tão indisciplinada, tão maluca! Lhe peço, minha amada, seu perdão! Perdão, querida! Eu sei, você me educa battendo com vontade, e meu tesão é esse! Não exquente a sua cuca!


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

SONNETTO SOBRE UMA FRICTURA EM NOITE ESCURA [2893] Não dá p'ra não gostar de acaragé. Si eu penso no damnado do bollinho, me vem agua na bocca. "Tá quentinho! (cantava a quituteira) Quem não qué?" Aquillo que me intriga é por que até dez horas, plena noite, ella, a caminho de casa, ainda cante... Eu adivinho que queira, antes, vender tudinho, né? Si a rua está deserta, quem irá comprar acaragé? De mais a mais, alguma indigestão aquillo dá! Duvido do Caymmi? Não, jamais! Mas eu não comeria um abará, acaragé, nem nada, em horas taes!

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280 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE UM PRIMAVERIL FERVOR SERVIL [2894] O Rio admanhesceu rindo e cantando. Por causa da estação, a primavera, o amor paresce até que prolifera, e surge namorado em penca, em bando. E, quanto mais eu mando e mais desmando, mais elle me obedesce e me venera. Ser sadomasochista era chimera, suppuz, mas batto agora, e estou gostando. Durante a primavera, o carioca se assanha, se dispõe, se expõe e appanha da gente sem pedir carinho em troca. Eu sou dominadora que bem ganha, mas faço tudo gratis quando evoca o clima excitação tal e tamanha.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

DISSONNETTO SOBRE UMA BRINCADEIRA INNOCENTE [2895] Que fallem! Que fofoquem! Deixe a má linguinha desse povo fallar mal! Ninguem está fazendo de animal um ser humano de verdade, está? O gajo ficou cego! Agora ja nem pode reagir! O pessoal appenas se diverte si elle, egual a um cão, só se debatte, porra! Ah, va! O povo tambem gosta do brinquedo, mas finge que tem pena do ceguinho! Sorriram, quando o gajo sentiu medo! É todo o povo assim, sempre excarninho! Só faço, de tormento, um A gente mal chammusca no e o cego pulla! Hilario! de alguem é que me achou

arremedo! focinho O genio azedo muito damninho!

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282 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE A FAVELLA REVISITADA [2896] Voltei. Estou voltando para o morro. Não vejo a hora, agora, de rever a cara dos malandros e saber si ainda la estaria o meu cachorro. Ai, gente! De saudades quasi eu morro! Preciso ouvir o samba, receber no rosto esse sereno, e ter prazer de ver si o viralatta leva exporro. Aquelle cachorrinho me lambia as solas, si as sandalias eu tirava depois de ter sambado noite e dia. Agora vou revel-o... Sou escrava de todos os malandros, mas não ia deixar de dar-lhe a sola, como eu dava.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

DISSONNETTO SOBRE A MINA DO MANO [2897] Quem é que neste mundo tem passado e nunca errou? Errar é tão humano que eu venho me accusar! Culpe-me, mano, até desmoralize meu passado! Porem, si "errei, erramos" foi um dado humano e confessavel, eu me irmano a todos que o commettem. Pelo cano e em canna vou entrar, estou ferrado! Bem sei que sua mina era uma vacca! Ainda assim, tentei endireital-a, mas ella me enfrentou com uma faca! Si a gente não reage, ella appunhala! Quem é que, nesse caso, não se attraca? Luctamos. Ella errou, e para a valla mandei-a. Sei que errei, mas quem ensacca alguem meresce pena, jamais balla!

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284 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE UMA SESSÃO BEM PROGRAMMADA [2898] Foi, foi, foi mostrar que a a vir brincar ja deu, nesse

o destino que nos quiz Colombina está disposta comnosco. Uma resposta sentido, e estou feliz.

Fallei com Arlequim, e elle me diz que achou optima a idéa. A gente apposta que vae ser divertido, si ella gosta de nos fazer de escravos bem servis. Então, burucuntum! Vamos debaixo dos pés della! A tem pé bem cavo, e largo Alem do mais, vem sempre

rollar Colombina o calcanhar! de botina!

Ja tive que engraxar aquelle par! Me disse: "Pierrô, você domina, pisando no Arlequim. Depois, vou dar a surra em vocês dois..." Fallou, menina!


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

SONNETTO SOBRE UMA MORTE ANNUNCIADA [2899] Não foi só Madureira que ficou chorando: está faltando o mais querido sambista aqui do bloco. Si decido lembral-o, é que mortal eu também sou. Morreu elle sambando. Lhe advisou o medico. Tomasse o comprimido sem falta, e não teria, às pressas, ido junctar-se aos fallescidos neste show. À noite, com sereno, este terreiro é mesmo perigoso p'ra sahude, mas elle de outros males foi primeiro. Cardiaco, epileptico, a attitude do gajo foi maluca. Si em janeiro é fria, em julho, então, Jesus me adjude!

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286 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE UM CORPO-A-CORPO BALLANCEADO [2900] Eu quero ir para a cama com você! E toda vez, por mim, que você passa, fingindo não me ver, se despedaça meu pobre coração, no ballancê. Você, sempre fingindo que não vê. Eu, sempre planejando algo que o faça achar em mim um charme, alguma graça, ainda que eu só coma e que não dê. No fim, tudo se arranja: ainda pego você desprevenido, e o cu lhe ganho! Emquanto eu não comel-o, não sossego! Mais penso nesse rabo, mais me assanho! Não, nada me enduresce mais o prego! Tá certo que eu não sou do seu tamanho, nem lucto karatê, mas não sou cego que nem você, e de cego eu não appanho!


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

DISSONNETTO SOBRE QUEM CANTA UM CANTO [2901] Um homem que diz "dou" não dá. Quem dá não diz. Homem que diz "eu sou" não é. Quem é diz só "não sou". E pode até ter dado pro patrão, o cara, ja. Aqui, cara de pau não faltará, que diga o que não fez. Ninguem põe fé, tambem, no que renega essa ralé, à qual 'inda pertence, e trahir va. Promessa ninguem cumpre. Juramento foi feito só p'ra quem vae violal-o. Palavra dada voa com o vento. Quem jura que accredita vae no emballo. Quem Quem Quem Quem

cala só dará consentimento. falla sempre pisa no meu callo. ouve commemora o que eu lamento. ama diz que é doce o feio phallo.

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288 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE QUEM DOMINGOU E SE VINGOU [2902] O rei da brincadeira era José. O rei da confusão era João. Na feira o Zé, João na construcção, trabalham. Mas ninguem de ferro é. Domingo, vão pro parque. Zé põe fé na sua namorada e della não duvida. Mas a vê quando, na mão daquelle, ganha rosa e piccolé. Pacifico, José se transfigura. João é seu amigo, mas ninguem que seja assim trahido quieto attura. Gigante, a roda gyra. Elles nem bem rodaram, Zé, de faca, os dois perfura. A feira? A construcção? Hoje não tem!


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

DISSONNETTO SOBRE UM SAMBA PERENNAL [2903] "Queremos ver os Beatles pelas costas!" Assim a Biennal tinha seu lemma. Ao samba, uma guitarra era problema e à Joven Guarda faltam as respostas. "Não gosto da canção de que tu gostas!" As partes não se biccam. O dilemma se accirra si a maré, contra a qual rema a musica, as idéas quer depostas. "Me enterrem na Lapinha!", canta Elis, que deu ao movimento seu aval. Estavam enterradas, por signal, aquellas utopias dos civis. Passada a agitação do festival, o cavaquinho electrico deu bis. Guitarras fazem samba, e quem não quiz ouvil-as, hoje tudo acha normal.

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290 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE O SALGADO DA SOLA [2904] Fiz doce, com assucar, com affecto, p'ra ver si agora em casa você para. Qual nada! Mal comeu, você dispara p'ra rua, attraz do esporte predilecto! Baskete? Futebol? Nada! Directo p'ra zona vae você! Não sei que tara maluca você tem, que se compara àquelle cachorrão sujo e sem tecto! Procura só, na puta, a perna, o pé, querendo ser chutado, lamber sola, de quattro andando, e rastejando, até, raspando num pisante essa beiçola! De tudo fiz, mas perco, agora, a fé! Eu tento addocical-o, mas não rolla carinho entre nós dois! Fazer café amargo é o que, a mim mesma, me consola.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO SONNETTO SOBRE O FOGO E O JOGO [2905] Fumar é prohibido, o adviso diz. É medo só de incendio, ou é do fumo em si, dos maleficios, em resumo, que causa? Essa a pergunta que me fiz. Roberto manda braza. Foi feliz na idéa que, fogosa, vae no rhumo erotico, ao beijar. Não me accostumo, porem, com a noção que passar quiz. Dum beijo sae faisca? Fosse assim, o pé da minha amada chammuscado estava ja todinho! E o mesmo em mim. De facto, nossos pés teem se queimado, mas não por beijo: a praia, aonde vim com ella, não suggere usar calçado.

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292 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE A LYRA CIVICA [2906] A minha terra, toda verde, toda do povo brazileiro, rumoreja no samba e na toada sertaneja, e explode em cores quando o sol exploda. Nas lettras, só se eclode, caso ecloda, aquillo que ella dá, que se festeja cantando rios, mares, bemfazeja floresta... Ninguem quer que ella se foda. Si Deus é brazileiro, como accusa algum compositor, como é que deixa a terra devastar quem della abusa? Si é brazileiro o auctor, por que se queixa de dor e de tristeza? É porque a lusa matriz era chorosa e deu a deixa?


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DISSONNETTO SOBRE UM CASAL DESENTENDIDO [2907] Mas como? Foi você pinctar a cara de novo? Você sabe que eu não gosto! Esse rostinho lindo, que eu apposto, si houver algum egual, é coisa rara! A gente chega em casa e se depara com isso? Você tinha, ja, se exposto assim, mas não estou eu mais disposto a tudo tolerar, que tolerara! Va, tracte de limpar a maquillagem, sinão não sae commigo! Que vergonha, sahirmos, desse jeito, de viagem! Não tira? Ah, é? Prefere que eu lhe ponha... Um chifre? Meu marido faz bobagem e tenho de atturar? Você que sonha! Não sei por que tamanha veadagem num cara com a cara tão medonha!

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294 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE QUEM CANTA E NÃO ENCANTA [2908] Está na moda, o radio! Agora até quem é mais pobre pode comprar um! Comprei o meu, do typo mais commum, pagando à prestação, é claro, né? Agora escuto a Carmen, o Casé, o Chico, o Lamartine e, caso algum talento novo surja, como um pum que explode de repente, eu boto fé. Cantoras não superam os cantores na phase aurea do radio, mas, depois, os homens ja não dão novos valores. Das vozes masculinas, nome aos bois nem dá para citar, mas meus amores ainda são mulheres, trez ou dois.


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DISSONNETTO SOBRE UM PESADELLO PODOLATRA [2909] Sonhei que estavas tu tão loira e bella, na festa de rarissimo exsplendor, vestida para o baile, meu amor! Que sonho mais extranho na favella! Tu ficas te mactando na panella, no tanque, na privada, no fedor do lixo que catamos! Quem suppor iria phantasia como aquella? Dansava-se uma valsa. Eu sonho um par valsando em rodopios e, do nada, alguem, excorregando, a se prostrar no centro duma salla bem lotada! Debaixo ja de muito calcanhar cahido, o dansarino teve cada porção do corpanzil, cada logar do corpo, desde a mão, pisoteada!

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296 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE O BAIRRISMO DO SAMBISMO [2910] Por mais enfeitiçada que se enfeite a Villa, Noel Rosa bem conhesce os vicios dos malandros. Uma prece não livra um penitente do deleite. São Paulo dá café, Minas dá leite, e samba deu a Villa. O que accontesce é que dum vicio o samba ja padesce no tempo de Noel: que alguem o estreite. Dizer que o melhor samba é só o daqui, dalli, de algum logar, regionaliza demais, e nada ganha o samba, em si. Si o samba for "caypyra" ou "puro", à guisa de bom ou de ruim, delle ja ri quem faça frevo em Sampa, quando o bisa.


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DISSONNETTO SOBRE O UFFANISMO E O AFFANISMO [2911] Perguntam ao poeta: "Donde vens? Que tem o teu paiz? Onde é que está?" Responde elle dizendo que não ha logar melhor no mundo, ou com mais bens. Não valem nossas minas só vintens, nem mares, nem florestas valem, ca, centavos ou tostões. Quem menos dá por nosso solo, extrae-lhe uranio em trens. Pedreiro, garimpeiro, jangadeiro, vaqueiro, boiadeiro, estes jamais verão o que foi feito do dinheiro de leve mencionado nos jornaes. Dos tempos de merreis e de cruzeiro, os poucos pinheiraes e syringaes, e os parcos palmeiraes do brazileiro mal valem bananaes dos mais banaes.

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298 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE A DEMORA DA MORENA [2912] Onde é que vae você, morena Rosa, com essa branca rosa no cabello, a fita do Bomfim no tornozello e todo esse jeitão de moça prosa? Morena, este podolatra, que goza appenas vendo o seu pezinho, ao vel-o andando nesse andar, com tanto zelo, mantem-se na esperança cobiçosa! O samba está esperando por você, Rosinha! A malandragem toda está cansada de esperar que você dê! Dê tudo que quizer, Rosinha, ja! Sei bem o que elles querem! Mas não vê que eu só quero seu pé, morena? Va! Eu fico aqui, curtindo uma deprê! Va logo! Mas depois volte p'ra ca!


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DISSONNETTO SOBRE CANTOS E DESENCANTOS [2913] No céu, no mar, na terra, quem escuta o som deste paiz até se expanta com tantas battucadas e com tanta battida percussiva, rude e bruta. Trovões no céu trovejam, numa lucta titanica, que assusta mas encanta. Em ondas, com extrondos, o mar canta nas praias e rochedos que disputa. Si formos nós nos hippies botar fé, a Terra se defende como pode. Supporta secca ou chuva, até maré, e agguarda um terremoto que a accommode. Barulhos naturaes ja deram pé a muitas louvações, mas só se fode quem tenta enaltescer pagode e axé, que dão, nos musicologos, um bode.

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300 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE A BAHIANIDADE ADOPTIVA [2914] Mas sabe o que accontesce? Eu sou bahiano e a moça ja me disse que não é. Por mim, não tem problema, pois seu pé não tem que ser urbano ou suburbano. Às vezes, ella diz: "Sabe? Eu me uffano de ser carioquissima e de até na Lapa ter nascido!" Ai, São José, me adjude! Concretize este meu plano! Assim que ella pisar no Pellourinho, converta aquella sola, o calcanhar, os dedos... Bahianize esse pezinho! O jeito que ella tem de caminhar, p'ra ser bahiano, andou meio caminho: só falta ella se naturalizar!


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SONNETTO SOBRE UMA CANTIGA QUE INSTIGA [2915] Papae quer descansar... Você tambem precisa, meu filhinho! Vamos, durma, sinão não brinca mais com essa turma de monstros que só gostam de nenen. O boi da cara preta é o que mais vem aqui, para brincar! Quer que elle suma e nunca mais retorne? Elle se arrhuma: na falta dum menino, outros ja tem. Vampiros, lobishomens, todos vão seguir o mesmo exemplo: ou o menino vae logo para a cama, ou partirão. Então? Não vae nanar? Olhe, eu não nino você mais, não! Os monstros teem tesão não só por um garoto pequenino!

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302 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE UMA JUSTA RECIPROCIDADE [2916] Maria Magdalena dos Anzoes Pereira, teu beijinho tem aroma de flor de laranjeira! Quem te toma nos braços, quer ser um dos teus heroes! Por que, Maria, appenas dás aos boys o beijo tão famoso? Caso eu coma a tua bocetinha, e quem te doma me torne, meu desejo não destroes! Então terei teu beijo, nem que seja na marra! Só depois de haver beijado teus labios, chuparás minha cereja! Teu beijo tem aroma requinctado, segundo esses boyzinhos. Mas esteja bem claro que meu pau fede um boccado!


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DISSONNETTO SOBRE UM PEREGRINO RECOMFORTADO [2917] Cansei! Sinceramente, ja cansado estou de padescer! Alem do Alem dispuz-me a percorrer, a ver si alguem podia me adjudar! Tudo baldado! Então, de Deus recebo este "Emquanto me endereças teu terás alguma adjuda! Porem cogites que Satan veja teu

recado: amen, nem lado!"

Assim quiz o Destino: de esperar cansei por um auxilio do Senhor e ao Demo lamentei-me deste azar, de tudo que me faz tão soffredor. Queixei-me deste fardo cavallar. Batata! Nem accabo de lhe expor meu drama, Satanaz vem me adjudar e, em troca, quer, dos pés, só meu fedor!

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304 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE O RETORNO DO CANTOR [2918] Voltei, gente, a cantar! Senti saudade do tempo em que eu cantava, até de graça, nos bares, nos theatros ou na praça, a quem quizesse ouvir, la na cidade. Passei um bom tempinho attraz de grade, por ser quem mais pesadas drogas passa, mas tudo ja passou. Uma devassa deixei que me fizessem, à vontade. Acharam pouca coisa em meu apê. Resumo da operetta: estou, de novo, cantando, mesmo sem nenhum cachê. Não sou tão conhescido assim do povo, mas canto por prazer... Caso me dê na telha, peço a alguem que attire um ovo.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

SONNETTO SOBRE UNS TRAJES EXTRAVAGANTES [2919] Eu quero ver você vestindo, eu quero, vestindo este casaco, que é vermelho. Melhor, será bordô, como, no espelho, semelha, ante um exame mais severo. Vestido de bolero, lero, lero. Tambem peço que o vista, e até acconselho que as unhas você pincte, em cada artelho, na cor desse vestido, que eu venero. Mas, caso 'inda prefira a saia rosa, ou verde, ou amarella, mesmo assim a turma vae gostar, a turma goza, pois, mais do que o vestido, para mim bom é que essa menina tão gostosa calçou meu sapatinho de setim.

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306 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE UM ABRIGO AMIGO [2920] Ah, si você quizer, venha morar commigo, la na roça, na palhoça que tenho, juncto ao corrego! Sem troça! Lhe juro que é verdade! Quer pensar? Então, não vem? Você nem tem um lar! Só fica se queixando que se coça que nem um cão sarnento! Caso eu possa fazer alguma coisa p'ra adjudar... Você se decidiu? Até que emfim! Nós vamos dormir junctos, nesta cama. Magina! É só prazer que dá p'ra mim! Aqui, com jeito, a gente se exparrama. Até que não será la tão ruim. Com todos fiz assim. Ninguem reclama. Dormimos de valete. Estando a fim, me pise bem na cara! Eu levo fama.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

SONNETTO SOBRE A VARIA CULINARIA [2921] Bahiana, que é que tem no taboleiro? Vatapá? Mungunzá? Ou caruru? Eu ando deprimido e jururu, talvez eu coma o taboleiro inteiro. Na Baixa, aquella tal, do Sapateiro, achei uma bahiana cujo angu tem gosto de ser rango um tanto cru, mas, mesmo assim, comprei, só pelo cheiro. Bahiana, si eu pedir, você me dá? É claro, eu pagarei, e pago bem, mas, sem que você dê, jeito não ha. Nem sei si, na Bahia, exsiste alguem que venda um vatapá e um mungunzá sem dar, de cortezia, angu tambem.

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308 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE UMA PONCTUAÇÃO REVISADA [2922] Amor como o teu (virgula), ó rapaz, é foda (exclamação)! Original não foste (poncto e virgula); banal (virgula), todavia não serás! És (interrogação)? Sei que és capaz de amar-me "pacas" (aspas), mas de tal amor, remunerado a vil metal, estás de sacco cheio, não estás? Parei e (entre parentheses: fiz bem) com essa michetagem (reticencias)... pois ando, ultimamente, sem vintem. Parei (poncto final). Ha divergencias no modo de transares, pois tu nem me pisas! Frustras minhas preferencias.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

SONNETTO SOBRE UMA CRUEL LUA DE MEL [2923] Ballangandan casou-se com Juju e, para não dizerem, admanhan, que nunca viajaram, o galan levou sua Juju para Bangu. Na fuga do presidio, um sururu envolve os dois pombinhos, e foi van a prece do rapaz: Ballangandan pediu ao sancto não tomar no cu. Pois a primeira coisa que o bandido mandou, ao sequestral-os, foi que desse. Ninguem desobedesce um foragido! Juju tambem cedeu, mas accontesce que o gajo estava mais para entendido e do Ballangandan frustrou-se a prece.

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310 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE UM PRIVILEGIADO DESPREVENIDO [2924] "Eu tenho uma casinha só vendo que belleza! floresce na estação e de brinco-de-princeza

la na praia, A trepadeira fica inteira cheia..." (Vaia)

"Por que vocês me vaiam? Caso saia do Rio, ha carioca que não queira morar assim? A casa fica à beira dum coqueiral..." (Tomates e mais vaia) "Esperem! O que eu digo é tão sensato! Esperem mais um pouco, até que eu diga como é que, nos cantheiros, dei um tracto..." (Mais vaia, gritaria nada amiga) "Entendo! Vocês moram, que nem ratto, no exgotto! Então, exquesçam a cantiga!" (Agora attiram faca, garfo, pratto vazio, quasi partem para a briga)


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DISSONNETTO SOBRE UMA HISTORIA DE PESCADOR [2925] Adoro a vida, quando estou pescando. O rio, aqui, se chama Gereré. Siry-pattola, aqui, vem no seu pé brincar de dar pinçada, e vem em bando. Não temo caranguejos, porem quando eu fui pescar no mar, cheguei até a ver daquelles baitas! Bote fé, amigo, no que agora estou contando! Meu barco está encalhado numa ilhota e, quando me dou compta, que é que eu vejo? Qual é a população que aquillo lota? Exacto, meu amigo: caranguejo! Enormes, todos elles! Mas, de bota, chutei-os fora! Como num despejo! Duvida? Mas você não é quem vota naquelle que roubou tudo, sem pejo?

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312 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE QUEM POSA DE DENGOSA [2926] É dengo, é dengo, é dengo, dengo puro! É dengo no fallar, no requebrado, na pose, no vulgar palavreado, debaixo de holophotes ou no escuro! Na cama, o que ella gosta é de pau duro deixando 'inda mais largo esse arrombado buraco principal. Por outro lado, o cu tambem ja deu, eu asseguro. Dengosa, ella só fica mesmo quando desfila pela rua e não escuta a voz de quem esteja no commando, fingindo que terá boa conducta. Mas muda si tiver que estar em bando. Ca dentro do quartel, appenas puta será, no allojamento, supportando fazer o que quizer cada recruta.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

DISSONNETTO SOBRE UM PASSADO DEVASSADO [2927] Ninguem tem que saber o que entre nós rollou. Você que perca essa mania damnada de dizer que só queria com outros "commentar", um anno appós. Quem fora ou quem não fora escravo e algoz não é da compta dessa gente fria, que só fofoca e que acha baixaria o nosso bondagismo, os nossos nós. Completa agora um anno que nós dois estamos separados, mas nos une, bem mais que os admarrilhos, o "depois". Ha coisa que, 'inda assim, se coadune? Expalhe seus alôs, como os seus ois! "Commente" com os outros, mas immune não fica a sua imagem: nome aos bois terá que dar e, ahi, você se pune.

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314 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE UM COITADINHO EXCARNINHO [2928] Inveja eu sinto dessa juventude "sarada", musculosa, que tem carro e ja fumou de tudo, até cigarro. Mas eu, infelizmente, nunca pude. Invejo quem viaje e quem estude la fora, satisfaça seu bizarro capricho, que eu somente em versos narro. Mas eu, infelizmente, sou mais rude. Invejo quem verseja, desde edade bem tenra, a sua tara predilecta e em multiplos orgasmos se punheta. Mas eu, infelizmente, sou confrade. Invejo o comediante que interpreta um cão, e lambe botas à vontade, gozando da maneira que lhe aggrade. Mas eu, infelizmente, sou poeta.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

DISSONNETTO SOBRE UMA ASSOMBRAÇÃO MUTANTE [2929] Menina, teu cabello tem a cor mudada, penteado differente. Alguem te oxygenou, fez permanente, tingiu ou allisou? seja o que for... Teus olhos, si me fazes o podias explicar aqui p'ra si azues um dia foram, si mudaram uma vez, hem, meu

favor, gente somente amor?

Tu mudas com tamanha rapidez teus traços physiognomicos, que eu ja calculo o que serás, passado um mez. Caveira! Ja tão magra a cara está... E tão plastificada, que talvez não passes dum phantasma... Sae p'ra la! Dahi porque Satan jamais se fez passar por ti, com cara assim tão má!

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316 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE UM GALLO QUE PAGOU O PATO [2930] Dictado interessante, aquelle tal que diz: não ha poleiro para o pato; poleiro delle é chão! Não ha, de facto, mas não é tão coitado, esse animal. O gallo, que não nada, tambem mal controla o gallinheiro: seu ingrato officio está subjeito ao desaccapto das cynicas canções de carnaval. O pato superou a propria phase do samba battucado, e agora faz seu khoro com o ganso... Affina, quasi! O gallo envelhesceu, não foi capaz de achar voz que melhor comsigo case. Não tinha o pé tão chato, elle, aliaz.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

DISSONNETTO SOBRE UM PEZINHO MULATO [2931] Requebra, que eu te dou, meu bem, um doce! Requebra, que essa turma toda está doidinha p'ra te ver sambar, e ja pediram que eu trouxesse, então eu trouxe! Te trouxe esta sandalia, mas, si eu fosse pegar a que eu prefiro, aquella la que tem um pompomzinho cor grenat, diriam: o poeta enfeitiçou-se! Nem ligo si paresço ser covarde, pois, pasmo, nem me mexo do logar! Não para de sambar, meu bem! Mais tarde, eu mesmo te descalço, devagar... P'ra ver si essa solinha ainda te arde! Si arder, prometto: nella eu vou babar até que o calcanhar, que mais encarde, esteja, tambem elle, a branquejar!

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318 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE UMA DOMINADORA BEM HUMORADA [2932] Sorris da minha dor, mas eu te quero. Escravo sou, farei o que quizeres, pois tens a malvadeza das mulheres e pões, sobre meu rosto, o pé severo. Si affirmo ser escravo, sou sincero e o salto com o qual, rindo, me feres, supporto, mesmo quando tu tiveres vontade de testar o que eu tolero. Mulheres, quando usarem salto agulha, estão escravizando algum rapaz que em sonhos masochisticos mergulha. Tambem eu desse transe estou attraz. Sim, banco o teu palhaço, sou teu pulha! A ti sei que pertenço, e tanto faz si pisas em meu rosto ou si vasculha teu salto o meu tesão, pois rindo estás.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

DISSONNETTO SOBRE UMA PAIXÃO CEGA [2933] Só louco pode amar desta maneira, querendo bem e, ao mesmo tempo, sendo escravo, mergulhado neste horrendo inferno tenebroso da cegueira! Paixão tão masochista, é certo, beira a propria insanidade! Estou vivendo aos pés duma mulher! Não me defendo dum golpe, com o salto ou a biqueira! Até que uma attitude tem, materna, minha dominadora, raramente, mas, quasi sempre, appenas me governa, controla totalmente minha mente. Seus impetos crueis, alegre, externa. Pisando-me no rosto, está contente. Meu corpo é mero appoio à sua perna. Eu sinto amor; prazer é o que ella sente.

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320 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE UMA COR, UM ODOR E UM SABOR [2934] O pé que, moreninho, você tem, é da cor do peccado, cor mestiça, a cor que, da indolencia e da preguiça, me deixa relaxado e me faz bem. Mulatas sabem ter, como ninguem, pezinhos cuja minima premissa é o cheiro de suor, que me enfeitiça e faz de mim escravo, cão, refem! Sabor tem, differente, a sola cava que numa azul sandalia ja palmilha a noite toda, emquanto o som rollava. Agora, appós o samba, é maravilha... Aquillo que esta lingua, quando lava a sola, saboreia! Isso me humilha, me torna a lingua ainda mais escrava, ao menos numa lettra, numa trilha...


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

SONNETTO SOBRE UM ALUMNO QUE LECCIONA [2935] Agora reconhesço a insensatez! Caramba, que saudade da Bahia que eu sinto! Minha mãe bem me dizia que eu não seguisse a cuca de vocês! Foi essa coisa louca que me fez sahir da minha terra, onde eu fazia papel de cavalheiro e, nesta orgia daqui, me transformar neste marquez! Pensei que tudo fosse bacchanal, appenas, e por isso me mudei! Mas tinha a coisa um outro ritual! Alem da trepação, tambem passei a dar licções de dansa; no final, ensigno a saudação certa: "Meu rei!"

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322 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE A FAUNA CONFRATERNIZADA [2936] Eu brinco, com pandeiro ou sem pandeiro! Da vida, o que se leva é a propria vida! Por isso é que o meu bolso nem duvida: eu brinco, com dinheiro ou sem dinheiro! Brincar, no carnaval, faz companheiro o rico do operario, o suicida dos jovens namorados, e quem lida com joias de quem lida com chiqueiro. Na rua, na follia, vale tudo: cantar, sapatear, plantar batata, mentira, bananeira... ou ficar mudo. Quem menos approveita é quem accapta reservas de moral contra esse entrudo sadio, onde tem pé quem tinha patta.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

DISSONNETTO SOBRE UM INUTIL DISFARSE [2937] Mentir não leva a nada. Eu não me illudo. Você quer me engannar, mas nem precisa tentar, pois o que diz não suaviza a dor de ser chifrado e ser chifrudo. P'ra que fallar mentira? Eu sei de tudo! Conhesço aquelle gajo, sei que pisa bastante no seu rosto e quer a lisa botina bem lustrada... E fico mudo. Não dou palpite algum, pois ser trahido por typo assim tão sadico me deixa perplexo. Ja de nada mais duvido. Sei que elle instinctos multiplos enfeixa. Só pode ser, no minimo, um bandido! Você, com seu ar timido, se queixa que eu nunca quiz pisar, mas convencido estou de que serei, breve, uma gueixa.

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324 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE A MACHININHA MUSICAL [2938] Naquelle bairro pobre, tão distante do centro, o realejo parescia phantastico, festiva phantasia dum sonho saudosista e discrepante. Mas tudo faz sentido, pois, durante a infancia, tive aquella melodia no ouvido, dia e noite, noite e dia: meu pae de realejo é fabricante. Não moro mais com elle, felizmente, e estou, em casa, livre de escutar barulho tão monotono, insistente. O chato é que, em meu bairro, no logar do velho realejo, agora a gente escuta o som altissimo do bar.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

DISSONNETTO SOBRE UMA HYPOTHESE PROVAVEL [2939] Você foi admarrado sobre o trilho do trem. O machinista seu parente nem é, siquer olhando está p'ra frente. Faria o que, você? Diga, meu filho! Não vale só dizer: "Me desvencilho das chordas!", pois foi muito competente o gajo que admarrou, e é resistente a todos os puxões esse admarrilho. Então? Faria o que? Nem fazer figa você podia, aptada estando a mão. Entende você como as coisas são? Então, o que faria? Vamos, diga! Prefere se ommittir? Faço questão que dê sua resposta! Ah, quem castiga você, lembrei, é um gajo que se liga em sangue e que viaja no wagão!

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326 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE UMA ILHA PARADISIACA [2940] Formosa ilha fora Paquetá. Agora, o que restou de vegetal limita-se ao jardim, mas em total estado de abbandono é que elle está. Jardim que foi de affectos, mas que ja em nada corresponde ao tal pombal, ao ninho dos amores. Bacchanal, alli, perdeu a graça. É melhor ca. Aqui, tudo floresce, bemfazejo. Aqui, nestas Cagarras, a suruba paresce temptadora, pois não vejo problemas de censura, como em Cuba. Na praia, pelladões, damos ensejo a toda putaria, nem que suba na gente, em plena foda, um caranguejo, tal qual em Botafogo ou Ubatuba.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO SONNETTO SOBRE A NOVA DANSARINA [2941] Depois da jardineira, que era triste, depois da tyroleza, que eu conhesço ja doutros carnavaes, quem tem seu preço em alta é uma boneca que resiste. Yayá não perde a pose! Tu ja viste seu jeito de dansar? E esse addereço que obstenta no pescoço? Eu reconhesço aquillo: é uma colleira! Não é chiste! Entendes? A Yayá não se mixtura com outras porque, alem de dansar bem, rebolla, entre paredes, na tortura! Preciso descobrir quem é que tem poder sobre a Yayá! Tu? Serio? Jura! Então põe-me a colleira, em mim, tambem!

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328 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE MUITAS CANOAS FURADAS [2942] Mas é carioquissima, essa dama! Chamou-se Carnaval, ja foi famosa. Agora anda tristonha, anda chorosa, e appenas Senhorita ella se chama. Ficou para tithia, então reclama dos tempos actuaes, dessa horrorosa maneira de sambar, ja que não goza daquella antiga e rumorosa fama. Coitada! A propria Lapa, onde era musa, está desfigurada, sob os Arcos, e deixa a Senhorita bem confusa! Nos bares, cabarés, nos poucos, parcos... Botecos dos sambistas, ella accusa a Bossa pelos furos nos seus barcos. Nem fallo, na fallida herança lusa, da falta, architectonica, dos marcos.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

DISSONNETTO SOBRE UMA ENSCENAÇÃO ENCERRADA [2943] A vida é um só segredo! A tua, então, ja nem se falla! É um livro amarellado, repleto de lembranças do passado, imagens de luxuria e perdição! Enredo dum romance, não estão alli catalogados um punhado de jovens que passaram, em estado de escravos, por teu salto e teu taccão. Um delles fui, e tive minha chance de ver-me iniciado em rituaes nos quaes pode morrer quem bem não danse. Agora tu não podes rir jamais. Siquer podes pensar nalgum romance. Agora estás cansada, não tens taes poderes, nem é longo o teu alcance. Faltou cahir o panno, nada mais.

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330 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE UMA ESCRAVIDÃO ÀS ADVESSAS [2944] Não é qualquer mulher que me domina! Emquanto eu tiver olhos p'ra enxergar e bocca p'ra gritar, vou opinar: ser muito racional é minha signa! Thesouro é o typo louro, mas menina morena me põe louco! Em que logar colloco o typo escuro? Não vou dar a dica, mas alguem por mim opina! Qualquer que tenha estado na senzala, advessa, dos masocas me dará razão: a negra é o topo dessa escala! Da loura, eu sou um fan; mulata ja me torna seu vassallo; mas tractal-a por "dona", só si negra for, e má!


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

DISSONNETTO SOBRE QUEM ESTÁ DE OLHO NO MOLHO [2945] A força do malandro não está no physico, na faca ou na navalha. Está no seu olhar, que impõe e expalha temor, e na mulata tesão dá. No jogo dos olhares, elle ja percebe si a mulher ganha e trabalha p'ra isso. Caso a nota della valha a pena, seu olhar a domará. Encare esse malandro interesseiro e a moça fará tudo que elle quer, alem de lhe entregar todo o dinheiro! É nisso que consiste seu mester. É typico do macho brazileiro: O fracco, todos sabem, da mulher é ser domesticada. O olhar certeiro do macho enxerga a sopa na colher.

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332 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE AS LIBERDADES DE IMPRENSA [2946] Eu quero um retractinho de você. É para collocar no meu jornal, pois acho o seu typinho original e penso em transformal-o num clichê. "Correio dos Amores": quem o lê, descobre não ser confidencial seu gosto ou sua tara pessoal, e pode se informar sobre quem dê. Seu rosto estamparei reticulado, de forma a preservar a identidade privada e a respeitar seu "outro lado". Mas, caso sua cara desaggrade ao publico leitor, sou obrigado a divulgar seu nome e sua edade.


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DISSONNETTO SOBRE UM TORCEDOR PROVOCADOR [2947] Ary Barroso tinha uma gaitinha: seu toque virou marca registrada da commemoração tripudiada em cyma da torcida que se appinha. Torcida do outro time, se adivinha: a cada gol marcado, emquanto brada, contente, o narrador Ary faz cada mudança no placar mais excarninha. Em seu estylo typico, bizarro, temido ou odiado, Ary nem liga: a gaita tripudia, tira um sarro, excepto si a camisa for amiga. Agora, si do time um gol eu narro, alguem ja grita "Chupa!", caso siga a gaita, cujo dono puxa o carro, xingado de sacana duma figa.

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334 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE UM SERESTEIRO PERSISTENTE [2948] "Que coisa! Emquanto eu canto, você chora!? Assim não é possivel! Vou cantar em outra freguezia, outro logar! Cansei da serenata! Vou-me embora!" Aquella sertaneja commemora que tenha o trovador voltado ao lar ou va fazer seresta nalgum bar, deixando que ella durma, pois é hora. Entendo o seu perrengue e nem me expanto. Coitada! Ella aguentou uma semana inteira, antes de vir mostrar seu pranto chorado na sacada, pois não nana! Emfim, desconfiou o auctor do canto e poz no sacco o pinho. Mas se enganna a moça: elle parou só por emquanto! Voltar irá! Levar vae é banana!


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SONNETTO SOBRE UMA CARAPUÇA PARA A BUÇA [2949] Tá vendo? A putaria não compensa! Aquella velha la tambem foi puta! Agora até com cães ella disputa comida que, na rua, alguem dispensa! Já foi bonita, rica, teve extensa medida de terreno... Não desfructa de nada mais e, velha, só labuta por pão, pois em trepada ja nem pensa. Tá vendo aquelle gorro na cabeça da velha? O gorro serve direitinho na sua cabecinha, quando cresça! Cuidado com a vida! Seu caminho mantenha sempre recto! Nunca desça a escada, pois sinão... ganha o gorrinho!

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336 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE UM CAMARADA APPRESSADO [2950] Escute, si quizer ser minha amiga, acceito, poderei ser seu amigo. Mas uma coisa, amiga, ja lhe digo: não creia em amizades, faça figa! Tem gente que, si tem ou não, nem liga. Alguns jamais passeiam sem comsigo levar um cachorrinho, e dão abrigo a todo rapagão que um pão mendiga! Só vae se arrepender quem crê e confia nos cães e nos rapazes: o cachorro accaba por morder o dono, um dia. Você quer ser amiga? Olhe, eu não morro de amores por você! Veja si enfia na cara a focinheira e corre! Eu corro!


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DISSONNETTO SOBRE UMA VELHINHA CONSERVADA [2951] Duvido que você só tenha vinte anninhos! Mais paresce ter septenta! Olhando mais de perto, a gente tenta fazer idéa, e vinte é puro accincte! Eu, oculos? Menina, olhe, é o seguinte: você, mais um pouquinho, nem aguenta! As rugas, essa pelle macilenta... Não dá! Nem que use mascara, ou se pincte! Talvez phantasiada de vovó você conquiste alguem, minha menina. Mas acho que você vae ficar só. Irá mofar, parada alli na exquina. Quem quer você? Não, só si for bocó! Eu mesmo, sessentão, não me fascina mulher tão velha assim! Tenho até dó do ratto que explorar sua vagina!

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338 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE O FUTEBOL PREMARACANANICO [2952] O Sanctos, que não tinha 'inda um Pelé, ficou de fora. Ommittem-se tambem Palmeiras e Corinthians. Só quem tem logar será o São Paulo, nesse olé. O tempo é de Leonidas. Café é symbolo da patria, mas ninguem duvida que da bolla é que nos vem prestigio, alem do samba... Pé por pé... Ausencias e presenças dão na vista. Flamengo, Botafogo e Fluminense estão no imaginario do sambista, ainda que no Vasco elle não pense. Si formos exigir-lhe toda a lista, até o Ameriquinha, por nonsense, devia figurar, caso um desista do computo na chronica circense.


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SONNETTO SOBRE UM MONARCHA ANARCHIZADOR [2953] Pensei que só exsistisse um rei, o Momo! Mas que negocio é esse? Imperador? Não reconhesço, seja la quem for, que usurpe o sceptro e o throno! Ora! Mas como? E logo da discordia vejo o pomo si entrar a imperatriz, vindo compor com elle o par real! Quem vae suppor que para tantos reis haja mordomo? Gritaram "Abram alas!", mas ninguem ligou. O imperador ficou a ver navios! Sua esposa os viu, tambem. Ja chega esse gordão! Que va lamber sabão o pretendente que nos vem, reinando, desmanchar nosso prazer!

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340 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE UMA PROMESSA SEM PRESSA [2954] -- Jacob, me prometteste uma gravata! {Eu não prometter nada! Eu só vender!} Queixando-se da perda do poder acquisitivo, o cara addia a data e, dia a dia, o prazo se dilata, e nada da gravata! Prometter é facil, mas cumprir eu quero ver! Faz dez anninhos, compta bem exacta! Jacob não me dá nada, nem descompto nas coisas que elle vende. Mas eu juro que cobro o promettido, ou pego, e prompto! Naquillo que elle cobra, compta juro, mas, quando eu vou cobral-o, me admedronto até, com tanto choro que eu atturo!


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

SONNETTO SOBRE UM ATTROPELAMENTO QUE LAMENTO [2955] Balayo, layo, layo, layo, la... Jamais eu, Iracema, te exquesci! Por que não me escutaste, amor? Aqui a rua é perigosa, advisei, ja! Quizeste attravessar quando não dá. Deu nisso: attropelaram-te! Só li naquelle jornaleco que de ti fallou, e todo mundo triste está! Por que foste imprudente assim, querida? Agora, o que farei? Talvez contacto comtigo, caso estejas noutra vida! Perdi, minha Iracema, teu retracto! Lembranças que guardei de ti, vestida, me foram tua meia e teu sapato.

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342 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE O DIREITO DE IR E VIR [2956] Vocês pensam que nós "fumos" embora? "Engannemos" vocês! Somente a gente fingiu que tinha ido, e simplesmente "vortemos" para ca! Que tal, agora? Fallando de vae-vem, como peora o nivel dos transportes, hem? Pingente é coisa do passado: ninguem tente siquer entrar num omnibus, senhora! Appenas de pensar, eu suo, offego! A hora, antigamente, era de picco. Mas hoje, a qualquer hora, eu nunca pego trem, omnibus nem taxi: em casa fico! Tá louco! Eu, que não finjo que sou cego, nem deixo que me engannem, justifico a ausencia: menos saio, mais sossego! Não quero mais passar por esse mico!


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

SONNETTO SOBRE UMA DESPEDIDA DESMEDIDA [2957] "Até admanhan!" É sempre o que elle diz. Não gosta de "addeusinho" ou "addeusão", pois acha que é pr'aquelles que se vão definitivamente, ou por um triz. Prefere um "até ja", dos mais gentis, ou mesmo um "até logo"... Occasião não falta, porque todos logo dão resposta rapidissima e sem bis. Occorre que o subjeito é o maior chato e, quando se despede, a gente dá, feliz, graças a Deus e sae a jacto. Mas, quando o galochão sem pressa está, ficamos só torcendo que o sapato lhe apperte mais que fome e sorte má.

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344 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE UM DICTADOR BEMQUISTO [2958] "Ingrato coração" virou frequente motivo para a queixa dum amante frustrado, mas serviu até, durante regimes duros, de bordão à gente. Ninguem pode accusar o presidente de ser um dictador, mas ha quem cante que dictatorial e que arrogante seria um coração indifferente. Alguns até confessam que, appesar de toda a prepotencia, é candidato sympathico e tem votos a ganhar. Tem fans o coração, mesmo si ingrato, pois acham que é melhor que o calcanhar pisando, de cothurno ou de sapato.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

SONNETTO SOBRE O PALAVREADO PATRULHADO [2959] Desmoralização: eis o que está, no samba, alguem tentando. Acham que soa pejorativamente uma pessoa chamar-se de "malandro"! Se viu ja? Allegam que essa fama é muito má, que o samba só enaltesce a "vida boa", "cabrochas" e "navalhas", que appregoa o vicio, a vadiagem... Alto la! Estão querendo o que? Samba-canção fallando só de amores cor-de-rosa, de flor e serenata no portão? Malandro gosta mesmo é da fogosa cabrocha, que diz giria e palavrão, que samba e com a turma bem se entrosa!

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346 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE A TOLERANCIA À BELLIGERANCIA [2960] Marchinha e samba fallam de mulher, de amor, mas, de politica ou de guerra, practicamente nada. Si a Inglaterra, porem, ceder a Hitler o que quer, até um Ary Barroso ao chanceller faria reverencia. Quem se ferra é o pobre do europeu, pois la se encerra a tregua do entreguerras e do "affair". Aqui tem carnaval, e o brazileiro prefere a brincadeira à questão grave, a satyra mortifera ao morteiro. Nossa revolução não fora entrave ao riso, e o trem blindado, o obuz caseiro, viraram gozação quasi suave.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

DISSONNETTO SOBRE A NOSTALGIA QUE ALLIVIA [2961] Saudoso, o lampeão acceso a gaz que mal illuminava, na cidade, a praça principal, jamais invade o bairro mais distante, um tempo attraz. Aquella idéa bella que se faz das coisas do passado dá vontade na gente de lembrar tudo que aggrade e esteja ultrapassado ou morto. Mas... Não quero ser chamado de casmurro. Nem tudo era melhor que o que é moderno. Os bondes, por exemplo, pelo burro puxados, nos seriam um inferno! Foi tempo em que era crime um mero murro! Agora, um trombadão, ou "ex-interno", atteia fogo e macta por um urro, um berro, uma cachaça, neste hinverno.

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348 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE UM MASOCA SOB FOFOCA [2962] Eu quasi te contei um segredinho, mas, como me dedaste, essa segura fofoca foi cortada na censura e fico, no meu cantho, bem quietinho. Si queres me contar, eu adivinho aquillo que dirás, mas tudo é pura hypothese: a censura logo appura e barra o mexerico no caminho. Cuidado, meu amor, pois o serviço secreto detectou todo este pappo e estão checando o nosso compromisso que, pelo que suppuz, virou farrappo! Alguem cabreiro pode estar com isso! Melhor nós nem treparmos! Caso o sapo nos venha sapear, eu, tão submisso que sou, de ser flagrado não excappo!


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DISSONNETTO SOBRE UMA BOCCA ABERTA E OUTRA FECHADA [2963] Não sei, gente, não quero nem saber! E tenho, mesmo, é raiva de quem sabe alguma coisa della! Não me cabe metter a colher torta no poder! Eu pago p'ra não ter o desprazer de virem me contar quem é que enrabe a moça ou si o cuzinho della accabe sangrando, quando a prega se romper! Não venham, por favor, me perguntar si a bocca della é larga e abriu-se a poncto de conseguir chupar um calcanhar, ainda que lhe demos um descompto! Fugindo ao mexerico mais vulgar, prefiro me calar! Não sou tão tonto nem minha indiscreção vae revelar que eu proprio, até, no lombo della monto!


350 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE A VANTAGEM DA MALANDRAGEM [2964] Deixar de ser malandro? Bem... Talvez eu pense nesse assumpto! Ja se diz que aquelle que trabalha é que é feliz e um gajo preguiçoso não tem vez. Andei pensando nisso. Mas vocês entendem: sempre tive meus servis podolatras bancando, quando eu quiz, meus tennis e chinellos, todo mez. Os gajos sempre levam o que eu uso e compram um novinho! Nem me dou ao luxo de excolher! Estou confuso! Bem chatos são meus pés e chato sou! Não quero me soltar um parafuso! Preciso mattutar! Jamais pôr vou sapato social! Eu me recuso! Mas vou pensar no que você fallou...


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO SONNETTO SOBRE UM VELHO ENREDO [2965] Por que não vae embora duma vez? Não quero mais você! Me deixe em paz! Você vive dizendo que não faz questão de estar commigo, nunca fez! Então, por que não some? Assim talvez fiquemos bons amigos! Ando attraz, faz tempo ja, daquelle outro rapaz, mas tento contornar tantos porquês. Você me deixa, mesmo? Ha quem duvide. Prefiro accreditar, pois minha chance depende do que, emfim, você decide. Não se preoccupe: caso você danse, direi que o desconhesço e quem divide meu quarto é um novo typo no romance.

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352 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE OS FOROS DA CIDADANIA [2966] O nobre deputado felicita a classe dos fiscaes profissionaes. Tambem sahuda os donos dos jornaes. Porrada no poeta parasita! Valor tem quem almossa na marmita. Meresce esse operario muito mais respeito nos conclaves patronaes. Porrada no poeta parasita! A juncta, reunida, sollicita que a corte approve os topicos finaes. Porrada no poeta parasita! Perante a lei, os homens são eguaes. Porrada no poeta parasita! No mundo, somos todos animaes.


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DISSONNETTO SOBRE O QUE GRASSA NA PRAÇA [2967] Mulher nos dá prazer e até carinho. Si nos appaixonamos, é bonita, ainda que não seja assim descripta por todos. Por prazer, basta o cuzinho. Patrão é sempre cynico e mesquinho. Emquanto lhe sou util, requisita meus prestimos; depois, sou parasita, não valho o que recebo e que é pouquinho. Cachaça a gente toma quando sente saudade da mulher, ou quando o pranto foi raiva do patrão, que é prepotente e causa-nos, da vida, desencanto. A coisa, assim, se torna consequente: Mulher, patrão e pinga em todo cantho se encontra: aquellas duas pode a gente tragar, mas do patrão nem tento tanto.

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354 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE O DESENGANNO DO SUBURBANO [2968] Motivo, em Madureira, p'ra chorar, não falta. Só a distancia da cidade ja basta. Si o ciume nos invade, então, a coisa pode peorar. Commigo foi assim: montei meu lar com ella no suburbio, mas a edade da moça era menor, e a sociedade hypocrita passou a commentar. E tanto fofocaram, que a menina sahiu do bairro, e estou sem companhia. A historia, porem, nisso não termina. Na Zona Sul, a moça achou que havia... Mais clima, e se amigou... Que se previna quem more em Madureira ou Ollaria! A gente nesses bairros se confina, não mora, meu amigo ja dizia...


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DISSONNETTO SOBRE A DAMA QUE NOS DIFFAMA [2969] Peor é Cascadura, onde se com raiva de quem mora em Na Zona Sul, commenta com soberba, o nosso samba, a

fica Ipanema. extrema gente rica.

Na hora em que a madame quer a picca membruda do negão, não tem problema que seja do suburbio e que, da gemma, chegue um cascadurense em sua crica. Conhesço ja, de velho, della a senha naquella languidez malandra e mansa. Na hora de brincar, ja não desdenha a dona o nosso samba! Chega e dansa... Aqui, como em Mangueira ou la na Penha. A gente não attura essa mudança constante de attitude! Ella que venha com onda, e o cu lhe arrombo, por vingança!

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356 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE UM GOSTO EXCENTRICO [2970] Até nessa fatal praça Mauá tentei achar mulher que me servisse. Extranham ellas minha exquisitice e nada achei, nem procurando la. Appenas indo a Jacarepaguá eu pude, finalmente, essa doidice toda satisfazer, sem que sentisse remorso pela consciencia má. Nem sempre, todavia, a coisa rolla e fico, geralmente, mais frustrado. Occorre que o desejo que me assola é estar, duma mulher, bem admarrado... Debaixo de fedida e grossa sola. Porem não é qualquer que do recado dá compta: quando fede, não me exfolla e, quando exfolla, o pé foi bem lavado.


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DISSONNETTO SOBRE UM TORCEDOR REVOLTADO [2971] Assim o nosso time nada ganha! Só temos jogador perna-de-pau! Depois de tanto resultado mau, ainda acham que estou fazendo manha? Que e o que Até

merda! A incompetencia foi tamanha nivel attingiu tão baixo grau fomos pro rebollo e, ahi, babau! do lanterninha a gente appanha!

Sou mesmo um azarado, ja suspeito! Cahimos da terceira para a quarta, da quarta para a quincta... Desse jeito, o patrocinador ja nos descharta! Culpada é a cartolagem! É bem feito! Mas eu não me conformo! Um raio os parta! Nem como massagista eu approveito aquella chulezeira, alli, tão farta!

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358 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE UM CENSO CENSOR [2972] Em mil e novecentos e quarenta houve um recenseamento no paiz. O agente, em minha vida, tudo quiz saber e investigar, mas fui exempta. Fallei que o meu marido não se ausenta de casa, que meu filho é um apprendiz de caixa e que a bagunça não condiz com o padrão moral que nos sustenta. Mentira, claro: estou é separada, o Junior é "soldado" do Commando e de mulher christan não tenho é nada! Appanho do freguez, de vez em quando, mas batto, quando pede... A battucada é o que me dá tesão, e eu vou levando.


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DISSONNETTO SOBRE UMA ORIENTAÇÃO ORIENTAL [2973] Mimi, linda Mimi, vendo-te aqui, assim tão deslocada, impressão tenho que tenhas tu sahido dum desenho chinez ou japonez, dos que ja vi. Teus olhos, teus cabellos são, por si, signal de que tiveste um desempenho egual ao duma gueixa, por engenho genetico. Mas vejo exforço em ti. Boa mulher ja tive, mas negou-se à foda. Tu não deste a mesma zica. Procuras me chupar como si eu fosse o proprio samurai, e minha picca... Na bocca saboreias como um doce. Assim é que se faz! Quem me critica por ter um gosto exotico, calou-se ao ver-te practicando na cuhyca.

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360 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE A SEGUNDA MISERIA MUNDIAL [2974] À guerra não ficou indifferente o nosso carnaval, mas bem distante dos factos elle estava. Sem quem cante a morte, viva a vida, minha gente! Nenhuma novidade vem da frente de battalha, mas rolla aqui, durante a follia, só briga com bastante confetti e serpentina, felizmente. Sicilia, conquistada, se transforma em nome de mulher: virou Cecilia. Appenas harmonia rege a norma. As brigas que, no seio da familia, rollavam, ganham tregua e, sob a forma de musica, a miseria é maravilha.


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DISSONNETTO SOBRE UM DELEITE DELETTREADO [2975] Com "A" começa o amor que a gente tem. Tambem com essa lettra se inicia um termo que, sem "R", se appropria do misero que a ser-lhe escravo vem. Ai, amo, quem me dera ser eu quem descalça suas botas todo dia! Queria eu ser ainda quem polia sapatos e os fazia brilhar bem! Desejo por desejo, por que não querer ser do meu amo aquella meia bem grossa, que aggasalha o seu pezão? Feliz eu fico, caso nisso creia! As coisas, pois, manteem a proporção: Jamais eu lhe faria cara feia ao cheiro do suor, nem o meião amavel cheiraria a quem me leia!

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362 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE UM IDEAL HABITACIONAL [2976] Si a casa portugueza, com certeza, é feita de paredes (quattro, é claro) e tem tambem telhado, será raro que falte pão e vinho sobre a mesa. Porem, no carnaval, não fica illesa a solida casinha, pois sae caro fazer mais que um barraco, si um avaro patrão nos paga pouco: é só pobreza! Pois abra-se uma porta, uma janella, sem tecto e sem parede, e está completa a casa de brinquedo da novella. Alem da phantasia do poeta, a casa representa, na favella, o traço que o architecto mais projecta.


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SONNETTO SOBRE O VELHINHO RETRACTADO [2977] Os "puxas" do Getulio, de alegria, sorriram quando o velho, agora eleito, voltou a governar. Em breve, o effeito na musica o povão escutaria. O Chico seu retracto ja poria no mesmo logarzinho em que o subjeito esteve pendurado. Um desrespeito àquelles que morreram na agonia. Emquanto o Estado Novo vigorara, mactou-se, torturou-se, deportou-se. Agora, quer voltar com outra cara? Deviam é fazer como si fosse, na photo, o proprio Hitler: justo para a latta de detritos! Accabou-se!

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364 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE AS ACTIVIDADES CUMULATIVAS [2978] Pastoras, pastorinhas... quem serão taes lindas creaturas? Noel Rosa não põe em posição indecorosa nenhuma dellas, magicas que são. Na historia da Mangueira, ellas estão em posto de destaque. Ja famosa ficou a mais bonita, que se entrosa com todos e um qualquer lhe mette a mão. Importa aos saudosistas que a pastora desfile na avenida e que mantenha a fama da Mangueira vencedora. Mas outros, quer na Lapa, quer na Penha, conhescem bem a puta, ja que fora a mesma que, na zona, mais se empenha.


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SONNETTO SOBRE O CHORO DOS CHIFRADOS [2979] Covarde sei que podem me chamar por não calar no peito a minha dor e, feito um bebezão, sempre me expor chorando pela rua, ou neste bar! Primeira pedra attire quem achar que um homem deve ser um soffredor calado, que tragou seu amargor bem longe do bullicio popular! Qualquer marido corno, dos que estão bebendo aqui commigo, está passando ou vae passar por esta situação. Emquanto esteja a esposa no commando da casa do Gonçalo, o gallo não tem voz mais que a gallinha, seu Orlando!

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366 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE UM CU QUE NÃO TEM DONO [2980] Quem sabe, sabe: como é divertido gostar de ver alguem enchendo a cara, cahindo pela rua ou indo para a clinica do vicio, arrependido! Um do ao ou

bebado me disse, e eu não duvido gajo, que um bohemio se compara outro, por curtir bebida cara pelo quanto tenha consumido.

Um delles se gabava da nobreza daquelle que não fica tão cambaio: "Você só bebe pinga? Que pobreza! Eu bebo só conhaque! Quando caio... De bebado, vomito sobre a mesa! Não caio na calçada, nem me traio deixando o rabo à mostra, si indefesa é a bunda do bebum perante o raio!"


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SONNETTO SOBRE AS PISTAS SAUDOSISTAS [2981] É "Musica, maestro!" o meu protesto! Cadê minhas orchestras? Onde estão? Os pares volteavam no sallão ao som dellas! Agora, resta o resto! Sinceras homenagens eu lhes presto, depois que as gafieiras sendo vão trocadas pelas pistas, sem canção que preste! Appenas eu me manifesto? Não! Todo mundo attesta: mais feliz a gente foi, si a musica nos era tocada ao vivo, com direito a bis! Ninguem dansa melhor, na nova era, que aquelles que, nos bailes, seus quadris gingavam! Hoje, é "téquino" a paquera!

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368 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE O DEBOCHE DAS CABROCHAS [2982] Com ella, sinto falta do meu lar. Em casa, sinto falta della... Ui! Della... Ui! Della... Ui! Por que é que eu fui cahir nesse adulterio e me ferrar? Queria era exquescel-a! Aqui no bar ja sabem do meu caso e que ella... Ui! Até com pivetão se prostitue, mas, mesmo assim, não quero accreditar. Ui! Della! Della! Della! Ui! Um khorinho de vozes femininas 'inda insiste naquella interjeição, e eu me abbespinho! Momentos ha, que a gente não resiste: sem essa de "Ui! Ui! Ui!", que esse excarninho khorinho mais me humilha e deixa triste!


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SONNETTO SOBRE QUEM SE CONSOME NA CONSUMMAÇÃO [2983] É facil redigir um estatuto que sirva, no inferninho ou gafieira, para disciplinar a malloqueira ralé que, alli, festeja, até de lucto. O rotulo de puta, às vezes puto, ninguem, é claro, assume. Alli, quem queira dansar e se mostrar, sabe a maneira correcta de portar-se, e que eu discuto. Mulher accompanhada não se tira para dansar, a menos que o fulano esteja a fim de briga e que a prefira. E quando alguem se isola, o desenganno se chama "fossa" e, caso fundo fira, que beba succo, ou caro sae o damno.

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370 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE MAIS UM COTOVELLO DOLORIDO [2984] Meu ultimo desejo ninguem pode negar: tudo que eu quero é que, si alguem por mim, aqui no bar, procurar vem, você de me dedar não se incommode. Confesse francamente: quem se fode sou eu, que estou agora sem vintem mas que ja fui ricaço. Fiquei sem a barba, sem cabello e sem bigode. Bem feito! Fui babaca? Me fodi! Por mim, si perguntarem, você diga que, com meu violão, fui por ahi. Excepto àquella ingrata! Ella nem liga si eu como alguem, si dou, ou si cahi de bocca numa viga duma figa!


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SONNETTO SOBRE A MULHER QUE SE DISPUTA [2985] Duellam dois rapazes verbalmente: -- É minha, essa mulher! Eu vi primeiro! {Mas ella me prefere! Eu sou herdeiro de gente rica! E tu? És indigente!} -- Não sejas tolo! Pensas que é somente a grana que ella quer? Tudo é dinheiro? {Mulheres são rameiras, meu parceiro!} -- Offendes a mulher na minha frente? {Escuta! Discussão não leva a nada!} -- Insisto que a menina seja minha! {De mim tu levarás, mas é pancada!} -- Não! Não! Podes pegar a menininha! {Pois ella não me basta! Ja me aggrada a idéa de que faças chupetinha!}

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372 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE A CURIOSIDADE MASCULINA [2986] "Eu dei..." Mas deu o que? Diga, meu bem! "Não digo! Que adivinhe, si é capaz!" Ja sei! Deu a boceta a algum rapaz! "Seu sujo! Isso eu jamais dou a ninguem! Mas dei..." Me diga, então! Isso não tem nenhuma graça! Ouvindo as linguas más, você deu pela frente e deu por traz! "Dei nada! Quem fallou que eu dei, hem? Quem?" Você mesma se entrega! Por que não declara duma vez que foi que deu? "Você que vae dizer, adivinhão!" Si não foi a boceta, se fodeu no cu! Não sendo o cu, nalgum negão você vae dar chupada, e serei eu!


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DISSONNETTO SOBRE UM MARTELLO BATTIDO [2987] Na hora do leilão, o leiloeiro loteia tudo quanto está no prego: "Mulata, violão, samba... Eu entrego trez terços do thesouro brazileiro!" Seguindo seu exemplo, eu, por dinheiro, penhoro aqui a fortuna que carrego. Do cofre dum podolatra que é cego, trez peças todo mundo quer primeiro: A bota dum soldado que 'inda serve nas forças do sertão e do cerrado. Nem dou mais pormenor: só pelo estado da sola, se vê como o pé lhe ferve! A meia do soldado, sujo o lado de fora e 'inda, por dentro (Que conserve o cheiro, bom seria!), alguem observe, suada! E o proprio pé, tambem suado!

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374 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE UM PLANETA MAL MOLHADO [2988] Agua que a chuva empoça no telhado e cria o mosquitinho que nos picca... Agua que, mal brotando la da bicca, aqui ja chega suja, e a bebe o gado... Agua fedendo a lodo que, cagado no corrego, o empesteia e por la fica... Agua residual de quem fabrica venenos e agrotoxicos ao lado... Agua que a gente bebe da torneira, insipida, mas, caso a gente observe, com cheiro de alga podre e que não serve siquer para lavar uma lixeira... Agua que, mesmo quando a gente ferve, nos sabe a mau sabor, que mal nos cheira, que aquella da latrina até ja beira e irriga, no meu verso, o verme e a verve...


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DISSONNETTO SOBRE A EXCASSEZ DE VERDES [2989] Aqui temos yoyô, temos yayá! Ninguem pode dizer que estamos sem bellezas numa terra assim, que tem palmeiras, onde canta o sabiá! Aqui temos cuscuz e mungunzá! Palmito ja não ha, de tanto alguem cortar e devastar! Não temos nem palmeiras, onde cante o sabiá! Até que A terra de rua, do mez,

valeria a pena, sim! até que é boa, numa farra em fevereiro, mas, no fim não sobra grana nem na marra.

Terra carnavalesca é, para mim, synonymo de attrazo, que se aggarra à musica, na falta do dindim, e sempre esse problema nos exbarra.

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376 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE QUEM AMA A FEIA [2990] Si o povo diz que é linda uma pessoa, advisa, ao mesmo tempo, que a belleza depende de quem tenha a mente presa a alguem, só por amor... Detalhe à toa. Si amados, somos lindos, appregoa a tal sabedoria. Não põe mesa, comtudo, uma mulher que faz despesa kosmetica e, de corpo, nem é boa. O povo, quando falla, representa a propria opinião do nosso Pae: amarga e, muitas vezes, rabugenta. Mas, como um raio quasi nunca cae... No mesmo logar, duas vezes, tenta a gente amar, de novo, outra que attrae. Dahi porque Satan sempre nos tempta em forma de mulher que à rua sae.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO SONNETTO SOBRE AS PEDRAS DO JOGO [2991] Mulher, sou jogador! Quero dinheiro! Jamais eu perco um jogo, esse da vida! Nos outros, perco, às vezes, a partida, mas sempre trappaceio meu parceiro. Eu jogo, até no bicho, toda a lista: baralho, pingue-pongue, bilhar, dado... Appenas, para não ser castigado, não jogo pedra em cego sonnettista. Si o jogo se accabar, o que será de mim, minha querida? Outra mulher terei que procurar, que assim não dá. Na falta da morena, o que vier eu traço, até veado! Desde ja, porem, vou advisando: é puro "affair"!

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378 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE A RIVALIDADE MASCULINA [2992] Por causa de mulher, perde a cabeça um homem. Elle sempre dá razão a ella, mesmo quando outros estão dizendo coisas que ella bem meresça. Por mais, porem, que alguem assim padesça, ao ver outro na mesma condição, o sadico terá satisfacção si, quando seu pau suba, o alheio desça. Meresça ou não meresça, a meretriz perturba a consciencia masculina. Um crime não occorre por um triz. Escandalos causou muita vagina. Rivaes usam recursos os mais vis. Por causa da attenção duma menina, um gajo pisa em outro, e até lhe diz que ser pisoteado é sua signa.


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SONNETTO SOBRE UMA MULATA CARINHOSA [2993] Vocês todas que cantem o mulato, que eu canto, felicissima, meu branco, que é rico, que tem compta la no banco, mas é, tambem no samba, bom de facto! De terno ou sem camisa, de sapato ou só de pé descalço no tamanco, meu branco enfrenta tranco e solavanco, e topa, do malandro, o desaccapto. Às vezes, precisou sahir no braço com este ou com aquelle mulatinho que queira disputar-me... O que é que eu faço? Até ja foi pisado no focinho e feito de cachorro, mas seu traço folgado não perdeu, nem meu carinho.

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380 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE UMA MULATA QUASI CORDATA [2994] Respeito eu tenho tido ao meu mulato, que é bamba, quer no morro ou na cidade, no samba ou noutra bossa que lhe aggrade, pois elle é um rapagão de fino tracto. Sou brava, mas jamais eu desaccapto o gajo: é que o negão me persuade a não contrariar sua vontade nem recusar um brilho em seu sapato. Feliz eu, quasi, vivo, sossegada aqui no meu canthinho. Tenho tudo: carinho, caralhão... e até pancada. Sem tecto, sem emprego e sem estudo, que mais posso querer? Accostumada não sou, mas vou ficando, e não me mudo.


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DISSONNETTO SOBRE UM PARDO FELIZARDO [2995] É muito desejado, esse rapaz mulato e bonitão, que não hesita em se prostituir, si necessita manter-se no que quer e no que faz. Sambista de primeira, elle é capaz, na roda, de compor o que recita na hora. Mas mulher, mesmo bonita, inutilmente delle corre attraz. A turma não se cala ante o desdem: "Mas, cara, a mulherada de colher está se offerescendo, e você nem..." Desdem ser bem paresce seu mester! E, quando perguntar lhe vem alguem, responde o cara: {Eu gosto de mulher, mas ellas querem tudo, e o céu tambem...} E explica: {Nada tem quem tudo quer!}

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382 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE UM PAPPO FURADO [2996] Mudando de conversa, que foi feito daquella intimidade que, só nossa, durou emquanto ouviamos a bossa novissima, contraria ao dó de peito? Você, de pappo em pappo, meu defeito ficou gozando. Assim, não ha quem possa viver juncto! Si eu caio nessa fossa, a culpa é toda sua, não tem jeito. Arrhume suas coisas, e não queira de novo por aqui me procurar. Continuarmos junctos é besteira. Nem volto, no Leblon, àquelle bar. Appanhe o chinellão na sapateira e exquesça que eu lambi seu calcanhar.


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SONNETTO SOBRE UMA CARAVANA QUE PASSA [2997] Vocês vão me gozar, si eu der azar, estou sabendo... Podem se foder, porque não lhes darei esse prazer, ouviram? Vocês vão é se damnar! Até sou bem leal, mas, em logar de serem bons commigo, querem ver a minha caveirinha e me fazer de otario?! No cuzinho vão tomar! De nada addeantou fazer o bem: esperam que a viola feita em caco eu tenha! E não desejo isso a ninguem! Mas, mesmo que me attaquem, não attacco ninguem, pois tenho sorte, e elles não teem. Tirico-tico, teco-teco e taco!

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384 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE O CAFUNÉ DO MANÉ [2998] Cantando uma embollada, "Cuma é o nome delle?" indaga o Manezinho. Mané Fuloriano! E eu adivinho: esse homem é o mesmissimo Mané. Se gaba o Manezinho que a "muié" perfeita lhe dará todo o carinho devido: coceguinha, do dedinho ao dedo pollegar... mas é do pé! Paresce que as mulatas é que são mais experimentadas nesse tracto na sola e nos artelhos... não da mão! Concordo com Mané: quando eu accapto as ordens dum "caboco", seu tesão maior é que eu lhe lamba o pezão chato.


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SONNETTO SOBRE UMA FEITICEIRA FETICHISTA [2999] -- Botei "prefume" só p'ra "vim" te "vê"! {Essa neguinha não me deixa quieto!} -- Ei, tira a mão dahi! Isso é correcto? {Bruxinha, toda a "curpa" é de você!} -- Neguinho, me "arrespeita"! Caso eu dê p'ra ti minha boceta, ganho affecto? {Si não for eu, seu nego predilecto, quem é que vae, Bruxinha, lhe "querê"?} -- Ninguem mais, meu neguinho! Eu sou "muié" "dereita", mas ninguem faz, como eu faço, "cosquinha" bem na "parma" do teu pé. {Bruxinha, assim eu caio no seu laço! Então, alem de foda e cafuné, cê faz "cosca" na sola? Eu tô cahidaço!}

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386 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE UMA COBRANÇA FRATERNAL [3003] Prezado amigo, lembra-se de mim? Fui eu quem lhe emprestou aquella nota, em data que paresce, hoje, remota, de tanto que esperei pelo dindim. A compta aqui zerou: por isso vim, por meio destas linhas, sem chacota, dizer que nosso prazo ja se exgotta, pois devo, eu proprio, um saldo pro Salim. Espero que me mande logo a grana, sinão descomptarei na sua maninha que, como lhe contei, commigo nana. Não quero batter nella, mas si minha graninha não chegar... quem paga é a mana! Sem mais, cordialmente, o Carapinha.


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SONNETTO SOBRE O SILENCIO QUEBRADO (I) [3004] Não posso fazer nada, mesmo nada, que impeça um balladeiro de, no asphalto, cantar, de buzinar, de ouvir som alto, que irá me despertar de madrugada. A quem vou reclamar, si na ballada bebeu, dansou e, ao passo que estou falto de somno e ja da cama dei um salto, retorna às trez de carro a molecada? Mas posso, quando o carro, emfim, cappota, mactando os occupantes, ter proveito, fazendo, de vingança, uma chacota. Emquanto, no velorio, dóe no peito dos paes a morte delles, eu na nota mais alta desaffino, a rir: "Bem feito!"

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388 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE O SILENCIO QUEBRADO (II) [3005] "Na gloria..." quem cantou não desaffina. Si alguem desaffinou, não é cantor. Aquelle que, porem, cantor não for entoa, com voz grossa ou com voz fina: "Bem feito!" Eu canto assim, quando, da exquina, escuto uma battida, si o motor de longe vem fazendo, com furor, barulho, às trez ou quattro da matina. O carro dos moleques, que rangia "peneu", que buzinava, entrou no poste! Prensados, elles gemem na agonia. Ninguem confessará, mesmo que goste da scena, mas eu canto, e a melodia distorço caso, rindo, a voz emposte.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO DISSONNETTO SOBRE O QUE É ISTO [3007] "Pouquinho" do Brazil? Eu não resisto, sarcastico que sou, si pouco caso achei nessa expressão! Sempre extravaso meu riso, si daqui só cantam "isto". Cascatas, mattas... coisas dum bemquisto paiz, a mim me soam como raso pretexto às ommissões do que deu azo a lettras mais raivosas. Nisso insisto: Fedor, polluição: tudo sae caro! Sucatas, lattas velhas: estas são as rhymas mais exactas, chatas, claro, porem inevitaveis, na nação. Às instituições podres comparo a quasi que total devastação do nosso verde, cada vez mais raro. Não ha por que escrever bella canção.

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390 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE UMA OMNIPRESENÇA QUE NÃO SE DISPENSA [3009] Não quero ser um desses bons atheus, caralho, mas você monopoliza a minha consciencia, 'inda indecisa! Me deixe, por favor, pensar em Deus! Eu durmo, accordo, e penso só nos seus chifrinhos, nos seus cascos, nessa lisa bundinha, cujo furo me odoriza o beijo, e ao qual não posso dar addeus! Só vejo seu olhar nas espiraes, si fumo meu cigarro! A cada phrase, por entre um palavrão e um lemma nazi, seu nome leio, em lettras garrafaes! Nos filmes, espaço para Assim não é prohibe que

discos, livros... não ha quasi o Christo entre os mortaes! possivel! Ninguem mais commigo você case!


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO SONNETTO SOBRE UM CONCEITO RASO [3010] O tal do Rancho Fundo, que eu rejeito, aos olhos dum poeta da cidade, exprime só tristeza, só saudade, e expõe, em quem compõe, o preconceito. O sertanejo, então, não tem direito a festa, a carnaval, ao que lhe aggrade? Será a zona rural logar que enfade e inspire pena, appenas, sem proveito? Para o compositor, o brazileiro só pode ser feliz na capital, na praia ou na follia, em fevereiro. Talvez tenha razão, sim, mas que tal deixar que o Jeca seja quem primeiro musique essa verdade universal?

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392 GLAUCO MATTOSO SONNETTO SOBRE UM BAMBA ALEM DO SAMBA [3011] Sinhô, Noel, Ary, Caymmi são, sem duvida, sambistas de primeira. Mas caso de marchinhas você queira fallar, Braguinha e Babo ja entrarão. Havia, todavia, na canção fatal do carnaval, uma certeira e fertil dupla abrindo a brincadeira: são Nassara e Eratosthenes Frazão. Sozinho, Antonio Nassara impressiona tambem na singular caricatura que muitos cartunistas bons desthrona. "No tempo dos bons tempos", sempre dura a cappa do vinyl, jamais cafona si tem, no traço, a sua assignatura.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

DISSONNETTO SOBRE UM IMPOSTOR QUE FOI EXPOSTO [3015] No alexandrino uma canção eu vou compor, esse compasso em que um sambista foi o tal, para contar que elle jamais se sahiu mal quando fingiu que tinha fama de pinctor. Sim, simulando arte moderna, foi expor todo seu genio original na capital. Pinctou triangulos redondos, um oval quadrado, e um quadro pagou caro o embaixador. Fez as pincturas só por fora da moldura, usou só cubos, allegou que, assim, mais "sente" e impressionou desde a madame ao presidente. Ganhou prestigio, que em Brazilia 'inda perdura. A conclusão é das mais simples: muita gente manja o malandro, mas a farsa não dedura nem desmascara, nos "modernos", tal postura para às vanguardas parescer intelligente.

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394 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO SOBRE UMA DRASTICA PLASTICA [3016] Querida, eu accertei na megasena! Estamos millionarios! Vamos dar a roupa velha aos pobres! Nosso lar mais nunca vae ser casa tão pequena! Quebremos a mobilia! Pimba! A scena é comica! Capimba! Vou comprar um jacto, hiate... Chega de trampar! Daremos volta ao mundo, minha Hellena! O Junior num collegio a gente bota, interno! Sem com elle compromisso mantermos, só passeios, emquanto isso, faremos, exbanjando nossa nota! Você vae ser madame, e a seu serviço dispor de creadagem! A patota ficar vae com inveja! Ninguem nota, então, que temos dente e olho postiço!


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

VERSOS ADVERSOS [3094] "...Você que é malpassado e que não vê que o novo sempre vem...", cantava Elis. É facil perceber que ella não quiz fugir desse cacophato. Por que? Podia contornar: jeito você consegue dar, com pausas bem subtis nas syllabas, si o verso era infeliz no meio dessa lettra tão deprê. "...Você que ama o passado..." estava escripto e claro que a canção era importante, pois fé no Belchior eu deposito. Mas, quando tal passagem alguem cante, paresce estar fallando de algo fricto e não de alguem retrogrado e arrogante.

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396 GLAUCO MATTOSO TRAUMATICOS TABUS [3145] No rock, o Sam the Sham e o Who por thema tiveram uma aranha, mas aqui, no samba ou na marchinha, nunca vi nenhum compositor entrar no eschema. Raul fallou da cobra com extrema malicia, mas a aranha, ella por si, jamais teve destaque! Houve sacy no rock, até vampiro, sem problema. Contava-me um lettrista que não falla de aranha porque o trauma é muito forte, da mãe ou namorada, e quer poupal-a. Pensei: nem na censura houve tal corte! Si fosse uma tarantula ou mygala! Mas nem com pappamosca ha quem se importe?!


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO POTAVEL DISPUTAVEL [3382] Convem não confundirmos tanto assim. Cachaça, por acaso, você pensa que é agua? Exsiste muita differença! A coisa está bem clara para mim. Suppondo que eu não faça disso excracho, cachaça, do alambique é que é provinda! Mas agua, a gente tira do riacho, do poço, da represa e, quando finda... Até tem quem a tire da sargeta, da fossa ou dum exgotto a céu aberto, na falta doutra fonte, alli por perto, do liquido da vida no planeta. Nem pensa nisso o gajo que é borracho. Da canna sae bebida mui bemvinda ao bebado, mas sede tenho e eu acho só lodo, e com cocô, por cyma ainda! Nem quero imaginar qual seja o fim! Fatal, si verdadeira, aquella crença, na Terra agua será excassez immensa! Melhor um thema achar menos ruim...

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398 GLAUCO MATTOSO A VOLTA DO PIANEIRO PIONEIRO [3596] Tudo estava em Nazareth e retorna no Azevedo. Neste, a musica tal é qual o Ernesto fez mais cedo. Foi "maxixe", "choro", e até de "tanguinho" alguem o dedo intromette, dando fé que se chama: enganno ledo. Si "Appanhei-te, cavaquinho!" nos lembrar "Brazileirinho", não é culpa do Waldir. Nazareth compoz primeiro, mas o estylo brazileiro cada genio irá seguir.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO HODIERNA BAHIANIDADE [3944] Ao Brazil, o que bem calha em materia de canção é o que fez a Tropicalia: mixturar rock e baião. Não appenas: nunca falha a battida dum sambão nem, melodico, da Italia echoando, um vozeirão. Si, nas lettras, era, inteiro, nosso velho cancioneiro preso aos tons parnasianos, modernista, 'inda que tarde, mais ninguem que se accovarde resta agora, entre os bahianos.

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400 GLAUCO MATTOSO PECCADO NEFANDO [3952] O camponio diz à amada: "Tudo faço por ti! Manda!" A mulher, que não tem nada de sanctinha, sorri, branda: {Tua mãe quero estuprada! Farei disso propaganda!} O camponio, louco, brada: "Vou fodel-a!" E ja debanda. A velhinha está rezando: pelo filho pede, quando este chega e o cu lhe arromba! Vem do Alem, então, a voz: -- Teu peccado foi atroz! Não fodeste a mãe na pomba!


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SUPPLICA POSTHUMA [4694] Parodia, então, me occorre. Penso em quem? Na musica do Nelson Cavaquinho. Diz elle que é melhor ter o carinho dos outros 'inda em vida, e razão tem. Por isso, tambem digo: caso alguem fazer por mim deseje, seu pezinho me deixe tactear agora! O vinho me sirva ja! Commigo brinde! Eu, hem? Depois de morto, quero uma esculptura de grego pé no tumulo! Aggradesço que pisem no caixão, da cara à altura, pois creio que sou digno desse appreço! Assim terá meu quadro uma moldura! Mas vale, mesmo, obter o que meresço ainda vivo, o Nelson assegura! Eu peço um pé de carne, não de gesso!

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402 GLAUCO MATTOSO BERÇO DO EMBALLO [4733] Naquelle tempo, nova foi a bossa, embora seja pratto p'ra quem gosta. Ainda o carioca em bossa apposta, achando que aggradar aquillo possa. Passou, como passou canção de fossa, seresta, sambolero. Acho uma bosta, nem tudo, mas no fundo quasi encosta, do poço, uma deprê como essa nossa. Emquanto o rock entrava por aqui, pagando, nas más linguas, caro preço, ouvi: não chegaria a nem um terço de tudo que se ouvisse... Lero ouvi! Fallando em bossa e bosta, me ennobresço si digo que daqui sahiu Celly, sahiram os Arnaldos, Ritta Lee, que o "tumulo do samba" ao rock é berço.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO

REVISIONISMO NO FOLKLORE [4948] Paulinho ainda causa, em mim, aquella ternura respeitosa. Seu talento nem cabe discutir. Mas 'inda eu tento sentir, pelo Martinho, impressão bella. São, ambos, partideiros de panella bem cheia, ja tiveram seu momento de gloria. Nada ao caso eu accrescento si digo que os adoro e aos da favella. Porem, quando o Martinho, agora, vira politico e correcto, na cantiga de roda censurando quem attira, não posso accreditar que alguem consiga ver "erro" si, no gatto, aquella lyra singella o pau lançou... Ora, alguem liga?

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404 GLAUCO MATTOSO PRISCOS DISCOS [5130] É nessas horas, quando a gente pega os velhos discos para ouvir: agora, Roberto Carlos, como a gente adora lembrar! Ja não paresce, então, tão brega. Me lembro, ao escutal-o, dum collega de classe, dum platonico amor (Mora!), de quando eu enxergava... Minha hora perdi, mas a memoria não é cega. Amei o namorado duma amiga. Ninguem ficou sabendo e, assim, ninguem de mim nada pensou, nem rollou briga. Escuto e choro, emquanto o disco tem sabor de juventude à moda antiga, e cores, caras, tudo à mente vem.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO DISSONNETTO DUM MULATO CORDATO [5307] O sambista, que à mulata offeresce a caderneta de poupança, della tracta com carinho demais! Eta! A mulata gasta a pratta sem que, ao menos, comprometta sua jura e sem que batta no sambista uma punheta! Nem boquette a mulher faz no dedão do seu pé torto, mas exige do rapaz que só banque seu comforto! Para a nega até canção, dedilhando o pinho, absorpto, faz o otario! A nega não vê o momento de estar morto!

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406 GLAUCO MATTOSO DISSONNETTO DUM POT-POURRI QUE NÃO SORRI [5383] "Seu sorriso do caminho va tirando, porque eu quero com a minha dor, sozinho, ir passando..." Isso é sincero? Isso é Nelson Cavaquinho, mais ou menos. Não é mero lero-lero sobre espinho e flor, como eu considero. Sobre rosas que não fallam, quem assume ser queixume é Cartola. Acha que exhalam, tristemente, seu perfume. São sinceros, sim: o samba, espontaneo em seu costume, mesmo quando em dor descamba, do Brazil muito resume.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO SONNETTO DUM ESTYLO SEM VACILLO [5391] Sertanejo, forró, tudo dizem "universitario"! Eu não posso ficar mudo ante rotulo tão vario! Que será que altera o estudo superior? O adspecto etario? O elitista? Eu não me illudo: samba é samba e não tem pareo! Quem quizer fazer forró Gonzagão escute! É só! Tocar saiba uma samphona! Quanto ao ramo sertanejo, só caypyra é como o vejo, nem moderno, nem cafona.

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408 GLAUCO MATTOSO CALLIGRAPHIA DISCURSIVA [5626] Usei espherographica, tambem, alem duma a tincteiro preenchida, mas nunca mais usei penna na vida. Um cego o que pensar tem, isso sem. "Canneta azul, azul canneta..." alguem está cantando, ouvindo repetida e triste ladainha, mas convida a musica a pensarmos num porem. Ja a charta não escreve mais ninguem a mão: todos a querem redigida na tela, num teclado. Ha quem decida trocal-a por um audio ou algo alem. Um genero nas lettras ja não tem funcção: o epistolar. Menos comprida, a phrase lapidar dum suicida é "Fui!", que evita muito nhenhenhem.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO CANÇÃO INSONORA [5737] "Assum preto veve sorto", impedido de "avoá". Lhe "furaro o zóio" e morto elle agora quasi está. Não morreu, mas seu comforto reduziu-se ao ré-mi-fá. Eu não canto mas, absorpto, chupo alguem que gozará. Passarinho que, cegado, sirva appenas de cantor não differe do coitado dum ceguinho chupador. Só differe o resultado da cegueira: é de suppor que elle chupe bem calado, sem ruido, o seu senhor.

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410 GLAUCO MATTOSO MISCELLANEA ESPONTANEA [5793] Bom ouvinte sempre fui. Nas periphas, ahi não. A memoria substitue a actual e má canção. Ouvir funk inspira? Ai! Ui! Zeus me livre! Faço então um poema aqui que inclue a melhor comparação. Um funkeiro prostitue a "novinha", que do cão é cadella; não se exclue disso o cego, puto tão. Um nonsense não é mui evidente conclusão. Mas qualquer um ja conclue que faltou inspiração.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO MISCELLANEA DA VELHA GUARDA [5812] Homem canta bem? Mulher é melhor? Nossa canção tem exemplos, mas não quer comparar, a Elis, João. Num quartetto, quem quizer festejar um ancião tambem pode. Eu nem siquer accredito na inclusão. Um edoso de colher come doces, pois não são só creanças, mas qualquer fan de Cosme e Damião. Mixturei bem? Meu mester é fazer mais confusão! Si nonsense nisto houver, não será surpresa, não!

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412 GLAUCO MATTOSO INTERPRETANDO A CANÇÃO [5820] A lettra de "Cachorro viralatta" tem, pela minha analyse, um immenso valor, ja que o malandro lambe a patta do cão... Me enrollo, até, si nisso penso... Quem lambe, na verdade se constata, é o cão que, bem humilde, tem bom senso. E quanto mais um cego disso tracta, maior inveja sente, me convenço. Si os pés da malandragem todo cão lambesse quando fosse ella sambar, talvez ja nem houvesse mais logar p'ra tanta cachorrada na funcção. Prefiro me suppor só dum mandão cachorro lambedor, para cuidar melhor, sem concorrencia, de seu par fedido de chinellos. Posso, ou não?


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO MERITOS PERIPHERICOS [5843] Houve phase em que a favella se chamou "communidade", mas em nada muda aquella expressão, nem persuade. A noção que se tem della é dum cancro na cidade, mas quem nella mora appella mudo, caso alto não brade. Na vulgar peripheria muitos moram e ninguem falla della que seria o melhor que lhes convem. Mas orgulham-se, eu diria, com justiça, pois tambem talentosa cantoria alli surge e mil fans tem.

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414 GLAUCO MATTOSO MEME DO MOMO [5891] De novo o Carnaval chegando vem! De novo me trancar em casa vou, mas, sendo masochista como sou, irei phantasiar-me pejo sem. Não visto phantasia de nenen, dum indio ou dum pirata. Ja ficou, emfim, fora de moda no meu show usar escuros oculos, tambem. Aqui no meu sallão, nem venda ponho. Appenas a ser passo o cego servo daquelle gordão amo que conservo no rol das amizades, ou no sonho. Momesco follião, do meu tristonho semblante elle excarnesce. Lhe reservo prazeres oraes, posto que preservo no sceptro o seu sabor, quando me bronho.


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO VIRUS VINGADOR [6115] Emquanto, Glauco, um baile funk está rollando solto, como si nenhum contagio houvesse, penso no bebum, no joven drogaddicto, nessa pa... De dó pensa que eu morro, Glauco? Bah! Com esse povo nada, que em commum eu tenha, alguem encontra! Solto um pum, bananas dou e mando que elle va... Se junctam? Agglomeram-se? Que bom! Assim se contaminam mais depressa! Mais rapido morrer vão elles dessa virose, que é peor que aquelle som! Comtanto que eu não fique tambem com o virus, Glauco, faço uma promessa: Bem alto não rirei! Vou rir à bessa, mas quieto, aqui debaixo do edredom...

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416 GLAUCO MATTOSO PRETERIDA [6264] Glaucão, si eu não ganhar a primeirona, final collocação no festival, eu acho que me macto! Você mal calcula como a gente isso ambiciona! Não canto, Glauco, como prima donna das operas, mas esse pessoal da bossa nem me chega aos pés! Normal, portanto, que eu não seja a sexta, a nona! Fiquei sabendo, Glauco, que San Remo, aquelle festival dos festivaes, ja teve suicida, que jamais venceu e, inconformada, foi ao Demo! Não sei si chegarei a tal extremo, mas, Glauco, convenhamos! Das banaes cantoras bem accyma estou! Meus ais agudos são! Por isso perder temo!


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO BLUE EARTH [6484] (para Luiz Roberto Guedes) Os orphans de John Lennon e Raul vagueiam, como mulas sem cabeça, ainda accreditando que accontesça na Terra algo que a faça mais azul. Porem, nos hemispherios, Norte e Sul, alguns terraplanistas que mais cresça a treva vão fazendo, mais espessa a nuvem que as idéas dum pitbull. Aquella Sociedade Alternativa que todo saudosista antecipava paresce mais distante, sob a clava dum novo Brucutu com voz activa. Não morrem, todavia, Lennon, Piva, Camões nem Raul Seixas. Uma oitava heroica, por si só, mais desaggrava a gente que, de senso, o Ogro nos priva.

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418 GLAUCO MATTOSO PHEIJOADA REVISITADA [6624] Você, que ja morou la, não por uma pheijoada, Glauco? bem sobre tal receita, que nem é, mas pratto chique é

se pella Opina tão fina na favella?

Chegou a frequentar, la na Portella, aquella da famosa Vicentina? Paulinho da Viola acha divina a coisa, para a nossa gula appella! Entendo... No pagode do Vavá você jamais esteve... Mas terá passado por algum onde servida seria aquella celebre comida! Passou? Tive certeza! Quem duvida que esteve olhando os pés da divertida gallera de malandros, dos quaes ja sonhou com os chinellos? Hem, xará?


CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO A VOLTA DA MEXERIQUEIRA [6625] Nas redes sociaes está a Candinha agora fofocando, Glauco! O certo é que ella ja da bota do Roberto não falla, porem segue bem damninha! Pois é, Glauco! Você nem adivinha de quem a fofoqueira faz aberto retracto negativo! Chegou perto! Mais perto! Vae chegando depressinha! Sim, Glauco! De você! Cada maldade! Expalha que está cego por castigo, que ja não lambe pés nem dum amigo, que mais ninguem seu verbo persuade! Fallou que nem é digno de que Sade lhe pise no focinho! Mal consigo lembrar de tudo! O que? Você commigo concorda? Até com ella? Retro vade!

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420 GLAUCO MATTOSO EUPHORICO ALLEGORICO [6626] Fiz uma allegoria da "Alegria" só para você, Glauco! Está a contento? "Andando eu vou! Caminho contra o vento sem meia, só de tennis, noite e dia!" "Conforme a direcção da expalho o meu cheirinho que batte na narina dum ceguinho menestrel, que

ventania, chulepento, attento me assedia!"

"O cego, que é podolatra, advalia meu acto como orgia tropical legitima, não só no carnaval, mas, quasi que em dezembro, uma follia!" "Por entre esses ceguinhos, que dum guia precisam, eu sou lider!" Hem? Que tal? Gostou desta parodia sensual, Glaucão? E então? Meus tennis compraria?




SUMMARIO DISSONNETTO SOBRE UM REPERTORIO ALEATORIO [3000]...................... 9 DISSONNETTO DISCOGRAPHICO [0106]..................................... 10 SONNETTO A ERNESTO NAZARETH, ou SONNETTO DE UMA NOTA SÓ [0295]....... 11 SONNETTO CAETANICO [0345]............................................ 12 SONNETTO SEM-TECTO [0369]............................................ 13 SONNETTO DESBARATADO [0410].......................................... 14 SONNETTO AMPLIFICADO [0526].......................................... 15 SONNETTO EXTRA-EXPRESSO [0529]....................................... 16 SONNETTO NAZARETHADO [0568].......................................... 17 DISSONNETTO DA MUSICALIDADE [0940]................................... 18 SONNETTO DA RAINHA POSTA [1277]...................................... 19 DISSONNETTO DO CHORO RASGADO [1491].................................. 20 DISSONNETTO DA GAFIEIRA [1690]....................................... 21 DISSONNETTO DA INCONVENIENCIA [1706]................................. 22 DISSONNETTO DA CHARTA INESPERADA [1714].............................. 23 SONNETTO PARA UM SAMBA-CANÇÃO [1727]................................. 24 DISSONNETTO PARA UMA MARCHINHA [1728]................................ 25 DISSONNETTO PARA OUTRA MARCHINHA [1729].............................. 26 DISSONNETTO PARA UM ROCKZINHO ANTIGO [1730].......................... 27 DISSONNETTO PARA UM CHA-CHA-CHA [1731]............................... 28 SONNETTO PARA UM SAMBOLERO [1732].................................... 29 SONNETTO PARA UM TANGO [1736]........................................ 30 DISSONNETTO PARA UM BAIÃO [1737]..................................... 31 SONNETTO PARA UMA MODA DE VIOLA [1738]............................... 32 DISSONNETTO PARA UM XOTE [1739]...................................... 33 SONNETTO PARA UMA MARCHA-RANCHO [1740]............................... 34 DISSONNETTO PARA UM SAMBA-ENREDO [1741].............................. 35 SONNETTO PARA UMA CANTIGA DE RODA [1752]............................. 36 DISSONNETTO PARA UMA VALSA ALVISSAREIRA [1842]....................... 37 SONNETTO PARA QUEM SEUS MALES NÃO EXPANTA [2093]..................... 38 DISSONNETTO PARA UM BIGORRILHO [2545]................................ 39


DISSONNETTO PARA UM CASO ACCABADO [2546]............................. 40 DISSONNETTO PARA UMA MULHER LINGUARUDA [2547]........................ 41 SONNETTO PARA NÃO DIZEREM QUE NÃO SE FALLOU [2548]................... 42 DISSONNETTO PARA AS MULHERES DESAPPARESCIDAS [2549].................. 43 DISSONNETTO PARA UM REI POSTO [2550]................................. 44 SONNETTO PARA UM PECCADO ORIGINAL [2554]............................. 45 DISSONNETTO PARA UMA TELA DESBOTADA [2555]........................... 46 SONNETTO PARA UM CRESPO PRECONCEITO [2565]........................... 47 DISSONNETTO PARA QUEM PEGA, MACTA E COME [2566]...................... 48 DISSONNETTO PARA UMA ORGIA INGENUA [2571]............................ 49 DISSONNETTO PARA A CONFIANÇA MUTUA [2572]............................ 50 DISSONNETTO PARA UMA JUSTIÇA SOCIALISTA [2577]....................... 51 SONNETTO PARA UMA GRAÇA QUE ENCHEU [2578]............................ 52 SONNETTO PARA UMA LETTRA QUE PASSA [2585]............................ 53 DISSONNETTO PARA UM CAVALLO TIRADO DA CHUVA [2586]................... 54 DISSONNETTO PARA UM MOTTE INCOMMENSURAVEL [2605]..................... 55 SONNETTO PARA UMA CABELLEIRA PECCAMINOSA [2606]...................... 56 DISSONNETTO PARA OUTRA VERDADE DO VINHO [2614]....................... 57 DISSONNETTO PARA A MAMMADEIRA COSTUMEIRA [2629]...................... 58 DISSONNETTO PARA UM CONDOMINIO CONCORRIDO [2630]..................... 59 DISSONNETTO PARA UM PECCADO PELLADO [2631]........................... 60 DISSONNETTO PARA UM INDIGENA INDIGNADO ou UM ATTRITO COM A TRIBU [2632]..61 DISSONNETTO PARA UMA ARAPUCA PARA O JUCA [2633]...................... 62 SONNETTO PARA UM BATTE-BOCCA QUE VIROU ARRANCA-RABO [2634]........... 63 DISSONNETTO PARA UMA VAGABA NA VAGA [2635]........................... 64 DISSONNETTO PARA QUEM TEM BOM GOSTO [2636]........................... 65 DISSONNETTO PARA UM MACHO MACHUCADO [2637]........................... 66 DISSONNETTO PARA UM IDOLO DA JUVENTUDE [2638]........................ 67 DISSONNETTO PARA UMA BOTA NA BOCCA [2639]............................ 68 DISSONNETTO PARA UMA ABBORDAGEM REPELLIDA [2640]..................... 69 DISSONNETTO PARA UM CONTRACTO COM O MULATO [2642].................... 70 DISSONNETTO PARA UM LOUCO AMOR [2643]................................ 71 DISSONNETTO PARA UM RAPAZ REGENERADO [2644].......................... 72 DISSONNETTO PARA CHATEAR, APPENAS [2645]............................. 73 DISSONNETTO PARA UM STRIP-TEASE COLLECTIVO [2646].................... 74


DISSONNETTO PARA UMA BANANEIRA PLANTADA [2647]....................... 75 DISSONNETTO PARA UM VEXAME A QUEM DESMAMME [2648].................... 76 DISSONNETTO PARA UM PLANEJAMENTO FAMILIAR [2649]..................... 77 DISSONNETTO PARA UM FILHO DESOBEDIENTE [2650]........................ 78 DISSONNETTO PARA QUEM SÓ PODE ESPERAR [2651]......................... 79 DISSONNETTO PARA UM CONTRACTO DE DESACCORDO [2652]................... 80 DISSONNETTO PARA UM GUARDAROUPA DEVASSADO [2653]..................... 81 DISSONNETTO PARA A SAHIDA DA SAIA JUSTA [2654]....................... 82 SONNETTO PARA UMA PRAÇA QUE NÃO ACCABOU [2655]....................... 83 SONNETTO PARA UMA DIFFICIL DIGESTÃO [2656]........................... 84 DISSONNETTO PARA UMA ROUPA SUJA POR LAVAR [2657]..................... 85 SONNETTO PARA OUTRO BAHIANO [2658]................................... 86 SONNETTO PARA QUEM VAE PARA PASARGADA [2659]......................... 87 SONNETTO PARA QUEM NÃO ARREDA PÉ [2660].............................. 88 SONNETTO PARA UM MALLOQUEIRO FOFOQUEIRO [2661]....................... 89 SONNETTO PARA UMA SOLIDÃO DESERTICA [2662]........................... 90 DISSONNETTO PARA UMA ESTHETICA KOSMETICA [2663]...................... 91 DISSONNETTO PARA AS BALZACAS QUE NÃO SÃO BABACAS [2664].............. 92 DISSONNETTO PARA UM BOM EXEMPLO [2665]............................... 93 SONNETTO PARA UMA DONA CARINHOSA [2667].............................. 94 DISSONNETTO PARA UMA CANTIGA DE FODA [2668].......................... 95 DISSONNETTO PARA UMA DANSA A DOIS [2669]............................. 96 SONNETTO PARA A ALPHABETIZAÇÃO DOS OPPRIMIDOS [2670]................. 97 DISSONNETTO PARA UMA CASTANHOLA MASTURBATORIA [2671]................. 98 SONNETTO PARA UMA ALLITTERAÇÃO HALLUCINADA [2672].................... 99 DISSONNETTO PARA UM AGGRAVAMENTO DO QUADRO [2673]................... 100 DISSONNETTO PARA QUEM NÃO PARA [2674]............................... 101 SONNETTO PARA UMA JUSTA CAUSA [2675]................................ 102 DISSONNETTO PARA A TOCAYA NA PRAIA [2676]........................... 103 DISSONNETTO PARA OUTRO TYPO DE BONDE [2677]......................... 104 DISSONNETTO PARA UM CASAL CONSENSUAL [2678]......................... 105 SONNETTO PARA UM LAMENTO CHORAMINGUENTO [2679]...................... 106 DISSONNETTO PARA UMA MULHER DIVIDIDA [2680]......................... 107 DISSONNETTO PARA UM MATREIRO CAVALHEIRO [2681]...................... 108 DISSONNETTO PARA UM ALLOPRADO APPOSENTADO [2682].................... 109


DISSONNETTO PARA UM COITADO CONFORMADO [2683]....................... 110 DISSONNETTO PARA OS GAGOS MULHERENGOS [2684]........................ 111 SONNETTO PARA OUTRO ANGLICISMO NO RABO [2685]....................... 112 DISSONNETTO PARA UM LEÃO QUE NÃO SOSSEGA O RABO [2686].............. 113 DISSONNETTO PARA UM PAPPO DE BISTRÔ [2687].......................... 114 SONNETTO PARA UM BONDE ABERTO [2688]................................ 115 SONNETTO PARA UMA CALÇADA APPINHADA [2689].......................... 116 DISSONNETTO PARA A FAUNA ANIMADA [2690]............................. 117 DISSONNETTO PARA A REPETIÇÃO DA PETIÇÃO [2691]...................... 118 SONNETTO PARA UMA DOCE ILLUSÃO [2692]............................... 119 DISSONNETTO PARA QUEM RI PRIMEIRO [2693]............................ 120 SONNETTO PARA UMA COTOVELLADA DESNIVELADA [2694].................... 121 DISSONNETTO PARA UMA COMMUNICAÇÃO SEM FIO [2695].................... 122 DISSONNETTO PARA UMA CARA CARA [2696]............................... 123 DISSONNETTO PARA UMA PUXAÇÃO E UMA CHUPAÇÃO [2697].................. 124 SONNETTO PARA UM PEDINTE SEM REQUINCTE [2698]....................... 125 SONNETTO PARA UM MOLEQUE BESTIAL [2699]............................. 126 DISSONNETTO PARA UMA EGUA IMPACIENTE [2700]......................... 127 SONNETTO SOBRE A ESTRELLA COBIÇADA [2741]........................... 128 SONNETTO SOBRE UMA SOFFRIDA VIDA [2742]............................. 129 SONNETTO SOBRE UMA AMIZADE TROCADA [2743]........................... 130 DISSONNETTO SOBRE O ACCINCTE DO OUVINTE [2744]...................... 131 SONNETTO SOBRE UMA CARREIRA BRILHANTE [2745]........................ 132 DISSONNETTO SOBRE UM DESTINO CANINO [2746].......................... 133 DISSONNETTO SOBRE UMA ESPERA E UMA PROCURA [2747]................... 134 SONNETTO SOBRE A DANSA DA CHUVA [2748].............................. 135 SONNETTO SOBRE UM DESPROPOSITO PROPOSITAL [2749].................... 136 SONNETTO SOBRE UMA PRAGA QUE NÃO COLLA [2750]....................... 137 SONNETTO SOBRE UM TRAPALHÃO PASPALHÃO [2751]........................ 138 SONNETTO SOBRE UM BOATO MALICIOSO [2752]............................ 139 SONNETTO SOBRE A DIATRIBE ENDIABRADA [2753]......................... 140 SONNETTO SOBRE UMA SOLIDA CONSTRUCÇÃO [2754]........................ 141 SONNETTO SOBRE UM PARTIDO QUE FALLA MAIS ALTO [2755]................ 142 SONNETTO SOBRE A FIDELIDADE PARTIDEIRA [2756]....................... 143 DISSONNETTO SOBRE A LAPA QUE NÃO EXCAPPA [2757]..................... 144


DISSONNETTO SOBRE O QUE A PENHA DESEMPENHA [2758]................... 145 DISSONNETTO SOBRE UMA VILLA QUE SE VENTILA [2759]................... 146 SONNETTO SOBRE UM ESTACIO SEM POSTFACIO [2760]...................... 147 SONNETTO SOBRE A MINEIRIDADE SEM EDADE [2761]....................... 148 SONNETTO SOBRE UMA VIAGEM QUE NÃO PEGOU [2762]...................... 149 SONNETTO SOBRE UM TERRITORIO LIVRE [2763]........................... 150 DISSONNETTO SOBRE OUTRO EXTRANHO NO NINHO [2764].................... 151 SONNETTO SOBRE UM TREM SUPERLOTADO [2765]........................... 152 DISSONNETTO SOBRE UMA EXQUINA LIBERTINA [2766]...................... 153 SONNETTO SOBRE A PERIPHERIA QUE EU QUERIA [2767].................... 154 SONNETTO SOBRE AS AGUAS POR DEBAIXO DA PONTE [2768]................. 155 SONNETTO SOBRE DOIS PASSARINHOS [2769].............................. 156 SONNETTO SOBRE O TURISMO SEXUAL [2770].............................. 157 SONNETTO SOBRE UMA RECEITA QUE DELEITA [2771]....................... 158 DISSONNETTO SOBRE UMA PAIXÃO NÃO CORRESPONDIDA [2772]............... 159 SONNETTO SOBRE UM SONHO EXQUESCIDO [2773]........................... 160 DISSONNETTO SOBRE UM RAPAZ PERTINAZ [2774].......................... 161 SONNETTO SOBRE UMA AUCTORIDADE PARDA [2775]......................... 162 SONNETTO SOBRE A DECADENCIA DA AUDIENCIA [2776]..................... 163 SONNETTO SOBRE A CADENCIA SEM DECENCIA [2777]....................... 164 DISSONNETTO SOBRE UM CASAL NORMAL [2778]............................ 165 SONNETTO SOBRE O CHINELLO VELHO E O PÉ DODÓE [2779]................. 166 SONNETTO SOBRE O JAVALI QUE JA VALI [2781].......................... 167 SONNETTO SOBRE O BICHO E A BICHA [2782]............................. 168 DISSONNETTO SOBRE QUEM APPELLA E QUEM NÃO É DONZELLA [2783]......... 169 SONNETTO SOBRE QUANDO O BICHO PEGA [2784]........................... 170 SONNETTO SOBRE A FIDELIDADE IDEOLOGICA [2785]....................... 171 SONNETTO SOBRE A BATTUCADA REVIVIDA [2786].......................... 172 SONNETTO SOBRE UMA ETERNA JURA QUE NÃO DURA [2787].................. 173 SONNETTO SOBRE QUEM RI MELHOR [2788]................................ 174 SONNETTO SOBRE O REQUINCTADO REQUENTADO [2789]...................... 175 SONNETTO SOBRE UMA DISPARIDADE QUE JA CHEGA [2790].................. 176 SONNETTO SOBRE A MULATA [2791]...................................... 177 DISSONNETTO SOBRE A MORENA [2792]................................... 178 SONNETTO SOBRE A LOIRINHA [2793].................................... 179


SONNETTO SOBRE UMA CINZENTA QUARTA-FEIRA [2794]..................... 180 DISSONNETTO SOBRE UM BETO BOM DE BALLA [2795]....................... 181 SONNETTO SOBRE UM DESABRIGADO BRIGADO [2796]........................ 182 SONNETTO SOBRE UM MORADOR DA ORLA [2797]............................ 183 SONNETTO SOBRE UM BOM DE BOCCA [2798]............................... 184 DISSONNETTO SOBRE A PROMISCUIDADE DELLA [2799]...................... 185 SONNETTO SOBRE UM JURAMENTO E UM MANDAMENTO [2800].................. 186 DISSONNETTO SOBRE UMA CANOA FURADA [2801]........................... 187 DISSONNETTO SOBRE A BURGUEZIA BEM PENSANTE [2802]................... 188 SONNETTO SOBRE UMA LINHA QUE CAE E UMA QUE DECAE [2803]............. 189 DISSONNETTO SOBRE A VIDA DE SOLTEIRO [2804]......................... 190 SONNETTO SOBRE A CASA ARROMBADA [2805].............................. 191 SONNETTO SOBRE UM ARRANCA-RABO NO FORRÓ [2806]...................... 192 DISSONNETTO SOBRE A VOZ POETICA [2807].............................. 193 SONNETTO SOBRE UM EXTRANHO NO FOGÃO [2808].......................... 194 SONNETTO SOBRE QUEM VAE E QUEM VOLTA [2809]......................... 195 SONNETTO SOBRE A INGRATIDÃO DA NOVA GERAÇÃO [2810].................. 196 SONNETTO SOBRE AS AMIZADES SUSPEITAS [2811]......................... 197 DISSONNETTO SOBRE UM ZÉ MARIA DA CONCEIÇÃO [2812]................... 198 DISSONNETTO SOBRE UM BARRACÃO À DISPOSIÇÃO [2813]................... 199 SONNETTO SOBRE AS FUSÕES E AS CONFUSÕES [2814]...................... 200 SONNETTO SOBRE UMA ALLEGORIA ABOLICIONISTA [2815]................... 201 DISSONNETTO SOBRE UM METALLEIRO MOTOQUEIRO [2816]................... 202 SONNETTO SOBRE UMA PANACÉA QUE ESTRÉA [2817]........................ 203 DISSONNETTO SOBRE UMA NAÇÃO EM PROMOÇÃO [2818]...................... 204 SONNETTO SOBRE UM PAPPO FIRME [2819]................................ 205 DISSONNETTO SOBRE UMA ESTRATEGIA ESTHETICA [2820]................... 206 SONNETTO SOBRE UM LOBISHOMEM QUE NÃO FOI BICHO-PAPPÃO [2821]........ 207 SONNETTO SOBRE A BAHIANIDADE RENOVADA [2822]........................ 208 DISSONNETTO SOBRE A PADROEIRA E A LADROEIRA [2823].................. 209 SONNETTO SOBRE A MISCIGENAÇÃO DA NAÇÃO [2824]....................... 210 DISSONNETTO SOBRE UMA SANDALIA DE COURO [2825]...................... 211 DISSONNETTO SOBRE UM CARNAVAL RITUAL [2826]......................... 212 DISSONNETTO SOBRE UM PIERRÔ APPORRINHADO [2827]..................... 213 SONNETTO SOBRE UM SUSPEITO DE PEDOPHILIA [2828]..................... 214


DISSONNETTO SOBRE QUEM SAHIU MAS NÃO QUERIA [2829].................. 215 SONNETTO SOBRE QUEM QUERIA MAS NÃO SAHIU [2830]..................... 216 SONNETTO SOBRE UM TRABALHADOR CONVERTIDO [2831]..................... 217 DISSONNETTO SOBRE DOIS PERDIDOS NUMA "BOITE" SUJA [2832]............ 218 DISSONNETTO SOBRE UM BONDAGISMO ARRISCADO [2833].................... 219 DISSONNETTO SOBRE A UTOPIA DA ALFORRIA [2834]....................... 220 SONNETTO SOBRE UM MAU MUSICO [2835]................................. 221 SONNETTO SOBRE UMA LUA INDISCRETA [2836]............................ 222 DISSONNETTO SOBRE UM PEÃO E SEU PEZÃO [2837]........................ 223 DISSONNETTO SOBRE UMA ADMEAÇA APOCALYPTICA [2838]................... 224 SONNETTO SOBRE UM FUMANTE SEM AMANTE [2839]......................... 225 SONNETTO SOBRE UM PRESIDENTE DE ALTOS PLANOS [2840]................. 226 SONNETTO SOBRE AS CORES DA ESCHOLA [2841]........................... 227 DISSONNETTO SOBRE A ANDROGYNIA E A PHANTASIA [2842]................. 228 SONNETTO SOBRE UM TOLO CONSOLO [2843]............................... 229 DISSONNETTO SOBRE UM RELACIONAMENTO COMPROMETTEDOR [2844]........... 230 DISSONNETTO SOBRE UMA DOCE VINGANÇA [2845].......................... 231 DISSONNETTO SOBRE UMA FRIA VINGANÇA [2846].......................... 232 SONNETTO SOBRE A MINHA CANINHA [2847]............................... 233 SONNETTO SOBRE UMA AUTOMASSAGEM [2848].............................. 234 SONNETTO SOBRE UM INVESTIDOR FALLIDO [2849]......................... 235 DISSONNETTO SOBRE AS BOAS COMPANHIAS E SUAS ACÇÕES [2850]........... 236 DISSONNETTO SOBRE UMA DESVALORIZAÇÃO IMMOBILIARIA [2851]............ 237 DISSONNETTO SOBRE UMA SEPARAÇÃO SEM REPARAÇÃO [2852]................ 238 SONNETTO SOBRE UM PACTO RENOVADO [2853]............................. 239 DISSONNETTO SOBRE UMA BEIJOQUEIRA QUE QUEIRA A PORQUEIRA [2854]..... 240 DISSONNETTO SOBRE UMA SENHORA ENCRENQUEIRA [2855]................... 241 DISSONNETTO SOBRE UM VEADO CORNEADO [2856].......................... 242 DISSONNETTO SOBRE UMA MUNDANA DORMINHOCA [2857]..................... 243 DISSONNETTO SOBRE UM ALCOHOLATRA AMARGURADO [2858].................. 244 SONNETTO SOBRE UM BEIJOQUEIRO FOFOQUEIRO [2859]..................... 245 SONNETTO SOBRE UM CASAL CINEPHILO [2860]............................ 246 DISSONNETTO SOBRE AS MULHERES INTANGIVEIS [2861].................... 247 SONNETTO SOBRE O RAPTO CONSENSUAL [2862]............................ 248 SONNETTO SOBRE UM PAPEL RIDICULO [2863]............................. 249


SONNETTO SOBRE UM POETA MENOR [2864]................................ 250 DISSONNETTO SOBRE UM GALANTE NO VOLANTE [2865]...................... 251 SONNETTO SOBRE UMA ESPERANÇA QUE NÃO SE ENCERRA [2866].............. 252 SONNETTO SOBRE UM PAIZ QUE TROPICA [2867]........................... 253 DISSONNETTO SOBRE UM PAPEL DE PONCTA [2868]......................... 254 DISSONNETTO SOBRE UM CASAMENTO CAYPYRA [2869]....................... 255 SONNETTO SOBRE UMA NOITE ENFEITADA [2870]........................... 256 SONNETTO SOBRE AQUELLAS QUE BORBOLETEIAM [2871]..................... 257 SONNETTO SOBRE UM MANO UFFANO [2872]................................ 258 SONNETTO SOBRE UM BEMFEITOR DA FAUNA [2873]......................... 259 SONNETTO SOBRE A CORRESPONDENCIA NÃO-CORRESPONDIDA [2874]........... 260 SONNETTO SOBRE UMA MUSA QUE SE ACCUSA [2875]........................ 261 DISSONNETTO SOBRE A LAVAGEM DA ROUPA SUJA [2876].................... 262 SONNETTO SOBRE UM MALICIOSO CIOSO [2877]............................ 263 DISSONNETTO SOBRE UMA GAROTA MAROTA [2878].......................... 264 SONNETTO SOBRE UM SERESTEIRO RASTEIRO [2879]........................ 265 SONNETTO SOBRE UM SERESTEIRO INTERESSEIRO [2880].................... 266 DISSONNETTO SOBRE UM LAÇO LASSO [2881].............................. 267 DISSONNETTO SOBRE UM RISO RASO E UMA FENDA FUNDA [2882]............. 268 SONNETTO SOBRE UMA JORNADA ESTELLAR [2883].......................... 269 SONNETTO SOBRE O PINHO E O CHORINHO [2884].......................... 270 DISSONNETTO SOBRE UM TRAJE DE GALA [2885]........................... 271 DISSONNETTO SOBRE UM HABITUÊ NUMA DEPRÊ [2886]...................... 272 DISSONNETTO SOBRE UM HABITUÊ NUM CHIQUÊ [2887]...................... 273 DISSONNETTO SOBRE UMA PHASE PHRENETICA [2888]....................... 274 SONNETTO SOBRE UMA CRISE DE IDENTIDADE [2889]....................... 275 DISSONNETTO SOBRE UM DOMINADOR DIMINUIDO [2890]..................... 276 SONNETTO SOBRE UMA VIAGEM DESBUNDADA [2891]......................... 277 DISSONNETTO SOBRE UM BONDAGISTA INDISCIPLINADO [2892]............... 278 SONNETTO SOBRE UMA FRICTURA EM NOITE ESCURA [2893].................. 279 SONNETTO SOBRE UM PRIMAVERIL FERVOR SERVIL [2894]................... 280 DISSONNETTO SOBRE UMA BRINCADEIRA INNOCENTE [2895].................. 281 SONNETTO SOBRE A FAVELLA REVISITADA [2896].......................... 282 DISSONNETTO SOBRE A MINA DO MANO [2897]............................. 283 DISSONNETTO SOBRE UMA SESSÃO BEM PROGRAMMADA [2898]................. 284


SONNETTO SOBRE UMA MORTE ANNUNCIADA [2899].......................... 285 DISSONNETTO SOBRE UM CORPO-A-CORPO BALLANCEADO [2900]............... 286 DISSONNETTO SOBRE QUEM CANTA UM CANTO [2901]........................ 287 SONNETTO SOBRE QUEM DOMINGOU E SE VINGOU [2902]..................... 288 DISSONNETTO SOBRE UM SAMBA PERENNAL [2903].......................... 289 DISSONNETTO SOBRE O SALGADO DA SOLA [2904].......................... 290 SONNETTO SOBRE O FOGO E O JOGO [2905]............................... 291 SONNETTO SOBRE A LYRA CIVICA [2906]................................. 292 DISSONNETTO SOBRE UM CASAL DESENTENDIDO [2907]...................... 293 SONNETTO SOBRE QUEM CANTA E NÃO ENCANTA [2908]...................... 294 DISSONNETTO SOBRE UM PESADELLO PODOLATRA [2909]..................... 295 SONNETTO SOBRE O BAIRRISMO DO SAMBISMO [2910]....................... 296 DISSONNETTO SOBRE O UFFANISMO E O AFFANISMO [2911].................. 297 DISSONNETTO SOBRE A DEMORA DA MORENA [2912]......................... 298 DISSONNETTO SOBRE CANTOS E DESENCANTOS [2913]....................... 299 SONNETTO SOBRE A BAHIANIDADE ADOPTIVA [2914]........................ 300 SONNETTO SOBRE UMA CANTIGA QUE INSTIGA [2915]....................... 301 SONNETTO SOBRE UMA JUSTA RECIPROCIDADE [2916]....................... 302 DISSONNETTO SOBRE UM PEREGRINO RECOMFORTADO [2917].................. 303 SONNETTO SOBRE O RETORNO DO CANTOR [2918]........................... 304 SONNETTO SOBRE UNS TRAJES EXTRAVAGANTES [2919]...................... 305 DISSONNETTO SOBRE UM ABRIGO AMIGO [2920]............................ 306 SONNETTO SOBRE A VARIA CULINARIA [2921]............................. 307 SONNETTO SOBRE UMA PONCTUAÇÃO REVISADA [2922]....................... 308 SONNETTO SOBRE UMA CRUEL LUA DE MEL [2923].......................... 309 DISSONNETTO SOBRE UM PRIVILEGIADO DESPREVENIDO [2924]............... 310 DISSONNETTO SOBRE UMA HISTORIA DE PESCADOR [2925]................... 311 DISSONNETTO SOBRE QUEM POSA DE DENGOSA [2926]....................... 312 DISSONNETTO SOBRE UM PASSADO DEVASSADO [2927]....................... 313 DISSONNETTO SOBRE UM COITADINHO EXCARNINHO [2928]................... 314 DISSONNETTO SOBRE UMA ASSOMBRAÇÃO MUTANTE [2929].................... 315 SONNETTO SOBRE UM GALLO QUE PAGOU O PATO [2930]..................... 316 DISSONNETTO SOBRE UM PEZINHO MULATO [2931].......................... 317 DISSONNETTO SOBRE UMA DOMINADORA BEM HUMORADA [2932]................ 318 DISSONNETTO SOBRE UMA PAIXÃO CEGA [2933]............................ 319


DISSONNETTO SOBRE UMA COR, UM ODOR E UM SABOR [2934]................ 320 SONNETTO SOBRE UM ALUMNO QUE LECCIONA [2935]........................ 321 SONNETTO SOBRE A FAUNA CONFRATERNIZADA [2936]....................... 322 DISSONNETTO SOBRE UM INUTIL DISFARSE [2937]......................... 323 SONNETTO SOBRE A MACHININHA MUSICAL [2938].......................... 324 DISSONNETTO SOBRE UMA HYPOTHESE PROVAVEL [2939]..................... 325 DISSONNETTO SOBRE UMA ILHA PARADISIACA [2940]....................... 326 SONNETTO SOBRE A NOVA DANSARINA [2941].............................. 327 DISSONNETTO SOBRE MUITAS CANOAS FURADAS [2942]...................... 328 DISSONNETTO SOBRE UMA ENSCENAÇÃO ENCERRADA [2943]................... 329 SONNETTO SOBRE UMA ESCRAVIDÃO ÀS ADVESSAS [2944].................... 330 DISSONNETTO SOBRE QUEM ESTÁ DE OLHO NO MOLHO [2945]................. 331 SONNETTO SOBRE AS LIBERDADES DE IMPRENSA [2946]..................... 332 DISSONNETTO SOBRE UM TORCEDOR PROVOCADOR [2947]..................... 333 DISSONNETTO SOBRE UM SERESTEIRO PERSISTENTE [2948].................. 334 SONNETTO SOBRE UMA CARAPUÇA PARA A BUÇA [2949]...................... 335 SONNETTO SOBRE UM CAMARADA APPRESSADO [2950]........................ 336 DISSONNETTO SOBRE UMA VELHINHA CONSERVADA [2951].................... 337 DISSONNETTO SOBRE O FUTEBOL PREMARACANANICO [2952].................. 338 SONNETTO SOBRE UM MONARCHA ANARCHIZADOR [2953]...................... 339 SONNETTO SOBRE UMA PROMESSA SEM PRESSA [2954]....................... 340 SONNETTO SOBRE UM ATTROPELAMENTO QUE LAMENTO [2955]................. 341 DISSONNETTO SOBRE O DIREITO DE IR E VIR [2956]...................... 342 SONNETTO SOBRE UMA DESPEDIDA DESMEDIDA [2957]....................... 343 SONNETTO SOBRE UM DICTADOR BEMQUISTO [2958]......................... 344 SONNETTO SOBRE O PALAVREADO PATRULHADO [2959]....................... 345 SONNETTO SOBRE A TOLERANCIA À BELLIGERANCIA [2960].................. 346 DISSONNETTO SOBRE A NOSTALGIA QUE ALLIVIA [2961].................... 347 DISSONNETTO SOBRE UMA BOCCA ABERTA E OUTRA FECHADA [2963]........... 349 DISSONNETTO SOBRE A VANTAGEM DA MALANDRAGEM [2964].................. 350 SONNETTO SOBRE UM VELHO ENREDO [2965]............................... 351 SONNETTO SOBRE OS FOROS DA CIDADANIA [2966]......................... 352 DISSONNETTO SOBRE O QUE GRASSA NA PRAÇA [2967]...................... 353 DISSONNETTO SOBRE O DESENGANNO DO SUBURBANO [2968].................. 354 DISSONNETTO SOBRE A DAMA QUE NOS DIFFAMA [2969]..................... 355


DISSONNETTO SOBRE UM GOSTO EXCENTRICO [2970]........................ 356 DISSONNETTO SOBRE UM TORCEDOR REVOLTADO [2971]...................... 357 SONNETTO SOBRE UM CENSO CENSOR [2972]............................... 358 DISSONNETTO SOBRE UMA ORIENTAÇÃO ORIENTAL [2973].................... 359 SONNETTO SOBRE A SEGUNDA MISERIA MUNDIAL [2974]..................... 360 DISSONNETTO SOBRE UM DELEITE DELETTREADO [2975]..................... 361 SONNETTO SOBRE UM IDEAL HABITACIONAL [2976]......................... 362 SONNETTO SOBRE O VELHINHO RETRACTADO [2977]......................... 363 SONNETTO SOBRE AS ACTIVIDADES CUMULATIVAS [2978].................... 364 SONNETTO SOBRE O CHORO DOS CHIFRADOS [2979]......................... 365 DISSONNETTO SOBRE UM CU QUE NÃO TEM DONO [2980]..................... 366 SONNETTO SOBRE AS PISTAS SAUDOSISTAS [2981]......................... 367 SONNETTO SOBRE O DEBOCHE DAS CABROCHAS [2982]....................... 368 SONNETTO SOBRE QUEM SE CONSOME NA CONSUMMAÇÃO [2983]................ 369 SONNETTO SOBRE MAIS UM COTOVELLO DOLORIDO [2984].................... 370 SONNETTO SOBRE A MULHER QUE SE DISPUTA [2985]....................... 371 SONNETTO SOBRE A CURIOSIDADE MASCULINA [2986]....................... 372 DISSONNETTO SOBRE UM MARTELLO BATTIDO [2987]........................ 373 DISSONNETTO SOBRE UM PLANETA MAL MOLHADO [2988]..................... 374 DISSONNETTO SOBRE A EXCASSEZ DE VERDES [2989]....................... 375 DISSONNETTO SOBRE QUEM AMA A FEIA [2990]............................ 376 SONNETTO SOBRE AS PEDRAS DO JOGO [2991]............................. 377 DISSONNETTO SOBRE A RIVALIDADE MASCULINA [2992]..................... 378 SONNETTO SOBRE UMA MULATA CARINHOSA [2993].......................... 379 SONNETTO SOBRE UMA MULATA QUASI CORDATA [2994]...................... 380 DISSONNETTO SOBRE UM PARDO FELIZARDO [2995]......................... 381 SONNETTO SOBRE UM PAPPO FURADO [2996]............................... 382 SONNETTO SOBRE UMA CARAVANA QUE PASSA [2997]........................ 383 SONNETTO SOBRE O CAFUNÉ DO MANÉ [2998].............................. 384 SONNETTO SOBRE UMA FEITICEIRA FETICHISTA [2999]..................... 385 SONNETTO SOBRE UMA COBRANÇA FRATERNAL [3003]........................ 386 SONNETTO SOBRE O SILENCIO QUEBRADO (I) [3004]....................... 387 SONNETTO SOBRE O SILENCIO QUEBRADO (II) [3005]...................... 388 DISSONNETTO SOBRE O QUE É ISTO [3007]............................... 389 DISSONNETTO SOBRE UMA OMNIPRESENÇA QUE NÃO SE DISPENSA [3009]....... 390


SONNETTO SOBRE UM CONCEITO RASO [3010].............................. 391 SONNETTO SOBRE UM BAMBA ALEM DO SAMBA [3011]........................ 392 DISSONNETTO SOBRE UM IMPOSTOR QUE FOI EXPOSTO [3015]................ 393 DISSONNETTO SOBRE UMA DRASTICA PLASTICA [3016]...................... 394 VERSOS ADVERSOS [3094].............................................. 395 TRAUMATICOS TABUS [3145]............................................ 396 POTAVEL DISPUTAVEL [3382]........................................... 397 A VOLTA DO PIANEIRO PIONEIRO [3596]................................. 398 HODIERNA BAHIANIDADE [3944]......................................... 399 PECCADO NEFANDO [3952].............................................. 400 SUPPLICA POSTHUMA [4694]............................................ 401 BERÇO DO EMBALLO [4733]............................................. 402 REVISIONISMO NO FOLKLORE [4948]..................................... 403 PRISCOS DISCOS [5130]............................................... 404 DISSONNETTO DUM MULATO CORDATO [5307]............................... 405 DISSONNETTO DUM POT-POURRI QUE NÃO SORRI [5383]..................... 406 SONNETTO DUM ESTYLO SEM VACILLO [5391].............................. 407 CALLIGRAPHIA DISCURSIVA [5626]...................................... 408 CANÇÃO INSONORA [5737].............................................. 409 MISCELLANEA ESPONTANEA [5793]....................................... 410 MISCELLANEA DA VELHA GUARDA [5812].................................. 411 INTERPRETANDO A CANÇÃO [5820]....................................... 412 MERITOS PERIPHERICOS [5843]......................................... 413 MEME DO MOMO [5891]................................................. 414 VIRUS VINGADOR [6115]............................................... 415 PRETERIDA [6264].................................................... 416 BLUE EARTH [6484]................................................... 417 PHEIJOADA REVISITADA [6624]......................................... 418 A VOLTA DA MEXERIQUEIRA [6625]...................................... 419 EUPHORICO ALLEGORICO [6626]......................................... 420


[resenha] O poeta Glauco Mattoso, auctor conhescido pela irreverencia, pelo experimentalismo e por certas obsessões fescenninas, vem ensignando que é possivel fazer poesia de invenção e bem humorada a partir da forma classica do sonnetto. A excolha do verso metrificado e rhymado tem a ver com o dado pessoal da cegueira do auctor, que soffre de glaucoma (aliaz, vem dahi o seu pseudonymo), ja que a impossibilidade de ler deve ter aguçado sua capacidade de memoria e de sensibilidade à musica. No quincto volume da serie Mattosiana, publicada pela editora Annablume no sello Dix, o poeta reune quasi 400 sonnettos sobre um unico thema: musica popular brazileira. São versos que percorrem, de modo bem particular, toda a historia da nossa canção, desde os primeiros sambas e maxixes, passando pelo forró, pelas marchinhas carnavalescas e pela bossa nova, até chegar à musica brega, à MPB e ao rock. [advaliação: optimo] BRUNO ZENI, na FOLHA DE S. PAULO, em 29/05/2009



Titulos publicados: A PLANTA DA DONZELLA ODE AO AEDO E OUTRAS BALLADAS INFINITILHOS EXCOLHIDOS MOLYSMOPHOBIA: POESIA NA PANDEMIA RHAPSODIAS HUMANAS INDISSONNETTIZAVEIS LIVRO DE RECLAMAÇÕES VICIO DE OFFICIO E OUTROS DISSONNETTOS MEMORIAS SENTIMENTAES, SENSUAES, SENSORIAES E SENSACIONAES GRAPHIA ENGARRAFADA HISTORIA DA CEGUEIRA INSPIRITISMO MUSAS ABUSADAS SADOMASOCHISMO: MODO DE USAR E ABUSAR DESCOMPROMETTIMENTO EM DISSONNETTO DESINFANTILISMO EM DISSONNETTO SEMANTICA QUANTICA INCONFESSIONARIO DISSONNETTOS DESABRIDOS SONNETTARIO SANITARIO DISSONNETTOS DESBOCCADOS RHYMAS DE HORROR DISSONNETTOS DESCABELLADOS NATUREBAS, ECOCHATOS E OUTROS CAUSÕES A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO MANIFESTOS E PROTESTOS LYRA LATRINARIA DISSONNETTOS DYSFUNCCIONAES O CINEPHILO ECLECTICO A HISTORIA DO ROCK REESCRIPTA POR GM SCENA PUNK


São Paulo Casa de Ferreiro 2021




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