CAPACITSIMO

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CAPACITISMO



Glauco Mattoso

CAPACITISMO

São Paulo Casa de Ferreiro


Capacitismo © Glauco Mattoso, 2023 Revisão Lucio Medeiros Projeto gráfico Lucio Medeiros Capa Concepção: Glauco Mattoso Execução: Lucio Medeiros ____________________________________________________ FICHA CATALOGRÁFICA ____________________________________________________ Mattoso, Glauco CAPACITISMO/Glauco Mattoso São Paulo: Casa de Ferreiro, 2023 92p., 14 x 21cm CDD: B896.1 - Poesia 1.Poesia Brasileira I. Autor. II. Título.


NOTA INTRODUCTORIA Eu, nesta anthologia abbreviada, abbordo o cadeirante, mas tambem o cego victimado, não só pelo sabido preconceito, como pela gallera que bullyinga, a saber: zoa bonito, quando sente ser impune qualquer abuso sobre quem esteja aos outros indefeso. Ou seja: abbordo adspectos mais crueis, desde essa venda concreta, bondagista, até cegueiras penaes e punitivas, ja tractadas em DESILLUMINISMO, ou tambem em HISTORIA DA CEGUEIRA. Aqui, portanto, serei appenas menos exhaustivo. Divirtam-se, leitores que me curtem!



PRIMEIRA PARTE INCAPACITISMO NO SADOMASOCHISMO Costumo repetir: a verdadeira e crivel egualdade entre diversos e tantos semelhantes vem a ser, por muito rude e extranho que paresça, o sadomasochismo, como tento, de novo, nos meus termos explicar. Somente nessa scena a gente pode ser mesmo “differente” e se inserir num gruppo sem deixar de ser pessoa com suas preferencias e fetiches, ou seja, nivelando outros desniveis, num magico ou abstracto paradoxo. Vejamos, neste exemplo que me deram, a clara concretude do conceito: Commigo um cadeirante se queixava de estar sempre, no sexo, deslocado no meio de pessoas que só viam aquelle elementar deficiente das pernas como um gajo que queria, appenas, ser tractado como gente “normal” e que, por isso, se sentia frustrado, quando o certo se encontrava no opposto: o cadeirante só queria sentir-se, nesses casos, inferior, tractado ser em termos deseguaes, forçado, nas sessões, a rastejar, sujar-se, escravizar-se, em humilhantes e indignas condições perante quem “normal” se considere em sociedade. Até que encontrou elle sua praia num clube sadomaso, onde entenderam a sua pessoal necessidade de estar, sem a cadeira, ao rés do chão,

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mercê dos pisoteios e dos chutes, às ordens dos que, em sua bocca, tinham desejo de exporrar na maior folga, depois de divertirem-se com seu agonico rastejo pelos braços, immovel da cinctura para baixo. Me disse elle: “Poeta, até que emfim achei a minha turma! Agora, aqui, me tractam como quero ser tractado, não como ser eu quero pela rua ou mesmo no trabalho ou em familia!” Pensei com meus botões, os da braguilha: Mas facil é, no clube, esse masoca sentir-se bem por baixo. Mas, si fosse um sadico (mais raro, neste caso) aquelle cadeirante em questão, como iria achar na vida algum masoca disposto, nas sessões, a bem servil-o? Com base num contacto que ja fiz, recordo um meu poema, que transcrevo: SUFFICIENTE SADOMASOCHISMO (1/4) [8478] (1) Sedento e sedentario, elle digita desejos de vingança ao cellular. Maldiz as suas mãos, acha maldicta a patta que permitte engattinhar. Curtindo a crueldade, eis que lhe excita, ao joven cadeirante, meu azar de cego. Sim, compenso-lhe a desdicta.

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(2) Seu gozo, urgentemente, um cego dar precisa, antes que, em versos, elle accabe querendo mutilar-se. A adjoelhar se obriga o cego, lambe e chupa, sabe usar a bocca, a lingua. O calcanhar do torto pé se banha do que babe alguem que não enxerga, a rastejar. (3) Diz elle que a uma hyena se assemelha, que assiste à sordidez e que gargalha, ja quasi ejaculando e, como ovelha, do lobo eu à mercê fico e trabalha a minha lingua nesse pé que espelha aquillo que meresço, por migalha: tractal-o com carinho, não de esguelha. (4) Teem, dois deficientes, infinita e sadomasochista relação de dor que se completa, dor afflicta, mas proxima ao prazer. Ambos estão no mesmo barco, ou quasi: elle vomita seu asco, o cego o engole. Com tesão, “Banquete escatologico!” elle grita.

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Digamos que, num cego, um cadeirante não tenha tanta chance de externar a sua assaz justissima desforra, mas temos que enquadrar o caso desse masoca ao qual, accyma, me refiro. Tem elle, em sociedade, seus direitos, que muito raramente são, de facto, por todos respeitados. Em privado, porem, só tem prazer si for tractado do jeito que parentes ou collegas jamais podem tractal-o -- um dos dilemmas que enfrento como cego masochista. Exijo os meus direitos, me revolto si noto que estão todos me negando a accessibilidade e de inclusões me excluem, inclusive em litterarios assentos e nos circulos mais cultos. Mas falta sinto, quando me imagino dos normovisuaes sendo o capacho, dum desses ambientes de consenso, no qual escravo possa ser sem susto, tal como o cadeirante que citei. Aos proprios cadeirantes dediquei sonnettos onde fallo o que elles fallam emquanto desabbafam, typo deste:

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DISSONNETTO DAS NECESSIDADES ESPECIAES [1088] Vem vindo o cadeirante pela via deserta. Seus “amigos” são malvados, meninos que nem elle. Para os lados olhando, teme a turma, que o vigia. Abbordam-no, e accontesce o que temia: seus braços segurando, calam brados de supplica. Depois que são chupados, um delles do garoto ‘inda judia. Mal tira-lhe da bocca a rolla dura, começa a mijar, rindo, e dá-lhe um banho. Os outros participam da tortura e, quando ouço o que contam, ja me assanho. Por fim, o cadeirante tudo attura. Molhando-se, humilhando-se, um extranho prazer supera o medo, e elle procura ser util aos “normaes” do seu tamanho.

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Entre elles divergencias certamente exsistem. Registrei algumas dellas. Blogueiros ja se insurgem contra aquelles que muito mimimi vivem fazendo, motivo dum sonnetto mais recente: BLOGUEIRO MINEIRO [7217] Eu, como cadeirante, vate, implico com todo “portador” dalgum defeito que tenha seu reverso preconceito perante esses “normaes”! Sim, abro o bicco! São todos uns folgados, Glauco! Um mico! Ceguetas, surdos, mudos… Não acceito que tenham mil direitos! É bem feito que sejam maltractados! Puto fico! São superprotegidos! Essa gente exige é privilegio, quer mammata! Um cego, por exemplo: quem o tracta mal passa por cruel ou inclemente! Mas elle inferior mesmo ja se sente! Então, meu, que se foda! Gente chata! Deviam é chupar, funcção exacta dum cego! O fardo o offende? Engula! Aguente!

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Agora dar eu quero um testemunho de como se distorce esse conceito que está (capacitismo) se firmando. Dum lado, os “normaes” querem ver o cego egual em tudo, prompto para tudo, achando que terá qualquer ceguinho accesso, ja de cara, a cellulares, que braille todos elles ja dominam e sentem-se com isso satisfeitos. Um dia, ha muitos annos, me indignei com certo palestrante que dizia: {Invalidos os cegos ja não são, pois hoje estão mais aptos a funcções eguaes às nossas. Ora, não precisam, portanto, receber pensão por uma carente “invalidez” que não se explica.} Fiquei é puto. Como pelo radio ouvi tal besteirol, não pude dar resposta alli na bucha, mas vontade eu tive de xingar a mãe do gajo, pois essa falsa pose de quem quer mostrar-se solidario, para mim, não passa da attitude de quem acha refresco uma pigmenta a arder em olho alheio, puta merda! Quem fallou que todo cego pode fazer tudo aquillo que normaes sempre fizeram? Alguns até que podem fazer algo, mas quasi todos aptos não estão. Negar isso será capacitismo, tambem, caralho! Fallo por mim, mas certeza tenho: cada cego tem as suas pessoaes necessidades, as suas preferencias, as opções que todo cidadão pode exigir. Aqui dou outro typo de exemplar ammostra no terreno sexual.

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Alguns videos pornôs, que para cegos ja surgem, usam audiodescripção e espera-se que possam attender às taras mais communs, satisfazer a toda punhetinha que invidentes tocar queiram emquanto se distraem. Não podem. Não attendem. Nenhum desses filminhos satisfaz este ceguinho, nenhum colloca cegos, como quero, na sadomasochista posição de escravos, para normovisuaes lhes darem ordens sadicas que irão tornal-os inferiores, si me sinto assim nas condições daquella scena. Poemas ja compuz accerca disso. Primeiro, mostrarei os dois sonnettos propostos a partir do que disseram aquelles meus leitores mais attentos: PORNÔ PORCO [6401] Fiquei sabendo, Glauco, que ja rolla até filme pornô voltado para pessoas cegas, visto terem tara ainda insatisfeita! Te consola? Tem audiodescripção, conforme eschola testada por normaes, que se compara ao clima da chochota pela vara a fundo penetrada! Achas que colla? Entendo… Faltará nesse mercado teu gosto mais commum, mas exquisito demais aos meus padrões! Teu requisito exige masochismo refinado! Terão que produzir um filme sado que tracte quem é cego no que evito fazer comtigo, mesmo si eu imito quem zomba dum Sansão recem cegado…

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MERCADO SADO [6409] Mas, Glauco, você está muito exigente! Um cego pornofilmes nunca tinha com audiodescripção! A calhar vinha que tenha, agora, aquillo pela frente! Porem, excolher algo differente da transa mais commum, ah, não convinha a quem vende productos nessa linha! Seu tempo perderá, Glauco! Nem tente! Magina! Quer você pornographia de sadomasochismo com actor que, cego, no papel dum inferior esteja? Quem tal filme curtiria? Pensando bem, talvez a maioria dos normovisuaes veja, si for visada com olhar consumidor, um filme em que o ceguinho se fodia…

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Agora segue meu infinitilho accerca desse thema assaz sensivel, no qual primeiro falla algum leitor: PORN FOR THE BLIND [8105] {Sabias tu que exsiste ja na rede noticia sobre cegos que pornô procuram material? Não só papaemamãe, não só normaes penetrações, mas todo typo, claro, de fetiche, de sadomasochismo ou perversão. Notei que, em testemunhos, os ceguinhos allegam que, entre eguaes, codigos ha que tudo facilitam, mas no caso dum normovisual que abborda um cego, ainda faltam codigos capazes de dar plena noção do que se quer fazer para que tenham um prazer total, justo, reciproco. Que pensas?} Assim eu respondi, nas mesmas rhymas: -- Ao pote não irei com essa sede dalguns principiantes. Ja cocô comendo sei de cegos, mas não sae nadinha disso nessas descripções que muitos consideram mau pastiche daquillo que se verte em bom calão. Só posso confirmar que, com carinhos e gestos mais gentis jamais se dá qualquer encontro fertil. Só num raso e grosso pappo à foda não me nego. É simples: com as phrases mais mordazes, o gajo de mim faz o que quizer, humilha-me, demonstra seu poder de quem pode gozar com taes offensas.

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É pouco o que me resta accrescentar, mas quero um pensamento deixar bem concluso, pois talvez o caso seja de inversas accepções propormos para um “incapacitismo” resultante daquelle viciado termo obscuro. Vejamos si é cabal meu raciocinio. Si como um preconceito disfarsado encaro o commentario de quem disse que cegos são eguaes em quasi tudo e quasi nem precisam ser tractados de forma differente e “especial”, terei de concluir que preconceito somente não ha quando um cego for zoado ou abusado no contexto dum circulo de normovisuaes do sadomasochismo practicantes que tractem esse cego como tractam alguem que esteja, alli, vendado para escravo se tornar, um inferior, em summa. Nesse caso, o que vigora, em vez de preconceito, ja seria a superioridade, pelo cego acceita, de quem pode enxergar bem. Portanto, não será capacitismo, mas incapacitismo o termo mais propicio num jargão consensual. Espero ter-me feito, duma vez por todas, entender e me despeço até que novo thema me convoque.

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SEGUNDA PARTE INVISUALISMO NO SADOMASOCHISMO DISSONNETTO DO BOM E DO MELHOR [1093] O cego tá no mundo é p’ra soffrer: tem gente que nasceu com esse azar. Tem coisa mais fodida, que é ficar ceguinho alguem que, um dia, pôde ver. Quem perde servirá a quem tem poder e o cego sabe qual é seu logar. Usar o tacto, o olfacto, o paladar no pau de quem enxerga é seu dever. O tacto sente a rolla, que cresceu; o olfacto sente o sebo, o mijo, a porra e tenta adivinhar si o pau é o meu, que egual sou ao mais bruto de Gomorrha ou como o mais sarrista philisteu. Chupando, você sabe e, assim que excorra o liquido na lingua, até excolheu si é bom chupar ou si é melhor que morra.

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DISSONNETTO FOLGADO [1103] Eu gosto é de batter em quem não tem defesa nem excappa do castigo! O cego é um bom exemplo do que digo: sem venda nem algema, appanha bem! Que seja covardia! Não tô nem ahi! Supplique, implore, que eu nem ligo! Compare um cara invalido commigo: eu gozo da visão, e elle tá sem! Que soffra! Vae levar relho no lombo, emquanto eu vou ficando de pau duro! Assim é meu melhor orgasmo, juro! Si o cego ja viu antes, mais eu zombo! Pergunto: quem mandou ficar no escuro? Então mando: ou me chupa, ou eu lhe arrombo o rabo! Na rasteira dou-lhe o tombo e empurro o pé no dente: é tesão puro!

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DISSONNETTO PARA A CAPACITAÇÃO DO CEGO [2075] Assim se encara um cego: o parasita, o inutil, cuja bocca só consome, na apposentadoria a que limita seu ganho, ou numa esmolla, e excappa à fome. A nada productivo se habilita o invalido, e só presta caso tome sciencia de ser util quando excita alguem que o discipline, explore e dome. É justo, pois, que soffra em sua treva e ainda que trabalhe, quando leva na bocca a rolla grossa a ser chupada! Um cego, que chiar, não tem é nada! Capriche! Engula tudo! Utilidade demonstre! Como um homem se degrade, pois isso é o que, aos saudaveis, mais aggrada! Foi feita a vida para ser gozada!

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DISSONNETTO PARA A GRATIDÃO NA INAPTIDÃO [2083] Total escuridão! O cego indaga: “E agora, o que é que eu faço? A vida é dura!” Alguem lhe diz: {Peccados você paga! Meresce, então, passar por essa agrura!} “Mas quem irá pagar-me uma bisnaga de pão? Sou incapaz!” {Deixe a frescura de lado e chupe rolla!} Como adaga lhe soa esta verdade, que o perfura. Assim a vida corre e o mundo roda. O cego se convence de que o fracco e invalido não passa dum buraco no qual, folgado, um penis se accommoda. Se exforce! Especialize-se na moda! Que mexa, pois, a lingua e na garganta aguente o que vier! Si almossa e janta migalhas, aggradesça, e leve a foda!

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DISSONNETTO SOBRE O TESTEMUNHO DO LEITOR [3051] Eu nunca tinha sido bem chupado. Mulher nenhuma sabe fazer isso, excepto algumas putas, si o serviço for especialidade, e é caro o achado. Os gays tambem não sabem, quando o lado anal lhes predomine. O mais submisso no sadomasochismo, nesse eu piço, exporro-lhe na bocca e bem me aggrado. Mas seja um alleijado, seja um cego, e a bocca desse invalido será seu trumpho na desgraça. Atroz? Não nego. {trunfo} Com isso quem se importa, affinal? Bah! Na minha consciencia me assossego. Si um cego me chupar, sei que elle está mostrando habilidade, e descarrego em ecstase. Ah, o prazer que isso me dá!

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CASOS KOSINSKIANOS [3167] Kosinski conta, e facto cru conhesço, egual ao de outras victimas cegadas, que compro e vendo pelo mesmo preço, contados pelas boccas das más fadas. Um caso tal é sempre divertido. No rustico rincão, quem assedia mulher casada é pego. Seu marido se vinga e torna cego o que antes via. Invalido e indefeso, o moço accaba na mão dum malfeitor, que lhe escraviza a bocca. Servirá, na marra, à guisa de puta, com o labio, a lingua, a baba. Que tenha uns mil chupado não duvido. Apprende a obedescer ao proprio guia e logo o malfeitor o “aluga”. É tido na aldeia como “a bicha que não chia”. Até foi o marido ao endereço, tal como dum bordel pelas quebradas. O cego, mesmo ao homem tão advesso, chupou-o e delle ouviu as gargalhadas.

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O PEIXINHO E O PATINHO [3445] Junior sadico, sou filho do patrão, cujo sobrinho, que adoptou, é maltrappilho, de paes orpham e ceguinho. Desse invalido eu me pilho a abusar, rindo, excarninho. Me divirto emquanto o humilho, pondo pedra em seu caminho. Diz papae: “Fique à vontade, brinque mesmo, não se importe, se approveite delle!” E em Sade me transformo, por esporte. A ser bicho e a me chupar, ja que sou mais alto e forte, o ensignei, pois seu azar só reflecte a minha sorte.

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CEGA OBEDIENCIA [3520] Nem à força elle me pega, nem precisa: basta um tapa. O ceguinho aqui se entrega e da rolla não excappa. Si ordenar “chupada cega”, elle accerta, pois meu mappa é seu corpo, onde se exfrega minha bocca, minha nappa. Sempre às cegas, abboccanho e, de lingua dando um banho, com os beiços vou bombando. Terminar? Não, nem sei quando. E elle falla, antes do gozo: “Isso! Assim! Mamma, Mattoso! Vae fazer tudo que eu mando!” Antes elle só, que um bando…

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CONFLICTO DE GERAÇÕES [3572] Um moleque sempre é mau e cruel quando se aggruppa. Si abusar puder, babau! Muito adulto se preoccupa. Quem ao ultimo degrau se rebaixa, a turma “estrupa”, e o ceguinho encara um pau: “Adjoelha, velho, e chupa!” Quando um cego está à mercê dum pivete que bem vê, vae sentir no labio um thallo que paresce de cavallo. E o garoto ainda ri: goza dentro e faz chichi, sem tirar, para zoal-o e curtir mais um regalo.

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A MISSÃO DO CEGO [3775] Perguntou Wilma Azevedo, ao rever-me, si é verdade que, ja cego, eu sirvo e cedo aos caprichos dalgum Sade. Respondi que meu degredo, na cegueira, ou minha grade, é servir como brinquedo delle e ser o que lhe aggrade. “E esses Sades, Glauco? São mesmo sadicos? Tesão sentem vendo um cego em pranto?” -- Esse é o poncto que eu levanto. Você sabe, Wilma: quem tem visão quer rir de alguem que feliz não seja tanto. Não será causa de expanto.

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INCLUSÃO SOCIAL E SERVIDÃO SEXUAL [4530] Materia de “Sentidos” diz que gente que tem deficiencia sexo faz com grande efficiencia e que é capaz de achar essa “inclusão” pouco excludente. São modos de encarar, pois quem se sente fodido, como o cego aqui, tem gaz appenas para achar-se dum rapaz escravo chupador e obediente. Me sinto, ja fallei, tão inferior, invalido, indefeso, que só posso ter certa utilidade ao meu senhor naquillo que, na lingua, não addoço. Amargo deve estar nosso sabor. Nós, pobres alleijados, temos nosso dever de masochistas: no que for possivel, dar prazer, e o khoro engrosso.

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VENDA VENDA E LEVE LEVE [4997] Espero que você não se incommode si eu, franco, lhe contar: na phantasia que tenho, você, sadico, sacia seu gozo em minha bocca, a rir me fode. Não faço imagem sua de bigode, nem oculos, nem acho que seria seu rosto um ideal da sympathia que um masculo marmanjo causar pode. Quer seja você magro ou gordo, branco ou negro, indifferente é para mim, que cego sou e um servo, appenas, banco, do typo mais fuleiro, mais chinfrim. Talvez calvo, canhoto, fanho ou manco, aquillo que imagino em você, sim, é o chato pé na minha cara. Franco, lhe digo: o azar é seu, si achar ruim.

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VERDADEIRA VENDA [5031] Aos sadomasochistas feito eu tenho perguntas pela rede. A maioria confirma que a cegueira me poria em franca desvantagem. Me detenho: Por mais que seja um sadico ferrenho no officio, pode a venda, na agonia do escravo, ser tirada, o que allivia limites e ameniza o desempenho. Mas, quando alguem é cego e às ordens fica daquelle que enxergando está, mais nada impede nem limita a escura zica, a treva mais fatal, negra, azarada. O sadico levanta a sua picca. Appenas para o cego é limitada a acção, e seu defeito justifica do algoz o gozo, o abuso, a gargalhada.

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DERRADEIRA VENDA [5036] Fallando franco, sabe o que me excita num cego, Glauco? (um sadico confessa) Saber que a escuridão delle não cessa, que aquillo não é farsa nem é fita! O cego inferioriza-se, permitta dizer, Glauco, de facto! Ao vel-o nessa pathetica funcção, eu gozo à bessa, divirto-me com sua cara afflicta! Os outros masochistas, sessão finda, libertam-se, levantam, sua venda retiram, são normaes na vida, ainda! Simulam não haver o que os offenda! Quem pode enxergar goza, à vida brinda! Mas nunca o cego livra-se! Que entenda lhe resta: está por baixo, e eu acho linda a scena! Escravo é, mesmo, não é lenda!

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GOZO TENEBROSO [5057] Um cego que se assuma desdictoso mas versos faça à venda que lhe vende os olhos, masochista idéa vende, em livro, a seus leitores, que teem gozo, leitores que lerão Glauco Mattoso tal como, persistente, ser pretende: vendendo a vil imagem que se entende por “desilluminismo” luminoso. Jamais me accovardei nem me accovardo naquillo que me attinge e que me affecta. A scena que excancara um torpe bardo, politica não sendo, nem correcta, dar pode um termo ao cego: infelizardo. Assim, “deshumanista”, a sua meta é sobrecarregar de foda um fardo fodido, ja, de sobra: o do poeta.

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VIOLENCIA INVISIVEL [5075] Rollou, na Parahyba, caso bruto de estupro: de rapazes uma roda currou duas irmans, pois virou moda pegar mulher à força, é o que eu escuto. Levadas foram ambas ao reducto do bando, onde o forró não incommoda ninguem, só quem na marra soffre a foda. Aos homens, tudo é farra, livre é o fructo. Aquella que enxergava foi vendada. A cega foi, com olho descoberto, fodida e chupou rolla, até, de cada malandro que jurou ser mais experto. Sem ver, sentiu mais gosto na chupada. O lider dessa gangue estava certo: “Vendar p’ra que, si a puta não vê nada?” Não era em Cabaceiras, mas foi perto.

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CARNAVAL CARICATURAL [5087] O Bloco da Bengala tem de tudo, dos casos orthopedicos aos mais difficeis de acceitar entre os normaes, do velho ao alleijado barrigudo. Os cegos são um caso à parte: agudo ou chronico, o problema vae dos taes “invalidos” ja natos aos fataes “marcados pelo azar”, que entram no entrudo. Às tontas pela rua, sae o bloco, sem rhythmo, desmarcando-se, indeciso. Trombando, tropeçando pelo piso falhado, entre os passistas me colloco. O publico, assistindo, cae no riso rasgado. Por ser victima, me toco. Mas, sempre a bengalar, não perco o foco: “Preciso me aguentar em pé, preciso!”

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ENTREGA CEGA [5633] {Faz tempo que, sarrista, não domino alguem que a mim, de quattro, dê e, vendado, se deixe castigar. Mas um menino achei que se subjeita de bom grado. Alheio olho cegar, do meu aggrado, é practica frequente: eu determino que, sem me conhescer, algum veado masoca a venda ponha. Ahi, lhe brado: “De quattro! De joelho!” Olho o fulano sem follego, offegante, ja fodido na bocca, a se engasgar. Então decido si exporro ou si lhe mijo. Que tal, mano?} -- Cegueira temporaria, pelo panno da venda, dá tesão, mas mais soffrido meu caso será: a perda do sentido eterna torna a graça do meu damno.

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AZEDA TANGERINA [5642] Urina allaranjada, muito forte seu cheiro. De proposito, o subjeito não dá a descarga, deixa alli. “Bem feito!”, commenta. Alguem exsiste que o supporte? Exsiste, sim. Um cego, cuja sorte virou thema de chiste: “Eu me deleito sabendo que não tenho o seu defeito nos olhos!” O mijão não é de morte? Sarrista que só elle, quer que tenha para algo utilidade a bocca muda do cego, penetrada com ferrenha dureza pela rolla, que é grahuda. Só resta que obedesça. Assim, se empenha o cego, ouvindo: “Invalido! Caluda! Se exforce! Chupe! Lamba! Antes, saccuda meu pau mijado! Chega de resenha!”

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CEGADO E EMMUDESCIDO [5692] (ao Fabio, que bem soube me tractar) Você não vê nadinha mesmo, cara? Então va pelo cheiro! Ahi! Tá forte? Não lavo o pau, ceguinho! Que supporte você! Cego qualquer perfume encara! Regace devagar! Ahi! Deu para sentir o queijo, cego? Um roquefort com grãos de parmezão, hem? Não entorte o seu nariz, não! Cego não se enfara! Não, cego não excolhe! Com a sua babosa lingua, quero que dê banho bem dado! Tá assustado c’o tamanho? Vae ter que engolir tudo! Cego sua! Ahi! Mais fundo! Cego não recua! De novo! Mais depressa! Ah! Quando ganho chupeta assim, exporro bem! Tá fanho? Cansou? Depois a gente continua…

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NOITE SOB AÇOITE [5930] {Pensei commigo, Glauco: um bom tesão seria açoitar, como foi Jesus surrado, mas tambem, como suppuz, cegal-o ja durante essa sessão. No filme do Mel Gibson, elles vão battendo até que um olho perde a luz, vazado pelo relho. Sua cruz podia ser assim, não é, Glaucão? Que tal, hem? Ser cegado como Christo! Si elle sobrevivesse, poderia tornar-se escravo desses que, no dia da surra, deleitavam-se com isto!} -- De facto. Ja seus pés eu tendo visto emquanto da chibata padescia, depois de cego os paus eu chuparia. Em sonho, só, taes rollas eu enristo…

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GENUINA DISCIPLINA [6100] Bons tempos, Glauco, quando se podia punir com castração e com cegueira alguem que, na segunda, até primeira vez, tenha demonstrado rebeldia! Depois de cego, fica a autonomia do gajo reduzida a verdadeira prisão sem grade. Mesmo que elle queira fugir, não pode, noite sendo, ou dia. Você bem sabe, Glauco. Um prisioneiro cegado obedescer vae, sem direito a queixa, ao carcereiro. Me deleito com isso. Do que rolla bem me inteiro. É pena que não rolle em brazileiro presidio, mas, emfim, acho bem feito. Você não vae dizer que é preconceito, não é? Não fosse, Glauco, um punheteiro!

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MICHETAGEM SEM IMAGEM [6119] “Um cego entre inimigos…” Ja lhe disse alguem tal phrase, Glauco? Claro, né? Por SEM OLHOS EM GAZA tambem fé meresce um Aldous Huxley na mesmice. Hem? Pode-se esperar que alguem não risse dos medos dum cegado? Vão até rir delle caso um carro marcha à ré dê para assustar, para que se attice! Cachorros ja attiçaram em você, Glaucão? Ja lhe jogaram pedra, meu? Alguma coisa assim, ah, tambem eu queria lhe fazer, logo que dê! Mas, como perspectiva não se vê da volta à normal scena, você deu é sorte! Nem bancar o philisteu eu posso! Só por phone sou michê!

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TALHE NO DETALHE [6240] Gravura vi, Glaucão, que lhe interessa. Carrascos trez accabam de cegar um homem, cujo oval globo ocular tirado foi da cara, mas sem pressa. Seu outro olho sahir tambem vae, nessa sessão de cegação. Falta passar a faca, que dum delles a brincar está na mão e quasi que a attravessa. Detalhe interessante que, evidente, nos salta à vista: algozes de pau duro estão, fora das calças. Glauco, juro! Aquillo mexe mesmo com a gente! Mais um detalhe: rosto sorridente exhibem elles. Quasi ja no escuro total, o desgraçado mostra puro terror no olhar que resta. A gente sente.

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VENDANDO, VEM DANDO [6293] Aquelle que baunilha aqui não for ja sabe que, de escrava, a gente venda os olhos. Isso leva a que ella attenda e cumpra as ordens, sempre com temor. O medo que tem ella, sem que cor nem luz possa advistar, faz que dependa da gente. Sem defesa, chupa alguem, da cabeça ao sacco, soffrega ante o odor. Mas ella, ao retirar a venda, fica ja livre desse medo, desse estresse. Ocê não fica, Glauco! Ocê padesce o tempo todo, nessa sua zica. É foda, né? Confesso, minha picca, emquanto nocê penso, ô si enduresce! Mas foda-se! Si eu, sadico, pudesse cegar escravas, orra! Alguem critica?

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HORROR DOMINADOR [6294] Estás horrorizado, Glauco? Tanto melhor a mim, si estás! Eu, quando vendo uns olhos, tesão forte ja vou tendo! Pensando em quem ceguei, o pau levanto! Que sarro! Que delicia! Sabes quanto eu curto o que enxergando vou! Horrendo eu acho o teu castigo! Não dependo dos outros, não te egualo o desencanto! Tu vives, Glauco, para sempre nessa cegueira! Não dependes duma venda que, finda a sessão, deixam que suspenda a treva algum olhar que mal se estressa! Não, Glauco! Seguirás cego! Confessa que estás horrorizado! Falla, a bem da verdade, que a cegueira achas horrenda! Assim tu me deleitas, cara, à bessa!

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AMEN DO ALEM [6343] É o cego um ser vendado, que não passa de escravo, si for util para scenas de sadomasochismo, onde elle appenas trabalha, a remoer sua desgraça! Assim é que elle encarna, Glauco, a raça de todos que ahi pagam suas penas! Melhor considerar que te condemnas, na Terra, a só chupar quem te desfaça! Dahi ja me livrei! Estou agora num plano superior, bem mais ameno! Ainda purgarás o teu veneno em muitas outras vidas, Glaucão! Ora! Sim, ora! Vae chamar Nossa Senhora, São Pedro, São Thomé! Nem te condemno por teres feito versos de pequeno valor, o lado oral que pões p’ra fora!

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SADO SUGGESTIONADO [6849] Cegar Sansão, o lider de seu povo, motivo foi de excarneo para seus algozes, os alegres philisteus! Por elle eu tambem nunca me commovo! É facil cegar! Com meu dedo, movo o globo para fora! Assumo os meus deleites! Folgo quando negros breus imponho! O globo salta feito um ovo! Sim, feito ovo cozido, Glauco! Um damno que nunca se reverte! Sansão era fortissimo, serviu, nessa severa roptina, como escravo subhumano! Você, que é fracco, usado como um cano de exgotto ser podia! Quem me dera cagar na sua bocca! Ah, não é mera hypothese: p’ra manga cê dá panno!

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INSTITUTO SÃO THOMÉ DE SANCTA FÉ (1/3) [6936/6938] (1) Os cegos, perfilados de joelho no pateo do orphanato, em oração, dão graças ao Sanctinho. Outros dirão: “Por sermos cegos, gratos? Mau conselho!” Mas oram, obrigados. Um gruppelho assiste e dá risada: teem visão normal, os monitores. Gratos são, pois pode, quem quizer, usar o relho. Um delles usa. Batte num ceguinho teimoso, que o xingou. O cego jura ser bom, pede perdão. A picca dura lhe chega, agora, à força no focinho. Que chupe, então! Um joven excarninho sorri. Gozou gostoso. Farra pura, mandar nesses ceguinhos em escura roptina, adjoelhados ao Sanctinho! (2) O joven monitor goza, folgado, na bocca dos ceguinhos. Faz questão de sempre ter o relho bem à mão: “Os cegos são uns chucros! (diz) São gado!” Emprego não surgiu outro. Frustrado, ganhando uma merreca, a diversão ao menos arranjou, nesse sertão, sem nada que fazer, naquelle enfado… Os outros monitores engraçado acharam o jeitão descontrahido do joven colleguinha. Divertido foi verem um ceguinho castigado. “Dá toda disciplina resultado egual! Mandar chupar, eu não duvido, funcciona!” Falla assim um assumido algoz dos que, nas trevas, teem seu fado.

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(3) Os cegos trabalhavam: manuaes serviços, um qualquer artezanato. Assim rollava a vida no orphanato, até que esse rapaz fez algo mais. O novo monitor, com seus normaes instinctos juvenis, bollou o tracto que cegos dão nos pés de quem é grato por ter boa visão: funcções oraes! Agora, cada cego faz na sola de todo monitor o seu serviço buccal: limpar cascão, empregar nisso a lingua, bollação que fez eschola. Vaidoso, o monitor que tudo bolla diz: “Cego tem que estar sempre submisso, sinão fica teimoso! Um compromisso do typo o faz melhor, mais o controla!”

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SUPERVISOR DE SUBVIDENTES [6938-B] É muito mais commum do que se pensa, Glaucão! Creanças cegas frageis são e faceis ao abuso. Fellação terão que practicar. Thema de imprensa jamais foi, claro. O povo tem a crença, comtudo, de que cegos não estão no mundo para alguma compaixão ganhar nos internatos. Tive immensa desdicta, sendo cego, como tu. Na marra, chupei cada monitor até que conseguisse engolir, por saber sorver, o succo do caju. Na midia, taes noticias são tabu, mas sabes -- Né, Glaucão? -- como o pavor que temos nos faz sermos, do oppressor, capazes de chupar o sujo cu.

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DELEITE QUE SE APPROVEITE [6956] Deleite é subjugar alguem vendado, immovel, ammarrado, que, indefeso, fará tudo que eu quero, neste vezo que tenho de abusar do fracco lado! Deleite é ver um homem assustado, temendo o que farei com elle preso: irá sentir de immundos pés o peso na cara, vae lamber, porco, um solado! Porem maior deleite é dispensar a venda, si for cego quem irá chupar o meu caralho, que tem ja aroma accumulado no logar! Maior ainda, Glauco, o seu azar seria meu deleite, pois não ha quem seja feliz quando cego está aos poucos, tendo visto! O fiz chorar?

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BORBORINHO NO CAMINHO [7020-B] De rua moradores, os escuto, embora não os ouça ninguem. Ando, na via, accompanhado. Porem, quando pergunto si escutou que foi que um bruto mendigo commentou, logo um minuto attraz, do meu azar, desconversando vae cada accompanhante. Quasi mando tomar no cu. Me deixa aquillo puto. Appenas eu escuto? Sou antenna, sou iman para aquelles, na calçada, que esmolla pedem. Zoam, dão risada do cego, dizem coisa nada amena: “Um cego desses, cara, ah, mas sem pena é que eu pegava para dar chupada na minha rolla! Ah, cara, não tem nada melhor p’ra se gozar!” Me excita a scena.

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SADIA EMPATHIA (1/2) [7137/7138] (1) Vendei meus olhos, Glauco, pois queria sentir-me cego, estar no seu logar! Às tontas, comecei a tactear as coisas, a viver essa agonia! Difficil foi, sem essa luz do dia, ou lampada, de noite, enveredar, em casa, pelos commodos, meu par achar duns simples tennis… Mas eu ria! Sim, ria, pois sabia que podia tirar a venda a qualquer hora! Azar de quem não pode, né? Fui farejar, então, para achar algo que fedia! Dos tennis ao invés, foi da bacia o cheiro de cocô que deu seu ar da graça! Mas pensei: tal paladar sentir não vou! Ao menos, ja allivia! (2) Tirei a venda, Glauco, pois ja tinha noção de como um cego passa appuro p’ra achar as coisas todas nesse escuro mundinho de vocês, nessa vidinha! Ahi, pensei: Mas posso, para minha sadia diversão, impor um duro castigo a alguem que é cego! Gozei, juro, pensando numas penas nessa linha! Primeiro, suas mãos eu aptaria, fazendo que precise adjoelhar ou mesmo rastejar, para meu par de tennis encontrar onde se enfia! Depois, você no vaso cheiraria a minha merda, Glauco! Degustar aquillo punição mais exemplar seria, si eu quizesse essa alegria!

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MOTTE GLOSADO (1/4) [7519] Aqui neste paiz tem mais humano regime um criminoso: condemnado appenas a doar, compensa o damno e presta alguns serviços ao Estado. (1) Nós somos democraticos! Ninguem é preso ou torturado nesta terra! No maximo, sim, pune-se quem erra fazendo com que aquillo que elle tem de seu seja doado e, disso alem, impondo que trabalhe! Nosso plano será recuperal-o e vel-o, uffano, cumprindo o seu dever de cidadão! Ninguem direito algum, todos dirão, aqui neste paiz tem mais humano! (2) Terá seu patrimonio confiscado, sentença mais que justa! Mas tambem as corneas doará! Sim, fica sem visão, mas passa a algum necessitado seu approveitamento! Não me evado das minhas convicções de renomado jurista quando digo que um culpado de crime, na cadeia, não se emenda! Assim se exempla, em nosso (à parte a renda) regime, um criminoso condemnado!

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(3) Prisão não regenera ninguem, mas treinar o delinquente para, como callista ou pedicuro, achar o pomo que calha ao seu trabalho, isso é que faz justiça à sociedade! Sim, com paz de espirito é que affirmo: o mais insano bandido se arrepende e seu enganno lamenta para sempre quando, cego, mais util nos será! Com menos ego, appenas a doar, compensa o damno! (4) Nos nossos pés, treinado, o massagista practica seu officio com extrema pericia! Soluciona-se o problema das vagas em presidios, ja que, vista não tendo, elle não foge! Então, invista na causa popular, com resultado politico, o governo! O que arrecado eu, sendo o governante, é taxa plena! Portanto, o massagista paga a pena e presta alguns serviços ao Estado!

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MOTTE GLOSADO (1/8) [7526] Fallou Bob, o Porcão: “Me excita o medo que o cego tem de alguem a submettel-o.” (1) Dispenso qualquer venda quando cedo àquelle que me zoa, pois sou cego. “Que curte em mim?”, pergunto-lhe, e me entrego. Fallou Bob, o Porcão: “Me excita o medo!” Ammarra-me as mãos para traz. Azedo odor em meu nariz. Me pega pelo pescoço, me extapeia. Meu appello ignora. Quer gozar o azar alheio. Me pisa a cara, rindo do receio que o cego tem de alguem a submettel-o. (2) Obriga-me a fedores farejar de cada parte suja. Si adivinho qual seja, lamber devo. Que gostinho tem elle, caso eu erre! Vou levar tapão na fuça! Agora um paladar nojento tem a rolla, que modello não é de asseio. O sebo que, com zelo cruel, cultiva, eu provo, tarde ou cedo. Fallou Bob, o Porcão: “Me excita o medo que o cego tem de alguem a submettel-o.”

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(3) Porcão sorri si, em pleno breu, está um cego angustiado. Si a faxina do queijo pela lingua mal termina, peor coisa virá. Logo lhe dá na telha me foder a bocca e ja me aggarra pela orelha, empurra pelo buraco oral um thallo em desmazello. Mais fundo na garganta entra que um dedo. Fallou Bob, o Porcão: “Me excita o medo que o cego tem de alguem a submettel-o.” (4) Segura-me a cabeça e vae bombando. Exige que eu lhe lamba a chapelleta por baixo, caso a rolla, aos poucos, metta e ainda eu chupar possa, ao seu commando. Mas logo elle penetra mais e, quando engasgo, ri com gosto. Seu novello de pellos no meu labio colla um sello. Bastou ao meu algoz? Enganno ledo! Fallou Bob, o Porcão: “Me excita o medo que o cego tem de alguem a submettel-o.” (5) Demora até gozar. Quasi eu vomito, mas elle se deleita. Emfim, exguicha golfadas a durissima salsicha e engulo a gosma, ouvindo o alegre grito de gozo. “Ah, cego, foda-se!” Seu rito, porem, não se encerrou. Meu cotovello torcido está doendo. Peço pelo amor, mas Zeus dirá: “Não intercedo!” Fallou Bob, o Porcão: “Me excita o medo que o cego tem de alguem a submettel-o.”

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(6) Na bocca quer mijar-me, ja que a via buccal foi o caminho para a porra. Porcão nem tira a rolla, até que excorra o jacto da bexiga. Se allivia aos poucos, calmamente. Eu duma pia sou como o rallo. Engulo o que, com gelo e assucar, bebeu elle e, agora, pelo caralho, sae salgado, quente e azedo. Fallou Bob, o Porcão: “Me excita o medo que o cego tem de alguem a submettel-o.” (7) Por ultimo, terror me infunde, pois cagar em minha bocca quer agora. Inutil implorar. Mal se accocora e encaixa o rego, sinto que entram dois ovinhos sobre a lingua que, depois de tudo, amarga fica. Pesadello provoca-me o cocô. Custa comel-o, mas temo a punição, si eu não concedo. Fallou Bob, o Porcão: “Me excita o medo que o cego tem de alguem a submettel-o.” (8) Porcão, com francas phrases, no devido logar me põe, dizendo o tempo todo: “Eu vejo, não você!” “Por isso eu fodo, não sou fodido!” “Foda-se!” “Eu decido si um cego vae ser util, entendido?” “Tem nojo?” “Tá doendo?” “Ficou pello na lingua?” “Quer mais?” “Acha um attropelo trampar nas trevas?” “Acha que eu me excedo?” Fallou Bob, o Porcão: “Me excita o medo que o cego tem de alguem a submettel-o.”

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MANIFESTO UTILITARISTA (1/2) [7970] (1) {Fallar vou o que eu acho, Glauco, e prompto! Por serem portadores dessa… dessa… fatal “necessidade especial”, os cegos ter ja pensam um direito maior do que os normaes, que estão accyma de taes defeituosos! Veja só! Ninguem de “especial” não tem é nada appenas porque nasce com defeito ou, muito menos, sendo perdedor dalgum sentido, um membro, uma funcção! O cego necessita ser mais util àquelle que visão tem, isso sim! Precisa compensar a charidade que ganha, apposentado ou mendigando! Precisa trabalhar dalguma forma! Fallei besteira, Glauco? Por acaso você vae se sentir mais offendido por causa da franqueza dum leitor? Offenda-se com Elle, então, que fez tal coisa com você! Commigo, não!}

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(2) -- Podia me offender, mas dou descompto, tractando-se daquillo que interessa a mim como poeta que abnormal se julga. Masochista, me subjeito a alguem que pensa assim, só pela estima que nutro por um sadico sem dó, sincero, ou espontaneo. Estou é cada vez mais accreditando num subjeito assim como você, caso suppor eu possa que lhe causo algum tesão, ainda que capricho mero, futil, preencham-lhe meus actos, no que vim faz tempo practicando. Que lhe aggrade ha coisa que eu capaz seja, a seu mando, de bem executar? Que bem performa tarefa alguma a bocca deste raso ceguinho -- ficaria convencido você disso, talvez? Si Zeus me for punir, mais do que ja puniu, talvez melhor me fosse dar-Lhe mais razão…

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THESE CORROBORADA (1/2) [8048] (1) {Tu leste, Glauco, o texto? Os homens agem assim na Antiguidade! Sim, refere o estudo que a menina cega à zona estava destinada! Sim, fatal funcção, a da ceguinha que, bollachas levando, chuparia rolla à bessa! Menino cego tinha seu medonho destino, tambem, pelo que ja leio: viver escravizado! Tens notado, Glaucão, como tractados feito gado humano os cegos foram? Eu attesto: não vejo differença num plebeu moleque desse tempo, si estivesse vivendo no presente! Sim, até que podia ser peor hoje! Que pensas?} (2) -- Ja muito li, reli, sim, tal passagem do texto scientifico, bem serio e grave, por signal. Mais me impressiona o caso do menino, com o qual melhor me identifico. Ora, não achas que “escravo” significa, tambem, essa funcção de prostituto? Ja supponho, por minha propria compta, sem receio de errar, que esse menino está fadado a ser bom fellador, pois que treinado será para chupar, por todo o resto da vida, maior prazo do que meu destino permittiu. Não te paresce que devo ter inveja do moleque? Convem analysar as differenças…

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HYPOTHESE SUGGESTIVA (1/2) [8049] (1) {Então, Glaucão, na certa te provoca angustia a proporção em que a cegueira usada fora para a punição ou para a represalia, quando o globo podia ser queimado pelo ferro em braza, ser furado ou simplesmente tirado com os dedos, imagino que sem anesthesia… Ja pensaste, Glaucão, si tu vivesses nesse escuro regime? Bastariam teus poemas mais leves para à pena costumeira tu seres condemnado! Ouso dizer que, quando teus dois olhos prestes ja a serem arrancados estivessem, verias do carrasco o olhar risonho e, logo appós a barbara extracção, risadas ouvirias, nada mais podendo divisar na cara assaz cruel e zombeteira do rapaz, suppondo-se mais joven o carrasco…}

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(2) -- Mais longe vou, si scena tal te choca: Alem duma agonia, da caveira me sendo retirados como são os olhos, e de estar eu, feito bobo, causando o riso delle, mal meu berro cessasse de echoar, esse inclemente carrasco quereria meu destino mais cedo completar. Esse contraste do cego, para aquelle que fez furo nos olhos seus, daria bellos themas poeticos. Supponho que elle queira usar-me como objecto de prazer, fazendo-me chupar, o que lhe dá tesão mais requinctado. Não se exquescem os sadicos de serem, no meu sonho, rapazes caprichosos. O tesão, tu sabes, mais augmenta si normaes os olhos do oppressor forem e más as chances do opprimido. Não estás a achar graça do lance em que eu me lasco?

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INFINITILHO IMPATRULHAVEL (1/2) [8096] (1) {Glau, sabe o que rollou em Curityba? Pegaram os collegas um ceguinho, alumno que ja bullying atturava, levaram ao banheiro do collegio, fizeram que chupasse e em plena cara mijaram! Do occorrido foi lavrada a queixa na policia, mas… Seria capaz aquella victima de ter alguem reconhescido? Ficou tudo pendente, Glauco, nada se appurou! Depois, aquelles mesmos que na curra gozaram, gozariam mais ainda, zombando delle, em khoro gargalhada lhe dando pela frente! Só por voz ninguem indiciado poderia ser como auctor do trote no ceguinho, siquer das piadinhas, Glauco! Pode?}

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(2) -- Não ha patrulhamento que prohiba tal trote, nem a curra. Ja adivinho o gosto que sentiu, de quem não lava a pelle, esse ceguinho. Privilegio assim eu tive. Nada se compara a tal humilhação. Somente cada um pode saber como uma agonia transforma-se em prazer, mas num prazer masoca. Não, nem todos desse mudo boquette fallarão tal como vou fallando. Uma fofoca appenas burra noção expalhará. Jamais bemvinda, a triste experiencia desaggrada a muitos moralistas, mas a nós, os cegos, restaria a poesia, retracto do oppressor mais excarninho, que nossa voz não prende emquanto fode.

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REMOTO DEVOTO (1/4) [8132] (1) Extranho joven, esse. Casto, crente, mas tem idéas proprias do que seja jejum ou castidade. Nem punheta batter quer todo dia. Se isolou no sitio que deixou seu pae. Só mora com elle um primo cego, orpham, de quem cuidado, christanmente, tem, mas não tão charidosamente quanto crê a rasa vizinhança. Tem sisudo adspecto o joven, pouco dado às fallas. (2) Bollou elle conceito differente daquillo que se julga, alli na egreja, “divina providencia”. Que commetta maldades com um orpham dar não vou certeza. Mas me dizem que elle ignora o choro dum cegueta que só tem um dom: “obediencia cega”. São deveres deste, excolha sem, que dê de lingua banho nesse pé cascudo do primo, fora arcar com suas gallas. (3) Lamber, chupar, sem asco ou repellente noção, nem dignidade. Quem não veja tem essa vil missão, reza a canneta divina, diz o primo. Si ficou sem gozo uma semana, acção agora, no sabbado, quer elle. Eis que lhe vem um cego bem na hora do tesão. Agora não importa qual buquê terá seu pé, seu pau, seu anus, tudo que nunca suspeitou quem chupa ballas.

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(4) Perguntam-me si exsiste quem aguente viver em tal estado. Quem esteja, ha pouco, sem visão e se submetta às ordens dum parente, me contou mais gente, não é raro. Só peora no caso desse primo, pois ninguem suppõe um cara assim, que bom christão se julga, que jejua. Acha você que desse caso valha algum estudo fazer? Ou nem tal thema chega às sallas?

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INFINITILHO DA BRAGUILHA (1/2) [8144] (1) -- Preciso lhe dizer, si você quer saber: minha cegueira não é só problema de visão, mas accarreta innumeros incommodos, tambem. Nem sei si com os outros cegos ha taes dramas. Equilibrio, por exemplo. Depois de tantos annos sem ver nada, paresce que perdendo vou o senso de estar em pé, de estar em terra firme. Me sinto sem appoio, como si suspenso num espaço sem limite em todos os sentidos. É terrivel, sabia? Dá tontura! Nem bengala dá compta da vertigem, porra, meu! (2) {Problema seu, Glaucão! Eu, si quizer, saltito qual sacy, nas pernas nó consigo dar! Eu planto (sou athleta) perfeita bananeira! Cê não tem nenhuma segurança quando está andando ou paradão? Chegue num templo subindo de joelhos pela escada! De quattro fique! Pense no que eu penso! Rasteje nos meus pés até subir-me de bocca pela perna p’ra chichi sentir nesta braguilha, a meu convite! Sim, fique engattinhando, no seu nivel rasteiro! Sem siquer sahir da salla, você que em si se perca! Se fodeu!}

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INFINITILHO AGGRILHOADO (1/2) [8145] (1) {Te sentes victimado, Glauco? Pois então pensa naquelles que, em qualquer nação, regime ou epocha, serão cegados na prisão, suppostamente a fim de doar corneas, mas tambem por uma disciplina commodista por parte do regime: quem não tem visão difficilmente foge, não reage nem recusa quando o novo e rude carcereiro nelle busca alguma diversão impiedosa. Que pensas disso, Glauco? Não te sentes, às vezes, invejoso desses presos? Não queres masochista ser, Mattoso?} (2) -- Amigo, nem calculas! Os meus dois globões glaucomatosos nem siquer dariam boas corneas, porem não me falta phantasia nesta mente devassa. Me imagino, sim, refem dum joven carcereiro, que da vista perfeita bem desfructa. A rir, me vem o agente exigir prompta fellação, applica bofetões. Si me commovo por outros, por mim nunca. Me chammusca o joven, me machuca. Por fim goza gostoso, bocca addentro. Dos agentes, aquelle não deixou jamais illesos os cegos. A sonhar, vejo o seu gozo.

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ODE CEARENSE (1/5) [8176] (1) De videos pornographicos me falla, em audiodescripção, quem classifica o cego como objecto de total e oral humilhação. Um delles ja virou meu “cult movie”: o do gordinho que irruma, até a garganta, alguem que venda nos olhos tem, mas fica combinado que assim os videos mostram o subjeito, si é cego, prompto para a putaria. Vão outros indo nessa direcção. (2) O cego um faz chupar e lamber galla pingada, appós, no piso. Em vez da picca, num outro o cego lambe colossal pé nu que o pisoteia. Lamberá, no proximo, botinas que caminho rueiro percorreram. Que se entenda por cego quem, num outro, está vendado emquanto bebe mijo, o que eu acceito mais como condição que se annuncia a quem se escravizou sob olho são. (3) Então eis que me conta alguem na salla um caso verdadeiro. O cego fica parado, a mendigar, num terminal dos omnibus, na praia. Ao Ceará refere-se quem narra. Alli pertinho, alguns jovens malandros offerenda lhe fazem no trajecto: attravessado a rua tendo, o levam e proveito farão de seus trocados. Antes, ia alguem querer brincar. Que diversão!

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(4) Levado para a praia, nem à balla precisam coagil-o. Sua zica começa quando, roupa sem, o tal malandro brincalhão quer que elle va rollando pela areia. Qual pezinho pisou mais em seu rosto? Então alguem da turminha quer gozar mais no coitado, cobrando-lhe boquette. Seu defeito nos olhos dá maior tesão ao guia fingido que lhe dera conducção. (5) Sem roupa, sem esmollas, sem bengala, o cego chupa rolla. A gangue estica o tempo: photos battem, digital filmagem fazem. Logo se verá na rede esse espectaculo excarninho. Tirado do youtube, quem se offenda não falta com o video. Revoltado nem fico, pois senti no proprio peito os pés da molecada. Quem iria dizer que eguaes os jovens todos são?

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ODE GOYANA (1/4) [8177] (1) Um caso que, escabroso, me contou lettrado professor la de Goyaz tambem tracta do cego como objecto de sarro, curra, surra, até tortura. Foi este, embora pobre, dono duma pequena rural granja. Apposentado ja por invalidez, ficou da irman inerme dependente. A mulher tinha dois filhos, jovens sadicos que, como recreio ou brincadeira, começaram a achar no cego um optimo motivo de estupro ou pura practica nojenta. (2) Cegado em accidente, elle ficou invalido, sem animo, das más pessoas bom refem. No seu trajecto obstaculos armavam. Queimadura causavam-lhe nos dedos quando alguma bituca de cigarro, pelo lado contrario, lhe extendiam. Mais affan achavam cada dia. Da gallinha cocô punham no rango. Cada gommo de bosta de cachorro! Mas não param ahi taes aggressões, ja que, passivo, o cego as supportava. Alguem aguenta?

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(3) Appós tudo tomar-lhe, como sou sciente, terra, grana, a mana nas mãos deixa aquelle cego, como abjecto brinquedo, dos moleques. Quem attura tortura, attura foda. Quem resuma o caso, diz, por alto, que estuprado foi elle. Mas os jovens, ammanhan, dirão que foi treinado numa linha bem sadomasochista para pomo comer, do mais amargo. Que o forçaram ao coito oral aqui nunca me exquivo de, em gozo, repetir. Mais se accrescenta? (4) Escravo dos sobrinhos, rendeu show de scenas pornographicas, pois gaz tiveram elles para armar, sem veto moral, uns pornovideos que a censura cortou da rede. Importa que eu assuma a minha posição. Jamais me evado de dal-a. A molecada folgazan foi, como no meu caso, uma excarninha faceta social que às demais sommo. Hypocritas aquillo condemnaram, mas lavam as mãos. Eu, que não me privo do orgasmo, em ode exalto o que me tempta.

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RHAPSODIA PARABOLICA (1/3) [8357] (1) Um cego me contou que teve um guia bem sadico que, emquanto pela rua, em meio à multidão, o conduzia, deixava que exbarrasse na perua, na velha, no gordão ou no vigia, na puta que, rampeira, se insinua e, caso alguem xingasse, delle ria. Mais ria si battesse com a sua bengala no cachorro, que o mordia, ou quando um desses carros que recua, sahindo da garagem, o colhia. Sacana, ria até da pelle nua do braço do ceguinho (Que agonia!) raspando num espinho. Dessa crua conducta é que os effeitos eu queria! (2) Fallei ao meu collega: “Numa boa, commigo um cara desses gozaria ainda mais! Garanto que elle zoa dum cego chupador! Ah! Me battia, mandava adjoelhar, tudo que doa fazia em mim com maxima alegria! Um typo assim judia da pessoa inerme ou indefesa! Eu lhe teria que ser o lambedor do que se excoa da rolla que mijou e putaria peor ‘inda viria!” Si em canoa furada ambos estamos (Que ironia!), seria de suppor, e não à toa, que coisas mais o guia lhe fazia. Confessa-me o collega e me attordoa:

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(3) “Mas Glauco, meu, você nem tem idéa de tudo que na mão delle eu soffria! Si nada lhe contei dessa epopéa, por causa da vergonha é que eu não ia tocar nesses assumptos! Mas platéa nenhuma riu do jeito que riria alguem que me escutasse, ao ver qual é a historia do ceguinho! Quem expia peccados não padesce dessa athéa noção de soffrimento que nos cria o vicio de chupar bem fundo, até a garganta, a rolla fetida! Nem chia quem leva a porra dentro da trachéa!” De inveja morro delle, mas, por via das duvidas, chulé não é geléa…

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SEGUNDA RHAPSODIA AUGUSTIANA (1/2) [8382] (1) {Lembrei-me de você, Glauco: fallava dos methodos usados para alguem cegar alguem. Usando o dedo, só, tambem se exvaziava do buraco um olho! Não é mesmo? Mas não sei por qual motivo nisso penso quando Augusto leio, para ser exacto, naquelle seu sonnetto, o “Soliloquio”. Talvez por que devore elle seus dictos “crus” olhos, eu suppuz que se cegara usando o dedo… Posso viajar um pouco, né, Glaucão? Falle-me disso!} (2) -- Comel-os crus, na certa, a coisa aggrava, si Indiana Jones sopa disso nem tomar quiz. Sim, veridico é, sem dó, o methodo citado, mas destacco ter sido mais usado pela lei antiga, em européas terras. Mando que leiam obras technicas e tracto do caso em verso, havendo quem colloque-o em prosa. Acho opportuno que os maldictos versejem sobre cegos, e tomara que vejam mais leitores meu logar de falla, de escriptor e de serviço.

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RONDÓ DO CORRÓ (1/3) [8444] (1) Um homem, quando perde a liberdade e sua independencia, se reduz àquillo que se applica a quem faz jus a alguma punição da sociedade, na ronda do rondó correccional. (2) Não basta estar recluso attraz de grade! Ceguemol-o! Privado elle da luz, se torna obediente! Até suppuz jamais haver um cego que se evade, na ronda do rondó correccional. (3) Com minha experiencia de jurista, constato que cegal-o é o melhor meio de fugas evitar! Si perde a vista, alem do mais, subjeita-se ao que leio accerca da cegueira: quem resista não ha, quanto ao castigo e quanto ao freio, na ronda do rondó correccional.

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AUDIODESCRIPÇÃO DA IRRUMAÇÃO [8461] Um video me descrevem como sendo dos cegos prototypico: o subjeito, vendado, engole um penis. Eu me vendo e sinto penetrado, com effeito. O cego não excolhe: seu horrendo breu tolhe os movimentos. Eu me deito de costas appoiadas e vou tendo a bocca a lhe servir de furo estreito. Gorducho, o fodedor diz: “Me deleito assim, entrando fundo!” E me segura os braços, as orelhas. Seu proveito eguala-se ao da foda simples, pura. Bombando, movimenta-se. “Bem feito!”, escuta o cego e um “Foda-se!” da dura voz ouve. Na garganta me subjeito ao gozo. A porra engasga-me e amargura. Vendar, na enscenação, faz a figura mais sadomasochista ter funcção didactica. Outros videos à postura recorrem e descriptos tambem são. Me cabe, como cego que sem cura ficou, compenetrar-me dessa tão veridica filmagem. Quem me fura os olhos tem o olhar dum olho são.

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PAUTA DE INTERNAUTA (1/10) [8508] (1) Anonymo, na rede tem coragem de tudo commentar: num desabbafo sincero, accusa a midia como pagem do “inutil”, do “incapaz”, desce o sarrafo na falsa sociedade. Si assim agem os francos internautas, eu os grapho, fiel, litteralmente, ao texto escripto por este e appenas rhymo quando o cito: (2) Precisa o tetraplegico de adjuda até para cagar! Sua mãozinha com jeito de pastel, nunca que muda de gesto, nesse corpo que definha! Do cego o olho vidrado não desgruda da nossa testa, um olho de sardinha gelada, que não serve para nada naquella carantonha abbobalhada! (3) Tambem os paraplegicos, na sua cadeira de rodinhas, são aquella ridicula figura pela rua! Peor figura ainda, menos bella que todas, faz aquelle que possua doença mental! Fica a babar, mella meu hombro, põe a lingua para fora! Só funga, ri, gagueja, grunhe e chora!

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(4) Eh, raça desgraçada! Como odeio trambolhos desse typo! Dá vontade de pôr um paralytico no meio das nadegas, fazer como fez Sade, cagar dentro da bocca, ou ver que usei-o ao menos de mictorio, ou que será de meus peidos compulsorio inhalador, alem do que eu quizer fazer e impor! (5) E o mudo? Geme, engrola, balbucia, tentando se expressar! É foda! Autista tambem me causa raiva! Eu só queria surrar um desses chatos! Que elle exsista alguem se importa? Autista grita, chia, appenas si encostarem nelle! A vista quem perde nem andar mais sabe, nem comer direito sabe! Aguenta alguem? (6) Na boa! Dá vontade de accabar com essa raça! Ah, velho! Cera comem de ouvido! Ranho lambem! Salutar alguem isso acha? Cheiram o que um homem normal não cheira, cu, sovaco! O azar é delles! E no proprio cu que tomem! Não acham nada disso um cheiro mau? Então mando que cheirem o meu pau!

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(7) Dão nojo, taes invalidos! A nada se prestam! Uma mina mal comida só fica vendo filme em que a coitada da moça doentinha acha na vida um moço que por ella faça cada bobagem! Ja pensou? Quem não duvida que sejam infelizes? Quem se caga feliz é? Quem cegou exquesce a chaga? (8) Quem é que se commove com a tal politica “correcta”? Quem se toca com videos onde o invalido que mal caminha se utiliza de engenhoca na physiotherapia? Alguem normal com isso se emociona? Alguem se troca com elle de logar? Quem se interessa por isso? Que idiotas! Ah, sem essa! (9) A serio ninguem topa ver quem tenha defeito tão ridiculo com pena! A gente tem é birra! Não me venha com pappo de “inclusão”! Quando uma scena daquellas não ennoja, só de senha nos serve para sarro! Quem condemna a minha gargalhada nesse caso, si estou bem de sahude e me comprazo?

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(10) Até minha cachorra tem a chota mais util como assumpto! Me emputesce pensar num alleijado, numa quota pralgum deficiente! Si eu pudesse, mactava todos! Prompto! Ninguem nota a falta dum inutil! Nem de prece precisa alguem assim! Uma pessoa normal é quem gozar pode! Na boa!

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ATTRITOS E CONFLICTOS [8514] No pateo do internato, o cego mais novato aos demais cegos, que são menos scientes da questão, expõe seu poncto de vista sobre a perda da visão: “Sim, temos, nós tambem, nosso direito! De sermos bem tractados! Sim, de termos funcção, utilidade, serventia perante alguem que enxerga normalmente! Nós somos tão capazes quanto alguem que enxerga! Precisamos é que nosso direito reconhesçam! Sim, feliz um cego quer ser, ora! A gente pode! Humanos tambem somos, como Deus creou nossos irmãos! O que eu discuto é a falta de respeito, de cuidado, de amor e de comforto! Isso é o que exijo!” Alguem até propõe que o gruppo vote e eleja tal rapaz como de fé amigo ou portavoz, e ja se aggruppa mais gente ao seu redor, qual numa egreja. Teem dura disciplina, porem, taes asylos e punidos por pequenos delictos os ceguinhos são. Confronto de idéas? Mais crueis penas terão! {Eu sou o monitor aqui! Respeito exijo! Quer mais relho? Meça os termos da sua falla, cego! Cê queria molleza? Ja, adjoelha aqui na frente! Ser util, quer você? Pois chupe, bem gostoso, o meu caralho, que eu lhe addoço a lingua! Ahi, sentiu? Então cê diz que um cego sonha? Cego só se fode! Você quer ser feliz, seu trouxa? Seus deveres ja lhe mostro, cego puto! Aqui sou eu que enxergo! Ser chupado

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meresço! Cê só chupa e engole mijo!} Depois de boa surra de chicote, o cego rebellado ja não é. Agora a Deus é grato quando chupa sem relho levar, maximo que almeja.

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LICÇÃO DE RUA [8566] A gorda, que perdeu recentemente os olhos, é bonita, mas bobinha. Andando na calçada, ella apporrinha, com sua bengalinha, muita gente. Ainda que medir os passos tente, não sabe caminhar em recta linha. Dois brutos marmanjões, que ella ja tinha trombado, vão parar na sua frente. Fingindo offerescer adjuda, dão o braço, mas a levam a local fechado, onde estupral-a acham “legal”, pois querem que ella “apprenda uma licção”. Na bocca a fodem fundo, gozação fazendo: “Engole, cega! Ahi, que tal?” A gorda, adjoelhada, grunhe e mal consegue, mas curtindo os dois estão. Na rede virtual, a dupla posta o video que gravou, no qual a gorda se fode. Todos acham bom expor da coitada a bocca cheia. A turma gosta. A cara lembra alguem que comeu bosta. Os jovens, sem deixar que a cega morda a rolla que lhe mettem, ao sabor da sucção junctam sebinho, em grossa crosta.

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ADVERSIDADE NA PERVERSIDADE (1/2) [9157/9158] (1) Glaucão, não me conformo! Sim, sou sadico e curto justamente bullyingar um cego, judiar à bessa desse inutil e indefeso otario! Mas, depois de contactar varios ceguetas, percebo que nenhum se encaixa, como seria de esperar, no meu recreio! O cego, quando sabe seu logar de invalido masoca, não é gay e, quando gay, não curte ser humilde! Assim não é possivel ser feliz! Percebo que você paresce ser o caso mais sui generis do mundo em termos de ceguinho masochista, que encara até cu sujo na lambida! É pena que ‘inda nessa quarentena esteja, pois, sinão, eu me exbaldava! Mas pode esperar, Glauco! Quando tudo passar, você me paga até com juros!

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(2) Sou sadico, Glaucão, porem não tenho successo nessa busca dum parceiro que seja cadeirante, pois tesão só sinto quando humilho um paralytico! Nenhum dos cadeirantes que encontrei se enxerga como um traste que só sirva de sacco de exporrada para alguem que tenha as duas pernas saltitantes! Aquelles que consigo contactar são timidos, covardes, ou então mimados demais, cheios de mellindres! Ah, como os quero um dia ver no chão, inermes, rastejantes, implorando que sejam meus pisões menos pesados! Talvez, na falta desse cadeirante, eu tenha que dum cego tirar sarro!

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SUMMARIO [1] INCAPACITISMO NO SADOMASOCHISMO SUFFICIENTE SADOMASOCHISMO (1/4) [8478].........................10 DISSONNETTO DAS NECESSIDADES ESPECIAES [1088]..........13 BLOGUEIRO MINEIRO [7217].........................................................14 PORNÔ PORCO [6401].......................................................................16 MERCADO SADO [6409]....................................................................17 PORN FOR THE BLIND [8105]........................................................18 [2] INVISUALISMO NO SADOMASOCHISMO DISSONNETTO DO BOM E DO MELHOR [1093]........................21 DISSONNETTO FOLGADO [1103].................................................. 22 DISSONNETTO PARA A CAPACITAÇÃO DO CEGO [2075]........ 23 DISSONNETTO PARA A GRATIDÃO NA INAPTIDÃO [2083].... 24 DISSONNETTO SOBRE O TESTEMUNHO DO LEITOR [3051]... 25 CASOS KOSINSKIANOS [3167]......................................................... 26 O PEIXINHO E O PATINHO [3445]............................................... 27 CEGA OBEDIENCIA [3520]............................................................. 28 CONFLICTO DE GERAÇÕES [3572].............................................. 29 A MISSÃO DO CEGO [3775]............................................................. 30 INCLUSÃO SOCIAL E SERVIDÃO SEXUAL [4530]........................31 VENDA VENDA E LEVE LEVE [4997]........................................... 32 VERDADEIRA VENDA [5031].......................................................... 33 DERRADEIRA VENDA [5036].......................................................... 34 GOZO TENEBROSO [5057].............................................................. 35 VIOLENCIA INVISIVEL [5075]....................................................... 36 CARNAVAL CARICATURAL [5087]................................................. 37 ENTREGA CEGA [5633].................................................................... 38 AZEDA TANGERINA [5642]............................................................. 39 CEGADO E EMMUDESCIDO [5692]............................................... 40 NOITE SOB AÇOITE [5930]..............................................................41 GENUINA DISCIPLINA [6100]........................................................ 42 MICHETAGEM SEM IMAGEM [6119]............................................. 43 TALHE NO DETALHE [6240].......................................................... 44 VENDANDO, VEM DANDO [6293]................................................. 45 HORROR DOMINADOR [6294]....................................................... 46 AMEN DO ALEM [6343]................................................................... 47 SADO SUGGESTIONADO [6849]..................................................... 48


INSTITUTO SÃO THOMÉ DE SANCTA FÉ (1/3) [6936/6938].... 49 SUPERVISOR DE SUBVIDENTES [6938-B]....................................51 DELEITE QUE SE APPROVEITE [6956]........................................ 52 BORBORINHO NO CAMINHO [7020-B]....................................... 53 SADIA EMPATHIA (1/2) [7137/7138]............................................... 54 MOTTE GLOSADO (1/4) [7519]....................................................... 55 MOTTE GLOSADO (1/8) [7526]....................................................... 57 MANIFESTO UTILITARISTA (1/2) [7970]...................................... 60 THESE CORROBORADA (1/2) [8048]............................................. 62 HYPOTHESE SUGGESTIVA (1/2) [8049]........................................ 63 INFINITILHO IMPATRULHAVEL (1/2) [8096]............................ 65 REMOTO DEVOTO (1/4) [8132]...................................................... 67 INFINITILHO DA BRAGUILHA (1/2) [8144]................................. 69 INFINITILHO AGGRILHOADO (1/2) [8145]................................. 70 ODE CEARENSE (1/5) [8176]............................................................71 ODE GOYANA (1/4) [8177]................................................................ 73 RHAPSODIA PARABOLICA (1/3) [8357]......................................... 75 SEGUNDA RHAPSODIA AUGUSTIANA (1/2) [8382].................... 77 RONDÓ DO CORRÓ (1/3) [8444].................................................... 78 AUDIODESCRIPÇÃO DA IRRUMAÇÃO [8461].............................. 79 PAUTA DE INTERNAUTA (1/10) [8508].......................................... 80 ATTRITOS E CONFLICTOS [8514]................................................. 84 LICÇÃO DE RUA [8566].................................................................... 86 ADVERSIDADE NA PERVERSIDADE (1/2) [9157/9158]............... 87



São Paulo Casa de Ferreiro 2023




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