CENTOPÉA

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CENTOPÉA SONNETTOS NOJENTOS & QUEJANDOS



GLAUCO MATTOSO

CENTOPÉA SONNETTOS NOJENTOS & QUEJANDOS

São Paulo Casa de Ferreiro 2022


Centopéa: sonnettos nojentos & quejandos © Glauco Mattoso, 2022 Revisão Lucio Medeiros Projeto gráfico Lucio Medeiros Capa Concepção: Glauco Mattoso Execução: Lucio Medeiros ________________________________________________________________________ FICHA CATALOGRÁFICA ________________________________________________________________________ Mattoso, Glauco CENTOPÉA: SONNETTOS NOJENTOS & QUEJANDOS/Glauco Mattoso São Paulo: Casa de Ferreiro, 2022 148p., 21 x 21cm ISBN: 978-85-98271-28-4 1.Poesia Brasileira I. Autor. II. Título.

B869.1


NOTA INTRODUCTORIA Originalmente publicado em 1999, este foi o primeiro volume da trilogia que se completaria naquelle anno com os livros PAULYSSÉA ILHADA: SONNETTOS TOPICOS e GELÉA DE ROCOCÓ: SONNETTOS BARROCOS. Todos sahiram pela collecção "Livros do Cão" do sello Sciencia do Accidente, editado por Joca Reiners Terron. A trilogia dava inicio à producção poetica de Mattoso na phase cega, que comprehende milhares de sonnettos e centenas de mottes glosados, alem de madrigaes, limeiriques, trovas, haikais e outras estrophações. Na primeira edição deste volume os sonnettos eram numerados de 9 a 108, como apparescem na catalogação geral do archivo OPERA INSOMNIA, mas aqui foram incluidos os oito primeiros daquella numeração. Commentarios mais detalhados estão annotados no final desta edição, junctamente com um estudo critico. A numeração das notas corresponde à dos sonnettos. Outro adspecto peculiar desta edição reside na reestrophação de muitos sonnettos, com dois versos addicionaes e tercettos transformados em quartettos, processo que justifica a designação de "dissonnetto". Em alguns casos, os quartettos são convertidos em duas oitavas. Aquelles que não foram dissonnettizados tiveram seus quattorze versos compactados numa unica estrophe.



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DULCE SALGADO DE AZEVEDO CAMARGO [0001] Airosa, maneirosa, delicada, vestida de advental, Dulce suspira e arranca da platéa, que delira, applausos calorosos pela empada. Famosa quituteira, sempre aggrada o opiparo acepipe que, na lyra dos bardos, celebrado foi. "Confira você, depois me diga!", falla a fada. Faz magica, ao fogão. Quem seu croquette, seu kibbe, seu pastel, sua coxinha (legitima, com carne de gallinha) provar, louva os sabores e repete. O publico, porem, nem adivinha que Dulce é constipada e, na retrete, ainda que banal tolete excrete, tão facil não faz quanto na cozinha.

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SPIK (SIC) TUPYNIK [0002] (para Paulo Verissimo) Rebel without a cause, vomito do mytho da nova nova nova nova geração, cuspo no pratto e janto juncto com palmito o baioque (o forrock, o rockixe), o rockão. Receito a seita de quem samba e roquenrolla: Babo, Bob, pop, pipoca, cornflake; take a cocktail de coco com cocacola, de whisky e estrychnina make a milkshake. Tem hybridos morphemas a lingua que fallo, meio nega-bacchana, chiquita-maluca; no rollo embananado me embollo, me emballo, soluço -- hic -- e desligo -- clic -- a cuca. Sou luxo, chulo e chic, caçula e cacique. I am a tupynik, eu fallo em tupynik.


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QUEM DIABO É DEUS? [0003] é deus antimateria? não. tambem não é deus antichristo. não é chaos nem kosmo. é deus magnifico entre os maus? magnetico entre os bellos? deus é quem? do povo a tem delle possiveis divinos e

voz? do papa a paz? alguem nojo ou odio? quaes os graus que mensuram alguns paus alguns cus terrenos? hem?

podia ser deus tudo, ser podia sapão no seu brejinho ou ser sapinho, perdido pelo meio do caminho, alli no seu brejão, por um só dia. quizesse, e deus seria. mas, mesquinho, birrento (omnipresente, essa mania), prefere nem siquer ser quem me enfia na cara o pé, na bocca o pau: neguinho.

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ROMEU E EU [0004] Eu quero com você brincar. Papae não deixa. O director prohibe. A esquerda se oppõe. Não vou aonde você vae. Em casa preso, eu choro a sua perda. Si alguma vez eu saio, quem não sae, tambem admeaçado, é você. Merda! Commigo si estiver, você se trae! Deshonre seu papae, e elle o desherda! Sahimos disfarsados. Desse jeito, somente, nos veremos e, si vem alguem, nos escondemos. Caso alguem nos ache, apponctará nosso defeito. Si excappo, eu sobrevivo. Mas refem será você da esquerda, sem proveito nenhum. Por outro lado, está subjeito às ordens dum patrão que é meu, tambem.


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CURRICULO LYRICO [0005] Do seculo a metade foi segunda. Primeiro da metade foi seu anno. Tambem deste o semestre e, salvo enganno, penultimo o seu dia. Não confunda. Frustrado suicida, pecha immunda assume em seu fetiche, mas o damno maior foi a cegueira. Mais insano ainda, o vicio lyrico em que abunda. Poeta fescennino, do sonnetto fez sua mais maniaca paixão. Tambem de dissonnetto dá licção. Mentaes, as lettras vê, brancas, no preto: "Não dei à luz meus livros todos, não plantei mil bananeiras, não commetto reprises suicidas, nem prometto ter filhos que desmintam meu tesão."

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MANIFESTO COPROPHAGICO [0006] A merda na latrina desse bar da exquina de officina cheiro tem. De fina serpentina tem, tambem, si folga com roptina combinar. Cocô com cocaina, em tal logar, commum é tanto quanto ter alguem cagado as hemorrhoidas. Alli vem o povo do Brazil todo cagar. Cocô kosmopolita, palindromico, até kaleidoscopico e mutante, a rio polluido tresandante, se caga no latino reino momico. Vagina americana advessa, cante meu verso a merda metrica, de vomico sabor e cheiro fetido, com comico cynismo, e faça a antithese de Dante!


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ROCK CONCERT, PART THREE [0007] Guitarras incendeia elle, extraçalha a astral paraphernalia, sapateia nas cobras, arregala e exhibe a veia dos olhos pelos oculos. Lhe calha. Engole o microphone, ou punheta toca ao vivo... faz outra, ainda: deixa de duvidas si é só fogo

o que o valha, Coisa feia a gente cheia de palha.

Depois, vira caveira: está careca, careta, mascarado e canastrão. Os outros apposentam-se. Elle, não. Às vezes, de overdose, leva a breca. Moleques o rockeiro, então, na mão deixou, talvez refens duma moleca, talvez à sanha entregues de quem secca seus sonhos como secca um garrafão.

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MANIFESTO OBSONETO [0008] (pros poetas dictos "sujos" que nunca exquescem o modess e trocam de meia de meia em meia hora) Isso não é poesia que se escreva, é pornographia typo Adão & Eva: essa nunca passa, por mais que se attreva, do que o Adão dá e do que a Eva leva. Quero a poesia muito mais lasciva, com chulé na lingua, suor na saliva, porra no pigarro, mijo na gengiva, pincto em poncto morto, chota em carne viva! Ranho, chico, cera, era o que faltava! Sebo é na lambida, rabo não se lava! Viva a sunga suja, fora a meia nova! Pelo pello na bocca, giló com uva! Merda na piroca cae como uma luva! Cago de pau duro! Nojo? Uma ova!


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SONNETTO CENSURADO [0009] Sabendo que a censura não me trava, pediram-me um sonnetto sem calão p'ra pôr na anthologia de sallão que o tal do [censurado] organizava. Queriam até tonica na oitava, mas nada de recurso ao palavrão. Usei o ingrediente mais à mão, porem com [censurado] não passava. Desisto. Quanto mais remendos metto, mais ropto vae ficando o [censurado]. Poema não é texto de pamphleto p'ra ter que se estampar todo truncado! Não! Esse [censurado] de sonnetto que va p'ra [censurado] [censurado]!

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DISSONNETTO NOJENTO (I) [0010] Tem gente que censura meu fetiche: lamber pé masculino ou seu calçado. Mas, vendo em que é que o povo é mais chegado, não posso permittir que alguem me piche. Onde é que de fructa, E pizza de Fructos do

ja se viu ter sanduiche ou vegetal mal temperado? banana, cha gelado? mar? Rabada? Giló? Vixe!

Café sem addoçar? Pheijão sem sal? Ran? Cobra? Peixe cru? Lesma gigante? Lacraia torradinha, bem crocante? Farofa de uva passa? Acham normal? Quem gosta disso tudo não se expante, siquer ouse nas redes fallar mal da minha preferencia sexual: lamber uns pés, o pó do seu pisante.


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SONNETTO POETICAMENTE CORRECTO [0011] O branco diz que o Negro é de subraça, mas sabe que a verdade está no opposto; ja viu, por bem ou mesmo a contragosto, que o Negro é superior em massa e massa. No musculo é o mais masculo da taça; no cerebro é o mais musico seu posto. A cor da rolla é a mesma cor do rosto e o branco engole, chupa e 'inda arregaça. Porem a maior prova está na sola e só la embaixo o branco se compara no tom da pelle e no logar da bolla. Chutado por quem tanto escravizara, o branco só meresce alguma esmolla si o Negro limpa o pé na sua cara.

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SONNETTO SOLADO (I) [0012] Patrão, posso engraxar o seu pisante? Sapato, bota ou tennis, tanto faz. Não cobro nada e limpo até demais, pois vou lambendo e o "shoe" fica brilhante. Bem sei que meu serviço é degradante. Sou cego, o que me humilha ainda mais. Mas assim é que a coisa satisfaz alguem como você, tão arrogante. Na sola minha lingua se revela o mais macio e sordido capacho. Você vae ver a scena numa tela: Ao vivo ou não, Patrão, eu só lhe engraxo, me imaginando preso numa cella, porque cê tem visão e pé de macho.


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DISSONNETTO DESOLADO [0013] Si é rei quem tem um olho em terra cega, é o cego escravo em terra de caolho. As barbas ja tractei de pôr de molho ao ver pigmenta ardendo num collega. Depois que fiquei cego, ninguem nega, meu admanhan jamais sou eu que excolho. Si é noite o dia todo, só me encolho, pois sei onde é que o ponctapé me pega. No fundo, a sensação que mais molesta é como a de invejar: se inveja em vão. Estou preso no escuro do porão emquanto quem enxerga faz a festa. No chão, sentindo o peso do pisão daquelle que intenção não tem modesta, um unico consolo a mim me resta: lamber sola de alguem que tem visão.

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DISSONNETTO DESALMADO [0014] Ninguem meresce aquillo que não dá e eu não ganho carinho de ninguem. Assim, não vou pagar o mal c'o bem. Commigo ninguem tem colher de cha. No céu só pode haver intenção má. As boas vão pro inferno, um armazem inutil como o cerebro de alguem que tem computador, mas cego está. É o caso deste pobre sonnettista, ja victima de criticas, de exporro, que, quanto mais appella por soccorro, mais rude escuridão lhe attacca a vista. Odeio quem faz farra emquanto morro de inveja por estar fora da lista, mas quero, num anxeio masochista, ceder, lamber seu pé, ser seu cachorro.


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DISSONNETTO SOLADO (II) [0015] A sola da botina do bandido é o typo do logar mais baixo e sujo. Alli nem mesmo a lingua dum sabujo acceita o desprazer de haver lambido. O couro ja gastou, de tão battido, e um furo areja o pé do dicto cujo. Mas desse panorama é que eu não fujo, pois faço jus à fama de fodido. Occorre que estou cego e callejado de tanta humilhação no dia-a-dia, que bem acceitaria a putaria maior, a qual jamais tem me ennojado. Um gajo desses bem que poderia gozar da minha cara de coitado: não só na minha bocca ter mijado como pisar na lingua que o lambia.

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DISSONNETTO NOJENTO (II) [0016] Si o pão dormido vira uma borracha, si o leite está repleto de bichinho, filé de bacalhau só tem espinho e surge uma perninha na bollacha; si um cheiro bom de açougue ninguem acha, si é mais fedido o lixo do vizinho, vinagre é o que devia ser bom vinho, patê de caviar paresce graxa; si si si si

a mayonnaise tem sabor suspeito, o molho prompto é preto, e não vermelho, cha tem ao cocô fedor parelho, vem nervo demais no pratto feito;

si até sopa de latta tem pentelho, si fede, em hospitaes, a mijo o leito, por que ninguem respeita meu direito de degustar chulé num vão de artelho?


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DISSONNETTO SADICO (I) [0017] Legal é ver politico morrendo de cancer, quer na prostata, no recto, e, p'ra que meu prazer seja completo, tendo um tumor na lingua como addendo. Si for ministro, então, não me arrependo de ser-lhe muito mais que um desaffecto, rogar-lhe morte egual à que um insecto na mão da molecada vae soffrendo. Mas o melhor de tudo é o presidente da nossa pobre patria advaccalhada ser desmoralizado na risada por quem faz poesia como a gente. Elle nos fode a cada cannetada, qual despota, arrogante, prepotente, mas eu, usando só o poder da mente, espeto-lhe o loló com minha espada!

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DISSONNETTO MASOCHISTA (I) [0018] Politico só quer nos ver morrendo na merda, ao deus-dará, sem voz, sem tecto. Divertem-se inventando outro projecto de imposto que lhes renda dividendo. São tão filhos da puta que só vendo, capazes de crear até decreto que obrigue o pobre, o cego, o analphabeto a dar mais do que vinha recebendo. Si a coisa continua nesse pé, ainda que de satyra se tracte, accabo transformado no engraxate dum senador qualquer, dum zé mané. Vou ser levado, a menos que me macte, alem do meu logar nesta ralé, à torpe obrigação de amar chulé, lamber feito cachorro que não latte.


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DISSONNETTO ANTIESTHETICO [0019] Bandeira quiz cantar, como Delphino, uns pés de musa typo Cinderella? Pois Alencar, na "Patta da gazella", tambem rendeu-se a um pé bem feminino! Não mas nem que

vou dizer que é femeo minha preferencia não doce e perfumada como cabe em saltos altos,

o que abomino, é bella aquella bicco fino.

O pé que almejo é sujo, chulepento, frieira tem que della ninguem tracta e, em vez de curva, tem a sola chata, provando que tamanho é documento. Portanto, me permittam que rebatta qualquer accusação ou argumento. Procuro ser exempto, e bem que tento gostar de pé de pato e pé de pata.

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SONNETTO AUTOBIOGRAPHICO [0020] Um facto me marcou p'ra toda a vida: aos nove annos fui victima dos caras mais velhos, que brincavam com as taras, levando-me da eschola p'ra avenida. Curravam-me num becco sem sahida, zoavam inventando coisas raras, como lamber sebinho em suas varas e encher a minha bocca de cuspida. O que dava mais nojo era a poeira da sola dos seus tennis, mixturada com doce, pão, cocô ou xepa de feira. O gosto do solado e da calçada na lingua fez de mim, queira ou não queira, a escoria dos podolatras, mais nada.


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DISSONNETTO BIBLICO (I) [0021] No Livro dos Juizes é contada a lenda de Sansão, um cabelludo Tão forte que foi rei do valetudo E um bello dia não valia nada. Trahido por Dalilah, sua amada, Virou escravo até do mais mehudo. Perdeu olho, cabello e, sobretudo, O orgulho de jamais levar pisada. Tambem eu sou careca, cego e servo De todo philisteu que me expezinha. Mas desde a meninice 'inda conservo o trauma de ser judas da turminha. À lyra condemnado, um poncto observo que torna verdadeira cada linha: Não fui Sansão, e nem siquer preservo a fé, de volta, em ter o que não tinha.

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DISSONNETTO PHILOSOPHICO (I) [0022] Quem disse foi Zenão, si não me enganno, que o pé veloz de Achilles nunca alcança a lenta tartaruga, que não cansa e advança: piano, piano, và lontano. Mais theses proporá qualquer fulano, porem, que entra de sola nessa dansa, que inverte os prolegomenos e lança luz nova sobre thema tão prophano: Será que a frustração da tartaruga, de nunca ser pisada pelo heroe, cocô que evita a bota do cowboy, não é o grande dilemma dessa fuga? Commigo é a mesma coisa: mais me dóe o pé que minha cara não subjuga, a lagryma que um cego não enxuga, e a van philosophia se destroe.


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DISSONNETTO FUTURISTA [0023] George Orwell diz que imagem do futuro é bota numa face, eternamente, e a nitida afflicção que a gente sente é de vivermos ja num tempo escuro. O Burgess, egualmente, foi bem duro quando pegou seu joven delinquente e o converteu num ser subserviente que só lambia sola, robô puro. O Glauco aqui, que vive do passado, saudoso duma phase de oppressão, lembrando de seu timido tesão de ser pelos moleques abusado, é o mesmo Glauco agora, e lambe o chão pisado pelo mesmo typo sado que sempre tem seus sonhos visitado, Só que antes enxergou, e agora não.

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DISSONNETTO HISTORICO [0024] Ouvi que o pé que tenho procurado, com seu dedão mais curto que o segundo, ja foi muito commum no Antigo Mundo e "grego" seu formato hoje é chamado. Lhes digo sem temor de estar errado: mais tento pesquisar, mais eu redundo e, quando nesse assumpto me approfundo, constato que não passo dum coitado. Quem foi que me mandou ser fetichista, si o pé mais à mão nunca me contenta? Que faço? Elementar: eu que desista da esthetica, que nada representa. Alem do mais, quem ja perdeu a vista que lamba um tennis numero cincoenta, tamanho condizente com a lista de vicios de quem mente... ou quem inventa.


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DISSONNETTO POLITICO [0025] A esquerda quer mudança no regime: trocar todas as moscas sobre o troço; mais gente repartindo o mesmo almosso, p'ra ver si a humanidade se redime. Não quer a situação mexer no time: o jogo da direita é sempre um osso ao mesmo cão, e nada de alvoroço, mantendo o status quo que nos opprime. Eu, cego, sendo assim politizado, sabendo não ser tolo ou incapaz de boas discernir de intenções más e tendo que excolher qual é meu lado... P'ra mim, desde que seja dum rapaz o pé pelo qual quero ser pisado, descalço ou pesadão em seu calçado, direito como esquerdo, tanto faz.

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DISSONNETTO LYRICO [0026] Dizem que amor é cego e carne é fracca, mas só gostei de alguem quando enxergava. Hoje a cegueira queima como lava e o coração resiste a qualquer faca. Hontem tesão, agora só resaca. Foi-se a paixão que fez minh'alma escrava. Si 'inda me queixo dessa zica brava, sou caçoado e passo por babaca. Nem tudo está perdido: resta o cheiro, enchendo-me as narinas quando faço de compta, a masturbar-me, que 'inda passo na porta dum vizinho sapateiro. Sim, faço bom papel, mas de palhaço, nariz a farejar chulés, fuleiro. O olfacto é meu recurso derradeiro e o cheiro punhetado unico laço.


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SONNETTO BRAZILEIRO [0027] Resume-se o Brazil em trez coisinhas: só praia, futebol e carnaval. A bunda é preferencia nacional, mas algo differentes são as minhas: Na praia, que abundancia de solinhas! Na bolla, as taes chuteiras do "animal". No samba, pé sempre é fundamental. De fora, tento pôr minhas manguinhas. Me sinto muito mais que um extrangeiro: sou quasi extraterrestre, marciano, não só porque idolatro o pé e seu cheiro. O caso é que sou cego e paulistano. Cantar rock eu só posso no banheiro, battendo bronha aos pés dum corinthiano.

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SONNETTO PSYCHANALYTICO [0028] Não tem muitos mysterios o meu ego: O pé, symbolo phallico evidente, illustra todo o tal do inconsciente com sonhos coloridos, pois sou cego. Si exsiste algum complexo que carrego, dum Edipo não era, certamente. O nome grego só me vem à mente porque "pé inchado" é o etymo que pego. É de inferioridade o meu complexo, explica Freud e, à luz do que analysa, a fixação no pé ganha seu nexo. Só ha libido quando alguem me pisa. Sola na cara é estimulo do sexo. Mais grossa a sola, mais a lingua é lisa.


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DISSONNETTO SYMPHONICO [0029] Não vejo, entre um sonnetto e uma sonata, nenhuma differença de conceito. Teem forma curta, jeito tão perfeito que posso até dizer que o pareo empatta. Os solos de Scarlatti são a natta. Nos versos de Bocage me deleito. São obras accabadas, a despeito daquelles que preferem arte em latta. P'ra que uma orchestra inteira, si um só cravo preenche todo o espaço dum audivel programma musical 'inda possivel? A nós só cabe ouvir, gritando "Bravo!". E eu, cego, por que teimo em ser sensivel, achando que meu nome em pedra gravo, si sei que meu logar é dum escravo, lambendo bota suja, nesse nivel?

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DISSONNETTO JUDAICO (I) [0030] O servo cujos olhos são tirados total libertação receberá. Assim ouviu Moysés de Jehovah, em meio a um rol de culpas e peccados. Escravos tambem são circumcidados, por ordem de Abrahão, conforme está descripto no principio da Torah. Serão certos sangrados mais sagrados? Talvez. Mas eu perdi prepucio e luz. No entanto, sinto falta do sebinho, saudoso requeijão amarellinho, que é sujo e cujo cheiro me seduz. Ja vi. Fui livre como um passarinho. Depois de cego, visto o meu cappuz de escravo "goy", agora que me puz aos pés do hebreu mais proximo e vizinho.


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DISSONNETTO MUSSULMANO [0031] Sou sadomasochista, acho bacchana ouvir as allusões ao Alcorão que fallam duma pena de Talião. Por isso amo a cultura mussulmana. "Mil e uma noites" são obra prophana mas pagam seu tributo à religião. Alli, casos bem crus de punição são fartos como a scena mais sacana. Si la se considera grave offensa sentar mostrando a sola do sapato, o cego trouxa, aqui, pagando o pato se vê, pois duas vezes ja nem pensa: Ja vou me imaginando dando um tracto de lingua, sem pedir siquer licença, naquillo que faz tanta differença: o pó dum pezão arabe bem chato.

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DISSONNETTO CHRISTÃO [0032] Do Christianismo aquillo que seduz um cego pervertido assim como eu é o que na Sancta Ceia accontesceu: a maxima humildade de Jesus. Lavou, seccou, beijou Elle os pés nus de cada secular seguidor Seu. O gesto em tradição se converteu e eu proprio a repetil-o me propuz. Segui o exemplo audaz do Cardeal, que tantos meninões desencaminha e faz questão de pé de trombadinha, na cor, edade e numero ideal. Porem prostrei-me àquelle que bem vinha: mais um deficiente visual que, embora consciente do seu mal, tem verve e perversão egual à minha.


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DISSONNETTO CHINEZ [0033] Na China millennar o pé tem sido exemplo bom de sadomasochismo. Bastante é examinar com que estoicismo as femeas o atrophiam, sem gemido. Si nas mulheres é diminuido, nos homens é attributo do machismo: Nas artes marciaes o symbolismo da perda é o pé na cara do vencido. Masturbo-me, isolado, e fico a fim de estar sempre à mercê de quem me queira pejado no vexame da cegueira, me subjeitando aos pés dum mandarim. Na China a vida não mas topo ser usado, Um cego no suburbio só serve quando vae

é brincadeira, mesmo assim. de Peking lamber frieira.

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DISSONNETTO INSOMNE [0034] Ser cego é como estar numa prisão. Ficar cego é peor, paresce o susto de quem foi livre e soffre o golpe injusto, levado ao manicomio estando são. O sonho é colorido, pois estão bem vivas na memoria, a muito custo, imagens dum recente e ja vetusto passado de prazer e perversão. Nenhum ouvido escuta meu appello. Ninguem nota si tenho o olhar tristonho. Accordo e lembro em panico que o sonho foi falso: a realidade é o pesadello. Só volto a addormescer quando componho sonnettos sobre o pé. Gozo ao lambel-o, do masculo dedão ao tornozello, e agora o escuro não é tão medonho.


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DISSONNETTO LINGUOPEDAL [0035] Massificada está toda massagem holistica que, como a acupunctura, em ponctos energeticos procura curar com scientifica roupagem. Em tudo vejo logo a sacanagem: A planta do pé puz numa gravura e em vez da mão a lingua, menos dura, propuz como systema de lavagem. Creei assim um o podofellador que sabe achar Meu nome andou

vivo typo novo: profissional assucar nesse sal. na má lingua do povo.

Ja cego estou, mas não me saio mal: com gosto, ou de presuncto, ou tambem ovo, frieiras mentalmente 'inda removo do pé de quem me xinga de abnormal.

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DISSONNETTO ENTAPIADO [0036] O mais bonito typo de tormento, p'ra mim, é pôr a victima enterrada até o pescoço, vendo nivelada a cara aos pés do algoz, todo o momento. Foi na Africa do Sul que este instrumento puniu presos, rendendo gargalhada aos guardas, que 'inda enchiam de mijada a bocca do detento ja sedento. Caramba! por traz sentindo me pondo

Fico só curtindo a scena duma cegueira torturante, a dor do negro, doradvante, em seu logar, soffrendo a pena!

Requincte desses, nem o grande Dante cantou numa comedia extraterrena que pune quem mais fundo se condemna: um cego hallucinado e comediante!


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DISSONNETTO GALLICISTA [0037] A França nos deu tanta coisa boa! "Sadismo" vem do nome do Marquez; De seu rival Rétif vem, por sua vez, o termo "retifismo", e me acquinhoa. Fanchette foi-lhe a musa, e não à toa: P'ra seu pé delicado Rétif fez um livro inteiro, e agora, em portuguez, como "podolatria" o termo soa. Ja tinhamos "fetiche", que é "feitiço" tomado ao portuguez e devolvido com mais connotação e mais sentido. P'ra sexo qual vocabulo é castiço? Ja posso rotular minha libido e, quanto mais a chamo, mais a attiço. Questão de termo? Não seja por isso: Sou retifista e sadico assumido.

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DISSONNETTO MODERNISTA [0038] Quem foi mais importante, Oswaldo ou Mario? Me consta que o "Prefacio" "milhor" fez, em termos de chocar o bom burguez, que todo o anthropophagico mensario. Mas, p'ra não commetter erro primario, justiça seja feita a todos trez, os dois Andrades mais o Portuguez, pois, sem Camões, cadê réu litterario? Questão particular me occorre, agora que vale investigar sem mais recapto: Qual tinha maior pé, Mario, o mulato, ou quem foi queridinho da Izadora? O Oswaldo pode até ter sido um gatto, pisando, de mansinho, para fora, mas meu faro bizarro corrobora: O Mario tinha pé mais largo e chato.


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DISSONNETTO CONCRETO [0039] Poemas verbivocovisuaes não são meu forte, excepto como fan. Ja fiz alguns, mas foram mais no affan de pôr p'ra fora a futil voz mordaz. Vanguardas enthusiasmam um rapaz que o Sancto Gral vê numa busca van de deciphrar Noigandres de manhan e à noite navegar naus virtuaes. Não digo que renego meu pedeuma, mas admaduresci, perdi a visão e inuteis os graphismos hoje são. Prefiro me affastar dessa celeuma. Quanto aos poemas, faço-me hermitão: por entre ellipses, preso pela zeugma, versejo na clausura (Sancta phleugma!) o pé, thema palpavel, meu tesão.

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DISSONNETTO LATINO [0040] O Lacio, cuja flor se abriu no Olavo, nos deu palavras ricas de sentido. O verbo "supplantare", definido, é pôr a sola em cyma dum escravo. "Pes, pedis" é um vocabulo que gravo na pedra da memoria, p'ra ser lido, relido, repetido e até lambido, pois lembra humilhação, offensa, aggravo. Exemplo extremo é quando o gladiador, pisando no pescoço do rival que irá mactar, comptar vae com aval: agguarda o pollegar do imperador. O publico faz disso um carnaval, gozando com vencido ou vencedor, e o Glauco aqui se faz de perdedor só p'ra suppor no rosto o pé fatal.


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DISSONNETTO OROGENITAL [0041] "Fellatio" é a quinctessencia do prazer, assim diz o tractado de erotismo, licção que humilha as fans do feminismo, no exforço que a mulher tem de fazer: chupar calada até satisfazer. Garganta mais profunda que um abysmo e lingua callejada em "balanismo" premissas basilares veem a ser. [vêm] No pé ja muda a coisa de figura: em vez de sebo ou mijo, seu chulé é o thema. Bom assumpto tambem é frieira ou callo, alem de mais largura. Um cego não chupou só piccolé: na bocca mais lhe entrou. Tal bocca attura bem mais que a da mulher, mesmo que impura. Palavra de quem chupa pau num pé.

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SONNETTO JAPONEZ [0042] Na terra dos haikais, fazer sonnetto é coisa tão prolixa quanto um conto. La tudo é miniatura. O contraponcto é o gigantesco mundo onde me metto. A torre em Tokyo lembra um eskeleto de monstro agonizante, bambo e tonto. Ao longe o Fuji dorme, sempre prompto a pôr no Sol Nascente um manto preto. Nipponico oppressor, é como vejo o pé dum samurai ou dum judoka. Mas não é bem o typo que desejo. P'ra ser pisado, ja que sou masoca, procuro o pé mais gordo e malfazejo: Assumo que é o sumô que me provoca.


CENTOPÉA: SONNETTOS NOJENTOS & QUEJANDOS

DISSONNETTO VANGUARDISTA [0043] Vanguarda é classicismo, e a prova disso está nos manifestos. Em que pese o mau comportamento, viram these, tractados como o texto mais castiço. Não nego que ellas prestam bom serviço, mostrando algo de novo que se preze. O mal é quando expalham catechese, querendo impor que o resto está cediço. Aqui nem ha razão p'ra que me queixe da gloria, si ella tarda, si não tarda. Quer seja ou não vanguarda ou velha guarda, não deixo de vender meu micho peixe. Não viso academia, cha nem farda; si esperam mais sonnettos que eu enfeixe, só peço a cada membro que me deixe lamber seu pé com minha lingua barda.

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DISSONNETTO MALDICTO [0044] O veio subterraneo e fescennino do qual Zé Paulo Paes foi bandeirante tem repertorio altissimo e abundante que vae de Marcial até Aretino. Na lingua portugueza ja declino trez nomes do listão mais importante: Bocage, Lagartixa e um infamante Gregorio, "véi" de guerra, esse menino! Nem penso em me incluir nessa caterva, até porque meu vicio é bem menor, ou, caso queiram outros, bem peor. Quem for mais perspicaz na certa observa. Aquillo que o Mattoso faz melhor, ainda quando, caustico, se ennerva, é só o que a sorte cega lhe reserva: tirar leite de pé, lamber suor.


CENTOPÉA: SONNETTOS NOJENTOS & QUEJANDOS

DISSONNETTO MARGINAL [0045] Assim como o menor abbandonado converte-se bem cedo no infractor, tambem na poesia ha muito auctor rebelde só porque ficou de lado. Os jovens querem dar o seu recado do modo mais advesso e transgressor, até chegar num poncto em que o louvor consagra todo o khoro admotinado. O facto é que o legitimo indigente num circulo de fama assaz adversa é quem fica isolado na conversa emquanto as outras partes fazem frente. Me sinto assim. A turma ja dispersa ao ver que meu assumpto é o pé, somente, incommoda questão, impertinente. O thema é marginal, e viceversa.

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DISSONNETTO HINDU [0046] Na India a fellação é tão fallada que tem nos "Kama Sutra" um texto inteiro. La diz que um servo, como chupeteiro, resolve quando a femea não quer nada. Me contam que na mais os cegos são mantidos e, em troca de comida battalham p'ra chupar

baixa camada em puteiro ou por dinheiro, gente abbastada.

Queria eu fazer parte desta casta no meio do povão mais rebaixado e, alem de chupar rolla, ser forçado a toda a obrigação dum pederasta: Appós ao superior o cu ter dado e tendo ouvido delle que ja basta, rallar a lingua vil na sola gasta e suja (Vou gozar!) de seu calçado.


CENTOPÉA: SONNETTOS NOJENTOS & QUEJANDOS

DISSONNETTO CINEMATOGRAPHICO [0047] Emquanto eu enxergava, no cinema achei p'ra minha tara um paraiso. Agora que estou cego, só repriso em sonho os grandes classicos do thema. "Os 120 "O caso Sadismo no filme

dias" é o emblema; dos irmãos Naves", preciso. só dá mesmo p'ra sorriso que advaccalha c'o Systema:

"Laranja" tem o close que mais beira o bello, como esthetica de eschola. Na mente esse filmão ainda rolla e a scena me persegue na cegueira. É quando lambe Alex aquella sola. Si pode um sonhador ser o que queira, ja fui o proprio actor. Minha carreira é o premio com que um cego se consola.

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DISSONNETTO MARCIALMENTE ARTISTICO [0048] P'ra todo bom poeta fescennino as "artes marciaes" são meramente recursos do talento contundente de quem faz epigrammas com mais tino. Poeta geralmente é bem franzino, por isso o riso serve de unha e dente. Athleta luctador, esse é valente: em vez de alfinetar, vira assassino. No valetudo, o pé metrico é forte, tem meios de batter com fé certeira, a poncto de exmagar a cara inteira do perdedor que vae sentir-lhe o porte. E eu, cego e torcedor, busco a maneira de pôr lingua poetica no esporte, de modo que um masoca se comforte lambendo o pé do athleta, caso queira.


CENTOPÉA: SONNETTOS NOJENTOS & QUEJANDOS

DISSONNETTO VERSATIL [0049] A critica que tenho recebido é quanto ao thema, não quanto ao formato: "O Glauco tracta só de pé e sapato, ainda que use o molde mais subido." Respondo antes de tudo por Cupido: commigo elle jamais teve contacto. Alem do mais, não vou deixar barato que assumpto algum me seja prohibido. Sou cego mas eclectico, e versejo accerca de problemas bem diversos, taes como os violentos e perversos fans de forró, de rock ou sertanejo. De grandes e pequenos universos é feito o Pé que cheiro, beijo e vejo, o pé que symboliza meu desejo. A Elle presto compta dos meus versos.

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DISSONNETTO FUTEBOLLISTICO [0050] Machismo é futebol e amor aos pés. São machos adorando pés de macho e nesse mundo magico é que me acho em meio aos fans de algum camisa dez. Invejo os massagistas dos Pelés nos ludicos momentos de relaxo, servindo-lhes de chanca e de capacho, levando a lingua alli, do chão no rés. É logico que um cego que nem eu, sem chance de poder commemorar, não pode convocar o titular dum time brazileiro ou europeu. Contento-me em chupar o pollegar do pé desse rhachitico plebeu de varzea que, coitado, não venceu siquer a mais local preliminar.


CENTOPÉA: SONNETTOS NOJENTOS & QUEJANDOS

DISSONNETTO AFRO-DIONYSIACO [0051] Os negros me fascinam, num tal plano que minha adoração pela cultura só não tem mais medida do que a altura e o pé dum basketeiro americano. Venero desde o banto até o bahiano e a trinca de rockeiros que inaugura o genero de som da cor mais pura: Bo, Berry e o Ricardinho do piano. Ray Charles ja é nome especial, alem dos predicados que elle somma, por ter ficado cego de glaucoma bem antes que eu tivesse sorte egual. Quem tem bocca (e saliva) vae a Roma ou brinca mesmo aqui seu carnaval, e eu metto meu nariz no principal: o pé do negro, em seu sabor e aroma.

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DISSONNETTO ESTUDANTIL [0052] O trote é tradição na academia, mas ja foi mais cruel na Edade Media. A vida de calouro era a tragedia do "escravo", emquanto o "dono" o usava e ria. Soffri na propria carne essa agonia, porem contrariei a encyclopedia no dia em que tramei uma comedia fingindo entrar naquella engenharia. Calouro disfarsado, fui tractado que nem um bicho manso que se enxote, se pise, chute e surre com chicote, lambendo o veterano pé suado. É claro que não fiz nenhum fricote! Comptei, porem, com esse resultado: assim é que eu queria ser usado! Fui eu quem lhes passou o maior trote!


CENTOPÉA: SONNETTOS NOJENTOS & QUEJANDOS

SONNETTO BORGEANO [0053] "Fervor de Buenos Aires" foi a estréa. Seguiu-se à sagração da sua cidade a Universal da Infamia, a Eternidade, e a Historia alcança as raias da Epopéa. Estive na portenha urbe européa; Tambem perdi a visão na meia edade; Coincidencia ou não, tambem fui Sade, um bruxo logo abbaixo de Medéa. Talvez eu tenha achado no Argentino um tom de tango astral na escura zona e o dom da decadencia do Destino. Mas falta algo, que Borges não menciona, algum logar no kosmo que imagino, alguem lambendo o pé do Maradona!

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DISSONNETTO VICTORIANO [0054] Em epochas de Wilde a Gran-Bretanha vivia numa grande caretice. Bordeis eram discretos, mas quem disse que o vicio reprimia sua sanha? Chicote era uma coisa nada extranha e clubes de sadismo, uma mesmice. Mas sempre tinha quem se divertisse usando um gay que gosta quando appanha. Os jovens p'ra quem curtir do e caro os

estaffetas se alugavam seus pés quizesse appreciar, chulezinho um gosto, um ar, cavalheiros lhes pagavam.

Um cego que nem eu, nesse logar de exoticos tesões que não se travam seria, como Wilde, dos que "lavam" chulé de office-boy num lupanar.


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DISSONNETTO CURANDEIRO [0055] Bernardo Guimarães fez do elixir o symbolo da força do pagé e o povo deposita sua fé em philtros e poções pro pau subir. Alguns querem remedio p'ra dormir. Ja os pós vão desde o rapido rapé, polvilhos p'ra frieira e p'ra chulé, até os taes saes que fazem surdo ouvir. Não sou pagé, mas tenho meu poder: o dom do cego bom, que se degrada. Quem usa minha bocca p'ra foder desfructa dum prazer que não enfada. No pé quem quer tambem esse prazer e minha lingua applica, qual pomada, no meio dos artelhos, pode crer: Addeus mycose! (E goze uma mammada!)

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DISSONNETTO RADICAL [0056] Esportes radicaes teem toda a graça, embora haja quem facil não acceite. No surf é a onda appenas um enfeite p'ra dansa do surfista que a perpassa. Olhar a molecada numa praça é p'ra todo voyeur grande deleite: Ballé mais choreographico que o skate na mente dum podolatra nem passa. Fallo por mim, que cego estou mas penso, embora alguns me peçam que desista, no pé descalço e chato do surfista, no tennis do skatista, aquelle incenso! Lamber o pé do joven é conquista alem do meu desejo mais pretenso. Ainda assim, tal sonho não dispenso: Bastava-me ser delle o massagista.


CENTOPÉA: SONNETTOS NOJENTOS & QUEJANDOS

DISSONNETTO SOCRATICO [0057] Os gregos cultivavam sapiencia: Um joven tinha em seu educador alguem que dava o maximo valor aos fetidos signaes da adolescencia. Chupava o professor com paciencia o phallo do moleque, até suppor que é porra mel, urina até licor e esmegma o puro nectar da appetencia. Como era philosophico ser grego, com esses meninões poder brincar! Alli por certo houvera algum logar onde eu, embora cego, achasse emprego... Ja sei, minha funcção era sugar, sem nunca do dever pedir arrego, o que sobrou do joven no seu rego e seu chulé saber saborear.

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DISSONNETTO ESCULPTURAL [0058] Não ha, na geographia nem na historia, paiz mais adequado ao retifista que a Italia, cujo mappa salta à vista: a bota, em alto salto, pompa e gloria. Appenas p'ra refresco da memoria, foi la que a Cinderella deixou pista e, si alguem duvidava que ella exsista, em Roma está, granitica e marmorea. É o pé do monumento a em nobre e permanente estatua mutilada onde por si só, maior é do

Constantino, exposição, o dedão, que um felino.

Só vi o pé gigantesco por chartão postal, que recebi neste destino. Guardada a proporção, ja me imagino lambendo aquella sola como um cão!


CENTOPÉA: SONNETTOS NOJENTOS & QUEJANDOS

DISSONNETTO ROCKEIRO [0059] O rock'n'roll podolatra excancara! Um classico é, no genero, exemplar, dizendo "Você pode me jogar no chão e pisar bem na minha cara". Num outro, a vocalista ja que as botas foram feitas e qualquer dia desses vão por cyma de você todinho,

declara para andar passar cara!

Agora que estou cego, só me occupo curtindo som em meio a muita bronha, mellando o meu lençol, babando a fronha, sonhando ser o roadie de algum gruppo. Prefiro um gruppo punk, um que me ponha, ouvindo sua vaia, seu apupo, debaixo do cothurno, emquanto chupo na sola seus excarros de maconha.

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DISSONNETTO MASOCHISTA (II) [0060] Masoch é, travestido de Gregorio, quem tanto foi submisso à sua amada que a propria vida dá por empenhada no texto dum contracto de chartorio. Mas Wanda vae alem do que é notorio no dia em que resolve ser malvada e, em vez de lhe applicar a chibatada, delega a um outro amante o gesto inglorio. Appós ser açoitado pelo extranho, Gregorio, abbandonado pela Wanda, cansado dessa sova nada branda, conclue que a coisa está de bom tamanho. Gregorio agora é Glauco, e quem me manda é o sadico rapaz do qual appanho e, ja que seus pisões de graça ganho, lhe lambo a bota e faço propaganda.


CENTOPÉA: SONNETTOS NOJENTOS & QUEJANDOS

SONNETTO CARIOCA (I) [0061] O espirito de humor que ha la no Rio é coisa que me deixa fascinado. Até na violencia exsiste um lado grottesco e amavelmente doentio. Sequestradores sempre em pleno cio estupram gargalhando o sequestrado! No morro o futebol é improvisado e a bolla uma cabeça, a sangue frio! Morei no Rio, porem não tive a chance de ver in loco tanta diversão. Agora a scena excappa ao meu alcance. O que me dá a certeza de ser são é me suppor refem naquelle lance, chupando o pé que chuta e o pau gozão.

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DISSONNETTO JUVENIL [0062] Meninos são crueis, si poderosos. No Reich, a Juventude Hitlerista é sempre convidada p'ra que assista nos campos o exterminio dos edosos. Pol Pot e Mao tiveram soldados brincalhões, tortura collectiva, à São anjos. Quanto aos

fervorosos na jamais vista communista. presos, criminosos.

Nas ilhas Fidji, quem for pego entregue será, trazido preso como veiu, aos filhos dos guerreiros, no recreio, e o ritual da farra é o que se segue. E eu, sendo prisioneiro nesse meio, ainda que ter culpa qualquer negue, é certo que o feitor mirim me cegue, mas, ao lamber seu pé, sei que alegrei-o.


CENTOPÉA: SONNETTOS NOJENTOS & QUEJANDOS

DISSONNETTO CARCERARIO [0063] Bandido que vae preso está roubado. A lei do cão, que impera na favella, em canna na barrella se revela: cachorro por cachorro é violentado. Montado, admontoado que nem gado, alem da sella sente a lei da cella: Cão novo alli se torna uma cadella, chupando o pau mijado, o cu cagado. A superlotação requincta a scena e sempre cabe mais um fidaputa naquelle espaço hostil que se disputa: eu mesmo, o cego vil que se condemna. Alli vae peorar minha conducta, pois quero accumular paixão com pena, ser victima à mercê duma dezena, lambendo o pau que come e o pé que chuta.

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DISSONNETTO CALÇADO [0064] O tennis dum moleque de malloca differe do boyzinho só no preço. Um uso os torna eguaes até no advesso, onde o chulé se entranha e a sola toca. A cor do couro nunca mais se evoca debaixo do encardido véu espesso. O bicco traz a marca do tropeço e a lama é, no solado, uma passoca. Não posso mais olhar embevescido um branco de encardidos tons ja tincto porque estou sem visão, mas bem presinto taes tennis pelo olfacto e pelo ouvido. Um som characteristico e distincto dos passos dum menino ultra crescido e um cheiro a transportar minha libido da lingua ao pé, do tennis até o pincto.


CENTOPÉA: SONNETTOS NOJENTOS & QUEJANDOS

DISSONNETTO DESCALÇO [0065] O pé da mulher linda é tambem lindo. Assim deseja o macho que é tarado por pés, e ninguem vê nada de errado si a femea, ao descalçal-o, o está despindo. O pé do macho feio é mais bemvindo a quem é cego e está inferiorizado. Este é o meu caso: escandalo e peccado, segundo alguns; e os outros ficam rindo. O pé da mulher linda é addocicado devido ao tracto fino e ao mel do beijo, a tantos namorados dando ensejo. O pé do macho é fetido e salgado. Mas eu, conhescedor do melhor queijo, de lettra tiro o hilario e sujo lado e, em verso, concretizo o resultado: Sem pejo rhymo o pé com meu desejo.

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DISSONNETTO CIRCENSE [0066] Pigmenta no dos outros é refresco. É facil achar graça em mal alheio e nada mais propicio pro recreio que a dor do cego em seu negror dantesco. Meu caso é certamente mais grottesco, pois presto-me ao vexame sem receio: Humilho-me lambendo até pé feio, fedido, sujo, torto ou simiesco. Ridicularizar-me vem a grande diversão de immerso numa agonica emquanto eu, que não

a ser quem me vê deprê, vejo, dou prazer.

Um typo gozador como você, que só por enxergar tem mais poder, vae rir si seu sapato eu for lamber, tal como ri do verso que ora lê.


CENTOPÉA: SONNETTOS NOJENTOS & QUEJANDOS

DISSONNETTO PHILOSOPHICO (II) [0067] Não vejo, entre o sonnetto e o syllogismo, nenhuma differença de proposta: São ambos adequados a quem gosta de converter palavra em algarismo. Si dois mais dois são quattro, não sophismo quando os quartettos lanço, como apposta, à guisa de premissas, e a resposta resolvo nos tercettos, quando scismo. Agora, por exemplo, o raciocinio que em quattro quartettinhos fazer tento consiste em comparar o pensamento a um cego preso em campo de exterminio. Sem chance de livrar-me do tormento, o logico é atolar-me no declinio. Ao menos nisso tenho tirocinio, baixando a lingua até o pé mais nojento.

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DISSONNETTO EXSISTENCIALISTA [0068] Foi Sartre quem chamou Genet de sancto por ter vivido à margem do martyrio. Em obra plena de aspero delirio o sancto dá ao bandido novo encanto. Um livro seu causou-me um gozo e tanto: "Milagre", onde uma rosa é, como um lirio, pretexto p'ra fallar de outro collyrio, gurys de pés descalços (nus, portanto). Menores são escravos do marmanjo, de quem lavam os pés e lambem ranho. Depois de pensar nisso, mais me assanho. Não sou nenhum pivete, mas me arranjo: Supponho um meninão do meu tamanho e vejo, mesmo cego, nelle um anjo. Exhibo-lhe meus dotes, verve exbanjo. De lingua em seu pezão vou dando um banho.


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DISSONNETTO ARCHITECTONICO [0069] Na decada de 20, a Paulicéa só tinha predio baixo ou casarão. Até que um visionario, o tal barão, de erguer o arranhacéu foi tendo a idéa. O predio Martinelli era, à européa, no topo uma mansarda e, desde o chão, sommava uns trinta andares de amplidão: São Paulo é Nova York, outra colméa! Olhei o panorama la de cyma. Vi ruas, casas, casos, muita gente. Me vi kosmopolita e descendente. Fiquei fan do edificio, uma obra-prima. Mas fui perdendo a vista e, de repente, achei-me no porão, sem luz nem rhyma, palhaço que, frustrado, desanima aos pés do transeunte indifferente.

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DISSONNETTO TEUTONICO [0070] Até Goethe revela-se exquisito, pedindo à sua amada Christiana sapatos que ella usara uma semana: Dormir a sós com elles é seu ficto. No "Joven Törless" Musil mostra o rito no qual fazem Basini de banana: O alumno imita porco e deve grana, aos pés dum veterano mais bonito. Litteratura basta a um allemão que gosta de exhibir o seu sadismo? Duvido. Si versejo, não sophismo. Os concentracionarios bem dirão. O pé germanico é, como o racismo, synonymo de força, de oppressão. Embora dos judeus me julgue irmão, meu fracco é imaginal-o com lyrismo.


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DISSONNETTO NORDESTINO [0071] Caba da peste, aquillo roxo, oxente, Vixe, arrectado, vôte, macaxêra, baião de dois, olê mulé rendêra, nêga fulô, forró, secca, sol quente. Nordeste é cor, sabor, cheiro de gente, um universo inteiro numa feira, um cego cantador, um Zé Limeira, Antonio Conselheiro, axé, repente. Cabeça-chata ou pau-de-arara é o motte, assim como os nascidos na Bahia, que o Sul applica quando os deprecia. Mas eu prefiro a sola chata, o xote, o cangaceiro quando xaxa! Um dia vou ser capacho delles num magote, lambendo uma "apragata" que me enxote, só p'ra sentir o que é supremacia!

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DISSONNETTO ESCATOLOGICO [0072] "Cagando estava a dama mais formosa..." Assim fallou Bocage num sonnetto egual a tantos outros que commetto sobre a reputação que a merda goza. A critica a compara à rara rosa si obrada na miseria dalgum ghetto. Politicos proferem-na: "Eu prometto..." e a midia a thematiza em verso e prosa. É tanto incompetente appadrinhado fazendo merda e sendo promovido que, quando comecei o apprendizado, pensei: "Que seja proprio o seu sentido, porque ja me ennojei do figurado!" E então fui rei da merda com que aggrido estheticos padrões e resultado consigo si ser lyrico decido.


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DISSONNETTO OBSESSIVO [0073] O gosto pelo pé ficou mais forte depois que as trevas foram preenchendo o fundo do meu olho, neste horrendo martyrio, mais agonico que a morte. Agora nem desejo a mesma sorte, que alguns outros mortaes proseguem tendo, de conviver a dois, e só me entendo servindo a qualquer sola de supporte. Só penso nisso, em sonho ou accordado. Preciso disso: achar compensação. Masturbo-me na timida illusão de admanhescer debaixo dum solado. Aquelle que em meu rosto dá o pisão e curte, divertido, o meu estado é sempre um typo malaccostumado e nunca a projecção duma paixão.

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DISSONNETTO OBCECADO [0074] Virtude e vicio são a mesma bosta: exigem integral dedicação. No entanto, um nunca é visto como são, ao passo que da outra a gente gosta. Si alguem jamais desiste e tudo arrosta, dizemos que tem... determinação. O mesmo não se diz dum beberrão ou quando um perdulario augmenta a apposta. É muita hypocrisia pro meu gosto! Me ennoja tanta pose de candura! Por mais que queira, um cego não se cura, mas seu character fica sempre exposto. Me chamem de turrão, cabeça-dura, mas degradante entendo ser meu posto, pois teimo em ter um pé sobre meu rosto, e foda-se esse povo que murmura!


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DISSONNETTO EPHEMERO [0075] Meninos, eu vi tudo que queria com olhos que essa terra ha de comer. Vi pés de todo typo, até perder de vista o que me dava essa alegria. Ja cego, minha lingua suja lia em Braille a sola aonde ia lamber; A mesma terra alli vim a comer emquanto a molecada toda ria. Si somos pó e ao pó retornaremos, andei meio caminho ja na vida. É pó todo o planeta! Quem duvida? Até o kosmo é poeira, hoje sabemos. No tennis dum garoto uma lambida é mais que tudo aquillo que ja lemos nos codigos mais cultos, mais supremos, lembrança que jamais será exquescida.

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DISSONNETTO PERPETUO [0076] Me sinto, emquanto cego, condemnado à pena de prisão domiciliar e cada qual que vem me visitar é mais um carcereiro a ser chupado. Invejo um fuzilado, um enforcado, pesando que terão menor azar. Até ser fellador num lupanar prefiro, mesmo não remunerado. Aqui não tenho excolha: é solidão total, meditação, diaria prece, ou rolla do primeiro que apparesce, chupada sem lavar, sem restricção. O gosto em minha bocca permanesce. Sabores outros perdem-se; esse, não. Do tempo ja perdi toda a noção. Nem sei si é noite escura ou si admanhesce.


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DISSONNETTO LUNATICO [0077] Os loucos são antennas do planeta. São elles que lideram multidões, reformam e inauguram religiões, transformam em verdade qualquer peta. Alguns, porem, jogados na sargeta, confundem-se com meros beberrões; Às vezes descarregam seus colhões e causam sensação numa punheta. Talvez eu seja um delles neste caso, pois gozo do destino, da má sorte, e faço da cegueira passaporte que dá vazão ao meu fetiche raso: O pé dum marmanjão, que Objecto de desprezo, de banido dos encomios, me que nenhum manicomio me

feda forte. descaso, comprazo comporte.

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DISSONNETTO SIMULADO [0078] Poeta é fingidor, disse Pessoa, simula mesmo a dor que está sentindo. Desconfiemos, pois, do que é provindo dum cego, si é insensato o que appregoa. Por mais que elle exaggere a dor que doa, reajam com desdem e leiam rindo; Por mais que o purgatorio seja infindo, respondam que seu caso é coisa à toa. É assim que um cego deve ser tractado: sem credibilidade, sem piedade. Practiquem tudo quanto lhes aggrade! Extendam-no no piso, manietado! Obriguem-no ao rastejo, como Sade procedam! Não o chamem de coitado! Si a diversão não for de inteiro aggrado, vae ver que não é cego de verdade!


CENTOPÉA: SONNETTOS NOJENTOS & QUEJANDOS

DISSONNETTO SCEPTICO [0079] Não creia em tudo aquillo que está lendo. Duvide até da propria assignatura. Não cante sem reler a partitura. Recuse poesia com remendo. Si um cego diz ser seu calvario horrendo, colloque mais pigmenta, que elle attura. Si ser um masochista é o que elle jura, no maximo masturba-se escrevendo. Cantando expalharei por toda parte, à parte o que Camões perdeu no mar, mas sei que poucos vão accreditar que sou Attila, Nero ou Bonaparte. Va la, não sou guru nem superstar. Não tento ser pornographo com arte. Na duvida, porem, nunca descharte que onde ha fumaça o fogo pode estar.

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DISSONNETTO PARNASIANO [0080] As pombas la se foram, expantadas por um tropel de vandalos do verso E mesmo esse escarcéu quedou disperso depois de tantas decadas passadas. Parnaso paresceu conto de fadas. O tempo, inexoravel e perverso, expoz toda a pieguice do universo de estrellas, vias lacteas e jornadas. Sobrou "Inania verba", monumento ao mourejar herculeo do poeta que idéas e palavras interpreta. Por tel-o escripto, só, ja me contento! Mas não é meu. Prosigo nesta meta de, aos poucos, completar meu proprio cento. Farei essa centena? Ao menos, tento. Versando sobre o pé, poso de estheta.


CENTOPÉA: SONNETTOS NOJENTOS & QUEJANDOS

DISSONNETTO SYMBOLISTA [0081] Na belle époque, um toque de moderno: O grammophone ja tocava estereo. O telephone é moda desde o Imperio e o panno era synthetico no terno. Mas eis que o symbolismo vive o hinverno: resolve utilizar jargão funereo, repleto de torpor, num clima ethereo, completamente alheio ao mundo externo. Me sinto um symbolista deslocado, cercado de total modernidade, vivendo em futuristica cidade mas cultivando um vinculo ao passado. É que estou cego, e soffro de saudade do tempo em que enxergava, num Estado monarchico onde, livre, era pisado por um pagem de Sua Magestade.

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DISSONNETTO IMPRESSIONISTA [0082] O prisma mais pictorico da vida é dado pela luminosidade. Fui falto della desde tenra edade, até ter plena ausencia colorida. Em ultima nuance percebida revi fora de foco a mocidade. Attinjo hoje a total tonalidade do negro, cor que a sombra convalida. Relembro, em reflexões, raios solares entrando pelo meu appartamento e cores vislumbrar ainda tento em vagas sensações de outros logares. Mas chega. Quero atter o pensamento, sem outras impressões particulares, ao aspero sabor dos calcanhares que lambo, até limpar seu tom cinzento.


CENTOPÉA: SONNETTOS NOJENTOS & QUEJANDOS

SONNETTO EXPRESSIONISTA [0083] Visões duma pathetica epopéa: metropoles, vampiros, gabinetes, até que teutos, titeres, cadetes invadam e massacrem a platéa. Figuras se distorcem qual geléa: Quixotes com formato de ginetes. A voz desarticula em cacoethes: lacraia, escolopendra, centopéa. A fauna repellente e assustadora povoa o pesadello do vidente tal como si real imagem fora. No caso deste cego, é simplesmente roptina duma noite promissora appós um dia aos pés de toda gente.

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SONNETTO BIBLICO (II) [0084] No Livro, que thesouro está no Antigo! As citações podolatras são joia: Josué sobre um pescoço o pé lhe appoia e, em Psalmos, o escabello é o inimigo. O livro de Isaias diz, commigo: "Os reis serão teus aios", na tramoia divina (Que "divina", uma pinoia!); "O pó dos teus pés lambem..." (Que castigo!) Ja Jeremias veda o pé descalço. Um Exodo, ao contrario, recommenda que, em terra sancta, não se pise em falso. Alli, só sem sandalia, reza a lenda. De toda essa exegese, pois, realço: Que minha lingua sirva de offerenda!


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DISSONNETTO JUDAICO (II) [0085] Em Ruth expressa está a podolatria num acto de commercio entre os judeus. O socio entrega ao outro um pé dos seus calçados, em signal de garantia. A propria Ruth, a serva humilha-se ao seu homem Estando elle nos braços deitava-se aos seus pés

crente e pia, como a Deus. de Morpheus, e alli os lambia.

Si tal costume aqui estivesse em voga, hebreu eu quereria ser tambem e só negociaria com alguem que frequentasse a minha synagoga. Mas isto aqui não é Jerusalem nem com leis ancestraes a gente joga, e o cego, que é podolatra, a Deus roga o pé dum brazileiro, mesmo. Amen.

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DISSONNETTO GOLIARDO [0086] Tavernas medievaes presenciaram a verve de estudantes depravados, nos "Carmina Burana" musicados, que o campo dos "maldictos" ja preparam. Villon foi pioneiro dos que encaram a vida pelos mais mundanos lados. Bandido violento, seus peccados o sonho dos tarados inspiraram. Viver naquelle tempo não é molle! Appuro passa aquella molecada! Na Edade que "das Trevas" é chamada impunha a Inquisição total controle. Agora, e tudo Villon mas eu

que ninguem prohibe nada, todo mundo faz e engole, disseminou profusa prole, vivo nas trevas... Que cagada!


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SONNETTO TEMPLARIO [0087] Do Christo é Pobre, mas vive no luxo. Combatte em campo contra o sarraceno. Fechado em coppas, faz retiro pleno. Banqueiro, cavalleiro, monge ou bruxo? Não tem aquelle jeito de gorducho. Não passa a noite em claro no sereno, nem fica preparando seu veneno como si fosse um ultimo cartucho. Não sou banqueiro, nem guerreiro ou frade, porem sou bruxo dentro do meu templo e pouco ha neste tempo que me aggrade. Sou torturado, e sirvo como exemplo de como um cego vota castidade: chupando um pé, que appalpo, e não contemplo.

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DISSONNETTO ELITISTA [0088] Poetas teem mania de grandeza. Se julgam portadores do intellecto. Quem não lhes puxa o sacco é analphabeto. Zarolhos reis da lingua portugueza! Parescem patrulheiros da nobreza, zelosos de seu vão poder de veto. Mas eu, maldictamente, sou correcto e faço uma limpeza na limpeza. A sophisticação que va pros quinctos! Não é tanto purismo o que eu exalto! Estou farto de todo esse salto alto e appello pelos mais baixos instinctos! Que digam que de bom gosto sou falto! Expulsem-me dos classicos recinctos! Prefiro lamber botas, pés e pinctos, e nem siquer nas unhas eu me esmalto!


CENTOPÉA: SONNETTOS NOJENTOS & QUEJANDOS

SONNETTO UFFANISTA [0089] Asiaticos se orgulham do Himalaya. Os yankees, das sequoyas e do predio. Pyramide é xodó no Oriente Medio. Cariocas se envaidescem da sua praia. No Mexico a pyramide é do maya. Ver gondola em Veneza até dá tedio. Politico e juiz, não tem remedio, em qualquer parte adoram levar vaia. O cego, a quem não cabe se gabar, tem de engolir o orgulho, goela abbaixo. De si nem de sua terra vae fallar. É nessa posição que hoje me encaixo: Só vou poder me honrar do meu logar emquanto duma sola estou debaixo.

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DISSONNETTO MAGICO [0090] Os bruxos, como eu, soffrem, e bastante, pois o onus do esoterico é um estigma, assim como o poeta é preso à rhyma e o peregrino tem destino errante. Compendios pegam pó na minha estante. Papyros emboloram logo accyma. Caminhos, de Sodoma a Hiroshima, esperam pelo pé do caminhante. Mas ja não posso ver tanto mysterio. Meus olhos se appagaram duma vez, punidos pela sadica torquez. O mago agora é cego, triste e serio. Um unico lazer será, talvez, abrir a cella deste monasterio ao mundo futil, torpe e deleterio para lamber o pé de um de vocês.


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DISSONNETTO UBIQUO [0091] Não é só Deus que está por toda parte. Poetas teem o dom da ubiquidade. Escrevem sobre o campo na cidade e cantam tanto a Terra quanto Marte. Turistas telepathas, em qual arte iriam se expressar com liberdade? Só mesmo a poesia, na verdade, invoca Deus e diz: "Posso egualar-te!". É muita pretensão, reconhesçamos. Um cego, preso estando na masmorra, ainda que com classicos concorra, querer chegar aonde nunca vamos! Talvez. Mas vi Sodoma, vi Gomorrha, passei por onde nunca nós passamos. Estive sob o pé de muitos amos e mais visitarei, antes que morra.

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DISSONNETTO AMBIGUO [0092] Quem quer exactidão não é poeta. Poetas teem o dom da ambiguidade. A imagem pode ser falsa ou verdade, depende só de como se interpreta. É linha o mathematico, uma recta. Philosophos duvidam da unidade. Catholicos teem fé numa Trindade. Mas o poeta nunca se completa. Quer no "duplipensar" do auctor inglez, quer seja o "VIVA VAIA" do concreto, um bardo faz joguete em seu projecto ou triplo trocadilho, a dois por trez. Palavra de poeta não tem tecto, tem piso, onde rasteja este freguez do verso com pé metrico, por vez do pé perverso, o verso predilecto.


CENTOPÉA: SONNETTOS NOJENTOS & QUEJANDOS

DISSONNETTO CONSENSUAL [0093] O sadomasochismo é só chimera. O verdadeiro sadico é carrasco, diverte-se causando dor ou asco, comtanto que não seja o que o outro espera. Masoca p'ra valer não delibera, attira-se sem medo do penhasco, attura pisoteio até dum casco e, numa arena, nunca excolhe a fera. Querer que se completem é besteira, pois o prazer do escravo frustra o dono, que bonus não dará, tampouco abbono, e um gajo só tortura quem não queira. O jeito é o fingimento, e finjo somno, depois duma punheta prazenteira, sabendo que o demonio da cegueira causar me vem insomnias e abbandono.

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DISSONNETTO GOTHICO [0094] Em sonhos, como piccos nevoentos, elevam-se cinzentas cathedraes cortadas pelos arcos ogivaes que dão leveza aos petreos monumentos. Na vastidão da noite, uivantes ventos varrendo vão varar vãos verticaes. Porem, na transparencia dos vitraes, rebrilha uma rosacea de fragmentos. Convergem linhas rectas para um poncto agudo, accyma duma torre alçado, capaz de empalar, rapido, um veado. Em meio ao pesadello, accordo, tonto. Agora estou na crypta, aggrilhoado. Prevendo que me empalem, me admedronto, lambendo o pé dum gargula, num conto de auctor medieval attormentado.


CENTOPÉA: SONNETTOS NOJENTOS & QUEJANDOS

DISSONNETTO DEMAGOGICO [0095] O povo quer é grude e diversão. Caudilhos são biscoitos de polvilho. Papae passa o mandato para o filho e a massa passa à base de agua e pão. Mamãe põe no domingo o maccarrão. A filha do engenheiro expalha o brilho. A esquerda quer da polvora o rastilho e a puta faz da foda o ramerrão. A patria tem governo, que meresce, accyma até dos berros dos plebeus e o voto do eleitor é a voz de Deus, que, por signal, não ouve a nossa prece. Na salla dos ex-votos, boto os meus: dois olhos, onde tudo ja escuresce, sem chance de que, em sonho, eu estivesse debaixo de milhões de pés atheus.

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DISSONNETTO PEDAGOGICO [0096] A patta do elephante exmaga e macta. Os pés do porcalhão nunca são sãos. Macaco não tem pés, tem quattro mãos. Nojenta é uma perninha de baratta. Quem gosta de pisão de gatto é gatta. O ratto deixa pista pelos vãos. Cavallo trota ou não, conforme os chãos. A phoca tem pé chato; o pato empatta. Zoologo que estuda a centopéa conclue que a natureza não dá salto. Com minha obrigação moral não falto: no circo das cobayas faço a estréa. Rastejo pelo chão e, bem la do alto, debaixo das risadas da platéa, o domador me faz bilu-tetéa, calcando o meu focinho com seu salto.


CENTOPÉA: SONNETTOS NOJENTOS & QUEJANDOS

DISSONNETTO HIERARCHICO [0097] A deusa tem o pé formoso e claro. Seu subdito usa bota cara e fina. O faxineiro delle usa botina. Sou servo, sim, deste ultimo, e declaro: Conhesço suas meias pelo faro. Seu pau tresanda a sebo, porra e urina. O cu fede o normal, você imagina. É um gajo sem nenhum aroma raro. Abbaixo do nariz vem o que toca a sua sola: minha bocca, né? Accyma do meu rosto está seu pé. Respeito-lhe a preguiça dorminhoca. Limito-me a babar no seu chulé, emquanto o seu dedão elle colloca la dentro. Vae querer mais cuspe, em troca. Sou cego, meu logar ja sei qual é.

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DISSONNETTO SACERDOTAL [0098] Bocage e um mixto Desprezo e inveja

Sade tinham pelo de desprezo e de pelo mal que nos à perversão, que

clero despeito. tem feito batte Nero.

Porem, aqui deixar bem claro quero que contra a fé não nutro preconceito. Ja sobre o sacerdocio, não tem jeito, tambem dedico a elle odio sincero. Mas todos somos como frei Thomaz, a propria encarnação da falsidade. Passar sem fingimentos? Hem? Quem ha de? Finjamos não fazermos o que faz! Assim sou eu, tal qual Bocage ou Sade: Embora não adore Satanaz, encaro as religiões de pé attraz, mas lambo, si puder, o pé dum frade.


CENTOPÉA: SONNETTOS NOJENTOS & QUEJANDOS

SONNETTO SAPPHICO [0099] Paresce incrivel que o fazer poetico esteja preso a regras tão formaes! Alexandrino e heroico são normaes, mas este sapphico é bem mais hermetico. Talvez por ter um nome meio heretico, algum poeta não o faz jamais. Dizem que ha rhythmos mais subtis, mas quaes? Pensando bem, o sapphico é antiesthetico! O heroico sim, é que é fluente e puro! Por isso só versejo nesse pé, que deixa o sonnettista mais seguro. E por fallar em pé, conservo a fé de que o leitor saphado que procuro me dê a escandir dez dedos de chulé!

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DISSONNETTO PROHIBIDO [0100] Tabus são mui communs em todo o mundo. Na China não se pode ter irmão. Em Cuba, ser de esquerda é obrigação e, nos Esteites, nada está em segundo. Não deve um escriptor ser tão profundo a poncto de occultar toda a intenção. Nem é-lhe permittido o palavrão, a fim de não ferir o pudibundo. Em summa, si correr o bicho pega, si fica o bicho come, não tem jeito. Em cama que não faço não me deito, mas cego que é poeta não se entrega! Si não exsiste fama sem proveito, ja basta o que a cegueira me sonega! Não querem que eu libere a lyra cega, mas, chulo, não me impedem de ter peito!


CENTOPÉA: SONNETTOS NOJENTOS & QUEJANDOS

DISSONNETTO LICENCIOSO [0101] Poetas teem licença p'ra mudar até certos preceitos de grammatica. Alteram nomes, factos, pondo em practica um proprio e omnipotente linguajar. Liberação assim vem compensar limitações de molde e de thematica. Porem a liberdade democratica não passa do direito de pensar. Agora, o que me intriga é a incoherencia daquelles que defendem o poeta do cynico censor que a voz lhe veta mas negam-lhe o prazer da preferencia. Condemnam minha tara predilecta, a cega devoção ao pé, na ausencia de musas mais eroticas, tendencia poupada si for "hétero" e discreta.

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DISSONNETTO BOCAGEANO [0102] Bocage me commove em dois momentos: No seu autoretracto, quando falla de pés ser bem dotado, o que arregala meus olhos de podolatra, olhos bentos, pois, num de seus rompantes rabugentos, o rei da putaria nos propala que addeus vae dando à puta e, ao dispensal-a, excolhe um cu mais proprio aos seus intentos: É o sesso dum garoto que elle enraba, sem pejo, demonstrando ter proveito, e assim sobe um ponctinho em meu conceito. Mas essa empolgação logo se accaba. O Mestre nada alem diz a respeito nem dessas adventuras mais se gaba, e eu fico aqui, gastando a minha baba, lambendo o pé de anonymo subjeito.


CENTOPÉA: SONNETTOS NOJENTOS & QUEJANDOS

DISSONNETTO PRAGMATICO [0103] O cego é prestativo p'ra caralho! Tem muita habilidade manual; Tem sensibilidade sem egual na lingua, e se concentra no trabalho. Supporta humilhação, abuso e malho; Sem nojo, limpa até resto fecal; Practica acto mais sordido e animal que a puta mais rampeira do serralho. Usal-o é mactar logo dois coelhos de uma só cajadada, poppa e proa, às custas de indefesa, vil pessoa: o gajo olha outro gajo de joelhos! Percebe o quanto é bom ter vista boa! Comsigo diz: "Usar nem quero uns relhos!" Desfructa da lambuja nos artelhos, solta uma gargalhada, e a porra voa!

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DISSONNETTO NATURALISTA [0104] Mirbeau bolla um jardim mirabolante: Alli os suppliciados são mantidos à vista do turista, e seus gemidos se egualam aos dum passaro que cante. Na China fica o bosque verdejante. A fina dama exhibe os seus vestidos emquanto os prisioneiros nus são ridos e goza o algoz seu jugo agonizante. Tortura e ecologia fazem par e o sangue tinge o verde como a flor. Quem mais real scenario vae suppor? Sadismo é la tal qual peixe no mar. Aqui, quem vê se faz torturador se pondo dum algoz tal no logar, gozando o que não posso appreciar, pisando a dor do cego com humor.


CENTOPÉA: SONNETTOS NOJENTOS & QUEJANDOS

SONNETTO SADICO (II) [0105] Nos "120 dias de Sodoma" o Mestre prioriza a merda pura, que consta do menu como mixtura e sempre ha no banquete quem a coma. A merda é nausea em cor, sabor, aroma. Comel-a é só um requincte de tortura que põe papas e reis de picca dura emquanto o povo a prova em França ou Roma. Na epocha, o Brazil, colonizado, pagava a Portugal todo seu ouro e, em troca, o Alferes era exquartejado. No seculo actual, quem lambe o couro é o cego, num sapato ja mijado e sujo até de lettras do thesouro.

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114 GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO DISCOGRAPHICO [0106] Cantou Carmen Miranda sobre um cão que lambe os pés de toda a malandragem. No nosso cancioneiro sobra imagem em torno desse grau de humilhação. Martinho joga a femea la no chão, aos pés do battuqueiro, um personagem machista qual rockeiro de garagem, onde ella chupa sem reclamação. A referencia ao pé tem precursor: Na marchinha "Pé de anjo" ha um bem grahudo, a cuja proporção tambem alludo, capaz de até pisar no imperador. Não sou especialista, mas estudo um jeito especial de ser cantor em rhythmo que prazer causa ao leitor: Na lingua um pé me põe a cantar mudo.


CENTOPÉA: SONNETTOS NOJENTOS & QUEJANDOS

SONNETTO PROVERBIAL [0107] Ladrão que faz um cesto faz um cento. Cesteiro tem cem annos de perdão. Vergonha é não poder lavar a mão depois de carregar ouro sangrento. Ja fiz noventa e nove, do nojento ao limpido e sublime palavrão e a tradição oral, contradicção, é o thema que me vem neste momento. Ninguem discute gosto e cor, mas tudo é contra o cego em termos de dictado: "...que não quer ver", "...um olho é rei". Comtudo, si tem quem goste de olho remellado, eu, que não vejo, dou-me por sortudo lambendo artelho nunca lambuzado.

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116 GLAUCO MATTOSO

SONNETTO SOMNOLENTO [0108] Camões pediu arrego à sua musa como quem ja deu dez e não aguenta. O mesmo aqui peço eu, appós noventa e nove, bem aquem da lyra lusa. Suppuz ter respondido a quem me accusa de chafurdar na tara mais nojenta. Mostrei que meu amor ao pé se assenta no chão da mente humana, que é confusa. Demonios são a musa duma insomnia sem dó que me persegue na cegueira e o sonho é só uma puta babylonia. Mas resta-me uma nova companheira: a Morte, que é total, sem parcimonia, e dá o que o somno nega a vida inteira.


CENTOPÉA: SONNETTOS NOJENTOS & QUEJANDOS

[NOTAS] [0001] Versão dissonnettizada (1999) do seguinte poema da phase visual: DULCE SALGADO DE AZEVEDO CAMARGO (1975) "Cagando estava a dama mais formosa..." (Bocage) airosa, maneirosa, delicada Dulce, vestida de vestal no campo de tulipas, a suspirar descreve um gesto espiralado e arranca da platéa applausos calorosos. o ethereo gaz que faz com que seu peito pulse emana forte de sanguinolentas tripas: é o repellente odor de sangue coagulado, que à donzella sabe a meis appetitosos. airosa, maneirosa, delicada Dulce, a memoria paira do opiparo acepipe nas lisas pupillas e nas lindas papillas, casta, constipada, crispada no bispote. com que nojo as fezes expulsa do seu ventre! com que entojo às vezes exspira doces ventos! com que pejo as vestes a cobrem dos spots! que despejo deixa no bojo do bispote! [0003] Versão dissonnettizada (1999) do seguinte poema da phase visual:

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118 GLAUCO MATTOSO QUEM DIABO É DEUS? (1977) deus não é a antimateria deus não é o antichristo deus não é o chaos deus não é o kosmo não é um campo magnetico não é um corpo magnifico não é a voz do povo não é a paz do papa deus não é um sapo horrendo do lodo do brejo nojento nem o excremento fedorento mas podia ser si não fosse aquelle garoto que me deflora a bocca e me degusta a sola quando trepa commigo [0004] Versão dissonnettizada (1999) do seguinte poema da phase visual: ROMEU E EU (1977) (conto dialectico e, ipso facto, poema romantico) Eu quero brincar com você. Papae não deixa. O Director prohibe. A Esquerda se oppõe.


CENTOPÉA: SONNETTOS NOJENTOS & QUEJANDOS Você me chama e eu morro de vontade. Papae me admeaça. O Director me intima. A Esquerda me atterroriza. Saio escondido, procuro por você, mas elles me acham. Papae me batte. O Director me põe de castigo. A Esquerda attempta contra mim. Fico esperando, você me procura, nos encontramos no escuro, nos pegam em flagrante. Papae me expulsa. O Director me interna. A Esquerda me sequestra. Excappo e sobrevivo, mas você não está livre. É filho de seu Papae. Disciplinado ao seu Director. Proselyto da sua Esquerda. Vivo solitario, você prisioneiro, e não podemos brincar. Castram nossa infancia porque você é egual a mim, sua vontade egual à minha, mas nos fazem differentes.

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120 GLAUCO MATTOSO [0005] Versão dissonnettizada (1999) do seguinte poema da phase visual: CURRICULO LYRICO (1977) Nasceu no penultimo dia do primeiro semestre do primeiro anno da segunda metade do ultimo seculo do segundo millennio. Suicida afficcionado, bisexual bissexto, politico apocalyptico, critico citrico, poeta punheta, contista conteste, concreto discreto, processo possesso e vanguardista passadomasochista. Venceu todos os concursos litterarios de que não participou: em nenhum delles foi desclassificado. É o unico escriptor mediocre do paiz: os demais se dividem em genios injustiçados e genios reconhescidos. Acha que idéa não tem proprietario, mas usuario. Por isso sobrevive como bibliothecario e não de direito auctoral. Não escreveu: "Apprenda sozinho a fallar em publico", "O occultismo ao alcance de todos"


CENTOPÉA: SONNETTOS NOJENTOS & QUEJANDOS e "Como evitar uma cacophonia". Não collaborou no DIARIO OFFICIAL da União nem no BOLLETIM SYNDICAL do Povo Unido. É candidato vitalicio a uma vaga na Sociedade dos Poetas Nem Mortas. [0006] Versão dissonnettizada (1999) do seguinte poema da phase visual: MANIFESTO COPROPHAGICO (1977) "Mierda que te quiero mierda" (García LOCA) a merda na latrina daquelle bar da exquina tem cheiro de batina de botina de roptina de officina gazolina sabbatina e serpentina bosta com vitamina cocô com cocaina merda de mordomia de propina de hemorrhoida e purpurina merda de gente fina da rua francisca michelina da villa leopoldina de therezina de sancta catharina e da argentina

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122 GLAUCO MATTOSO merda communitaria kosmopolita e clandestina merda metrica palindromica alexandrina ó merda com teu mar de urina com teu céu de fedentina tu és meu continente terra fecunda onde germina minha independencia minha indisciplina és advessa foste cagada da vagina da america latina [0007] Versão dissonnettizada (1999) do seguinte poema da phase visual: ROCK CONCERT PART TWO (1977) O cara incendeia a guitarra extraçalha a paraphernalia sapateia nas cobras arregala os oculos engole o microphone e toca punheta ao vivo. Depois vira caveira desapparesce fica careca careta malencarado mascarado o caralho. E deixa os meninos desamparados entregues à sanha das groupies na cozinha que são feias como a necessidade e dos managers no escriptorio que são podres de ricos.


CENTOPÉA: SONNETTOS NOJENTOS & QUEJANDOS [0019] Allusivo ao seguinte sonnetto de Manuel Bandeira: AD INSTAR DELPHINI Teus pés são voluptuosos: é por isso Que andas com tanta graça, ó Cassiopéa! De onde te vem tal chamma e tal feitiço, Que dás idéa ao corpo, e corpo à idéa? Camões, valei-me! Adamastor, Magriço Dae-me força, e tu, Venus Cytheréa, Essa doçura, esse immortal derriço... Quero tambem compor minha epopéa! Não cantarei Hellena e a antiga Troia, Nem as Missões e a nacional Lindoya, Nem Deus, nem Diacho! Quero, oh por quem és, Flor ou mulher, chave do meu destino, Quero cantar, como cantou Delphino, As duas curvas de dois brancos pés! [0072] Allusivo ao seguinte sonnetto attribuido a Bocage: SONNETTO DA DAMA CAGANDO Cagando estava a dama mais formosa, E nunca se viu cu de tanta alvura; Porem o ver cagar a formosura Mette nojo à vontade mais gulosa!

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124 GLAUCO MATTOSO Ella a massa expulsou fedentinosa Com algum custo, porque estava dura; Uma charta d'amor de allimpadura Serviu àquella parte malcheirosa: Ora mandem à moça mais bonita Um escripto d'amor que lisonjeiro Affectos move, corações incita: Para o ir ver servir de reposteiro À porta, onde o fedor, e a trampa habita, Do sombrio palacio do alcatreiro! [0080] Allusivo aos seguintes sonnettos, respectivamente de Raymundo Correa e Olavo Bilac: AS POMBAS Vae-se a primeira pomba despertada... Vae-se outra mais... mais outra... emfim dezenas De pombas vão-se dos pombaes, appenas Raia sanguinea e fresca a madrugada... E à tarde, quando a rigida nortada Sopra, aos pombaes de novo ellas, serenas, Rufflando as asas, saccudindo as pennas, Voltam todas em bando e em revoada... Tambem dos corações onde abbotoam, Os sonhos, um por um, celeres voam, Como voam as pombas dos pombaes; No azul da adolescencia as asas soltam, Fogem... Mas aos pombaes as pombas voltam, E elles aos corações não voltam mais...


CENTOPÉA: SONNETTOS NOJENTOS & QUEJANDOS INANIA VERBA Ah! quem ha-de exprimir, alma impotente e escrava, O que a boca não diz, o que a mão não escreve? -- Ardes, sangras, pregada à tua cruz, e, em breve, Olhas, desfeito em lodo, o que te deslumbrava... O Pensamento ferve, e é um turbilhão de lava: A Forma, fria e espessa, é um sepulchro de neve... E a Palavra pesada abbafa a Idéa leve, Que, perfume e clarão, refulgia e voava. Quem o molde achará para a expressão de tudo? Ai! quem ha-de dizer as anxias infinitas Do sonho? e o céu que foge à mão que se levanta? E a ira muda? e o asco mudo? e o desespero mudo? E as palavras de fé que nunca foram dictas? E as confissões de amor que morrem na garganta?! [0102] Allusivo aos seguintes sonnettos de Bocage: SONNETTO DO AUTORETRACTO Magro, de olhos azues, carão moreno, Bem servido de pés, meão na altura, Triste de facha, o mesmo de figura, Nariz alto no meio, e não pequeno. Incapaz de assistir num só terreno, Mais propenso ao furor do que à ternura, Bebendo em niveas mãos por taça escura De zelos infernaes lethal veneno.

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126 GLAUCO MATTOSO Devoto incensador de mil deidades, (Digo de moças mil) num só momento Inimigo de hypocritas, e frades. Eis Bocage, em quem luz algum talento: Sahiram delle mesmo estas verdades Num dia, em que se achou cagando ao vento. SONNETTO DO ADDEUS ÀS PUTAS Que eu não possa adjunctar como o Quintella É coisa que me afflige o pensamento; Desinquieta a porra quer sustento, E a pivia tracta ja de bagatella. Si n'outro tempo houve alguma bella Que o amor só desse o conno pennugento, Isso foi, já não é; que o mais sebento Cagaçal quer durazia caravella. Perdem sahude, bolsa, e economia; Nunca mais me verão meu membro ropto; Está ahi mi'a porral philosophia. Putas, addeus! Não sou vosso devoto; Co'um sesso engannarei a phantasia, Numa escada enrabando um bom garoto.


CENTOPÉA: SONNETTOS NOJENTOS & QUEJANDOS

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A DOR ESTRATEGICA EM DELEUZE E MATTOSO

por Steven F. Butterman (*)

[Steven Fred Butterman era então professor assistente na cadeira de portuguez da Universidade de Miami. O presente artigo é uma tradução adaptada e parcial do quincto capitulo de sua these de doutorado pela Universidade de Wisconsin, intitulada BRAZILIAN LITERATURE OF TRANSGRESSION AND POSTMODERN ANTI-AESTHETICS IN GLAUCO MATTOSO, defendida em 2000. O texto em portuguez é de Akira Nishimura, 2002.] 1 - Uma piada popular nos conta sobre o encontro entre um sadico e um masochista. Diz o masochista: "Me batte!" Responde o sadico: "Não!" A piada é particularmente estupida, não só pelo irrealismo mas pela leviana pretensão de emittir juizo de valor sobre o complexo universo das perversões. Ella é irrealista porque um sadico genuino jamais toleraria uma victima masochista... nem o masochista supportaria um verdadeiro torturador sadico. Assim entende Gilles Deleuze. (1) 2 - Deleuze gasta boas paginas no incansavel exforço de reverter o generalizado conceito de que o sadomasochismo seria uma entidade singular, uma "perversão", como elle a chama, na qual cada parceiro desempenha seu papel especifico no sentido de induzir ou seduzir o outro na obtenção da dor dentro de um arranjo contractual. Baseado em characterizações concretas de perfis masochistas e sadicos, extrahidas tanto das configurações litterarias em Sade e Masoch quanto das theorias psychanalyticas freudianas, Deleuze clama pela desvinculação dessas duas identidades sexuaes. Elle


128 GLAUCO MATTOSO emphatiza particularmente as respectivas differenças mas tambem admitte similaridades sem cahir naquelle simplismo da mera interdependencia, no qual criticos litterarios e psychanalystas ja haviam incorrido tantas vezes anteriormente e, em muitos casos, continuam a incorrer. Como veremos, com emphase em modellos theoreticos propostos por Deleuze, a voz poetica de Glauco Mattoso representa a persona do masochista que, ao invés de ser victima da tortura que soffre, manipula activa e conscientemente seu idealizado e, na verdade, inexsistente torturador. Seu objectivo ultimo é o engajamento em encontros sexuaes fetichistas delineados para a adoração do poder do sadico ao mesmo tempo em que o poeta persegue a simultanea degradação pessoal proporcionada por sua propria humilhação. 3 - Si o fetiche pedal está inextricavelmente ligado ao contracto sexual implicito na poesia mattosiana, temos que discutir tambem as ligações theoricas entre fetichismo, sadismo e masochismo, bem como os desdobramentos litterarios attravés dos quaes Mattoso vehicula sua obsessão, particularmente na recente collectanea CENTOPÉA: SONNETTOS NOJENTOS & QUEJANDOS, objecto de todo o quincto capitulo de minha these. Appós algumas considerações psychanalyticas accerca do fetichismo, do sadismo e do masochismo, mostrarei como Mattoso usa perversa e performaticamente o sadomasochismo à guisa de metaphora da individualidade e o fetichismo à guisa de ponte para a subjectividade. Ao ler e analysar poemas de CENTOPÉA, argumentei que no cerne do projecto mattosiano reside a deliberada collocação de uma insoluvel tensão em cujo bojo se sustenta o seguinte paradoxo: a voz poetica "despathologiza" o fetichismo e o sadomasochismo, resgatandoos da rotulagem normativa de "perversão", mas simultaneamente


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reaffirma e perpetua a radical esthetica da propria perversidade, num conflicto interminavel porem realizado, que resiste à normalização. O que pretendo desenvolver aqui é tão somente uma admostragem daquella que está entre as preoccupações fundamentaes de minha these como um todo: o uso metaphorico do fetichismo -- e o universo antiphallocentrico [mais especificamente, antiphallogocentrico] que resulta do abbandono da sexualidade genital -- para accessar a cultura, de tal modo que o poeta detem a capacidade de discernir elementos formadores de um character nacional: a brazilidade, attingida junctamente com a generalização de conceitos sobre outras culturas. "O sadomasochismo é só chimera..." [ver 0093] 4 - O facto de que minha these abborda adspectos performaticos da identidade poetica de Mattoso justifica a importancia de observarmos de perto alguns rotulos correntes a fim de se chegar a uma conceituação do que seja fetichismo, sadismo e masochismo, quer como entidades especificas ou interdependentes. Tal precisão nos permittirá contemplar até que poncto o fetichismo é sadomasochistico por natureza e como tal se appresenta nos sonnettos de Mattoso, corroborando minha theoria. O mais importante é illustrar de que maneira Mattoso encara o S&M como metaphora da individualidade e como explora o fetichismo a fim de attingir sua identidade emquanto autonomia pessoal e poetica. 5 - Deleuze offeresce interessante analogia quando equipara o papel do sadico ao de um "instructor" e o do masochista ao de um "educador". Ainda que a differença não paresça significativa num exame superficial, Deleuze é convincente ao argumentar


130 GLAUCO MATTOSO sobre sua extensão. Essencialmente, elle propõe que o sadico typico "dicta" a acção, emquanto o masochista opta pelo terreno mais subtil da persuasão. O sadico demonstra que sua razão está na violencia e que racionalizal-o é uma forma de violencia, pois está do lado da força, por mais calmo e logico que possa parescer. Na obra de Masoch, por outro lado, estamos lidando com uma victima em busca de um torturador, a quem necessita educar, persuadir, e com quem estabelescer uma alliança, a fim de concretizar o mais extranho dos pactos. Eis por que os annuncios classificados fazem parte da linguagem do masochismo mas não teem logar no verdadeiro sadismo, assim como se explica por que os masochistas redigem contractos emquanto os sadicos os abominam e rasgam. Os sadicos carescem de instituições; os masochistas, de relações contractuaes. 6 - O commum equivoco de considerar o sadico como perfeito parceiro para o masochista e vice-versa é systematicamente desmontado pela analyse de Deleuze e de outros philosophos. Mais recentemente, o longo ensaio de Anita Phillips, A DEFENCE OF MASOCHISM, sustenta abruptamente que o masochista e o sadico formam um casal impossivel. (2) Deleuze e Phillips guardam identicas impressões, particularmente em relação ao sadismo e ao papel do sadico; entretanto, divergem entre si quanto ao masochismo. Emquanto Deleuze argumenta repetidamente que o masochista falla de um - e de facto se fortalesce a partir de um -- poncto de vista de victima, Phillips accredita no contrario, affirmando que o masochista é um manipulador consciente, não uma victima indefesa. A auctora é convincente ao demonstrar como o masochista procura ter controle da situação, provocando activamente as punições e perseguindo parceiros que preencham fielmente seu desejo. Por outro lado, em cada um dos scenarios que retracta (referindo-se a OS


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120 DIAS DE SODOMA de Sade, e mais frequentemente a VENUS DAS PELLES de Masoch, bem como a experiencias pessoaes e entrevistas), Phillips nunca ultrapassa as fronteiras do masochismo monogamico. Segundo sua definição, o masochista fidedigno só faria accordo contractual com uma unica pessoa e por tempo determinado. A rigidez implicita no prazo e nos prerequisitos das relações contractuaes (que repercutem tanto entre criticos quanto entre proponentes dos comportamentos sadomasochistas) nos reporta a uma discussão do fetichismo, a partir da definição absurdamente incompleta fornescida pela American Psychiatric Association (APA). Ainda echoando conceitos do seculo XIX como os de Krafft-Ebing, a APA registra o fetichismo em seu manual diagnosticador de desordens mentaes como practica ou phantasia sexual intensa e recorrente, de duração não inferior a seis mezes (sic) envolvendo objectos inanimados. Mesmo que as theorias freudianas sejam criticadas por pensadoras feministas como "androcentricas", são certamente mais exclarescidas e exclarescedoras que uma characterização do fetiche como algo "inanimado", equiparando uma orelha ou uma mão a uma calcinha ou uma meia. Podemos discutir si, segundo Freud, o fetichismo resulta de uma reacção infantil à falta do penis na mãe, mas não podemos acceitar conceituações bem mais restrictivas, que dão prazo semestral a uma obsessão ou negam vida (ou signal de vida) a uma parte do corpo ou peça de roupa. 7 - Flexibilizada a perspectiva "animada" ou "inanimada" (ou ainda "desanimada") a partir da qual se possa encarar o fetichismo, temos aqui o motivo conductor da obra mattosiana, elevado à categoria de thema postmoderno. Tal motivo é mais notavel em CENTOPÉA: SONNETTOS NOJENTOS & QUEJANDOS, uma collectanea de cem sonnettos camoneanos (em decasyllabo


132 GLAUCO MATTOSO heroico), na qual o rigor metrico se mantem consistente e persistentemente (poder-se-ia dizer "fetichisticamente") ao longo da totalidade dos poemas. A unidade thematica nesta obra é tão obsessivamente repetitiva quanto o rigido molde em que foi composta: o amor homoerotico ao pé masculino e o simultaneo culto da lamentação do soffrimento masochista, para o que contribue decisivamente a condição de cego na qual o poeta se acha e da qual faz praça. A collectanea foi inteiramente composta em 1999, num periodo de trez mezes, e publicada immediatamente appós. (3) 8 - A desesperada tentativa de Deleuze em solapar a illusão da "entidade sadomasochista" resulta numa lista de dualidades virtualmente interminavel, uma polarização entre sadismo e masochismo cuja propriarigidez cheira a reduccionismo e supersimplificação. Exemplificando, ao elenchar as differenças mais essenciaes entre sadismo e masochismo, Deleuze chega ao poncto de affirmar, sem ulterior elaboração, que exsiste um estheticismo no masochismo, ao passo que o sadismo é hostil à attitude esthetica. Ora, que será que o auctor entende pela expressão "attitude esthetica"? Sadismo e masochismo podem ser relacionados ou identificados com differentes characteristicas estheticas, mas uma concepção tão monolithica da Postura Esthetica é perturbadora e problematica exactamente na mesma medida duma hypothetica Entidade Sadomasochista, essa indiscriminada e descuidada combinação dos dois termos, que Deleuze tenta desconstruir. (No caso de Mattoso, tracta-se de uma "attitude antiesthetica", exhaustivamente examinada em minha these e da qual a preferencia do poeta pelo pé masculino, grande, chato e malcheiroso constitue appenas uma faceta.) Por outro lado, os exforços de Deleuze para salientar a separação entre sadismo e masochismo me parescem admiraveis,


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devido a ser, ainda, bem raro encontrar num critico contemporaneo a sensibilidade de discernir taes differenças. A definição extremamente simplista de Paul Mann offerescida em seu livro MASOCRITICISM é curiosa e illustrativa: "Masochismo é basicamente sadismo interiorizado; sadismo é basicamente masochismo exteriorizado." (4) 9 - Na poesia de Mattoso, os papeis e responsabilidades do sadico e do masochista são, por natureza, bem mais fluidos, como veremos abbaixo, na analyse de trez sonnettos do livro CENTOPÉA. "Sonnetto Sadico" é um dos poucos poemas da collectanea que não faz allusão ao pé erotizado. Na verdade, a sexualidade não se acha siquer incluida abertamente até a estrophe final. Seus versos amargos revelam uma cruel voz poetica, que busca satisfacção e talvez vingança na contemplação do soffrimento de auctoridades politicas. Todavia, sua gratificação deriva menos do corpo que da mente: "Legal é ver politico morrendo..." [ver 0017] 10 - Este sonnetto, ao invocar algo como uma solidariedade entre poetas, privilegia o poder intellectual do officio/ negocio poetico, ou seja, a habilidade de empregar palavras como armas, neste caso apponctadas para a destruição ou desmoralização de homens publicos. O tercetto final cria uma imagem de violenta sodomia para contra-attaccar o politico deshonesto ("espeto-lhe o loló com minha espada"), uma metaphora da capacidade destructiva attribuida por Mattoso ao poder da penna. A satyra politica tem sido uma arte cultivada ao longo de uma tradição de transgressão poetica, da qual Mattoso seria meramente um dos mais recentes expoentes. Como analyso no segundo capitulo de minha these, poetas


134 GLAUCO MATTOSO transgressivos do naipe de Gregorio de Mattos não meresceram cognomes como Bocca do Inferno em vão, e Mattoso é-lhe herdeiro do nome, inclusive por paronomasia. 11 - Politicos permanescem na condição de objecto da hostilidade do poeta, como no "Sonnetto Masochista" que se lê na pagina seguinte ao "Sadico": "Politico só quer nos ver morrendo..." [ver 0018] 12 - Os dois quartettos deste sonnetto são altamente characteristicos da poesia social ou de protesto, assignada especialmente nos annos 60 e 70 por auctores como Augusto e Haroldo de Campos, Ferreira Gullar e muitos outros poetas brazileiros contemporaneos que produziram obra de thematica social. Os primeiros oito versos lamentam a corrupção e a insensibilidade das auctoridades publicas deante das necessidades e agruras dos excluidos, entre os quaes os marginalizados pela pobreza, deficiencia ou analphabetismo. Na segunda metade do poema, comtudo, emerge um tom inteiramente differente, no qual a voz poetica deseja collocar-se na poncta fracca da chorda a fim de tornar-se receptora da humilhação perpetrada pelo senador-torturador, propondo um contracto em que se dispõe a "amar" seu chulé ou a usar a lingua para polir seus sapatos. A imagem resultante é de total submissão, pois a metaphora do cão obediente não se limita ao acto de lamber os pés do dono, mas se reforça no facto de fazel-o sem lattir, ou seja, em acceitar de bom grado a humilhação, sem qualquer inclinação para questionar os abusos decorrentes do facto de tornar-se um "lavador" lingual da sujeira (litteral e metaphorica) dos pés de um senador/oppressor. O verso transicional "Si a coisa continua nesse pé," é excellente


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exemplo de como Mattoso explora absurdos e humoristicos jogos de palavras semelhantes àquelles que examinei ao discutir seu JORNAL DOBRABIL em outro capitulo da these, e que voltam à evidencia em seus sonnettos de formato classico. A incorporação de taes trocadilhos numa forma poetica tão refinada e convencional torna a presença dos mesmos ainda mais transgressiva, uma vez que elles zombam sardonicamente da seriedade do modello camoneano. 13 - O "Sonnetto Estudantil" de Mattoso é sem duvida a expressão poetica da exhaustiva pesquisa sociologica desenvolvida pelo auctor no livro O CALVARIO DOS CARECAS: HISTORIA DO TROTE ESTUDANTIL (1985) e pincta um quadro onde, alem de delinear claramente os papeis de senhor e escravo, torturador e torturado, revela apparente concordancia com a perspectiva de Phillips, de que o masochista, independentemente de genero ou orientação sexual, seria mais propriamente definido como manipulador que como victima: "O trote é tradição na academia..." [ver 0052] 14 - Como costumeiramente occorre nos sonnettos de Mattoso, o epitome da expressão transgressiva só se manifesta amplamente no tercetto final, onde, neste caso, o poeta subverte a victimização do novato no rito de iniciação. Elle commemora sua bemsuccedida manipulação do oppressor, practicamente sollicitando e dirigindo os abusos soffridos aos pés do sadico veterano. Contrariamente ao senso commum de que o masochista é uma victima, neste sonnetto a voz poetica performa o engannoso papel do "calouro disfarsado" que assume total commando da situação. De facto, a evidente ironia do tercetto final convida o leitor a uma pausa de reflexão accerca da fluidez


136 GLAUCO MATTOSO dos papeis de aggressor e aggredido. A "sacanagem" foi revertida com exito e o prazer do protagonista se locupleta no acto de transformar o carrasco em cobaya e na affirmação da vantagem levada pelo masochista na transação. 15 - Cabe considerar, neste momento, si e quando o fetichismo se enquadra no mais vasto campo do sadomasochismo dentro do universo poetico mattosiano. Referindo-se especificamente ao fetichismo pedal em seu artigo "Aversion / Perversion / Diversion", Samuel Delany (um critico ligado aos estudos culturaes) argumenta sobre a necessidade de separar a podolatria reciproca de qualquer associação automatica com o sadomasochismo: "O mytho do fetiche sexual está precisamente no facto de ser solitario. Sua presumida pathologia reside na noção da não-reciprocidade. A partir do momento em que se suppõe que o fetichismo envolva reciprocidade, tende a prevalescer o vocabulario e o eschema do sadomasochismo, o que contraria o senso commum e minha experiencia pessoal, revelando um symptoma da insensibilidade da nossa terminologia sexual." (5) 16 - A analyse de Deleuze fundamentalmente concorda com a intuição de Delany sobre uma preferivel desvinculação entre fetichismo e sadomasochismo, entre outras razões porque uma definição includente contribue para arraigar a falsa configuração de uma "omniperversa" Entidade Sadomasochista. Entretanto, na tentativa de determinar si o fetichismo está mais proximo do masochismo ou do sadismo, Deleuze chega à conclusão de que, a julgar pela noção psychanalytica do "processo de denegação" (uma imagem substitutiva do ausente phallo feminino) ou, por outra, do sentimento de privação dum "penis materno", o fetichista se approximaria mais do masochista.


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17 - Mattoso usa o fetichismo do pé para construir uma ponte -- um casamento, por assim dizer -- entre o sadismo e o masochismo. Seu "Sonnetto Chinez" demonstra que o pé é quasi um emblema mystico do erotismo -- e particularmente do sadomasochismo -- attravés da historia da China: "Na China millennar o pé tem sido..." [ver 0033] 18 - O poeta não appenas usa a metaphora do pé para symbolizar e generalizar practicas de dominação e submissão sexual ao longo da civilização chineza, como tambem explora imagens derivadas das characterizações genericas da referida nação. Alem do mais, o poeta se sae bem ao subverter a theoria de Deleuze que attribue quasi exclusivamente a posição do soffredor ao sexo masculino. Na antiga cultura oriental (e, por extensão, na occidental), as mulheres acceitavam atrophiar seus pés como parte de uma estoica submissão aos desejos sexuaes do macho. O miniaturizado pé feminino, virtualmente alleijado pela reducção ao tamanho infantil, se juxtapõe à cruel imagem do pé luctador do homem. O pé na cara do opponente vencido representa uma victoria phallica, tal como o penis é usado para representar a violencia e o machismo no patriarchado. Em outras palavras, Mattoso inscreve o pé humano no rol dos mesmos (auto)destructivos poderes usados para definir organs sexuaes masculinos ou femininos nas theorias psychanalyticas convencionaes. NOTAS DE BUTTERMAN (1) Deleuze, Gilles. MASOCHISM: COLDNESS AND CRUELTY. Traducção ao inglez de Jean McNeil. New York: Zone, 1989. (Exsiste traducção em portuguez intitulada APPRESENTAÇÃO DE SACHERMASOCH: O FRIO E O CRUEL. Rio de Janeiro: Taurus, 1983.)


138 GLAUCO MATTOSO (2) Phillips, Anita. A DEFENCE OF MASOCHISM. London: Faber and Faber, 1998. (3) Mattoso, Glauco. CENTOPÉA: SONNETTOS NOJENTOS & QUEJANDOS. São Paulo: Sciencia do Accidente, 1999. (4) Mann, Paul. MASOCRITICISM. Albany: SUNY Press, 1999. (5) Delany, Samuel R. "Aversion / Perversion / Diversion." NEGOTIATING LESBIAN AND GAY SUBJECTS. Eds. M. Dorenkamp and R. Henke. New York: Routledge, 1995. p. 7-33. (citação adaptada) (*) Butterman, Steven - "A dor estrategica em Deleuze e Mattoso". COYOTE, Londrina, nº 2, hinverno de 2002. p. 30-

33.


SUMMARIO

DULCE SALGADO DE AZEVEDO CAMARGO [0001].................9 SPIK (SIC) TUPYNIK [0002]..............................10 QUEM DIABO É DEUS? [0003]..............................11 ROMEU E EU [0004]......................................12 CURRICULO LYRICO [0005]................................13 MANIFESTO COPROPHAGICO [0006]..........................14 ROCK CONCERT, PART THREE [0007]........................15 MANIFESTO OBSONETO [0008]..............................16 SONNETTO CENSURADO [0009]..............................17 DISSONNETTO NOJENTO (I) [0010].........................18 SONNETTO POETICAMENTE CORRECTO [0011]..................19 SONNETTO SOLADO (I) [0012].............................20 DISSONNETTO DESOLADO [0013]............................21 DISSONNETTO DESALMADO [0014]...........................22 DISSONNETTO SOLADO (II) [0015].........................23 DISSONNETTO NOJENTO (II) [0016]........................24 DISSONNETTO SADICO (I) [0017]..........................25 DISSONNETTO MASOCHISTA (I) [0018]......................26 DISSONNETTO ANTIESTHETICO [0019].......................27 SONNETTO AUTOBIOGRAPHICO [0020]........................28 DISSONNETTO BIBLICO (I) [0021].........................29 DISSONNETTO PHILOSOPHICO (I) [0022]....................30 DISSONNETTO FUTURISTA [0023]...........................31 DISSONNETTO HISTORICO [0024]...........................32 DISSONNETTO POLITICO [0025]............................33 DISSONNETTO LYRICO [0026]..............................34 SONNETTO BRAZILEIRO [0027].............................35


SONNETTO PSYCHANALYTICO [0028].........................36 DISSONNETTO SYMPHONICO [0029]..........................37 DISSONNETTO JUDAICO (I) [0030].........................38 DISSONNETTO MUSSULMANO [0031]..........................39 DISSONNETTO CHRISTÃO [0032]............................40 DISSONNETTO CHINEZ [0033]..............................41 DISSONNETTO INSOMNE [0034].............................42 DISSONNETTO LINGUOPEDAL [0035].........................43 DISSONNETTO ENTAPIADO [0036]...........................44 DISSONNETTO GALLICISTA [0037]..........................45 DISSONNETTO MODERNISTA [0038]..........................46 DISSONNETTO CONCRETO [0039]............................47 DISSONNETTO LATINO [0040]..............................48 DISSONNETTO OROGENITAL [0041]..........................49 SONNETTO JAPONEZ [0042]................................50 DISSONNETTO VANGUARDISTA [0043]........................51 DISSONNETTO MALDICTO [0044]............................52 DISSONNETTO MARGINAL [0045]............................53 DISSONNETTO HINDU [0046]...............................54 DISSONNETTO CINEMATOGRAPHICO [0047]....................55 DISSONNETTO MARCIALMENTE ARTISTICO [0048]..............56 DISSONNETTO VERSATIL [0049]............................57 DISSONNETTO FUTEBOLLISTICO [0050]......................58 DISSONNETTO AFRO-DIONYSIACO [0051].....................59 DISSONNETTO ESTUDANTIL [0052]..........................60 SONNETTO BORGEANO [0053]...............................61 DISSONNETTO VICTORIANO [0054]..........................62 DISSONNETTO CURANDEIRO [0055]..........................63 DISSONNETTO RADICAL [0056].............................64


DISSONNETTO SOCRATICO [0057]...........................65 DISSONNETTO ESCULPTURAL [0058].........................66 DISSONNETTO ROCKEIRO [0059]............................67 DISSONNETTO MASOCHISTA (II) [0060].....................68 SONNETTO CARIOCA (I) [0061]............................69 DISSONNETTO JUVENIL [0062].............................70 DISSONNETTO CARCERARIO [0063]..........................71 DISSONNETTO CALÇADO [0064].............................72 DISSONNETTO DESCALÇO [0065]............................73 DISSONNETTO CIRCENSE [0066]............................74 DISSONNETTO PHILOSOPHICO (II) [0067]...................75 DISSONNETTO EXSISTENCIALISTA [0068]....................76 DISSONNETTO ARCHITECTONICO [0069]......................77 DISSONNETTO TEUTONICO [0070]...........................78 DISSONNETTO NORDESTINO [0071]..........................79 DISSONNETTO ESCATOLOGICO [0072]........................80 DISSONNETTO OBSESSIVO [0073]...........................81 DISSONNETTO OBCECADO [0074]............................82 DISSONNETTO EPHEMERO [0075]............................83 DISSONNETTO PERPETUO [0076]............................84 DISSONNETTO LUNATICO [0077]............................85 DISSONNETTO SIMULADO [0078]............................86 DISSONNETTO SCEPTICO [0079]............................87 DISSONNETTO PARNASIANO [0080]..........................88 DISSONNETTO SYMBOLISTA [0081]..........................89 DISSONNETTO IMPRESSIONISTA [0082]......................90 SONNETTO EXPRESSIONISTA [0083].........................91 SONNETTO BIBLICO (II) [0084]...........................92 DISSONNETTO JUDAICO (II) [0085]........................93


DISSONNETTO GOLIARDO [0086]............................94 SONNETTO TEMPLARIO [0087]..............................95 DISSONNETTO ELITISTA [0088]............................96 SONNETTO UFFANISTA [0089]..............................97 DISSONNETTO MAGICO [0090]..............................98 DISSONNETTO UBIQUO [0091]..............................99 DISSONNETTO AMBIGUO [0092]............................100 DISSONNETTO CONSENSUAL [0093].........................101 DISSONNETTO GOTHICO [0094]............................102 DISSONNETTO DEMAGOGICO [0095].........................103 DISSONNETTO PEDAGOGICO [0096].........................104 DISSONNETTO HIERARCHICO [0097]........................105 DISSONNETTO SACERDOTAL [0098].........................106 SONNETTO SAPPHICO [0099]..............................107 DISSONNETTO PROHIBIDO [0100]..........................108 DISSONNETTO LICENCIOSO [0101].........................109 DISSONNETTO BOCAGEANO [0102]..........................110 DISSONNETTO PRAGMATICO [0103].........................111 DISSONNETTO NATURALISTA [0104]........................112 SONNETTO SADICO (II) [0105]...........................113 DISSONNETTO DISCOGRAPHICO [0106]......................114 SONNETTO PROVERBIAL [0107]............................115 SONNETTO SOMNOLENTO [0108]............................116 NOTAS.................................................117 A DOR ESTRATEGICA EM DELEUZE E MATTOSO................127



Titulos publicados: A PLANTA DA DONZELLA ODE AO AEDO E OUTRAS BALLADAS INFINITILHOS EXCOLHIDOS MOLYSMOPHOBIA: POESIA NA PANDEMIA RHAPSODIAS HUMANAS INDISSONNETTIZAVEIS LIVRO DE RECLAMAÇÕES VICIO DE OFFICIO E OUTROS DISSONNETTOS MEMORIAS SENTIMENTAES, SENSUAES, SENSORIAES E SENSACIONAES GRAPHIA ENGARRAFADA HISTORIA DA CEGUEIRA INSPIRITISMO MUSAS ABUSADAS SADOMASOCHISMO: MODO DE USAR E ABUSAR DESCOMPROMETTIMENTO EM DISSONNETTO DESINFANTILISMO EM DISSONNETTO SEMANTICA QUANTICA INCONFESSIONARIO DISSONNETTOS DESABRIDOS SONNETTARIO SANITARIO DISSONNETTOS DESBOCCADOS RHYMAS DE HORROR DISSONNETTOS DESCABELLADOS NATUREBAS, ECOCHATOS E OUTROS CAUSÕES A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO MANIFESTOS E PROTESTOS LYRA LATRINARIA DISSONNETTOS DYSFUNCCIONAES O CINEPHILO ECLECTICO A HISTORIA DO ROCK REESCRIPTA POR GM


SCENA PUNK CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO CANCIONEIRO CIRANDEIRO SONNETTRIP THANATOPHOBIA DESILLUMINISMO EM DISSONNETTO INGOVERNABILIDADE PEROLA DESVIADA O POETA PORNOSIANO BREVE ENCYCLOPEDIA DA TORTURA


São Paulo Casa de Ferreiro 2022




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