GERONTOPHOBIA
GLAUCO MATTOSO
GERONTOPHOBIA
Casa de Ferreiro
Gerontophobia
© Glauco Mattoso, 2022 Revisão Lucio Medeiros Projeto gráfico Lucio Medeiros Capa Concepção: Glauco Mattoso Execução: Lucio Medeiros ________________________________________________________________________ FICHA CATALOGRÁFICA ________________________________________________________________________ Mattoso, Glauco
GERONTOPHOBIA São Paulo: Casa de Ferreiro, 2022 234 p., 21 x 21cm ISBN: 85-87515-02-0 1.Poesia Brasileira I. Autor. II. Título.
B869.1
NOTA INTRODUCTORIA
Sobre infancia e juventude ja colligi em verso varios volumes (DESINFANTILISMO EM DISSONNETTO, CANCIONEIRO CIRANDEIRO, PEDOPHOBIA), alem das memorias pessoaes. Entretanto, faltava uma collectanea que thematizasse a velhice, motivo de muitos de meus poemas. O tom satyrico permanesce egual, pois a autocompaixão do septentão coincide com a reminiscencia da meninice. Aqui, comtudo, os sonnettos e dissonnettos apparescem monostrophados e convivem com outros generos, do madrigal ao infinitilho, na mesma sequencia numerica. Parallelamente à velhice, as reflexões em torno da morte estão no livro THANATOPHOBIA. As preoccupações com a sahude estão no livro IATROPHOBIA e, quanto à crise sanitaria, no livro INFODEMIA NA POESIA.
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DISSONNETTO INEXORAVEL [0225] Belleza na mulher chega a ser chata, de tão obrigatoria que se faz. Perfidia não lhe fica nada attraz, pois quanto mais bonita mais ingrata. O joven julga a perfida uma gatta, mas ella acha um cachorro o seu rapaz. Comtudo, o tempo nunca a deixa em paz e a face da velhice ja tem data. Ser feio é mais vantagem. Quem o é ja fica como todos vão ficar, com todo o cacoethe, todo o esgar: a cara, velha ou não, do jacaré. A bella, si tiver nariz no ar, um dia vê no espelho o rosto até mais feio que o do bruxo ou do pagé. Só resta a vassourinha p'ra voar.
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SONNETTO MEXERIQUEIRO [0261] Velhinhas são terriveis quando em gruppo. Cochicham, fallam mal da vida alheia. Na mesa, antes do cha, depois da ceia, partilham seu muxoxo e seu apupo. Mas quando ellas gargalham, me preoccupo, pois sei que um ar em volta se empesteia. Allegam "solfejar", porem se leia "peidar"; e trocam "causos" sobre "estrupo". São todas de familia de italiano, por isso cantarolam tarantellas. Seus peidos teem fedor de gaz butano. Creança ainda, eu tinha medo dellas. Gagás, agora causam maior damno: É que solfejam rindo, as tagarellas!
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DISSONNETTO CAMUFLADO [0644] A pelle, em erupções, murcha e macera. Furunculos pullulam pela cara. Ao grão de arroz um cravo se compara e, quando salta, deixa uma cratera. As rugas se entrecruzam. Só supera taes dunas o relevo do Sahara. O espelho mostra aquillo em que repara na rua o povo: a cutis que ja era! Mulheres, homens, jovens, velhos, nada importa, si os nivela o tempo e o clima. Com lupa quem se observa desanima. Illudem-nos um creme, uma pommada. A decomposição, que se approxima e cedo ou tarde chega, dá risada da gente, por mantermos maquillada a casca que a carniça tem por cyma.
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DISSONNETTO DESSEDENTADO [0738] O moço entregador da adega traz naquella bicycleta um peso immenso. Nalgum appartamento agguarda, tenso, alguem que encommendou agua com gaz. Gazosa é só pretexto. Do rapaz o velho quer aquillo em que ora penso: seu cheiro, seu suor que, em vez de lenço ou banho, duma lingua esponja faz. O tennis detonado que pedala defuma-se por dentro e não resecca jamais a larga sola. Da cueca que attrita no sellim, um ar trescala. Appós gratificado, na caneca o beiço do moleque um gole estalla e, imaginando o odor daquella "mala", alli bebendo o velho se lambeca.
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DISSONNETTO DA FALLENCIA MULTIPLA [0810] Tem gente que seu corpo quer, na marra, mudar: se enfeita, malha, faz dieta e, quando o esporte ao peso em nada affecta, na plastica e na "lipo", emfim, exbarra. Alguns mais radicaes entram na farra do "piercing", da "tattoo", do astral de asceta, penduram-se no gancho, aguentam setta, galés, mutilações, cipó que admarra. Mulheres atrophiam seu pezinho e machos cortam fora os genitaes, pellados andam, como os animaes, em busca, até, dum mystico caminho! Coitados! De que valem tantos ais, lesões e sacrificios, si definho tambem, feito um perfeito coitadinho, com elles na velhice, entre os "normaes"?
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DISSONNETTO DA TERCEIRA EDADE TERCEIRIZADA [0815] Velhinhos encontrados num asylo, em triste condição, num promotor despertam choque e raiva. Em seu favor, a midia mostra aonde chega aquillo. Doente, um chora e geme. Em vez de ouvil-o, os outros, sem colchão nem cobertor, se expalham pelo chão. Paira o fedor de merda e mijo. O ratto anda tranquillo. A casa de repouso era, por fora, mansão toda cercada de arvoredo, de exotico palacio um arremedo, e tinha um ar do lar de quem la mora. Depois de aberta ao publico, dá medo. Paresce que assombrada esteja, agora, e deixa uma impressão de que vigora em toda parte o quadro amargo... e azedo.
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DISSONNETTO DA LUXURIA [0832] Pensei que insaciavel era a puta que fode por prazer, mais que por grana! Que nada! Um velho ainda é mais sacana e nunca satisfaz a carne hirsuta! Na foda, pela lingua elle permuta a fragil erecção: o odor que emana da velha sem pudor na suja chana lhe dá mais appetite que uma tructa! Assanha-se o ancião quando a consorte tem cocegas por dentro! Então chupita o caldo que, excorrendo, fede forte! A velha, hallucinada, geme, grita! O velho se deleita nesse esporte! Qual sopa, cha, nem succo! Resuscita aquelle exhausto membro, em grande porte, o gosto da sardinha antes de fricta!
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DISSONNETTO RESIDUAL [0921] No banco, uma velhinha tenta, em vão, a apposentadoria ver em dia: a machina outra senha lhe pedia por causa de infeliz digitação. A velha insiste, tecla, e o caixa não libera a grana, como si a quantia passasse duma parca economia e o numero excedesse algum milhão. Ja prestes a sahir dalli sem nada, de subito ella vê que seu extracto accusa-lhe no saldo uma bollada! Teria sido aquillo um mau contacto? Talvez, mas a velhinha dá risada. Acciona o caçanickeis e este, no acto, lhe embolsa uma fortuna! Na calçada, porem, lhe toma a bolsa um moço ingrato!
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DISSONNETTO TRABALHADO [0993] Passou a vida inteira no battente o velho senador, coitado, e agora tem gente que defende, sem demora, um corte no que ganha de excedente! O "auxilio-paletó", o "abbono-ausente", "salario-amante" e "creditos-por-fora", a verba para o gruppo que assessora, é tudo ethico, justo e condizente! Correio, gazolina, almosso e cha são poucas regalias a quem presta serviço tal à patria e o sangue dá! Chamar de "mordomia" é só indigesta, ingrata má vontade, e "marajah" é a mãe de quem dedura e quem protesta! Só falta não quererem que elle va de carro official a alguma festa!
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DISSONNETTO DA CANALHICE NA VELHICE [1285] A gente com sessenta se apposenta, appós ter trabalhado p'ra caralho, ou quando está incapaz: eu, que não valho, só tenho esta pensão, que me sustenta. Politico differe: com sessenta começa na carreira. Seu trabalho, porem, é roubalheira, e de pirralho rotulam o ladrão que tem quarenta. Edade, pr'esses gajos, se equipara àquillo que, no joven, é prazer carnal, caralho grande, dura vara! Na falta da potencia, teem poder! Mas, quando o cancer chega, aquella cara de pau ja nem dá dó! Vão se foder! Que vivam muito tempo, mas, tomara, soffrendo numa cama até morrer!
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DISSONNETTO DAS VIUVAS ENLUCTADAS [1290] Na grande egreja gothica, gotteja, dos arcos ogivaes, agua chovida. Filtrada dos vitraes, vem reduzida a luz, mas a quietude é bemfazeja. A velha reza a sós. De lucto, almeja alguma paz de espirito. Da vida espera pouco. Advista, mas duvida que a coisa escura aranha mesmo seja. A vista lhe fraqueja. Alem do mais, tractando-se de especimes de antanho, aranhas não attingem tal tamanho. ao menos as tarantulas normaes! O padre ouviu o grito. Achou extranho que emitta a viuvez tão altos ais e, quando chegou perto, ja os vitraes de cores, sobre as duas, davam banho! No rosto da viuva, a aranha enseja alguma conclusão e nos convida a comparar das coisas a medida, si o porte do animal tanto sobeja.
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DISSONNETTO DO PREÇO DA BANANA [1296] A aranha negra attacca novamente! Agora está na feira: não se sabe bem como alli chegou, e aqui nem cabe querer saber si aranha imita a gente! Num cacho de banana ella se sente segura e comfortavel: que desabe o mundo! Ella não sae até que accabe de, quieta, cochilar commodamente! Mas, quando um comprador leva a banana p'ra casa, surge a aranha bem na hora do almosso! O melhor disso vem agora! Batata! A vovozinha é quem se damna! Cae fructa, cae fructeira, a velha chora de dor e desespero! Da bichana pretona, cabelluda, tropicana, terá recordações essa senhora!
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DISSONNETTO DO CHA SEM CEREMONIA [1299] Em video registraram a lambança que fez um "immortal" da Academia na hora do chazinho: elle comia enchendo mais os dedos do que a pança! Brioches, brevidades... Não se cansa emquanto sua gula não sacia, farellos derramando da macia fatia que nos labios lhe ballança! Gagás, outros auctores tambem comem aos trancos e barrancos, num assommo, babando e lambuzando os beiços, como aquelle porcalhão, de lettras homem! Trajados de fardão, nem o rei Momo lhes rouba o carnaval! Como consomem! Que gula! Que banquete! Elles que tomem seu cha com bollo! O amargo pomo eu como!
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DISSONNETTO DA CRISE DE VALORES [1301] Quem vê que, mais e mais, se promiscue bandido com politico, dirá que tudo está perdido e que, assim, dá vergonha ser honesto, como Ruy. Ha crise de valores? Tambem fui temptado a concluir que, si gagá ficou a geração que escreveu ja bom livro, outra não ha que a substitue. Será? Não accredito! Embora agudo o grau de incompetencia appadrinhada, quem tem talento nunca fica mudo! Um dia, até darei muita risada! Razão isso dará a bastante estudo: Passada essa entresafra, a molecada verá que do azarão se salva tudo; do favorito não se salva nada!
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SONNETTO DO ASSASSINO CANINO [1318] Um desses cães ferozes, como excolta, levava o rapazelho na colleira. Da velha, na calçada opposta, cheira as compras o animal, que ja se solta! A velha ouve os lattidos e se volta, mas nada pode contra a carniceira e bruta creatura! A rua inteira a scena presencia e se revolta: Cahida, a velha sangra, retalhada no rosto e no pescoço pela fera de raça, cujo dono não faz nada! Em torno, uma platéa se agglomera, até que uns homens mactem, a paulada, o cão: seu dono, então, se desespera!
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SONNETTO DOS GRUPPOS ULTRAVIOLENTOS [1320] Não paro de pensar no João Helio, aquelle garotinho que, arrastado, deixou restos no chão por todo lado. O crime é mesmo atroz: quem não repelle-o? Mas vem-me à mente um outro crime: é velho e não garoto o morto. Foi queimado emquanto cochilava no gramado do parque, mas não acha quem revele-o! Moleques o admarraram, mãos e pés, depois se divertiram dando chute no rosto do coitado, ao som de olés! Por fim, tocaram fogo! Ja no Orkut são dez communidades, attravés das quaes, si faz peor, ha quem dispute!
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DISSONNETTO DA ESQUALIDEZ DESQUALIFICADA [1329] Magerrima, paresce ser egressa dum campo de exterminio! Perto della, até dum eskeleto está a costella apparescendo menos! É promessa? Genetica? Miseria? Algo que estressa? Que nada: ella é "modello"! Nem dá trella a quem vem prevenil-a da sequela: só pensa nos centimetros que meça! Vae ella se foder, vocês verão! Alem de ser tractada como puta, será seu sacrificio todo em vão! Ja velha, caso sobreviva, escuta na rua o commentario: "Assombração!" "Caveira!" Nem com "Bruxa!" ella disputa! Dahi porque jamais nos tempta o Cão em forma de quem tenha tal conducta.
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DISSONNETTO DA PHANTASIA SEXUAL [1410] Perguntam-me si, perto dos septenta, na cama a gente ja a brochar começa. Respondo que a piroca ainda aguenta, mas, quando accaba, nunca recomeça. Mais liqüida a descarga se appresenta e noto estar gozando mais depressa. O tempo de intervallo agora augmenta. Não ha, porem, razão que o gozo impeça. Em duas situações, a picca dura me fica num instante, e assim perdura: si sonho ou si um politico se fode, ainda que a noticia só me engode. No sonho, lambo pés e chupo picca, e, quando a vida delles se complica, na bronha elles são cabras e eu sou bode si for jocoso o gozo que me accode.
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DISSONNETTO DA BIBLIOTHECA EMPOEIRADA [1431] O velho litterato continua, embora ja caduco, a, todo dia, achar que seu artigo contribua com dados para o jogo da utopia. Em busca duma idéa, vae à sua trancada bibliotheca, onde se enfia no meio da poeira: não recua emquanto mais um texto não copia. Nem nota que uma aranha ja passeia, emquanto olho ninguem 'inda poz nella, sem pressa, em seu sapato e, pela meia subindo, alcança os pellos da cannella. Só berra, appavorado, quando sente aquillo que a "cosquinha" mais revela na pelle, mas ainda não na mente: que falta àquella salla uma janella.
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SONNETTO DA VELHA MESMICE [1432] Edosos teem mania de doença: o velho, sem a pillula, desmaia; purgantes a velhinha não dispensa, ainda que o cocô facil lhe saia. Reclamam de symptomas, sem licença remedios pagam caro. Vão à praia, mas voltam depressinha: ha desadvença si o velho teme que a velhinha caia. Os filhos e nettinhos nem visita mais fazem ao casal: logo se irrita alguem porque o vovô não ouve nada. A velha só se queixa que exquescida ficou, que desgostosa está da vida. Mas, quando chega gente, dá risada.
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SONNETTO DAS VIAS DE FACTO [1434] Dois tapas estallaram no plenario. Olhares se voltaram: se engalfinha o gruppo de politicos que o otario povão no parlamento posto tinha. É nisso que se vota? À mãe que pare-o, [sic] o filho é sempre sancto, mas à minha os filhos são da puta, pois summario conceito tinha delles a velhinha. Mamãe dizia sempre: "Essa cambada devia levar tiro! Ja que nada se pode fazer, elles que se mactem!" De facto: ja consola quando vejo que brigam! Satisfaço meu desejo si, ao menos, na porrada elles se battem.
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DISSONNETTO DA CHUVA ACIDA [1517] "Chuvinha!", exclama o velho, ao ver toró cahindo. E batte palmas: "Oba! Está", diz elle, "chovendinho..." Pois é só nublar-se o céu, e ja risada dá. Ouvir fallar em secca causa dó terrivel no coitado. Embora va mui raro ao interior, tem um xodó damnado, ao se lembrar do Ceará. Eis como, a rir, a lagryma affugenta: "Menino, óia que chuva mais bonita! Não vê como esse arzinho não irrita o zóio nem resecca a nossa venta?" À phrase quem qualquer coisa accrescenta? Durante o hinverno, soffre de anxiedade, ao ver formar-se, sobre esta cidade, a nuvem polluida e pardacenta.
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SONNETTO DO BORBORYGMO E DO METEORISMO [1542] O gatto está no collo da velhinha, dormindo a somno solto. A velha ouviu o gatto ronronando e ja adivinha que sonha seu Frajola com Piu-Piu. O rhoncho augmenta um pouco e, si ja tinha impressionado a velha, que até riu de gosto, agora abbafa a campainha e o radio, cujo som de tom subiu. Accorda o gatto e pulla, appavorado! Então percebe a velha que rhonchado havia seu estomago, de fome. "Cacilda! Ja passou da hora e nem ranguei!" Não diz Gonsales o que vem depois do rango e fede o que se come.
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SONNETTO DA PIPOCA DANDO SOPA [1545] "Te adoro, Florisbella, mas preciso dizer-te esta verdade: vou-me embora!" Emquanto, na telinha, o triste adviso um cara dava à amada, a velha chora. Sozinha está na salla. Pelo piso, o ratto se approxima e, sem demora, escala a mesa ao lado! Experto, liso, mergulha nas pipocas e as devora! A velha até se exquesce da tigella, attenta à tela: então se refestela o ratto, e se appodera da pipoca. Por isso é que diz elle amar novella: seu gosto é que a vovó se liga nella. Na tira é o que Gonsales bem colloca.
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DISSONNETTO DO COCHILO TRANQUILLO [1546] Dormia no sofá seu thio, de porre. Chegando-se bem perto, sente o cheiro de pinga numa poncta, mas lhe occorre cheiral-o (Por que não?) no corpo inteiro. Na poncta opposta, pela sola corre seu avido nariz! Porem, primeiro terá que descalçar tudo que forre os pés do velho sujo e cachaceiro. O timido sobrinho só vê chance de ter aquella sola, grossa ja de tanto futebol, ao seu alcance na hora em que o tithio dormindo está. Sim, quando os outros saem, elle adora a scena costumeira: poderá olhar do beberrão o pé de fora, fedendo mais que a bocca de gambá.
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SONNETTO DA SOLIDÃO TOCANTE [1589] O livro de Isherwood dá medo, é claro: mulher ou homem, quem se sente só revela toda a falta de preparo da gente para desaptar o nó. Na trama, o auctor emprega amargo faro: não é somente a perda dum xodó, a ausencia de parentes, ou o raro convivio com os jovens, que dá dó. Dá dó saber que o tempo passa e a mente trabalha, mas o corpo ja não sente, ou viceversa, e o velho é um "assanhado". Dá dó saber que o amigo com quem vamos jantar comnosco está nestes reclamos, mas de nós dois faz falta alguem ao lado.
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DISSONNETTO DO PAPPO DE BAR [1606] Inteira, a vizinhança ja commenta o caso do viuvo com aquella mocinha que cuidou da rabugenta defuncta: "O velho entrou numa esparrella!" Fingindo se importar com quem oitenta ja tem e rejeitou a parentela, a moça o papparica e se sustenta às custas de apparente bagatella. O velho tem poupança, todavia, mas logo não será tão muquirana. Alem da magra apposentadoria, lhe toma a expertalhona toda a grana. Será tarde demais quando algum netto do typo que se illude e que se enganna achar que seja herdeiro predilecto dum velho que diziam ser sacana.
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DISSONNETTO DA SOGRA [1620] A sogra, coitadinha, só se queixa do genro, que a maltracta, que injustiça lhe fazem as piadas... Ninguem deixa que se defenda, e sobra quem attiça. São tantas qualidades que ella enfeixa: é boa, é generosa, vae à missa... Cordata, educa a filha como gueixa, mas soffre: é "intromettida" ou foi "ommissa". A velha ja nem dorme, está doente, de tanto ser a victima da intriga. E ainda, para cumulo, tem gente dizendo que em macumba ella se liga! "A mim aquella velha não me logra!", commentam todos. "Bruxa duma figa!" "Não tem ninguem mais falso do que a sogra!" Até que um dos dois trae... e o casal briga.
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DISSONNETTO DO MAU HUMOR [1642] Um beijo, appenas. Tudo que queria o velho era um beijinho. Porem, dado que a velha não o dava, elle, de dia, passava o tempo fora, magoado. Os outros ja suppunham que a harmonia daquelle casal coisa do passado seria, pois o humor que elle exhibia affugentava até bandido armado. À noite, finalmente, elle voltava, depois de andar por tantos outros lados, e a velha, que ja estava menos brava, servia-lhe a sopinha. Os dois calados. Na hora de dormir, como ninguem ainda disse nada, ambos culpados se sentem, mas emfim a velha vem beijal-o... e dormem calmos, abbraçados.
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SONNETTO DA PARENTELA INTERESSEIRA [1686] Darcy não foi um unico, e seria appenas mais um caso de gays sem nenhuma protecção: a parceria a nada equivalente a ser lhes vem. Nem paes, irmãos, sobrinhos, nem a thia, em vida ao gay appoio dão, ninguem. Mas basta que elle morra, e ha correria de todos quanto a quem direito tem. Coitado do parceiro, si convive a vida inteira e encontra quem o prive daquillo que junctaram, elles dois. Abutres, os parentes gritam para negar ao companheiro a photo rara que exquesce e que virá buscar depois.
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SONNETTO DA PARENTELA ENDEMONINHADA [1687] Familia até paresce coisa infinda, unida e affectuosa... Mas se illude quem pensa que será, mais tarde, ainda a mesma, si a mãe morra e a vida mude. Irmãos se desentendem quanto à linda casinha litoranea... Quem estude dirá que tem direito a uma bemvinda bolsinha da defuncta, que lhe adjude. Doentes, gays ou velhos são largados: ninguem mais quer saber como os coitados sustentam-se ou se tractam, sem poupança. Só querem dividir o patrimonio em partes deseguaes, ja que o Demonio cobiça a parte delle nessa herança.
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SONNETTO PARA UMA CASTA SENHORA [1745] O livro lhe chegou pelo correio, mandado pelo bruxo: um manual que ensigna a usar veneno sem receio de se exceder na dose e passar mal. Nesse mithridatismo a velha veiu a se especializar de modo tal que a feia aranha, o escorpião mais feio piccal-a podem, que ella acha normal. A velha agora cria a cabelluda tarantula, e seus habitos estuda a fim de descobrir por que ella picca. Chegou à conclusão de que a bichana, assim como ella propria, só se irmana àquellas que se guardam duma picca.
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SONNETTO PARA UM VIUVO QUEIXOSO [1760] Deixaram-no fallar. E desabbafa o velho: que ninguem mais o visita, que nada mais tem graça, que só estaffa e dividas lhe restam, que a desdicta... Os filhos, genros, noras, da garrafa de vinho se servindo, fazem fita que escutam-no, que alguem o biographa, que delle se recorda e se cogita. Mas tudo é fingimento, e sabe disso o velho. Mais ninguem quer compromisso com elle, nem tem delle o menor dó. A casa se exvazia. Tudo quieto. Ja não está mais, sob o mesmo tecto, aquella que os unia e o deixou só.
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DISSONNETTO PARA UMA MANDIBULA INUTILIZADA [1778] Foi muita crueldade! Quem será que a idéa terá dado àquelle netto que offeresceu à avó meio gagá a barra do torrone mais concreto? Coitada! Bem que tenta, e até que está chegando na metade, mas directo lhe vae pela garganta o que não dá para ser mastigado, é o que interpreto. Não tarda que, entallado, algo lhe venha causar serio transtorno! Olhem só para aquillo: é filme mudo! Foi a senha o engasgo que ella teve, erguendo a cara! Tossiu, se debatteu e, quando alguem pensou em soccorrel-a, ja passara demais da compta: agora um ar já nem circula mais nos bronchios da tatara...
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SONNETTO PARA UNS ASSASSINOS MIRINS [1790] Mactaram a pauladas a velhinha. Os assassinos? Doze, treze anninhos. Disseram que era "p'ra roubar gallinha" e appenas lhe fizeram "uns carinhos". Acharam-na ja morta em casa. Tinha os ossos affundados. Os vizinhos ouviram-na gritar, mas, como vinha da casa um som de radio, taes gritinhos... "P'ra mim a velha estava era cantando!" "Meninos tão pequenos...!" "São do bando que assalta fazendeiros por aqui..." Enterra-se a coitada. A creançada, appós curta "passagem", ja na estrada, com outra velha cruza, que sorri.
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DISSONNETTO PARA UMA CAMINHADA NOCTURNA [1866] Appenas os pharoes dos carros: nada mais pode illuminar a rua escura, depois que um appagão transforma cada recantho da cidade em treva pura. Onde é que accaba o asphalto? Onde a calçada começa? Andar assim é uma tortura à pobre da velhinha, ja alquebrada e muito mal da vista, que não dura. Comsigo diz: "Sou mesmo uma azarada!" Tropeça, quasi cae... Mal se segura no muro... E ja comsigo mesma jura que à noite não sae mais, contrariada. Mas nega que esse azar a dissuada. Se appoia e vae seguindo... Na ranhura da pedra, appalpa a aranha, que lhe fura o dedo na agudissima piccada.
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DISSONNETTO PARA UMA PACIENTE NAS ULTIMAS [1867] A thia, moribunda, está internada. Tem como herdeiro um unico sobrinho que, sempre a visital-a, attende a cada pedido da velhinha, com carinho. Traz flores, traz biscoitos... E a coitada, feliz e aggradescida, dá um beijinho molhado em sua mão, que ja lavada está, mal sae do quarto o rapazinho. Vocês ja vão saber do que se tracta... Na noite do appagão, o joven entra no quarto e, emquanto a velha se concentra na caixa de bombons, solta da latta a aranha! A aranha grande, enorme, ingrata, a gigantesca aranha, que caminha por cyma da coberta! Si a velhinha do susto excappa, qual veneno a macta?
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DISSONNETTO PARA DUAS DORES [1871] O carro estacionou sobre a calçada bloqueando a passagem da velhinha que, carregando as compras, bem cansada, a custo e devagar andando vinha. Inconformada que um carrão invada o espaço do pedestre, se abbespinha a velha que, a poder de bengalada, admassa a lattaria 'inda novinha. A crer este episodio não me custa. Fraquinha ja não é, porque o furor se appossa de seu braço! O admolador que vinha logo attraz até se assusta! Não é tal personagem tão vetusta! O dono do automovel chega, emfim, e leva, tambem elle, a surra! A mim, no carro a bengalada foi mais justa.
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DISSONNETTO PARA UM ACCIDENTE PRAGUEJADO [1886] Rapazes que, num carro em disparada, se adjunctam, bollam nova brincadeira: passar pela sargeta e uma expirrada nas pernas nos dar d'agua que mal cheira. O exgotto alli desagua, e não ha nada mais fetido e mais podre! Bem na beira daquella atroz calçada, uma cansada velhinha, tonta e tropega, se exgueira. Não vendo diversão siquer parelha, os jovens ja deliram de alegria e passam por alli jogando a fria e suja ducha sobre a pobre velha. Ha sempre, de esperança, uma scentelha, pois a veloz manobra os faz perder a direcção: o carro vae batter no poste e, dentro, tudo se advermelha.
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DISSONNETTO PARA UM PAPPO ENTRE EDOSOS [1912] Velhinhas ellas duas, sua vez agguardam na fatal salla de espera. Um velho senta ao lado: mui cortez, do pappo participa, bem à vera. A velha addoentada só exaggera nas dores, mas à outra a viuvez é coisa superada, e na paquera confessa confiança, rindo os trez. "Preciso é me casar!", explicou ella, dizendo ter ingrata parentela e nada que esperar de bom dos seus, aos quaes, tão desdenhosos, disse addeus. "E o senhor, é casado?", ella se vira para quem, tão discreto, tudo ouvira daquelle pappo proprio de plebeus. e o velho respondeu: {Graças a Deus!}
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SONNETTO PARA OS AMIGOS DO JOVEN [2029] Com fama de maluco: assim me pincta o joven aos amigos. Eu, que sinto saudades da visão agora extincta, motivo sou de riso e baixo instincto. Rastejo, dos infernos ja no quincto, perante esses rapazes, aos quaes trinta anninhos são velhice. O labyrintho dum cego é diversão que se requincta! Commentam: "Cego otario!" E dão razão ao joven que se gaba do tesão que sente ao ser meu mestre e meu juiz. Foi Deus quem deu ao joven a chibata, dizendo: "É todo seu! Abuse, batta sem dó, pois ficou cego porque Eu quiz!"
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SONNETTO PARA UM PROGRAMMA NOCTURNO [2081] Ranzinza estou ficando... Mas será que sou appenas eu? Não mais aguento balladas e noitadas para la da meia-noite, e só me impaciento. Logares fumacentos, bla-bla-bla, zumbido nos ouvidos pelo augmento continuo do volume... E, depois, ha despesas, temporaes, transito lento. Na roupa, o fedor forte de cigarro se entranha... Sem dormir, ainda exbarro, na volta, com policia e com bandido. Ah, chega! Assim, prefiro nem de casa sahir! Acho que a edade ja dephasa, mas, quando é para a cama, eu me convido.
GERONTOPHOBIA
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DISSONNETTO PARA UM PERIPAQUE SEM DESTAQUE [2099] No quarto do motel, o velho exhala um ultimo suspiro: o comprimido tomado foi demais para quem galla ja nem tem no colhão, que está rendido. A pobre prostituta ainda falla: "Vovô! Que foi? Accorda!" Addormescido, porem, elle jamais irá escutal-a, tampouco dar ouvidos a Cupido. Chamada a portaria, alguem accorre e encontra uma menina, 'inda de porre, tentando despertar uma carcassa que dessa noite tragica não passa. Nenhum policial se surprehende com mais esta occorrencia, que não rende siquer noticia nova para a massa que curte nos jornaes qualquer desgraça.
52 GLAUCO MATTOSO
DISSONNETTO PARA UMA HILARIA FAIXA ETARIA [2213] Edade, para os hippies, influia na adversão por alguem que a gente sinta. Foi principio de tal philosophia: "Não confie em ninguem com mais de trinta!" Persistem taes valores hoje em dia: que um az do futebol na edade minta faz parte do mercado. Alguem confia num "velho" que não marca e que não finta? "Vovô", rotula a chronica quem passa dos trinta, trinta e cinco... Quem commenta chacota faz do craque. Eu acho graça, ja que estou a caminho dos septenta. "Canalhas envelhescem tambem!", falla o povo, cuja lingua não aguenta ninguem. Eu me divirto. Manda balla o bandido "menor", e se innocenta.
GERONTOPHOBIA
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DISSONNETTO PARA UMA THIA CENTENARIA [2360] A septe chaves fica, alem do trinco, a edade verdadeira da mulher. Faz ella, desde os vinte, o que a mãe quer: um anno compta quando passam cinco. Si, em caras enrugadas, cada vinco adjuda a envelhescer, quem suppuzer que é trinta, e não quarenta, de qualquer donzella a compta, a brinda com um brinco. Passando dos quarenta, até os cincoenta, declara a solteirona ter appenas seus trinta e poucos, algo que lhe assenta, e vae desempenhando aquellas scenas. Talvez tenha collado o que apparenta. Só quando não disfarsa taes dezenas é que ella, de repente, allega oitenta: ja não tem mais sobrinhas tão pequenas.
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DISSONNETTO PARA UM ALLOPRADO APPOSENTADO [2682] Fui louco. Resolvi tomar juizo. A edade vem chegando, e ja não sou aquelle masochista que chupou caralhos e escutou do macho o riso. Pezões, desde o mais sordido ao mais liso e limpo, este ceguinho supportou na lingua. Si massagens hoje dou, é só porque o assumpto 'inda pesquiso. Num mundo tão ingrato e tão cruel, eu fui, talvez, o cego mais masoca, e ja desempenhei o meu papel no circo, no presidio ou na malloca. Ja pude ser, das fodas, menestrel. Então, é natural que eu queira, em troca, um pouco de sossego, si o bordel da exquina ao meu dever não me convoca.
GERONTOPHOBIA
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DISSONNETTO SOBRE UMA SENHORA ENCRENQUEIRA [2855] Faustina, corra aqui! Venha ver só quem é que está la fora, no portão! É sua mãe, a minha sogra, e não exquesce aquella trouxa, aptada a nó! Apposte! Vae haver forrobodó! A velha vae metter-se em confusão commigo e com vizinhos! Vou, então, tractar de ir ja p'ra casa da vovó! Faustina! Eu não fallei? Pois olhe la! Aquella jararaca se metteu num baita arranca-rabo! Corra, ja! Que scena! Que scenario mais plebeu! Assim, não! Quem aguenta? Assim não dá! Pegou-se a tapa, a velha, com o seu Walfrido e, pelo jeito, elle é que está levando mais porrada até do que... eu!
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DISSONNETTO SOBRE UMA VELHINHA CONSERVADA [2951] Duvido que você só tenha vinte anninhos! Mais paresce ter septenta! Olhando mais de perto, a gente tenta fazer idéa, e vinte é puro accincte! Eu, oculos? Menina, olhe, é o seguinte: você, mais um pouquinho, nem aguenta! As rugas, essa pelle macilenta... Não dá! Nem que use mascara, ou se pincte! Talvez phantasiada de vovó você conquiste alguem, minha menina. Mas acho que você vae ficar só. Irá mofar, parada alli na exquina. Quem quer você? Não, só si for bocó! Eu mesmo, sessentão, não me fascina mulher tão velha assim! Tenho até dó do ratto que explorar sua vagina!
GERONTOPHOBIA
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MYSTERIO INTERIORANO (I a III) [3131/3133] As duas casas distam, entre si, trezentos metros. Numa, mora o pae; na outra, os filhos. Quando o velho vae revel-os, ou vão elles, o pae ri. O matto é bem cerrado e a estrada, alli, faz curvas. O rural silencio attrae, commenta-se, algo extranho. Nunca sae de casa alguem à noite, eu percebi. Querendo se alegrar, noite fechada, o pae vem ver os filhos, e confia na lua que illumina a estreita estrada. Não chega. Ouvem seus gritos de agonia e correm os rapazes, mas ja nada encontram no caminho... O que seria? O velho não estava em parte alguma! Passados poucos dias, tendo dado frustradas buscas, falla o delegado que a gente com taes coisas se accostuma: "Sumiços accontescem... Quem assuma meu cargo, vae ficando accostumado: às vezes some gente, às vezes gado..." Nervoso, outro cigarro accende e fuma. Os filhos não desistem. Não lhes passa jamais pela cabeça que alguem va sumir por compta propria, por pirraça. Seria um animal? O caso está ficando angustiante... Mas que raça de bicho? Um lobishomem? Que será?
58 GLAUCO MATTOSO
Depois de trez semanas, fica claro que o velho ja não volta: outro sumiço occorre, mas ninguem da lei com isso se importa. Um dos rapazes teve faro: "Resolvo a coisa eu mesmo! Saio e varo a noite nessa estrada! Desperdiço a vida, a munição, mas esse enguiço resolvo! Elle que attaque, que eu disparo!" E passa algumas noites percorrendo o tragico trajecto. Em casa, o mano, a postos, emfim ouve o berro horrendo. Mais gritos. Tiros. Jaz um corpo humano por terra, mas pelludo! Os irmãos, vendo a cara do pae, choram, findo o damno.
GERONTOPHOBIA
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BRONCHIOS BRONQUEADOS [3172] Mostrando ter espirito de equipe e muito senso civico obstentando, o edoso se vaccina contra a grippe e exemplo crê que está na vida dando. Vae logo percebendo que exaggera. Pegara, outrora, appenas resfriado, de quando em quando. Nunca elle tivera na vida aquelle quadro complicado. Depois de vaccinar-se, todavia, começa a dar expirros, a ter tosse constante, antecipando que lhe engrosse a placa de catarrho, dia a dia. Depois de muita febre e grande espera, accaba expectorando, mas, coitado, a cada excarradella que libera, cuspiu typo um quindim ou bomboccado! Agora, a quem pedir que participe de coisas que eu tambem dellas debando, o velho manda à merda que o constipe, assim como tambem eu sempre mando.
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CARISSIMO CARRINHO [3272] Alguma novidade sempre vem: O autonomo automovel não precisa de gente a dirigil-o, a midia advisa. Mas nisso confiança tem alguem? Sensores movimentam o carrão que, deante dum obstaculo, estaciona, e nunca desrespeita a contramão. Quem nelle quer pegar uma carona? O genro, do escriptorio, por controle remoto, a sogra leva e traz no carro, sozinha. Dum buraco, expirra barro no vidro aberto, e a velha que se admole! No proximo semaphoro, um ladrão apponcta-lhe o revolver: a mandona senhora abbraça a bolsa e diz que não! O gajo sua cara, então, detona! Não foi appenas ella. Apposta quem? De muitas houve a morte: uma pesquisa revela que o carrão se vulgariza. Vocês o comprariam? Que tal? Hem?
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DIETETICA DIALECTICA DIABETICA [3279] Repito o que foi dicto todo dia: "Não posso comer doce, você sabe!", dirá mamãe, mas come até que accabe, emquanto doutros themas ja desvia. De exemplo não faltava algum gluttão: Papae, tambem notorio "formiguinha", traz caixas de bombons, como si não soffresse a diabetica, tadinha! "É muito chocolate! Vae sobrar! Eu vou ser o-bri-ga-da a comer isso!" E a velha põe de lado o compromisso com medicos, dá sopa para o azar. Occorre logo a mesma explicação: "É só para provar...", diz, e exquadrinha a cheia caixa, excolhe, mette a mão, tirando varios: "Truffas! Esta é minha!" Dos doces, emfim, ella se sacia. Depois, diz rindo: "Chega! Ja não cabe mais nada!" E o lenço impede que ella babe. Comer como comeu é o que eu queria!
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PONCTA QUE ADMEDRONTA [3351] À fila da vaccina, uma velhinha (ouvindo uma commadre intromettida), nervosa, a muito custo se encaminha. De estar alli, coitada, até duvida. Naquelle seu conceito pobre e raso, tem medo de injecção e até receia effeitos secundarios que, em seu caso, molestia se tornassem, bem mais feia. Alguem tenta accalmal-a: "Não, senhora, a coisa não dóe nada, eu lhe garanto! É só uma piccadinha! P'ra que tanto receio? Nem bebê de collo chora!" Aquillo só provoca mais attrazo. Na hora da piccada, ella bambeia, temendo perfurarem-lhe algum vaso, mais fundo que uma agulha numa veia. Por antecipação, soffre, definha, suppondo-se eskeletica, abbattida. desmaia, tomba e morre... E nada tinha! Buscando prevenção, perdeu a vida...
GERONTOPHOBIA
SEM DÓ DA VOVÓ [3531] Recebeu a violenta bofetada, que lhe estalla na bochecha, mas aguenta, pois se sente na senzala. Abboccanha a ferramenta do machão, para chupal-a, appesar de achar nojenta sua azeda e espessa galla. A mulher, que elle maltracta, ja nem pede que não batta: soffre, appenas; soffre e mamma. Vão-se os annos, e ella ao netto conta tudo. Este ouve, quieto, e depois goza na cama.
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COMMUNIDADE DE ULTIMA GERAÇÃO [3551] Ao moleque, só interessa contemplar, para a punheta, o que a praia exhibe à bessa: madurões de sunga preta. Com a camera, attravessa toda a areia, a ver, cheireta, os senhores que essa peça vestem, ja sem camiseta. Photographa os mais grisalhos, do mais integro ao mais punga, e os carecas, seus caralhos gorduchinhos sob a sunga. No seu quarto, elle os desfructa: perde o follego, cafunga ante as photos e as permuta com quem desse olhar communga.
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A VOLTA DO MOTTE DO MARIMBONDO [3661] Marimbondo, vespa, abelha... a familia é variada, mas, num poncto, se assemelha: lamber coisa assucarada. A vovó, cuja vermelha chota coça, exparramada no sofá fica. Pentelha por alli quem não quer nada: Solitario, o pobre insecto se enredou naquelle nó: sem seu doce predilecto, de si mesmo sentiu dó. Sem nenhum pudor se expondo, se virou como elle só: "Foi morder o marimbondo a boceta da vovó."
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TROVANDO A TROVA DA VOVOZINHA [3809] Accabei de produzil-a e, no verso em que se encerra, esta trova não vacilla quando é contra qualquer guerra: "No sofá vovó cochila. Si o nettinho corre e berra, nem se abballa, está tranquilla: reina a plena paz na Terra..." Mas o Pedro, que é do contra, um pretexto logo encontra para rir quando alguem erra e meu verso sempre emperra. Acha a scena muito leve e este quarto verso escreve: "No sofá vovó cochila. Si o nettinho corre e berra, nem se abballa, está tranquilla: vae cahir! Ja ja se ferra!"
GERONTOPHOBIA
ACCIDENTE VASCULAR CEREBRAL [3935] Mas foi uma jararaca, essa velha! Agora pena, desde o dia em que, na maca, foi levada... Triste scena! Quem se vinga da velhaca paralytica é a pequena netta, a sós com ella: attacca a vovó sem dó nem pena! É cruel, essa creança? Um descompto ainda eu dou. Não será sua vingança contra alguem que a maltractou? Si, de rodas, na cadeira dando aquelle triste show eu a vejo, algo me cheira, mas julgal-a é que não vou!
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CHARTAS ENTRE UM JOVEN E UM VELHO BARDO (I a X) [3981/3990] Dante a Lobo se habilita e se torna remettente: Caro Mestre, me permitta que, por esta, me appresente! Sou poeta e, em minha escripta, é você muito influente! Sou aquelle que mais cita os seus versos e que sente a attracção dessa "maldicta" e "satanica" corrente! Pedir venho, caro Mestre, que me treine, que me addextre nesse officio delirante! No enveloppe tambem segue o meu livro! Não me negue commentario! Seu, P. Dante.
GERONTOPHOBIA
Lobo a Dante deu aqui a resposta do correio: Oi, moleque! Recebi seu livrinho, que ja leio. Fora um erro, aqui ou alli, você até que não faz feio... Falta só mais phrenesi, mais tesão; sobra receio de offender. Eu não senti seu pezão pisando em cheio. Por fallar nisso, meu Dante, qual seu typo de pisante preferido? Qual seu traje? Qual seu numero? Me diga! Me despeço: acceite a amiga saudação do Lobo Cage.
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Dante a Lobo dizer quiz isto ao ser correspondido: Alô, Mestre! Estou feliz que me tenha respondido! Acho tudo que me diz procedente: faz sentido! Farei versos mais febris, doradvante! Me decido a acceitar suas subtis temptações, e me convido! Tenho pé quarenta e trez e não é nada burguez meu pisante: uso cothurno! Mestre, um thema me suggira que illumine a minha lyra! Do seu Dante, o taciturno.
GERONTOPHOBIA
Lobo a Dante se desmancha em porens de intenções más: Salve, Dante! Mas que prancha tem você, moleque! Faz suppor que ella se excarrancha sobre a lingua mais loquaz! Um assumpto que deslancha qualquer verso e dá-lhe gaz é explicar aquella mancha na cueca dum rapaz! Vamos! Faça-me um poema sobre um thema assim! Não tema parescer muito melloso! Me descreva com cuidado o prazer de estar mellado! Seu Lobão, o palavroso.
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72 GLAUCO MATTOSO
Dante a Lobo acha que sova lhe dará e será cruel: Mestre! Agora se renova meu tesão de menestrel! De improviso fiz a trova que passei para o papel: "Na cueca tive a prova de que é doce como o mel minha picca! Quem a escova faz da lingua seu pincel!" Não ficou la muito boa, reconhesço! Mas à toa não compuz essa quadrinha! Vamos, Mestre, faça a sua! Pincte o septe! Prostitua seu pincel! Dante, o pestinha.
GERONTOPHOBIA
Lobo a Dante assim lhe veiu responder, abrindo o leque: Dante, a trova estava meio desconnexa, mas que peque nisso, appenas, pois, em cheio, me pegou! Eis o meu xeque: "Quando o mel eu saboreio na cueca dum moleque, com a lingua faço o asseio: lavo a mancha, antes que seque." Ja pensou, Dante, em fazer uma sobre o seu prazer de na sola ser lambido? Pense um pouco! Experimente! Me descreva o que é que sente um pestinha! Lobo, o lido.
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Dante a Lobo batte o prego do caixão, acha o gabola: Porra, Mestre! Eu não sossego si a mycose em meu pé colla! Mas, da proxima que eu pego, sua bocca me consola: "Quando eu tiro o meu burzego, sinto cocegas na sola! Só si a lingua for dum cego numa lixa assim se exfolla!" Seja cocega ou coceira! O que importa é que a cegueira seja a tonica da scena! Que tal, Mestre! Satisfaço seu desejo mais devasso? Do seu Dante, o bom de penna.
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Lobo a Dante, sem extranho se sentir, deu voz bem dada: Melhorou, Dante! E o tamanho do seu pé me inspira cada vez mais... Ora, eu não me accanho de propor esta cantada: "Si de lingua dei um banho numa sunga ennodoada, o volume que abboccanho cresce e, ao Dante, a scena aggrada..." Pois vejamos si você como "sordido" me vê e prosegue nesse tom. Nosso caso está no rhumo ideal, é o que eu presumo. Do Lobão, de lingua o bom.
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Dante a Lobo se revela e os cachorros solta, a rodo: Mestre, digo, Escravo: appella sua trova para o engodo! Mas farei sua goela engolir um outro lodo: "Quer você ver si me fella, mas na bocca eu não lhe fodo! No meu cu você se mella: vae lambel-o fundo, e todo!" Que tal, Lobo? Agora admitte que eu excedo o seu limite e sou optimo no ramo? Pois responda, e com respeito! Provocou-me? Foi bem feito! Do seu Dante, do seu Amo.
GERONTOPHOBIA
Lobo a Dante applaude a raça e ao jogral não dá mais trella: Certo, Dante, você passa no meu teste e se revela, mesmo, sadico. Uma taça ergo, em brinde, à trova bella! Não fará você que eu faça a faxina anal, mas sella sua trova esta chalaça com louvor! Me orgulho della! Pois, agora, a você cabe ser o Mestre! Estupre, enrabe um discipulo novato! Passe a bolla! É sua vez de fazer o que lhe fez o seu Lobo, um bardo grato.
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O CAUTO CAUSO DO PROMPTO SOCCORRO [4139] Soffreu ella um derrame e foi levada, às pressas, na ambulancia. Agora está deitada numa maca, mas não ha ninguem dando attenção, fazendo nada! Está bem consciente, mas, coitada, immovel totalmente ficou ja! Na maca ao lado, esqualida, gagá, fallesce outra velhinha abbandonada! Alli pelos edosos ha quem zele? Chamar alguem quer ella, mas a voz não sae! Desesperada, vê que a pelle da outra ficou verde! É scena atroz! Mais tensa ainda, treme e, antes que appelle ao sancto, a Christo, à Virgem... as vovós em volta o grito escutam que mais gele! E nada escutarão mais, logo appós.
GERONTOPHOBIA
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O CAUTO CAUSO DO VELHO GAITEIRO [4145] O velho, de aggasalho Adidas justo demais, sae pelo shopping à procura das moças. Quer olhal-as, só, por pura, platonica paixão... Mas causa susto. Sim, susto: ellas se assustam, pois a custo tão grande rolla cabe alli, sem dura estar e, si enduresce, quasi fura a calça, quando o velho admira um busto. Curioso fica aquillo, dia cada, mas nada que se saiba, todavia. Ninguem pode impedil-o: não fez nada de errado. Mas commentam... Quem seria o cara? Aquillo intriga a mulherada. E gasta bem, nas compras, elle! Um dia, alguem o vê sahir, descendo a escada rollante, dum rapaz na companhia.
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O CAUTO CAUSO DA BICHANA NA BANANA [4179] Saccolas, dessas plasticas, alguem ja disse que não prestam, e eu concordo. A aranha duma dellas entra a bordo, ainda no mercado, e nella vem. A velha, coitadinha, que não tem visão la das melhores, pensa: "Accordo mais tarde e as fructas provo! Não engordo por causa das bananas, não! Eu, hem?" Seu gosto quem discute? Quem extranha? Cochila, bem tranquilla, e, mal desperta, bananas quer comer! Depressa, appanha um cacho na saccola e a aranha allerta! Piccada forte sente! Aquella aranha veneno tem, mortal! Na mão aberta nem cabe! Quem não vê coisa tamanha? Cuidado com bananas em offerta!
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O CAUTO CAUSO DA EXTERMINADORA DE MENDIGOS [4182] "Coitada, é louca! (dizem) E varrida!" Ao vel-a gargalhar sozinha, a gente suspeita que a velhinha está demente, mas não que ella no crime reincida. Descobrem que ella sempre tira a vida dos outros com veneno, simplesmente nos coppos despejando um innocente pozinho exbranquiçado... E alguem duvida! "Não creio que ella coisas assim faça! Será possivel? Ella vive rindo de tudo, sempre alegre, achando graça, fazendo crer que o mundo seja lindo!" Descobrem, mas é tarde! Com a raça a velha ja accabou, no seu infindo humor negro, de tantos, nesta praça! Cuidado com o que ella vae servindo!
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O VIÇO DO VICIO [4197] Que posso eu esperar do meu caralho, si nunca tomar quero comprimido algum para erecção e me decido, sem falta, à mão direita dar trabalho? Nem quero imaginar! Sempre que eu falho, ja fico preoccupado! Que a libido às vezes diminue, eu sei, pois lido com lyra pornographica, à qual calho. Nas horas de impotencia, fica tão cahido, tão mollenga, este pingente, que temo não voltar mais meu tesão, ainda que, insistente, eu sempre tente. A coisa não funcciona só na mão, pois, quando um gorgonzola provo, urgente se torna meu desejo: o chulezão desperta logo o vicio novamente!
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SEM VIÇO NO SERVIÇO [4198] Caralho que, no punho, não viceja por causa dum estimulo, revela problema de erecção... si alguem appella à pillula, normal é que assim seja! Recuso-me, porem, a achar que esteja a picca tão cahida que algo nella não cause novamente aquella bella e viva rigidez que lhe sobeja! Bastante é que dum queijo eu prove o cheiro de mofo, que nos lembra a suja meia, e volta ao pau o viço costumeiro! De novo fica a picca na mão cheia! De novo o pincto sinto por inteiro! Portanto, está provado: o que tonteia alguns e os desaggrada, é prazenteiro estimulo que, noutros, vae na veia!
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O CAUTO CAUSO DO PENSAMENTO POSITIVO [4408] À noite, elle martella, batte porta, caminha pelo quarto, arrasta mesa, cadeira, dá descarga... A luz accesa no apê todinho deixa em hora morta. Bem sabe exsistir gente que se importa, no predio, com barulho e, com certeza, faz tudo de proposito! Indefesa, no andar de baixo a velha se comforta: "Espero do Demonio que o possua! É só questão de tempo! Esse maldicto accaba sendo victima da sua malefica mania! Eu accredito!" E o perfido vizinho continua naquillo. Certa noite, ouve seu grito a velha e vê seu corpo la na rua. Emfim teve, esticado, o seu gambito.
GERONTOPHOBIA
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O CAUTO CAUSO DA NOVELLA E DA SEQUELA [4410] O velho caducou. Às vezes, falla lembrando-se de tudo, mas duvida, repete o que fallou. Logo em seguida, pergunta que horas são. Depois, se cala. Estava agora mesmo alli na salla! Sahiu? Aonde foi? Tem recahida na rua e, então, se perde! Nossa vida virou inferno! E a velha nem se abballa! Novella, a que ella assiste, está na moda. Aquelle, esclerosado! Inerte, aquella! E a gente, o tempo todo, se incommoda com elles! Para o sancto a mana appella. Eu chego, dia desses, e (Que foda!) está no chão, cahido! Vê novella a velha, indifferente, e nem se açoda! Mania de TV ver, que tem ella!
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RITO CORRIQUEIRO [4482] Me sinto, sessentão, ainda inteiro em termos de neuronios. O maldicto glaucoma me cegou, mas exercito, ao menos, na memoria, um gosto, um cheiro. Dormindo pouco, sempre menos, beiro a insomnia, ja, total. Mais lento o rito perfaço do intestino e, quando evito grippar-me, o rheumatismo vem primeiro. Agora me pergunto: O que farei? Taes coisas ao leitor não interessa contar, mas pouco importa. Ja contei mil vezes, de interesse, coisa à bessa. Permitto-me gastar a nobre lei do verso appenas dando compta dessa missão de até contar quando peidei, ainda que ninguem isso me peça.
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SOU GLABRO E NÃO ABRO [4483] Usei barba na decada de oitenta, depois raspei-a e raspo até o cabello. Agora estou na duvida: mantel-o assim? Deixar a barba? Isso me tempta. Estou quasi careca e ja cinzenta tambem ficou a barba... Esse modello grisalho, madurão, exige um zelo que não terei... Ah, Glauco, não inventa! Deixar crescer demora, dá coceira... Si vivo cofiando a sobrancelha, terei que cotucar a cara inteira! Melhor é barbear-me: é o que acconselha a practica diaria, caso eu queira ter tempo de coçar olho ou orelha, alem, nos pés, da chronica frieira. Qual outra coceirinha se assemelha?
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ROSTO POSTO EM POSTER [4517] Na "Folha" me foi lido que o Chacal dedica-me um poema e cumprimenta seu par de geração. Tambem sessenta faz elle, o meu collega marginal. Com seu olhar de tigre, impressão tal causou, na "Navilouca", nos septenta, em mim a sua photo, que esta attenta memoria ainda o cita em recital. Procuro ser poeta, ainda, à margem. Está num antigão sonnetto meu: "Chacal pagou o preço da passagem e deu muito prazer a quem o leu." Seu tom de livre verve, alem da imagem de joven goliardo, me valeu por symbolo de como os bardos agem. Questão de ser assim tambem fiz eu.
GERONTOPHOBIA
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O SADISMO DO OLHO (I) [4523] Estou finalizando o meu ropteiro e quero que você, Glauco, confirme si está, mesmo, de accordo com meu firme proposito de expol-o por inteiro. Ao publico, o que é falso ou verdadeiro em duvida estará, mas divertir-me pretendo: em meu poder, você servir-me irá como cobaya, ao tacto, ao cheiro. Um cego, ao ser exposto, é masochista. Eu, como director, quero que sinta a minha auctoridade e não resista. Eu quero carregar, mesmo, na tincta. Que sua carapuça, agora, vista! Curioso é ver que alguem menos de trinta tem... que outro, de sessenta, sem a vista ficou e em cumprir ordens taes consinta.
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O SADISMO DO OLHO (II) [4524] Confirmo: estou de accordo. Ser exposto num filme, para um cego, é como estar na jaula dum zoologico, em logar do exotico animal, a contragosto. Mas, mesmo assim, concordo em pôr meu rosto na frente duma camera, em fallar aquillo que mandarem, em meu lar deixar que invadam, como foi proposto. Terei, ja sei, que usar a lingua, a mão, o corpo, em summa, como ferramenta do sadico capricho dum mandão que scenas degradantes sempre inventa. Ao publico, obviamente, é diversão. Calculo o que você, rapaz, intenta fazer commigo... As ordens me serão mais duras: sou mais velho, aos meus sessenta.
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PARAPHRASE DE SONNETTO SOBRE UM CONTO DE THIAGO BARBALHO [4531] Os velhos não teem tempo, mas nós temos. Teem medo, mas de skate, em turma, andamos bem rapido e não temos. Nós fallamos em giria e, tattuados, somos demos. Na bronha elles, frustrados, em extremos comnosco se imaginam: somos amos; escravos elles, nossos, e mandamos que chupem, no cu delles nem mettemos. Meu tennis mais gastei que um andarilho. Só temos dezesepte, elles septenta. No escuro, os olhos delles teem um brilho de cego que nos chupa e nos sustenta. Maldades commettemos: não me humilho, mas elle sim, na sola poeirenta do tennis, como um pae lambe o do filho. É nossa geração a mais marrenta.
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DOSE DUPLA (I) [4569] Mais uma grippe! Agora duas são por anno! Ah, mas eu tenho ja sessenta, ja posso vaccinar-me! A catarrhenta molestia não me pega outra vez, não! Mas, como dou azar em situação qualquer, é bem capaz que seja lenta ou nulla essa efficacia e, frio venta, me grippo antes da proxima estação! Nenhuma condição menos ruim conhesço, nem abysmo mais profundo! Vaccinas e remedios são assim: funccionam, em geral, com todo mundo, excepto (como sempre foi) em mim! E ainda me criticam si eu redundo, si insisto que o Destino tem por fim jogar-me, do meu poço, bem no fundo!
GERONTOPHOBIA
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DOSE DUPLA (II) [4570] E quando a cephaléa, de roldão, vem juncto com a grippe? Alguem aguenta? Alem de me entupir de ranho a venta, ainda dóe por dentro e faz pressão! Aquelles comprimidos sempre à mão eu tenho... Que addeanta? A dor augmenta em vez de arrefescer! Si o tempo exquenta, dor sinto; quando exfria, mais, então! Pensando bem, allivio a sentir vim appenas num minuto, ou num segundo, debaixo de anesthesico, isso sim! Emquanto em depressão eu não affundo, não vejo a situação ruim assim. Indagam-me si, às vezes, não desbundo nem piro... Um pó, talvez pirlimpimpim, dê somno em mim, mais longo e mais profundo.
94 GLAUCO MATTOSO
PARCERIA NA LAVANDERIA [4590] Dois velhos se lamentam. O primeiro, casado com mulher mais moça, chora: "Eu morro de ciume! Ella me adora, mas sempre eu desconfio... Sou cabreiro..." O amigo acha o contrario: {Até do cheiro da minha roupa está minha senhora pensando mal! Ciumes tem, agora, até do meu chapéu, do meu isqueiro!} Um diz: "Quanta canseira! Que diacho!" Diz outro: {Vae ficando complicado...} Estão de accordo: "Sabe o que é que eu acho? Melhor é nós tomarmos mais cuidado! As duas andam junctas... Falta um macho..." {Tambem acho! Só fico preoccupado que saibam, affinal, do nosso cacho... Nos falta mais mulher do nosso lado...}
GERONTOPHOBIA
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VIOLENTO VENDAVAL [4664] Mormaço. O temporal que se advizinha assusta: todo mundo corre para algum abrigo. O transito ja para, formando, de automoveis, uma linha. O vento tudo abballa! Aqui da minha janella, escuto o allarme, que dispara, os gritos, as buzinas... Suspeitara alguem? Fazia sol 'inda agorinha! Das arvores mais velhas, a maior se inclina com perigo. Emfim, desaba na rua, attinge tudo ao seu redor. Morar ha quem prefira numa taba! Desfechos deste typo, os sei de cor. No carro que ficou debaixo, accaba morrendo um velho. A velha está melhor. Salvou-se, mas, gagá, sorri, se gaba.
96 GLAUCO MATTOSO
UFFANO VETERANO [4672] "Você vae ver! Vovô? Você me chama de velho? De gagá? Sou competente piloto, e vou mostrar! Experimente ceder-me um caça, e eu provo a minha fama! Aquelle alli? Molleza! Só quem ama voar pilota attento e tesão sente! Oitenta annos eu tenho, ouviu, tenente? Mais vale ter, por dentro, aquella chamma!" {Senhoras e senhores! Attenção! A nossa transmissão hoje extrapola o maximo limite de emoção! Está naquelle caça que decolla um grande e velho heroe da aviação! Observem! Que manobra! A sua eschola é a vida! Epa! Cahiu! Meu Deus! Oh, não! Explode, olhem! De fogo sobe a bolla!}
GERONTOPHOBIA
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MALES MENORES [4673] "Vocês não poderão passar das dez! Está na convenção do predio! Festa não pode perturbar os outros nesta morada! É prohibido armar banzés!" Foi como não fallar. Logo, attravés das lages, o som vaza, alto, e molesta os velhos moradores. Pela fresta dos vidros, vibra, desde o chão, do rés. Ah, como a juventude, gente, é bella! Passou da meia-noite, e a molecada se exbalda no sallão! Como martella aquelle batte-estacca na ballada! Um velho, neurasthenico, que della se encheu, a luz desliga. Conformada, a turma canta e dansa à luz de vella, em khoro, uma canção desaffinada.
98 GLAUCO MATTOSO
TRAGICA COMICHÃO [4745] Coceira na cannella ella sentia, coitada da velhinha! Foi coçando, coçando, até que estava, eis sinão quando, aberta uma ferida na tithia! A chaga não sarava e mais se abria! Sangrava, em carne viva, e nada brando prurido ainda vinha provocando! A velha se coçava: que agonia! Em vez de cicatriz, a carne estava querendo appodrescer, virar carniça! Coçar, não: ja queimava feito lava! Até que lhe amputaram, enfermiça, a perna... De muletas, ella excava, agora, a perna boa... A mão se attiça! Depois, o que virá, que mais se aggrava? Coceira até na nadega postiça?
GERONTOPHOBIA
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DIA DO EDOSO [4754] Segundo a millennar sabedoria judaica, envelhescer não é problema. "Não seja catastrophico! Não tema!" Assim diz o rabbino, e sentencia: "É tempo de colher o que se havia plantado...", explica o sabio. O estratagema funcciona quasi sempre, mas o thema afflige aquella typica judia. Quer ella seu temor expor, aberto. Nervosa, apprehensiva, ella compara seu caso ao do habitante do deserto, logar onde ninguem jamais plantara. Responde-lhe o rabbino: "Mas, bem perto dalli, na terra fertil, minha cara senhora, quem plantou colher quiz, certo?" O sabio bem entende da seara.
100 GLAUCO MATTOSO
SIGNAL DE VIDA [4783] Alguem sempre lhe toca a campainha e foge. Está rheumatica, coitada, a velha moradora! Agora, cada vez que ella escuta, esboça a risadinha. Coitada! Antigamente, às pressas, vinha à porta, ver quem era... Via nada! Ninguem! Disse a vizinha, accostumada: "Desliga! Eu desliguei, tambem, a minha!" Occorre que esse instante muito rende... Prefere a velha ouvir o barulhinho de sinos repiccando. Não attende, mas pensa num irmão ou num sobrinho. Não vinham visital-a, mesmo... Accende, à noite, a luz de fora e, dum canthinho escuro, espia, a ver quem surprehende, na falta dum pouquinho de carinho.
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RAPIDO REPARO [4790] Está trocando a lampada, trepado num banco, o zelador. Quem o chamara lhe fica ao lado e perto chega a cara do tennis encardido e detonado. É um velho morador, que, alli do lado, disfarsa, finge estar olhando para a lampada. Podolatra, essa rara e breve chance curte, enthusiasmado. Fingindo se abbaixar para pegar alguma coisa, o velho quasi encosta a cara no pisante de que gosta demais da compta: a chanca cavallar. O cheiro que elle arrosta é duma posta de peixe podre! Pouco vê durar aquelle feliz jeito de alcançar seu ecstase: se accende a luz... Que bosta!
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MELHOR EDADE (I a X) [4811/4820] Masochismo differente pode um cego supportar. Basta, em summa, que elle aguente um sadismo salutar. Como assim? É, certamente, o que irão me perguntar. Eu explico, vehemente, pois meu caso é um exemplar. É normal ter medo a gente de addentrar um ambiente onde alguem quer torturar. Mas prazer qualquer um sente si um ceguinho obediente, entre amigos, se mostrar. Em familia, em sociedade, todo mundo ser amigo apparenta, ou ser confrade: de offender não ha perigo. Nesta sadica cidade, succedeu assim commigo. Tal theatro, nem a Sade occorreu, é o que lhes digo. O marquez extranharia que a tamanha putaria um ceguinho se prestasse. Coito oral se sophistica, hoje, e um cego chupa picca de quem dupla tem a face.
GERONTOPHOBIA
Um collega, ou mesmo um primo, um discreto e bom vizinho, são pessoas que eu estimo e me estimam, com carinho. São poetas com quem rhymo. Com taes homens bebo vinho. Delles ganho, ou algum mimo, ou algum riso excarninho. Só depende do momento. Si um extranho, mesmo attento, observar, não nota nada. Entre a gente, todavia, basta um gesto de ironia e entendi como ordem dada. Tenho um pacto com quem queira desfructar da fellação que quem vive na cegueira fazer sabe em quem é são. Meu bom senso ja se inteira dessa sadica intenção si alguem chega e, de maneira reservada, abre a questão: "Então, Glauco, estou a fim de que um cego, para mim, sirva como chupador..." {Sim! Só peço que você, como a sorte é de quem vê, ironize a minha dor...}
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{Verbalize, no momento em que eu chupo, seu prazer de poder ver, a contento, toda a scena, ao me foder...} "Com certeza, Glauco! Attento estarei si, em meu poder, estiver você! Não tento fingir dó! Como é bom ver!" Com franqueza dialogo e responde elle. Assim, logo em seguida, eu me adjoelho. Para fora da braguilha tira o penis, e me humilha, quem chegou, velho ou fedelho. Ja chupei um velho, por varios mezes. Preferia minha bocca esse senhor por achal-a bem macia. Meio molle, é de suppor, tinha a rolla. Mas crescia si da lingua, ao seu dispor, eu mostrava a serventia. Um caralho que deixava na cueca a urina, escrava quer que a bocca de alguem seja. Eu, com calma, fiz que sou bom escravo, e elle provou que um velhote não se peja.
GERONTOPHOBIA
Tinha, alem de filho, netto e um vovô bem carinhoso parescia. Bem discreto foi, commigo, pois, seu gozo. Um fedor azedo, infecto, da cueca vinha. O edoso, sem ainda estar erecto, ria: "Chupa ahi, Mattoso!" De joelhos, a cabeça eu baixava... Que admollesça um pau desses, normal é. Mas a bocca, quando é cega, de excital-o se encarrega e elle exporra, bisa, até. Com ninguem mais o velhote gozo egual ter poderia. Mas, num cego, caso bote fundo, um velho se sacia. Si receia alguem que enxote seu tesão, recolhe e exfria o caralho. Nesse dote qual mulher beijos daria? A calhar, portanto, veiu um ceguinho que, no meio das visitas, nem se nota. Quando a salla dessa gente se exvazia, elle se sente à vontade e o pau me bota.
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Outro dia, ao telephone, commentou elle: "Me sinto mais cansado..." E se addicione annos nisso, o quarto ou quincto. "Sabe, Glauco? Um panettone no Natal, um vinho tincto, nem, talvez, eu prove... Um clone eu queria ter no pincto... Mas ainda, quando penso que me chupa um cego, immenso prazer tenho... Isso se explica?" Eu respondo: {É natural! Quem visão tenha normal, sempre enxerga, erecta, a picca...} E, animado, o velho diz: "Tem razão, Glauco! Ver bem deixa a gente mais feliz! Razão nisso você tem... Sabe, Glauco? Quando eu fiz me chupar, você, que, sem me ver, tudo fez que eu quiz, entendi o tesão que vem... Meus defeitos você não reparava, si a visão que lhe falta é mal mais grave... Foi por isso que eu fiquei de pau duro e, feito um rei, desfructei sem ter entrave..."
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FICHA CAHIDAÇA (I a III) [4898/4900] Aos septenta, ella accredita que uns encantos 'inda tem. Foi mulher muito bonita, mas agora... Pensar nem! Sae à rua, apprompta, agita, attenção chama de alguem. Mas retorna à casa, afflicta por sahir-se nada bem. Da mulher ninguem tem dó: foi chamada de vovó e até velho della ri. Affinal, como fez Hebe, que é senhora ella percebe e, sensata, cae em si. Mais gagá, porem, está a mãe della, viva ainda. É difficil, mas... Será que tambem se julga linda? Não, é claro! A vovó ja se tocou. Mas é bemvinda si visita outro gagá, que paixão lhe exhibe, infinda. O viuvo continua com tesão, e sae à rua: assanhado, apprompta, agita. Quando encontra a velha, diz: "Quer sahir? Vamos!" Feliz, ella pede que repita.
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Namorando os dois estão, a mãe della e esse senhor ja senil, mas com tesão de rapaz... Constrangedor! Ciumenta, com razão, fica a filha, é de suppor, si por esta todos dão nada, ao menos em favor. Chega, um dia, à mãe a filha e se queixa: "Si alguem pilha a senhora e elle, no flagra?" A velhinha, surda, falla: {Hem? Meu gatto? Elle tem mala sempre prompta! Usa Viagra!}
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SEM CEREMONIA [4921] A velha, ao telephone, parescia cholerica: "Que filha duma puta! Que merda! Me fodeu, a vacca! Escuta aqui, manda tomar no cu! Vadia!" Ficava extarrescido quem ouvia. Tão doce, tão amavel, de conducta tão recta e respeitavel... É fajuta, então, essa postura? É falsa e fria? Hem? Falla assim tão rude entende quem? Mal larga o phone, a velha se refaz na sua habitual doçura. Vem servir um cafezinho, broas traz: "Estão servidos? Querem leite? Tem assucar, addoçante... Ah, meu rapaz! Provou este puddim? Gostou, meu bem? Fogão, só tenho a lenha, não a gaz!"
110 GLAUCO MATTOSO
RABUGICE DE QUEM DISSE [4941] O joven dá risada tremidinha, paresce até um bezerro desmammado, um bode, um carneirinho, ou qualquer gado daquelles que assim balem, nessa linha. Problema que é só delle, si não vinha à baila o condominio povoado de velhos rabugentos, cujo lado mais acido aos domingos se sublinha. Se juncta no portão a molecada. Na roda, o adolescente, mal se enturma, começa a dar risada. E bale, a cada minuto. E com barulho tal se durma! Implica um velho: {É tanta barulhada! Só comem sanduiche de pão "purma"! Só tomam coca e contam só piada!} E o thio chia com sua propria turma...
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LENTES INCORRECTIVAS [4942] Os oculos cahiam toda hora! Na sopa, no seu collo, até na pia! Em casa, todo mundo della ria: "Admarra! Ja fallei para a senhora!" Ganhava correntinhas. Mas escora alguma aquelles oculos? A thia usava uns muito grandes! Não seria o caso de trocar? Sim, sem demora! Fallavam sem cessar, inutilmente. Teimosa, a velha tudo recusava! {Não quero! Estes aqui teem boa lente! Um pouco pesadinhos, mas...}, fallava. Até que demorou. Num dia quente, a velha se abbannou e... Agora, aggrava a lente de contacto o que ella sente e quer mandar, tambem, a lente à fava.
112 GLAUCO MATTOSO
ABBRAÇO SUADAÇO [5063] "Só quero um filho delle e que elle exporre bem rapido!", a modello pensa, anxiosa, emquanto é penetrada. Quasi goza o velho astro rockeiro, ja de porre. A moça se preoccupa. "E si elle morre de tanto se exforçar?", repensa. E posa de groupie, de tiete, de gostosa, banhada no suor que delle excorre. Fez tudo que podia: abboccanhou aquillo que ja fora dura tora, passou em volta a lingua. Ja chupou aquella rolla molle, que demora bastante a endurescer. Ja deu seu show. Agora a vez é delle. A hora, agora, é desse dinosauro, que suou no palco e, exhausto, a abbraça. Brocha e chora.
GERONTOPHOBIA
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SONNETTAR E COÇAR, EIS A QUESTÃO [5077] De amigos escutei que alguem commenta a minha posição na poesia, dizendo que à exhaustão eu ja teria levado o sonnettismo. Gente attenta! Procede essa attenção, mas, aos septenta, ainda não parei. Que eu gostaria de ter levado, é claro! Quero, um dia, dizer que o fiz, que nada se accrescenta. Depois de alguns milhares, dez ou vinte, talvez à conclusão chegar eu possa de, emfim, tel-o exgottado, e com requincte, com meu estylo, minha propria bossa. Evito commetter algum accincte. Não creio que, comtudo, nesta grossa e vasta producção, tal chance pincte. Emquanto eu não morrer, mais um me coça.
114 GLAUCO MATTOSO
DENTE IMPERTINENTE [5098] Sentado, do dentista, na cadeira, o velho sente aquella coceirinha gostosa na virilha, a tal que a linha perder faz qualquer um, queira ou não queira. Immovel, bocca aberta, elle ja beira seu poncto de controle: se encaminha o dedo, lentamente, à folgadinha cueca, no ropteiro da coceira. Secreta, a mão prosegue caminhando. Vencida a larga cincta, segue o dedo por entre a pentelheira, vae chegando ao foco do prurido, ja sem medo. Começa a coçar... Para justo quando a broca fura o dente! A dor tão cedo não deixa que se exquesça o velho, uivando! Não ha por que fazer disso um segredo.
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EDOSA MANHOSA [5245] Da cara della rindo, dizem: "Ora! Não seja assim tão credula!" Mas tem certeza disso a velha: advistou, bem de frente, um lobishomem! E ella chora. Mas deixam-na sozinha e vão embora. A velha tira os oculos, pois, sem as lentes, não verá ninguem mais, nem o monstro que advistou ainda agora. Tevê não tem, mas liga o radio e escuta noticia darem duma fera extranha que alli foi vista, proximo da grutta. Não é para assustar? Contra tamanha e bruta fera alguem sozinho lucta? Assusta-se a velhinha! O terço appanha, começa a rezar, quando a porta chuta, furioso, o lycanthropo... Era só manha?
116 GLAUCO MATTOSO
SAQUE SEM SAQUE [5266] Dinheiro no colchão a velha tinha junctado. Não appenas no colchão: nos potes, nas gavetas... Tantos são os moveis e utensilios da velhinha! Moedas, notas... maços... A mesquinha deixava de comer, mas um tostão gastar nem cogitava. O dinheirão junctado, porem, falta, e ella definha. Seu caso renderá themas de estudo. Sozinha, morrerá. Depois de morta, saqueiam-lhe a mobilia, levam tudo que possa ter valor, janella, porta. A grana, dephasada, como o escudo e o franco, de brinquedo serve. Importa bem menos que o cofrinho mais mehudo à midia que metteu a colher torta.
GERONTOPHOBIA
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TARA QUE REPARA [5272] Quem usa, cuida. Alguem que vive o dedo ponctudo dirigindo, em riste, para os outros, apponctando-lhes na cara seus podres, se incrimina, tarde ou cedo. Quem usa, cuida. Affirmo e nenhum medo de errar tenho. O velhote, cuja tara por bunda de mulher jamais foi rara, accusa, e assim revela seu segredo: "Detesto, mas não posso ser ommisso! Que escandalo! Esses moços, hoje em dia, só ficam de olho grande em cyma disso! Só querem ver bumbum! Que putaria! Eu acho isso um horror! Não desperdiço meu tempo com trazeiros! Não seria melhor olhar a cara? É o que eu cobiço, até porque bumbuns não beijaria!"
118 GLAUCO MATTOSO
BOCCA DO POVO [5290] Duvido que ella seja bruxa. Só por causa dos chazinhos que ella faz? Magina! Tanta gente intenções más disfarsa, sem fazer cha desse pó! Affirmam que o pozinho da vovó é feito de substancias que, por traz da formula singella, dão aos chas poderes mysteriosos... Tenham dó! Magina! Cada coisa teem fallado! Coitada! Só quer ella allivio dar aos gazes, ao estomago embrulhado, à tosse, à rouquidão, à falta d'ar! Não creio que ella tenha collocado naquelles pós, moido, um tumular ossinho, ou carne humana em mau estado, tal como do governo ouvi fallar.
GERONTOPHOBIA
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AVARIA QUE VARIA [5299] Quebrado o elevador, vão pela escada accyma os moradores desse antigo e enorme condominio. "Vem commigo?", pergunta o velho à velha, que se aggrada. De braço dado, sobem. Vão, a cada andar, parando um pouco, um pappo amigo battendo. {Calma! Espera! Não consigo subir ja tão depressa! Estou cansada!} O velho comprehende que a vizinha, embora tenha quasi a mesma edade, das pernas é mais fracca, coitadinha! A passos rallentar se persuade. Ja bem devagarinho se caminha. Chegados ao apê della, a cidade contemplam da janella. {Cê não vinha faz tempo! Quer café? Leite? Metade?}
120 GLAUCO MATTOSO
ESQUETE QUE SE REPETE [5300] Dum omnibus saltou, noite fechada, a velha. A pé teria que alcançar a sua casa, aquelle doce lar, tão perto e tão distante dessa estrada. De dia, esse trajecto não é nada! Pertinho nos paresce. Mas deixar que a noite caia torna tal logar sinistro, estando a rua enluarada. Caminha a velha, quando escuta, attraz, uns passos appressados. Não se vira, tem medo. Apperta o passo, tambem, mas, na exquina, alguem a alcança. De mentira achava ser a cara assaz voraz dum lycanthropo... Agora, um ella mira! A bruta creatura ainda faz caretas tão horriveis, que ella pira!
GERONTOPHOBIA
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DISSONNETTO DUM DIA DE ALEGRIA [5312] É dos jovens esta data, o almanach apponcta e eu friso. Juventude se constata, não na edade, mas no riso. Duas velhas: uma, chata, fecha a cara, obstenta siso. Outra, alegre, todos tracta com sorrisos. Vale o adviso: Quem mais joven é? A "menina" mais carola e mais devota, que é birrenta e que azucrina todo mundo, ou a velhota? Comparada com aquella folgazan, que faz chacota e sorri, perde a donzella, rabugenta até na chota.
122 GLAUCO MATTOSO
DISSONNETTO DUM CULTO TUMULTO [5317] Corre-corre. Gritaria. Quebra-quebra. Barulheira. A velhinha, que antes ria, assustou-se e está cabreira. Minha nossa! Que seria? Arrastão? Ah, não, Deus queira! Na janella a velha enfia o nariz e os ventos cheira. A coitada até se borra: Vê, na rua, a molecada destruindo os carros, cada qual mais caro a quem não torra. Só moleque é quem exporra, mas se entende: são cyclistas que, cansados de nas pistas serem mortos, vão à forra.
GERONTOPHOBIA
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DISSONNETTO DUMA SENHORA QUE MONITORA [5330] Uma velha afflicta fica quando, alli no predio, algum molequinho mostra a picca na janella, algo commum. Ella enxerga mal, mas rica collecção juncta, desde um telescopio a uma impudica, cara camera, com zoom! Accreditem, que eu não minto! Um moleque não se sapha quando a velha o photographa exhibindo o duro pincto! O desfecho ja presinto e uma coisa eu logo noto: a velhinha, olhando a photo, satisfaz o seu instincto.
124 GLAUCO MATTOSO
DISSONNETTO DUM ACCESSO NOCTURNO [5334] Nem repousa à noite aquella solitaria velha: accorda mal dormida. O quarto gela. Liga o radio. A voz a abborda: "Vamos, ria...", ao povo appella o programma. Dada a chorda, ella passa a rir. Ri della mesma: é tragico, concorda. Do seu peito toma posse e faz della prisioneira persistente tosse, e tosse a coitada a noite inteira. Vae parar quando admanhesce essa crise passageira. Si risada ella não desse, da loucura estava à beira.
GERONTOPHOBIA
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DISSONNETTO DUM RESERVADO NÃO VENTILADO [5396] Entra a velha num boteco tão immundo, tão fuleiro, que ella pensa: "Ah! Não defeco aqui, nunca! Mas que cheiro! Me seguro! Me resecco! Mas não ponho o meu trazeiro nessa tabua, nesse treco! Que fedor neste banheiro!" Mas occorre que a coitada no buraco não põe rolha, não se aguenta, está appertada demais, para ter excolha. Numa tabua ja molhada de xixi, se senta... Encolha quem puder! Termina, e nada de papel, duma só folha!
126 GLAUCO MATTOSO
SONNETTO DUMAS MUMUNHAS NAS UNHAS [5431] A velhinha não attura que nas unhas alguem tente lhe mexer: sente gastura. E paresce uma indigente. Ellas crescem, teem ja dura consistencia. De repente, racham, quebram... Quasi fura o seu proprio olho, a demente! Vem alguem com a tesoura e a coitada, irada, extoura: "Não! Nem morta! Fico afflicta!" Giz lembrou, raspando a lousa: não exsiste peor cousa que no estomago reflicta.
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DISSONNETTO DUNS CHUVEIROS ORDINARIOS [5454] Resistencia de chuveiro queima facil. Peor quando, com sabão no corpo inteiro, vae a velha se banhando. A coitada verdadeiro pavor sente do nefando appagão, que deixa um cheiro de queimado... E o vento entrando! Teme a velha que, pellada nesse apê velhão que aluga, poderá ficar grippada, e o sabão do corpo enxuga. Quer chamar o zelador, mas, sem chance ter de fuga, sente medo de se expor, exhibindo uma verruga.
128 GLAUCO MATTOSO
SONNETTOS DUMA LOIRONA QUE SE APPAIXONA (I a III) [5497/5499] Dá licções a vida! A bella loira adora ver alguem dependendo della. Appella para o charme e se sae bem. Os rapazes da cadella são escravos. Ninguem tem peito para fazer della o que um velho a fazer vem. Quando a loira advista o cara que, tão myope, nem repara na belleza della, pira! Se appaixona, alli, na hora! E o velhote pulla fora! Não paresce, até, mentira? Que será que viu a linda mulher nesse velho escroto? Ninguem tinha visto ainda tal paixão! Fosse um garoto... O subjeito acha bemvinda a attenção daquelle broto, mas nenhum rapaz deslinda o motivo: elle é canhoto! Tem a loira verdadeira obsessão por quem não queira usar sua mão direita. Da mulher a maior tara é levar tapa na cara com a esquerda... Que subjeita!
GERONTOPHOBIA
No começo, o velho nem reparava na coitada. Mas, agora, todos teem a certeza: elle a degrada! Masochista, a loira vem rastejando. O velho brada: "De joelhos! Muito bem!" E lhe lasca a bofetada! Depois disso, a loira chupa, mas ninguem la se preoccupa com a bocca da cadella. Todo mundo só commenta como a vida é pirracenta com quem tira sarro della.
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A TESOUREIRA E O THESOUREIRO [5507] Tem elle, fofoqueira, uma vizinha, que vive commentando sobre a sua funcção no caixa. Alguem que o substitua não ha, diz a velhota à commadrinha. Às vezes, ella chega a ser mesquinha, dizendo que elle juncta e que jejua, mas elle, que excarninho é, não se accua e della falla: é phthisica e definha. Foi, claro, um bafafá rude e insensato. Si fosse appenas guerra de fofoca, seria o mal menor. Mas o boato anima a bandidagem da malloca. Assaltam-no. No bairro, o facto ingrato circula. Elle se muda. Agora, evoca seu nome a fofoqueira, juncto ao gatto. Que pena! Falta assumpto para troca!
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UM SATYRO SATYRIZADO [5508] Diz elle que comeu todas, um dia. Talvez tenha comido, mesmo. Agora, porem, bebendo todas, elle chora, saudoso dum orgasmo e duma orgia. Quem delle falla e os podres denuncia é sua ex-namorada, uma senhora lettrada e liberada, que namora, agora, um medalhão da academia. Ferina, a poetiza pincta o seu ex-caso como um typico gagá, que as calças emporcalha, um mau Romeu. Manchado de xixi, de facto, dá vexame o garanhão, que bem comeu mulheres como aquella bruxa má, na chota, na boccarra, por traz, eu certeza tenho, pelo que ouvi, ja.
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SOGRA QUE LOGRA [5511] Não posso accreditar! Então exsiste um dia para a sogra? Quem será que teve tal idéa? Algum gagá? A delle, fallescida, o deixou triste? Em vida, rabugenta, dedo em riste, a velha admeaçava. Agora, dá saudade a voz daquella bruxa má, coitada, sempre victima dum chiste. Talvez seja injustiça o que ja della fallaram: delirava, ardia em febre, surtava... Quem propoz que se celebre seu dia, tem razão, e ao senso appella. Jamais foi bruxa. Nunca num casebre morou, nem fez feitiço. Ainda bella, por cyma, foi, mas tarde se revela. Tabus, ha quem os lembre e quem os quebre.
GERONTOPHOBIA
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VOVÓS DA PRAÇA DE MARÇO [5528] A gangue das meninas appavora o bairro. Favelladas, ellas são terriveis, violentas, até tão más quanto os trombadões que um padre adora. Eu soube que se junctam, bem na hora de picco, no metrô. Faca na mão, assaltam passageiros. "Pasmem, não são presas!", reclamava uma senhora. Sem freios, a algazarra continua. As lojas portas fecham quando o bando circula e barbariza pela rua, fazendo um arrastão de quando em quando. E os paes das creancinhas? Não actua no caso o poder publico? Fallando, appenas, fica? A avó diz: "Senta a pua! Precisa ter voz grossa, ter commando!"
134 GLAUCO MATTOSO
NEVER TRUST ANYONE OVER THIRTY [5566] Segundo um lemma hippie dos sessenta, amor será canção, si bem cantada. Mas quando a lettra a gente apprender tenta, que é longa verifica a passo cada. Longuissima não é nossa jornada, porem essa versão, que se appresenta a titulo de amor e tanto aggrada aos jovens, é prolixa, muito lenta! Até que a decoremos, ja noventa teremos e qualquer pessoa amada ja morta ou ja gagá será! Cinzenta veremos, ja sem cores, a alvorada! Não quero parescer turrão, mas fada nenhuma nos garante que 'inda aguenta erecto um membro appós tanta cantada negada, tanta musica agourenta...
GERONTOPHOBIA
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DAMNE-SE A AMNESIA! [5603] Poetas perguntados sempre são accerca das razões, do que os motiva a tanto versejar e manter viva a lyra, a voz poetica, a canção. Eu sempre respondia que a razão estava na revolta vingativa que nutro contra a pena que me priva dum basico sentido, o da visão. Tambem ja respondi que escrevo, não por grana, nem por fama, mas saliva gastei justificando uma afflictiva mania, typo um vicio, ou compulsão. Ja velho, me dei compta: a coisa tão vital se torna, simples, decisiva! Ou isso, ou, porra, a gente desactiva neuronios que, babau, à morte irão!
136 GLAUCO MATTOSO
VERVE QUE FERVE [5632] {Caralho, Glauco, porra! Vae tomar no cu! Gosto da tua poesia por causa do calão, da putaria! Mas andas a appurar teu linguajar! Não fallas tanta merda mais! Um ar de estylo meio nobre me entedia nas tuas coisas ultimas! Arria as calças novamente! Vae cagar! À puta que pariu tuas pesquisas estheticas! Eu quero mais chulice, mais foda, mais fedor! Glauco, precisas soltar-te mais! Te liga no que eu disse!} -- Talvez os vendavaes paresçam brisas, agora que estou perto da velhice, mas culpa tens tambem, pois não me pisas tal como outrora. Falta alguem que risse...
GERONTOPHOBIA
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PROLIXA FIXAÇÃO [5636] {Prezado Glauco, quem lhe escreve estuda a sua poesia a fim de, em summa, razões verificar da sua aguda neurose na cegueira, affora alguma psychose mais profunda: 'inda que muda, pretendo rastrear, ou talvez uma mais grave depressão, que ja só muda de mal para peor e ao auge rhuma. Emfim, sua cegueira acho que está mental, eschizophrenica, alem, claro, dos traços paranoicos que estão ja bem nitidos, conforme este meu faro...} -- É mesmo? Que barato! Não será difficil encontrar tambem um raro problema ahi no meio, si gagá não ando: o do fetiche em que me azaro.
138 GLAUCO MATTOSO
NATAL MENTAL [5682] Extranho... Um bom amigo, com quem privo ha tempos, bloqueou minha mensagem, fazer não quer contactos. Assim agem os haters, no universo vingativo. Amigos, não. Eclectico, convivo com todos, os que fallam só bobagem e muitos que manteem sua coragem de ver com um olhar mais creativo. Mas, quando um amigão meu me bloqueia, percebo que ficando ja gagá está, que ja attenção maior não dá à verve dum poema, à velha veia. Que pena! Melancholico, receia sorrir? Ferir-se teme? Que será? Não quero mais julgal-o, só que va passar bem seu Natal, ter boa ceia.
GERONTOPHOBIA
LIVROS PRODIGOS [5733] Só de versos, fiz cincoenta. Vale o livro o que se diz. Escrevel-o quem não tenta teve um filho e dois ter quiz. Plantou arvore, aos septenta, quem tentou, sem ser feliz. Filho ou arvore accrescenta quando o auctor não quiz dar bis. Não me enquadro nessa scena de escriptor ou quem se arvore plantador, mas tenho pena de quem seja pae e chore. Um papae serio condemna seu pimpolho, caso explore essa scena nada amena dos rockeiros mais hardcore.
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FIRST JUNKIE FOOD DISSONNET [5763] Tem o rock adeptos, mas sua historia ja accabou. Joven foi, annos attraz. Só vovôs, hoje, dão show. Ja a batata fricta jaz immutavel! Della sou fan eterno, si ella faz do rockeiro o que sobrou. Fricturinha com pauleira bem combina. Ainda bem! Nossa velha alma rockeira paladar, ao menos, tem! Um velhinho, na cegueira, se consola com alguem tambem velho, que lhe queira dar pisões, de tudo alem.
GERONTOPHOBIA
VELHO PROBLEMA (I) [5808] Me propondo um vate está um assumpto que, espinhoso, mais polemica trará ao debatte caloroso. Nem "caduco", nem "gagá". Fallar tenho que é um "edoso". À velhice chegará, si é politico, com gozo. Si for arvore será, como a vejo, de frondoso porte e, espero, de dar ha, mesmo velha, fructo honroso. Só duvido que, mal ja, muito viva algum Mattoso de má fama e sorte má, cego e bardo duvidoso.
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MELHORIA EM IGUARIA [5814] Edade, si é "terceira" ou si é "melhor", importa pouco. "Merda" acho um bom nome. Só "velho" e "thio" escuto ao meu redor. Tomar no cu vou, onde for que eu tome. E, para que a velhice do peor se farte, quem "saudavel" é não come nem carne, nem frictura... Sei de cor a missa: velho deve passar fome! Estou de sacco cheio dessa chata conversa de nos darem qualidade de vida, de nos darem mais edade, mas mandam evitar fricta batata! E eu? Fico sem comer tudo o que macta a gente de desejo? Brevidade, brioche, bollo, torta... Desaggrade seu medico! Rirá quem não se tracta!
GERONTOPHOBIA
TARDIA FUTUROLOGIA [5877] Esperar sentado pode quem estréa a nova agenda: vae tirar da salla o bode só por ora, comprehenda. Si quizer, que se accommode no sofá, mas não se offenda quando digo que se fode quem confia numa lenda. Vinte, vinte: fica bem esse numero num anno. Tentarei vivel-o sem constatar que ja me enganno. Meia nove farei em junho, quando cae o panno dos sessenta. Serei zen aos septenta? Ou mais insano?
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MEME DO FEVEREIRO ROXO [5881] Ouvi que fevereiro, pelo olhar da moda colorida, roxo fica por causa dos effeitos duma zica mental: Alzheimer. Vale versejar. Memoria, quem a perde, em tumular estado se colloca, verifica quem tenha algum parente cuja picca no olvido os orificios foi deixar. Senil, esclerosado, si gagá não for o termo usado, mal designa aquelle que nem lembra, na latrina, si falta algo cagar ou si fez, ja. Previne-se quem? Resta que essa má etapa tarde, então. Ha quem previna o mal com poesia: a fescennina paixão nosso neuronio ouriçará.
GERONTOPHOBIA
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IMPOTENTE PREPOTENTE [5889] Quem quer uma abstinencia sexual impor a toda a turma adolescente, ainda que se diga casto ou crente, ser cynico precisa, sem egual. Não pode ser polygamo nem, mal se livra da terceira mulher, rente que nem pão quente, estar perdidamente cahido pela quarta, a mais fatal. Tampouco pode, quasi nos septenta, fazer vasectomia, a fim de dar aos outros impressão dum exemplar marido, pae, machão que ja se aguenta. Qualquer um que abstinente virar tenta no minimo terá que masturbar seu penis noite e dia, caso o azar não tenha de ser brocha, alem de penta.
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VIVA VOVÓ [5899] Achavam que ella, a Wilma, ja gagá estava. Pois onde é que ja se viu senhora tão gentil tornar-se vil e má com seus escravos? Alguem ja? Occorre que ella mestra foi, será de sadicos, masocas, de quem riu da dor alheia, como quem, servil, serviu alguem que duras ordens dá. Pessoalmente, Wilma nem paresce cruel dominadora. Na verdade, cultiva affectos, busca na amizade a mesma devoção da pia prece. Zeloso, torço para que não cesse de ser quem tantos homens persuade a serem bons discipulos de Sade. Tão magica vovó não envelhesce.
GERONTOPHOBIA
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MEME DA VERRUGA [5939] Si for um condyloma, bem no cu se forma, mas na cara a coisa faz estrago mui maior, seja rapaz ou moça: a gente fica jururu. Ninguem acha bonito um rubro, cru caroço pela testa, nem appraz no queixo ou no nariz um que, aliaz, paresce uma castanha de caju. Imagem foi da bruxa mais fiel aquella nariguda, com verruga immensa, batatuda, alem de ruga no rosto todo, um typico pastel. Agora a mulherada faz papel de fada maquillada, mas sem fuga possivel da velhice, essa que estuga o passo com o tempo, que é cruel.
148 GLAUCO MATTOSO
TOO GOOD TO BE TRUE [5945] Sessenta annos você tem? Ai, meu Pae! Morrer vae do Corona Virus, cara! Sessenta annos você tem, cara? Ah, vae morrer! Não tem soccorro que isso para! Ainda diabetes tem? Ai, ai! Você vae é morrer, pois não ha, para o caso, cura alguma! Quem contrae o virus, baixa! A praga ja dispara! Você seria, acaso, um hypertenso? Ja pode encommendar o seu caixão! Você problema tem no coração? Chorar ja pode! Empunhe ja seu lenço! Eu, como uma neurose não dispenso, no radio ouço os reporteres, que vão mais panico causando nos que são edosos. Mas morrer... Não me convenço.
GERONTOPHOBIA
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MISCELLANEA SENTIMENTAL [5956] Não logro deschartar um sentimento. Passando dos sessenta, quem não ha de sentir da juventude uma saudade? Ainda mal lembrar da minha tento. Memorias são falliveis. A contento não posso recordar do que me aggrade e sim de tudo quanto me degrade, mas hoje junctar ambos nem lamento. Me lembro. Não do joven que infeliz vivia, mas do sonho e da esperança futura de algo achar que sempre quiz. Depois de tanto tempo, a gente cansa de ser esperançoso, e ja não diz que sente aquelle anxeio de creança. Appenas somos nós nosso juiz na hora de pesarmos na ballança.
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VELHO PROBLEMA (II) [5961] No seio da familia brazileira, O velho patriarcha ainda dá as ordens, mas ninguem o escuta, ja. Não ligam nem que faça brincadeira. Mas, mesmo que escutar, somente, queira, evitam que elle escute a lingua má que falla delle proprio, ja que está fazendo da cachaça a mammadeira. De surdo se faz, quando lhe interessa, e em tudo se intromette, diz o netto. O filho ouvil-o finge, mas tem pressa e logo sae de perto. Sem affecto, o avô só quer que alguem bençam lhe peça, mas todos são atheus, hoje, elle excepto. Sozinho ja a fallar elle começa, do quarto para a salla, no trajecto.
GERONTOPHOBIA
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MEME DA SOGRA [5965] A sogra duma muito expertalhona menina confessou-se minha amiga. Contou-me sobre o filho que, se diga, otario foi, por causa duma conna. A tal de dona Deborah detona: "Um golpe do bahu quem não consiga dar, tente dar um golpe da barriga!" Define assim a nora e o que ambiciona. Chamar de interesseira é pouco! Agora, por causa da pensão, só casam para dar satyra, a sogrona corrobora! Os uteros viraram a mais cara poupança, pois, emquanto o macho chora a perda, a mulher, rindo, se separa. Assim dizia a perfida senhora que escuto quando as magoas excancara.
152 GLAUCO MATTOSO
MISCELLANEA BOATEIRA [5990] Um gruppo os maus politicos commenta. Do velho deputado, que se amiga com joven prostituta, assumpta a Liga. Fofoca, nesse caso, mais se inventa. A coisa vem à tonna, mais nojenta ainda do que certa bruxa diga. Nas redes sociaes sempre se instiga um caso que se forja ou que se exquenta. A Liga das Senhoras Dignas tem razão ao criticar o "coroné" que, como orador, usa a lingua bem, mas mais indecoroso é ver que até seus pares o defendem e ninguem duvida de que em Christo elle tem fé! Alguem me disse que elle tem, tambem, um fetido, fortissimo chulé.
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QUEM PAGA PELA PRAGA? [5999] {Magina! A maioria não vae nem pegar, nem vae sentir a tal da peste! Você vae ver! Qualquer joven que teste será negativado! Ocê tambem! Quem é que vae morrer, Glaucão? Hem? Quem? Os velhos, os doentes! Que moleste alguem saudavel, nunca! Só quem veste pyjama, alguem inutil, grippe tem! Portanto, o tal do virus bom serviço prestou à sociedade! Nos livrar iremos dos enfermos! Vão chorar amigos e parentes? E eu com isso?} -- Não posso, neste caso, ser ommisso. Você duma familia no logar não fica? Pois terá, talvez, azar de estar é sob effeito dum feitiço!
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MISCELLANEA SOBREHUMANA [6001] Poderes, todos querem ter a mais. Na Terra vida eterna si não temos, ao menos desfructemos como os demos, ou como os outros meros animaes! Exsistem mais sentidos? Sim? Mas quaes? Não somos, mesmo, deuses, mas queremos levar nossos instinctos aos extremos. No maximo, causamos alguns ais. O anxeio de imitar Mathusalem nos leva a muitos calculos erroneos. Na practica, o segredo é manter bem activos os hormonios e os neuronios. São velhos e saudaveis os que teem fodido e versejado, qual demonios. A mim ainda facil tudo vem à mente. Deixo ao corpo os meus hormonios.
GERONTOPHOBIA
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MEME DA MÃE DO PUNK [6014] Madura. Ja passada ficará. Accorda. Sem kosmeticos, vermelho é o olho approximando-se do espelho. Irá se preoccupar. É para ja. Bem sabe que remedio ja não ha. De sua mãe nem segue mais conselho algum. Pensa no filho, um rapazelho gaiato, gozador da avó gagá. Sem cremes nem pinctura, ella se vê mais velha e se appavora com o seu cabello arrepiado. Mas cadê aquella formosura que ja deu? Deu motte aos sonnettistas. Caso o dê ao filho, um cantor punk, ahi fodeu! Moleque, em seu estylo bem plebeu, o gajo da mamãe faz um auê.
156 GLAUCO MATTOSO
MISCELLANEA DYSFUNCCIONAL [6035] Casaes escondem tudo num escudo bem simples e decente. Eu não me illudo. Nas rodas, só fofoca a mulherada accerca de, na cama, quem aggrada. Ao macho, não bastou ser caralhudo, pois delle espera a femea mais que tudo. Se queixa a mulher delle: o camarada, que duas dava, agora não dá nada. Damnada ficou ella. Se gabava, até para as vizinhas, do marido machão, que da mulher fazia escrava. Seu phallo de cavallo anda cahido. Pudera! A cara della, onde se aggrava a acção do tempo, é caso ja perdido! No macho, quando vejo cara brava, daquellas apparencias eu duvido.
GERONTOPHOBIA
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ISOLAMENTO VERTICAL [6082] Os velhos que se fodam! Um que morra a menos ou a mais, ah, tanto faz! Sou joven, sou saudavel, sou rapaz athletico! Não vejo quem mais corra! Você, não, Glauco! Foda-se, então, porra! Alem de velho, é cego! Não tem gaz nenhum! Em casa fique, porra! Mas entenda não haver quem o soccorra! Não! Caso um gajo joven, como eu, faça alguma visitinha a um velho cego, não corre riscos! Virus si não pego, dará tesão curtir sua desgraça! Sim, Glauco, ja pensou? Você, que passa ja preso tanto tempo, tem um ego de verme! Em você, quando descarrego meu gozo, penso: Foda-se essa raça!
158 GLAUCO MATTOSO
COCEIRA NA BOCETA [6085] Velhota, a mulher segue, 'inda, solteira. Morando só, dispensa até empregada chamar para a faxina. Quer em cada centimetro da casa ser ligeira. E varre, e limpa, lava... Faxineira questão faz de virar. Jamais se enfada si escuta aquella aguda barulhada do velho adspirador, ou barulheira. Me irrito, porque estou, no meu andar, ouvindo tudo, inclusa a cantoria da doida solteirona. Ah, vae, enfia o cabo da vassoura! Puta azar! Podia vibradores enfiar na chota, até cenouras, sim, podia usar a bruxa, aquella velha thia! Mas deixa... A quarentena vae passar...
GERONTOPHOBIA
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FINO CONFINAMENTO [6090] A pelle empipocou. Nervoso passa a velha dama chique, tempo faz, trancada na mansão. Nenhum rapaz, daquelles de programma, mais a abbraça. Allergica? Talvez. Assim de graça não pincta tanta bolha, algo que traz immenso malestar. Ja nem tem gaz, de tanto se coçar, essa devassa. Não, antes differente foi. Pagava bem para que michês mostrassem ora carinho, ora carão com a senhora às vezes fina, às vezes torpe escrava. Depois de estar soffrendo dessa brava coceira, a baroneza appenas ora, pedindo piedade. Em boa hora será attendida: a cova alguem lhe cava.
160 GLAUCO MATTOSO
MATTOSALEM [6094] Disseram-me que muito viverei por ser considerado bruxo, mas ter mais longevidade não me faz nem principe dos lyricos, nem rei. Não sei si vou viver muito. Só sei que eterno compromisso o verso traz si for o nosso thema a Satanaz entregue e si seguirmos sua lei. Até que thematizo o Demo, sim, mas não com toda aquella gravidade. Por isso é que elle sempre persuade a bruxa ao "beijo negro", não a mim. Provei, sim, seu chulé. Nem tão ruim achei, pois, affinal, sou fan de Sade. Mas, para alguem tão velho, Satan ha de convir que menos fede que um pé "teen".
GERONTOPHOBIA
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REGIME DISCIPLINAR DIFFERENCIADO [6112] Até que se produza a tal vaccina, sahir da quarentena todos vão, excepto um sessentão ou septentão que, embora são, em casa se confina. Coitados dos edosos! Determina, em nome da sciencia, a norma, tão despotica, tão drastica, que não irão sahir! Que inepta medicina! Vaccinas levam annos para, em massa, livrarem do perigo os velhos. Antes, os jovens estarão, exfuziantes, sahindo, na vidinha achando graça. Vovôs irão pensar: "Não ha quem faça que eu fique aqui sozinho! Meus restantes domingos passarei sem visitantes? Melhor, então, morrer alli na praça!"
162 GLAUCO MATTOSO
EMPATHIA DUMA THIA [6126] Não posso ver você nessa agonia! Sou muito protectora, maternal! Você nunca deu bolla a mim, mas qual! Não quero nem saber, Glauco! Sabia? Quer queira, quer não queira, sou a thia, a avó, mãe, professora, a sensual amante, sou a musa que, affinal, presente está na sua poesia! Não fuja de mim, Glauco! Não me venha dizer que em seus poemas não estão commigo o seu amor, o seu tesão! Peguei, nas entrelinhas, sua senha! Espere só! Depois que me entretenha aqui na quarentena, você não me excappa! Applacará minha paixão, ou digo que as mulheres cê desdenha!
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INCOGNITA EXCEPÇÃO [6304] De rua a moradora ja addormesce debaixo do rasgado cobertor. Ninguem mais passa. Pode-se suppor que tenha a velha feito sua prece. A camera gravou. Eis que apparesce um carro, que estaciona. Alguem de cor mais branca salta. Seja la quem for, a midia adoraria si soubesse. Jamais se soube. Em vez de ser nocivo, o gajo simplesmente põe comida, calçado, roupa limpa, na sortida saccola, sob a manta. Sae, furtivo. A velha accordará, sem ver ao vivo quem foi que lhe salvou, talvez, a vida. No radio ouvi. Chorei. Você duvida? Anonymo, um se salva no meu crivo.
164 GLAUCO MATTOSO
DESNUDEZ [6308] Fizeste meia nove? Que tu fazes na cama agora, Glauco? Ousaras tu, segundo o que supponho, do tabu zombar, mas taes luxurias são fugazes! Sei como performavas, com rapazes sacanas, posições nas quaes o cu, seguindo os KAMA SUTRA, solta angu mais molle em plena bocca, affora os gazes! Mil poses acrobaticas pudeste com elles practicar! Agora, não! Estás, Glaucão, ja quasi septentão! Ainda te contorces, inconteste? Contesto-te! Nenhum cabra da peste consegue, septentão, ter o condão da foda contorcida! Nem anão tem fama assim! Desiste, meu! Te veste!
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TRAQUEJADA NADA [6368] Seu Glauco, de menor eu era ainda nos annos em que puta me tornei! Mas, como o meu irmão era ja gay, me deu a maior força! Fui bemvinda! Agora de maior eu sou, e linda, me dizem! Sim, trepei e treparei até meu cu fazer bicco! Ja dei p'ra todo typo! O jogo nunca finda! Mas nunca amei um cego! O senhor ja amou alguma puta? Dezenove eu tenho! Si quizer que eu lhe comprove... Septenta, sim, é sexy e não gagá! Que pena! Ja não transa? Que será que eu posso fazer para que renove commigo o seu tesão? Quer que eu lhe sove a cara com o pé? Não, não... Não dá!
166 GLAUCO MATTOSO
SEPTENTÕES [6377] Ouviste fallar, Glauco, do dictado que diz que pau de velho é lingua? Agora te conto o que o vovô poz para fora: dois palmos duma lingua de tarado! Na minha conna a rolla dum cunhado ja tinha entrado fundo! Ninguem chora por isso: só de gozo se estertora! Mas, Glauco, mais o velho olhou meu lado! Entrou com seu linguão tão fundo, tão gostoso, que suppuz ser uma cobra que estica, que colleia, que se dobra até quasi sahir pelo ladrão! Tambem, como o vovô, tu septentão estás! A julgar pela tua obra, tens lingua de dois palmos! Não te sobra um tempo para as connas, Glauco, não?
GERONTOPHOBIA
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MEMENTO HOMO [6422] Aqui, quer ser um homem capitão. Alli, quer ser um homem general. Alem, quer ser um homem, affinal, o rei no seu castello, uma ambição. Diz Loudon, bardo folk, esse que não é muito conhescido, mas é tal qual Dylan, que nós somos, em geral, fragillimos. Pouquissimos não são. Mas quer um capitão ver seu navio singrar, inabballavel, na tormenta. Quer ver um general, na violenta battalha, que jamais perdeu o brio. Si estou no meu castello, sim, confio que esteja, aqui, seguro. Mas quem tenta ser rei um dia passa dos septenta, oitenta... Ja tem medo. Sente frio.
168 GLAUCO MATTOSO
HUMOR NEGRO (I) [6438] Tem gente extranha, Glauco, ora si tem! Um desses, meu avô! Dum negro humor gostava! Me fallava, assustador: "Alguem attraz da porta! Tem alguem!" Elle ia ver, com medo, mas ninguem estava alli! Magina! Que pavor! Phantasma achei que fosse! Só si for! Prefiro não pensar, Glaucão! Eu, hem? Mas tenho que lembrar! Sim, Glauco, um dia morreu o velho! Um homem brincalhão! Contava taes versões de assombração que a gente, 'inda creança, nem dormia! Attraz da porta achei que, emfim, havia alguem! Fui ver, porem de cu na mão! O velho estava alli, juro, Glaucão! Até depois de morto deu phobia!
GERONTOPHOBIA
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INADIMPLENTE PENITENTE [6448] Devota, aquella velha só pedia ao sancto que evitasse ser tocada por uma apparição que estava cada vez proxima mais della! Ah, que agonia! Orava, adjoelhada... Ahi, ja via, maccabra, a tal caveira! Appavorada, immovel se deixava ficar! Nada iria accontescer a quem confia! Aquelle que exhumado um dia fora, agora de eskeleto tendo cara, tentava se encostar, forçava para tocal-a, batter nella, a peccadora! Mas fortes sanctos sua adoradora não deixam na mão! Nada penetrara na bolha protectora! Só não sara do susto uma alma assim tão devedora!
170 GLAUCO MATTOSO
BOAS INTENÇÕES [6457] Não, Glauco, não me indagues como sei! A velha, de accidente vascular, ficou paralysada, a repousar, agora cadeirante, constatei... Mas ella pensa: "Pensam que estarei feliz só por ficar a tomar ar aqui nesta varanda? Puta azar! De Murphy confirmada foi a lei! Eu fico olhando para aquella gente normal que, pela rua, para ca e para la passeia! Mais me dá vontade de morrer, si estou doente! Acharam que melhor alguem se sente na frente dos saudaveis, quando ja perdeu os movimentos? Mais gagá e invalida me sinto, simplesmente!"
GERONTOPHOBIA
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CAUSÃO SEM PRECAUÇÃO [6471] Choveu? É mau o tempo? Olh'eu ahi, correndo pela rua, feito athleta! Às vezes, saio a andar de bicycleta emquanto os carros berram seu "Bi! Bi!" Eu gosto do perigo, Glauco! Vi a morte bem de perto! Quem completa septenta, como a gente, tem por meta bem mais longe chegar, e não alli! Vivi bastante, Glauco! Não preciso temer, nem ter prudencia para andar descalço na calçada! Nenhum par de tennis de corrida tenho, eu friso! Não, Glauco! O calçadão nem plano ou liso é, nada! Por que insiste em perguntar? Si callos tenho, ou grosso o calcanhar, não é da sua compta, eu logo adviso!
172 GLAUCO MATTOSO
INFINITO CONFINAMENTO [6508] Chegar aos meus septenta parescia mais facil, si não fora a quarentena. Mas meu "gruppo de risco" me condemna à dura reclusão, dada a phobia. Meu medico ja disse: "Glauco, um dia talvez você consiga dar, em scena, as caras à platéa... Acho uma pena, mas não será tão cedo, não! Sabia?" Pudera! Diabetico, de edade, soffrendo de rhinite e de bronchite allergicas, terei como limite da casa a porta, até da rua a grade. A nossa paranoia dissuade a gente de sahir. Nenhum convite me pode estimular, nem que me incite alguem a pés lamber, em liberdade.
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CHATOS BOATOS [6511] Sou conspiracionista, Glauco! Ouvi fallar que todo macho, cedo, brocha! Disseram ser um chato de galocha quem falla abertamente disso ahi! Aquelles que não fallam só por si garantem que se appaga a nossa tocha bem antes dos sessenta, mas debocha dos factos quem tal coisa acha cricri. A gente desconversa, não confessa, mas sabe todo mundo quando o pincto começa a decahir! Eu ja não sinto tesão como sentia, antes, à bessa! É chato conspirar, Glauco, mas dessa verdade não se excappa! Jamais minto e nunca me gabei de ter um quincto orgasmo successivo! O orgulho cessa!
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RANCORES DE ELEITORES [6540] Não posso votar, Glauco! Você não entende? Estou no gruppo que se chama "de risco"! Só desloco-me da cama à mesa, da privada ao box, irmão! Você tambem não vota, pois visão não tem! Não é? Se livra da azafama que sempre nos obriga! Nem reclama si está, ja, dispensado da eleição! Ah, mesmo sendo cego, você vota? Mas, desta vez, somente, não irá às urnas... Entendi! Quasi tem, ja, septenta? Puxa, Glauco, nem se nota! Mas eu não votarei mais! Minha quota ja dei! Breve, estarei, tambem, gagá! Meu voto differença nem fará, pois todos vão lamber, de alguem, a bota!
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VELHOTA PATRIOTA [6545] Te posso corrigir, sim! Fui docente! Ouviste, Glauco? Nunca alguem colloca num verso os palavrões que na malloca se escutam! Entendeste? És indecente! Eu era professora dura! A gente, em classe, prohibia aquella troca de insultos, que envergonha, que nos choca! Terei que ser censora novamente! Sou dura, sim! Castigo bem severo meresce quem se vale, em portuguez, do linguajar mais torpe e descortez na hora de escrever! Punir-te quero! Não vês que impatriotico o teu lero se torna? Amor à patria, cada vez mais, acho necessario! Tu não vês? Terás que receber é nota zero!
176 GLAUCO MATTOSO
DECREPITUDE QUE ILLUDE [6555] Appenas era "velho" o termo usado, às vezes carinhoso, outra vez meio ironico. "Velhice" pratto cheio virou para as piadas dum brochado. Alguem ja reclamou. O resultado foi disso o termo "edoso", menos feio. "Terceira edade", então, ainda leio nas midias, mas nem tanto assim do aggrado. Depois, "melhor edade" foi correcto. Agora, "adulto mais" é o que designa aquelles "bem vividos", cuja signa é nunca merescer maior affecto. Viagra não resolve, vou directo ao poncto, Glauco! O gajo uma menina deseja deflorar, ou só buzina no ouvido do seu filho ou do seu netto?
GERONTOPHOBIA
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JEITO SUSPEITO [6586] Passou por mim, correndo, o molecão que tinha ja assaltado uma velhinha! Nem mesmo vacillei! Estiquei minha botina! Ah! Foi de cara bem no chão! Então eu comecei a dar pisão, dar chutes! Essa raça acho damninha! Depressa a multidão accorrer vinha! Dispostos a lynchar todos estão! O rosto do moleque ficou tão sem formas que, depois, deu mais trabalho p'ra ser reconhescido! Quem o galho quebrou foi a velhinha, a seu jeitão! Fallou ella: "Certeza, mesmo, não terei eu si foi, gente, esse pirralho! Menor achei que fosse, mas me valho da dica de vocês! Morreu, então?"
178 GLAUCO MATTOSO
PROUD MARY [6617] Turistica, Glaucão, uma barcaça daquelle typo achei, mas um perigo tremendo representa, meu amigo! Si alguem cahir na roda... Que desgraça! Não ha rockão bonito que me faça tirar da cuca aquillo! Não consigo! O velho quiz brincar! Foi seu castigo! Damnou-se! Na cabeça a scena passa! As pás daquella roda, Glauco, são mortaes para quem caia n'agua, alli! O velho quiz fazer o seu xixi... Se desequilibrou, o babacão! Rapaz, eu nem lhe conto! Um tubarão não causa tal estrago! Sangue vi por tudo que era lado! Vou aqui parar, pois seus leitores chiar vão!
GERONTOPHOBIA
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SAPIENCIA DA VIVENCIA [6680] Poeta, appellarei ao teu saber! Preciso que me digas onde está dos homens a verdade: no gagá ou numa creancinha, até crescer! Depois de edade pouca, ja poder deseja ter alguem e tudo ja faz para se tornar um marajah, um lider, um mandão! Fiz-me entender? Um velho não almeja, ja, mais nada! Ainda nada almeja a creancinha! E então? Como commentas esta minha questão? Que conclusão é revelada? Appenas isso? Merda que, cagada nas fraldas, emporcalha? Ah, bem que eu tinha supposto o que dirias, nessa linha! És mesmo um sabio, velho camarada!
180 GLAUCO MATTOSO
PARABOLA DAS GERAÇÕES [6682] Morrendo de desejo, um senhorzinho daquelles que dizemos "assanhado" chegou-se para o lado dum "sarado" rapaz que elle encontrou pelo caminho. O joven, que bebera muito vinho no coppo dum avô ja sepultado, até deu attenção, sem desaggrado, ao velho, que leval-o quiz ao ninho. Assim que percebeu as intenções eroticas do velho, o rapagão lhe disse que sentia, tesão não, mas pena, até por intimas razões. Ahi, pediu-lhe o velho: "Si tu pões teu pé nas minhas mãos, ellas serão suaves como o tennis teu no chão!" E então teve o rapaz novas licções.
GERONTOPHOBIA
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CORNOS CORONEIS [6695] Mas esses coroneis, poeta, não se emendam! São é cornos mesmo, mas insistem em mostrar qu'inda teem gaz e querem porque querem ter tesão! Tesão que, na verdade, exhibição appenas se revela, pois quem faz papel de macho é mesmo o tal rapaz, por nome Ricardão, sempre em questão! Mulheres de politicos são ja manjadas: as "modellos", euphemismo de puta que, por cynico modismo, se "casam" com um corno marajah! Assim a banda toca, assim será por seculos e seculos! Mas scismo commigo que, no sadomasochismo, taes donas escravizam o gagá!
182 GLAUCO MATTOSO
UNA GIORNATA PARTICOLARE [6721] Glaucão, o meu avô sabedoria exhibe, que me deixa fascinado! Com elle jantei hontem e um guisado vovó fez. Que delicia! Que iguaria! Ahi, vovó saber quiz si eu curtia a boia. Quasi eu disse que do aggrado estava, mas vovô, por outro lado, fallou que era de morte e estava fria! Vovó sahiu da mesa, ja chorando. Vovô disse-me: "E então? Você não acha que estou certo? Si approvo, ella relaxa! Assim estou eu sempre no commando!" Sacou, Glaucão? Foi foda! Agora, quando fizer minha mulher uma borracha da carne, ou eu lhe applico uma bollacha, ou ella diz: "Aqui sou eu que mando!"
GERONTOPHOBIA
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THEMAS DE TELEPHONEMAS (IX) [6725] Alô? Você que é cego? Não, não vou fallar quem sou! Ahi, que tal, velhinho? Quem sabe? Ser eu posso seu vizinho de rua, de edificio... Se tocou? Zoei você na rua! Sempre zoo um cego quando passa! Ja adivinho o que elle sente: raiva! Sou damninho, não sou? Caçoo mesmo! Não perdoo! Ahi, cê ja levou tapa na cara? Eu tenho uma vontade, você nem calcula, de lascar um tapão bem na fuça dum cegueta que me encara! Velhinho, ver um cego olhando para mim como si me visse... Ja me vem vontade de batter! Mas eu, porem, nem batto si consente em chupar vara!
184 GLAUCO MATTOSO
BROCHA DE GALOCHA [6763] Um velho? De pau duro, mesmo? Mas... Não é possivel, Glauco, pois ninguem, depois de septentão, de facto tem tesão, como si fosse 'inda rapaz! Os machos só se gabam, mas em paz deixaram seu caralho siquer sem tentar uma punheta, assim que vem a phase de impotencia mais tenaz! Na lenda sempre insistem! Aos septenta, ninguem mais enduresce seu caralho! Você não corrobora? Acha que eu falho na analyse e trepar ainda tenta? Você ficou tão chato! Quem aguenta um cego que quebrar o proprio galho consegue só lambendo o que, em frangalho, eu calço, cujo cheiro lhe enche a venta?
GERONTOPHOBIA
185
NEVER DREAMED YOU'D LEAVE IN SUMMER [6771] Pensei no Stevie Wonder quando quiz voltar à adolescencia, comparal-a à minha primavera. Mas quem falla das flores, sem as cores, é feliz? Lembrei-me do verão, que não condiz com perdas de visão, mas para a valla commum foi o calor, que não se eguala aos frios tempos, negros na matiz. Bem, hoje meu outomno ja perfaz seu cyclo, desbotando um pouco mais aquillo que recordo: de meus paes, irmãos, velhos amigos, dum rapaz... Emfim, o meu hinverno só me traz, das dores previsiveis, os signaes: mais trevas, mais insomnia, as taes fataes doenças e, na crença, Satanaz.
186 GLAUCO MATTOSO
JOIAS DE FAMILIA [6828] Aquella solteirona foi da avó a netta predilecta. Não é bella nem faz questão de ser, da parentela, querida. Rabugenta, vive só. A avó, por sua vez, não tinha dó das filhas nem das nettas. Dizem della que, extremamente chata, só naquella nettinha achar podia seu xodó. A velha ja morreu, mas a nettinha, agora assaz madura, não se cansa, vaidosa, de exhibir uma alliança herdada da vovó, que valor tinha. Com todos fora a velha tão mesquinha! Com uma só pessoa quiz ser mansa... Por que será? Mais longe quem alcança apponcta, a cada agulha, sua linha.
GERONTOPHOBIA
187
VOVÓS A SÓS [6885] Chegando o Natal, vinha a senhorinha olhando umas vitrines na calçada, pensando na nettinha que, coitada, presentes não ganhava nessa linha. A velha decidiu que dar, sim, tinha algum presente desses. Mas si cada custava assim tão caro, que será da poupança da vovó, que é merrequinha? Pediu ao funccionario: "Ponha a minha pequena senha aqui, pois mal eu leio!" Na boa fé, mostrou-lhe, sem receio, a senha do chartão. Mas não convinha... Depois que foi roubada, a ladainha de sempre ella ao gerente contar veiu. Frustrada, consolou-se. Natal meio amargo, pois chorou, quando sozinha...
188 GLAUCO MATTOSO
CHORADEIRA COSTUMEIRA [6913] Estou ja muito velho, Glauco, para fallar dos meus acchaques! Mas não são os velhos que mais fallam disso, não! Os jovens se lamentam muito, cara! Na fama de queixosos quem repara se exquesce de que temos um montão de males que ommittimos! Que dirão dum velho que, rheumatico, não sara? Alguns de nós desistem dum gemido, sabendo que encarar vão como manha qualquer reclamação, por mais tamanha que seja a dor que temos, ja, sentido! Você não compta, Glauco, pois libido encontra até fallando dessa extranha cegueira de que soffre! Quem se assanha com isso nem meresce ser ouvido!
GERONTOPHOBIA
189
EXAME DE FEZES [6916] Passei! Passei, Glaucão! Comi cocô na frente da platéa! Que vexame! Agora ja passei no meu exame de fezes! Sou maluco paca, pô! Difficil foi, sim! Filme bem pornô daria aquella scena! Até madame estava a assistir, Glauco! Não reclame quem queira ser doidão como o vovô! Ah, cara! Aquelle velho foi pirado! Eu, perto delle, viro um mero pincto! Ao menos, orgulhoso ja me sinto de estar no patamar desse cagado! Sim, elle de cabeça pendurado foi dentro da privada! Não, não minto! Um dia, cara, ainda mais requincto a scena! Numa fossa affundo, a nado!
190 GLAUCO MATTOSO
EXSPECTATIVA DE VIDA [6930] As grandes dores mudas são, diria aquella que cuidou de tanta gente edosa, aguentou tanta dor pungente dos outros, mas seu choro só ommittia. Cuidou sempre dos velhos, mas um dia tambem envelhesceu e, mudamente, guardou a dor. Agora quem a sente é sua cuidadora, tambem fria. As duas communicam-se sem nada dizerem. Uma troca seu olhar com outra, como trocam de logar. Um pouco de carencia para cada. Contou-me isso uma amiga que, coitada, está ficando velha, sem comptar com sua cuidadora. Por azar, morreu esta, mais joven. Sim, grippada.
GERONTOPHOBIA
191
CARA E BARULHENTA [6941] Tem grana, mas se sente infeliz, tão malquisto, mal amado, rejeitado por todas as mulheres... Sempre ao lado estão ellas dum gajo bonitão! Mas elle tem complexo, ja que não consegue com nenhuma resultado algum, depois de tanto ter tentado! Pudera! De estar triste tem razão! Baixote, carequinha, pau pequeno, que brocha até battendo uma punheta, jamais arranjará, mesmo, boceta quem tanto se consome em seu veneno! Coitado! Só compensa seu terreno perdido si pilota, de veneta, a sua Harley Davidson! Prometta você não condemnal-o! Eu não condemno!
192 GLAUCO MATTOSO
VEZEIRO CADEEIRO [7052] Sim, Glauco, o meu avô, que no papel usou Chico Coelho, foi chamado por seu diffamador, cabra saphado à bessa, de Xixi Cocô! Que fel! Mas isso não foi nada! De Miguel o velho nem se fez! De seu aggrado foi essa alcunha! Ah, não! Não me degrado assim, Glaucão! Sou muito mais rebel! Papae se envergonhava delle, creia! Sim, quando perguntado, respondia vovô que de jogar-se na bacia sentia até vontade! Coisa feia! Mas eu me divertia, pois ja cheia de merda a cara delle, certo dia, deixei, a seu pedido! Porcaria seu fracco sempre fora, na cadeia!
GERONTOPHOBIA
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PÉ DIABETICO [7086] Ficando vae, aos poucos, insensivel o pé dum diabetico, Glaucão? E quando umas lambidas dá, no vão dos dedos, alguem, elle acha que é crivel? E então? Elle accredita estar num nivel tão baixo quem lambeu, num nivel tão rasteiro, que na borda do dedão até sente prazer? Isso é possivel? {Sim, isso coincide com aquillo que conta quem curtiu, num pé ja bem inchado, o que um podolatra fez, sem o minimo pudor, para servil-o! A lingua do subjeito, sem vacillo, lambeu até ferida, das que veem a quasi gangrenar! Tem que ser zen quem lambe tantos velhos num asylo!}
194 GLAUCO MATTOSO
GERONTOPHILIA [7087] Entendo quem, Glaucão, jovens procura, um mytho cultivando da beldade, da porra adolescente! Não, quem ha de tal gosto questionar, a esta altura? Mas velhos eu prefiro! Na madura edade, não! Gagás! Com mais edade que o tal Mathusalem! Sim! Que me aggrade, só velhos bem caducos! Tara pura! Não posso fazer nada si prefiro rheumaticos, banguelas, carequinhas, pés todos deformados... São as minhas manias, Glauco! Fico louco! Piro! Por vezes, dá seu ultimo suspiro o velho si transamos, mas tu tinhas que ver as piccas molles que, justinhas, na minha bocca cabem! Eu deliro!
GERONTOPHOBIA
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BALDADOS CUIDADOS [7163] Às pressas, entra a velha num boteco de bairro, tão immundo, tão fuleiro, que quasi que ella pensa: "Ah! Não defeco aqui, nunca! Magina! Mas que cheiro! Me prendo! Me seguro! Me resecco! Mas nunca que porei o meu trazeiro tão limpo nessa tabua, nesse treco! Magina! Que fedor neste banheiro!" É pena, mas occorre que a coitada naquelle seu buraco não põe rolha! Alli ja não se aguenta, está appertada demais para suppor qualquer excolha! Não é que numa tabua ja molhada de fetido xixi, se senta? Encolha o rabo quem puder! Termina, e nada dum minimo papel, duma só folha!
196 GLAUCO MATTOSO
SOLITARIO PRIORITARIO [7235] Agora que vovô foi vaccinado verá que cada filho, cada netto morrendo vae, covidico, directo, por falta de vaccina no mercado! Inverte-se o problema, pois o lado mais fracco, o dos edosos, por completo está ja resolvido, mas repleto ficou o cemeterio do outro "gado"! Nem cuido de politica, não, mas sou joven, Glauco, quero que meu pae commigo não se juncte com quem vae mais cedo se encontrar com Satanaz! Si só vovô viver, será que faz questão de estar feliz, ou elle sae à rua só com velhos e seu ai será só de saudade de quem jaz?
GERONTOPHOBIA
197
COCÔ NO PIPI DO VOVÔ [7236] Chupei, sim, e depois de ser por traz fodida! Mas ganhei muito presente! Ganhei um bumbum novo, um novo dente! Agora tenho muito mais chartaz! Amigas ja me invejam, Glauco, mas mais velho não quizeram ter cliente! Azar dellas! Rirei de quem invente fofocas! Zombarei das linguas más! Concordo que engoli muito cocô grudado no caralho que chupei! Mas era a minha merda! Chuparei de novo o meu "papae"... ou meu "vovô"! É minha a bocca, porra! Até pornô filminho fazer podem! Qualquer gay o mesmo faz bastante, isso bem sei! Você ja fez tambem, que é cego, pô!
198 GLAUCO MATTOSO
MOTTE GLOSADO [7266] Potencia de velho accaba onde a do moço começa. Só mesmo o pagé, na taba, pode mais que um curumim! Em termos de pingolim, potencia de velho accaba! Differente, 'inda mais braba, a zica do cego é peça pregada e, si elle tropeça, a moçada ri na exquina! Sua alegria termina onde a do moço começa!
GERONTOPHOBIA
MOTTE GLOSADO [7357] Escriptor não se apposenta mas esconde em casa a cara. A caminho dos septenta, eu discordo quando alguem, me animando, dizer vem: "Escriptor não se apposenta!" Da ballada barulhenta longe fico e, quando para palestrar me chamam, rara vez não digo: "Estou em greve!" Mesmo velho, o cego escreve, mas esconde em casa a cara.
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200 GLAUCO MATTOSO
MOTTE GLOSADO [7449] Reis cantou: Panella velha é que faz comida boa. Si uma "edosa" nos pentelha, é ranzinza e rabugenta, mas de quem tem seus sessenta Reis cantou: "Panella velha..." Si em seu dia a tal se espelha e decide ser pessoa respeitavel, tenta à toa. Nem na cama um cabra a approva, pois mulher, quanto mais nova, é que faz comida boa.
GERONTOPHOBIA
MOTTE GLOSADO [7490] Garantiu-me o especialista: lycanthropos são crendice. Quem quer provas que desista! Caso os rastros bem despistem, lobishomens não exsistem, garantiu-me o especialista. Mas a fera ja foi vista pelo matto! Quem me disse de seu medo, caso a visse, foi dos parques o vigia. Para o padre, todavia, lycanthropos são crendice. Uma velha reza a prece costumeira e, então, revela: ja viu fera como aquella e diz onde ella apparesce! Si no matto eu estivesse sem cachorro, attraz ouvisse um barulho e me sumisse a voz... Chega! Não insista, garantiu-me o especialista, lycanthropos são crendice!
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202 GLAUCO MATTOSO
MOTTE GLOSADO [7548] Quando o sogro aos pés do genro se colloca, está fodido. Me contaram dum subjeito cuja filha está casada com um torpe camarada e de escravo o velho é feito. Masochista eu o suspeito, pois sustenta o convencido cafageste e, sem gemido, chupa um pau que acha até tenro! Quando o sogro aos pés do genro se colloca, está fodido.
GERONTOPHOBIA
MOTTE GLOSADO [7620] Que o politico e correcto va tomar no cu, caralho! Eu sou cego, mas não veto as piadas de ceguinho, pois aos cegos mais me allinho que o politico e correcto. Si em meus versos interpreto os fodidos e me valho de ironia, que um paspalho moralista acha "offensiva", quem com isso não conviva va tomar no cu, caralho! Dependesse do careta, mais ninguem fazer podia humorismo ou poesia sobre negro, gay, muleta de alleijado... Que eu submetta à censura meu trabalho o careta quer! E eu malho o censor, pois não me acquieto! Que o politico e correcto va tomar no cu, caralho!
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204 GLAUCO MATTOSO
Phantasia de mulher, de cigano ou indio não pode usar um folião? Só porque o censor não quer? Um lettrista, si disser na marchinha o que um pirralho diz brincando, não é falho, só retracta o que é concreto! Que o politico e correcto va tomar no cu, caralho! Que "melhor edade", nada! Velho é velho! Cego é cego! Si sou cego, não me nego a assumir que a molecada me deu trote e faz piada! Si, anarchista, eu advaccalho tudo e todos, expantalho não me expanta! Nem me affecto! Que o politico e correcto va tomar no cu, caralho!
GERONTOPHOBIA
205
MADRIGAL PATRIARCHAL [7685] O velho patriarcha ainda dá as ordens, mas ninguem o escuta, ja. De surdo se faz, quando lhe interessa, e em tudo se intromette, diz o netto. O filho ouvil-o finge, mas tem pressa e logo sae de perto. Sem affecto, o avô só quer que alguem bençam lhe peça, mas todos são atheus, hoje, elle excepto.
206 GLAUCO MATTOSO
MADRIGAL IMMORAL [7719] Do velho deputado, que se amiga com joven prostituta, assumpta a Liga. A Liga das Senhoras Dignas tem razão ao criticar o "coroné" que, como orador, usa a lingua bem, mas mais indecoroso é ver que até seus pares o defendem e ninguem duvida de que em Christo elle tem fé!
GERONTOPHOBIA
207
MADRIGAL HORMONAL [7729] Na Terra vida eterna si não temos, ao menos desfructemos como os demos! O anxeio de imitar Mathusalem nos leva a muitos calculos erroneos. Na practica, o segredo é manter bem activos os hormonios e os neuronios. São velhos e saudaveis os que teem fodido e versejado, qual demonios.
208 GLAUCO MATTOSO
MADRIGAL NATURAL [7742] Accorda. Sem kosmeticos, vermelho é o olho approximando-se do espelho. Sem cremes nem pinctura, ella se vê mais velha e se appavora com o seu cabello arrepiado. Mas cadê aquella formosura que ja deu motivo aos sonnettistas? Caso o dê ao filho, um cantor punk, ahi fodeu!
GERONTOPHOBIA
209
GASTRICA GASTURA [8036] O velho tirar sangue vae, roptina à qual se accostumou, com tanto exame que os medicos lhe pedem. Nem está nervoso no momento da collecta. Mas, desta vez, inepto é o funccionario que fura a sua veia. Sem achal-a, o gajo faz da agulha sacarolha e, fura que refura que perfura, emfim faz a sangria. Alli, coitado, contorce-se o velhinho no repuxo dos nervos, vendo estrellas, tenso, afflicto. De subito, começa a passar mal, accaba desmaiando, dá trabalho até que se refaça, para casa consiga retornar, de braço tincto. Agora, a qualquer hora se imagina naquella situação. A quem reclame não tendo, ganha azia, fica ja tremendo, sapateia, arfa, se inquieta, revê seu hemorrhagico scenario. "Ja soffro, Glauco, tanto! (elle me falla) Me tracto das doenças, sem excolha, e ganho, de lambuja, a tal gastura de estomago! Ora, estou ou não ferrado?" Eu, só de imaginar, quasi extrebucho com elle na afflicção. Depois, medito accerca da sahida natural pro nosso descomforto. Não me valho, porem, da suicida voz que embasa as minhas theses. Fico mudo, ou minto.
210 GLAUCO MATTOSO
INCORRECTA EDADE PROVECTA [8057] Eu vivo me queixando, reconhesço. Mas velho soffre mesmo dum montão de dores, de symptomas aggravantes, de males que, ja chronicos, são como um fardo que, coitados, carregamos. Mas claro que a você nem me comparo, ceguinho, pois está bem mais fodido quem perde seu sentido mais vital. Por isso vou tirar o meu proveito da sua condição que, sim, compensa um pouco dos problemas que eu enfrento. Você, que se subjeita a tal abuso, se empenhe e faça tudo o que me aggrada, sem nada discutir. Appenas faça. Agora vae você pagar o preço da porra da cegueira. Meu tesão demora, aguente firme. Vae ter, antes da galla na garganta, que dum pomo maduro o mel sugar. Com calma, vamos! Appalpe com o labio. Ja seu faro notou que na cueca arde incontido fedor de mijo, certo? Menos mal que pouco xixizinho tenho feito nas calças. Va lambendo minha pensa piroca até que esteja no momento de, fora, algo pingar, pois ja confuso estou si mijo, semen, ou de cada um pouco. Que sabor o pau lhe passa?
GERONTOPHOBIA
211
MICÇÃO CUMPRIDA [8074] Queixava-se o velhote de infecção nas vias urinarias. Se tractava fazia tempo. Nada, todavia, aquillo resolvia duma vez. A todos lamentava-se. Razão lhe davam. "O problema mais se aggrava por causa dessa dor. Nada allivia!", dizia. Da pharmacia era freguez. Comtudo, o velho tinha diversão, fallava-se. Risada sempre dava em pappo occasional na padaria, no bar, com dois amigos ou com trez. Foi visto conduzindo um cego. "Tão christão, tão charidoso!", commentava o povo. Mas ninguem alli diria que fosse tão cruel na sordidez. Do cego o velho usava, com tesão, na rolla porcalhona a bocca escrava. Fazia que chupasse puz, fazia que tudo elle engolisse, sem porquês. Pergunta-se: por que o cegueta não pedia por soccorro, não chamava ninguem, nem a policia. A covardia se explica si masoca for, talvez...
212 GLAUCO MATTOSO
AMENO VENENO [8081] {Agora que estou velha posso, sem reservas, fallar tudo que quizer, não é, querido Glauco? Fui bonita, mais moça, namorei homem maduro. Lhe digo com franqueza, Glauco: os taes politicos se casam com garota mais joven, bem mais joven, e vaidade teem disso. Acham que inveja vão sentir os outros homens. Nada, Glauco! Vão é rir da cara delles! Tá na cara que cornos, só, serão esses babacas! Alguem imaginou menina linda paixão tendo por velho? Só se casa por grana, por comforto, posição nas rodas sociaes! Mesmo que fique bem claro entre elles dois, ainda assim motivo são de riso! Quem, de facto, inveja tem dum corno? Glauco, diga!}
GERONTOPHOBIA
213
-- Querida, não expalhe p'ra ninguem, sinão esses politicos mulher nenhuma mais arranjam! Você cita diversos babacões, mas nem deduro seus nomes. Todos sabem ja demais dos cargos que occuparam, gotta a gotta das tetas em que mammam. Na verdade, bem sabem que não tomam elixir nenhum da juventude, que tesão com pillulas não vale e se compara a baba de cadaver, que essas jacas maduras cahirão. Mas são, ainda, vaidosos. Que fazer? Que se compraza a gente, que gargalhe! Gozação façamos, nós que somos do debique artifices, querida! Para mim dão optimos assumptos ao que tracto de expor na alegre lyra, minha amiga...
214 GLAUCO MATTOSO
PHAROLEIRO MOTOQUEIRO [8082] {Você, que é meu vizinho, não escuta aquella moto chata que circula sem rhumo pelo bairro, Glauco? Não escuta a barulheira? Pois sabia que disso o proprietario não é boy filhinho de papae nenhum, mas sim um velho, gordo, comico baixote? Pilota a Harley Davidson, Glaucão, só para se exhibir! Só dando volta se expõe no quarteirão! Tenho certeza que seja complexado, corno, brocha e tenha pau pequeno! Não, só pode! Glaucão, calcula a raiva que me dá?} -- Escuto, sim, até mandei à puta o dono da tranqueira. A gente fula da vida fica. Aquelle barulhão irrita mesmo. Logico seria que fosse dum playboy. Mas quem remoe rancor do cara appenas por ruim de cama ser, faltar-lhe melhor dote erotico, não creio que razão meresça. Revelar sua revolta podia parescer, tambem, burgueza inveja, não podia? De galocha é chato o gajo. Poncto. Mas se fode quem pensa só na grana. Xa p'ra la!
GERONTOPHOBIA
215
INFINITILHO ENVELHESCIDO [8114] {Estou aqui pensando, Glauco... Como nós eramos abertos, nos septenta! Caetano, Raul, Chico, Milton, Gil, em tudo que faziam, perfeição esthetica passavam, lucidez politica! Que inveja nos causavam! Agora que, das decadas, decurso nós vamos perfazendo, Glauco, não parescem mais assim tão geniaes... Reouço os velhos albuns, me detenho na parte instrumental, ainda bella, mas perco o meu tesão nas lettras, antes magnificas, orgasticas, sublimes! Será que rigoroso sou demais, ja velho, Glauco, ou tu tambem estás mais critico? Tambem não minimizas aquella scena toda? Que me dizes?}
216 GLAUCO MATTOSO
-- Aos mais amargurados eu me sommo, mas lembra-te de como se sustenta a nossa lucta, ainda hoje, em mil motivos que resurgem, amigão. Inveja ja não temos, uma vez que nossos proprios versos luctas travam. Mas delles nós herdamos o discurso, ainda nossos idolos serão. Nós somos como foram nossos paes, cantava Belchior, porem ferrenho será nosso desejo de quem zela por uma sociedade sem farsantes, nas artes, na politica. Regimes retrogrados, de novo? Não, jamais! Porem, revisitemos os que, das passadas datas, tu tambem reprisas. Por causa delles, fomos mais felizes.
GERONTOPHOBIA
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INFINITILHO DA VELHICE [8117] {Que coisa, Glauco! O mundo, para nós, que estamos na velhice enveredando, se torna mais difficil cada vez! As pernas de equilibrio sentem falta! O braço mal se firma na bengala! As costas, ja curvadas, sentem dor! As dores pelo corpo não dão tregua! O somno se interrompe com frequencia! Xixi, cocô, ja tudo desregula! Somente, no meu caso, o pincto dá no couro, uma vez tendo o seu devido buraco disponivel, 'inda bem! Você, Glauco, percebe-se cansado? Ainda tem tesão? Como se sente?} -- Se exquesce de fallar você que a voz tambem vamos perdendo, que commando não temos sobre nossa sensatez na hora duma dose que, mais alta, nos deixa problematicos na salla, bom alvo prum dedinho accusador. Ainda tem bem recta a sua regua? Sortudo, você! Teime! Não dispense-a! A minha anda ja molle e só me pulla si penso num pé sujo, o que não ha por perto sempre. Quando me decido a gozo dar-lhe, passo mesmo sem nenhum buraco. Sorte do meu lado! E disso alem, bem passo sem o pente...
218 GLAUCO MATTOSO
RHAPSODIA BASILIANA [8391] {Ah, Glauco, quer saber? Esse poeta, o tal Basilio, toda a razão tem! Aquella mulher, cheia de frescura, fazendo fica cu doce pro seu amante, 'inda platonico... Por quanto tempinho mais, caralho? Ora, bem diz o Gama que belleza, juventude, é tudo passageiro! O tempo voa! Ou trepam duma vez, ou dentro em breve a cara dessa amada ficar vae todinha admarfanhada! Sem fallar na virgem bocetinha, si é que está donzella aquella puta! Bora la! A vida é muito curta, Glauco! Né?} -- Sem duvida! Tirar o cu da recta, ou antes, a boceta, fica sem effeito com o tempo. Picca dura tambem, passado o prazo, ja perdeu a sua rigidez. Meu pau levanto por gente de qualquer edade e bis vou dando, mas confesso que não pude deixar de criticar aquella boa mulher, a tal Marphisia. Bem escreve Basilio que tem rolla que não cae "emquanto dura", alem de murcho um ar pairar na cara della, para ja. Em summa, não demora, ja gagá será cada bebê, sem marcha à ré...
GERONTOPHOBIA
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DESLUMBRANTE DESKABBALISMO [8488] Sessenta e seis, quarenta e quattro. Edade que tenho, que tem elle. Differença de vinte e dois anninhos. Quem não ha de curtir tal kabbalismo? Mas dispensa agora minha mente a paridade. Nem numeros redondos, nem a crença nos pares me seduz o racional pendor, pois ha nos impares a tensa pendencia, a incompletude, ou intotal noção de nenhum prazo que se vença. Quebrar o quadradismo me dá mal estar, mas algo nisso ha que me aggrade. Pudera! Envelhescer é numeral comptado dia a dia, nem metade nem todo, unicamente, nunca egual.
220 GLAUCO MATTOSO
IMPOTENTE PLATONISMO [8499] Na praia, o senhorzinho fica olhando de longe a mulherada, todo dia. Nenhuma vae dizer que elle a assedia. Jamais dos machos juncta-se elle ao bando. O velho tem desejos. Porem, quando se sente incommodada quem p'ra thia ficou, elle cae fora. Não iria ser chato. Se tocou e foi andando. Não sou como esse velho. Não commando meus passos na cegueira. Só queria ver chatas, largas lanchas. Mas quem ia deixar-me vel-as? Fico desejando. Só vejo pelo tacto. Mas no brando exame dos meus dedos não confia ninguem que tenha chatos pés e fria tem sido a reacção delles, negando. Não quero lhes propor nenhum nefando peccado, ora! Appalpar eu não podia pezões taes? Não entendo tal phobia! Meresce um cego carcere quejando?
GERONTOPHOBIA
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O MYTHO DO "ME TOO" [8509] -- Quarenta annos attraz, aquelle cara famoso me estuprou, até no cu! Si tenho provas? Claro! Attentem para aquillo que deponho e ponho a nu! A prova é minha lingua, que declara sem medo o que occorreu, ja que tabu deixou de ser fallar de toda tara! Agora vou querer dindim, tutu! -- Tambem eu, entre as victimas, me dispo aqui, contando tudo, todo o abuso que aquelle padre, agora velho bispo, cincoenta annos attraz me fez, e accuso! Sim, elle me chupou! Sou eu quem diz, pô! Não vale o que a memoria guarda? Puz o dedinho na ferida! Si as mãos crispo agora, é que deixei de ser confuso! -- Sessenta annos attraz, esse juiz mexeu commigo, juro! Sim, lhes digo! Piscou, sim, para mim! Sou eu quem diz! Até sorriu! Lembrar-me bem consigo! Sim, quero, si não grana (Quem não quiz?), ao menos que na midia alguem commigo concorde e faça allarde! Ser feliz meresço! E elle meresce algum castigo!
222 GLAUCO MATTOSO
-- Não basta só de "abuso" uma de nós culpar o presidente, esse actual ou outro qualquer! Vamos fazer voz tambem de "má conducta sexual"! Ter sido mau de cama torna atroz qualquer celebridade! Si elle mal chupava, si brochava, ah, logo appós seis decadas, fazemos carnaval!
GERONTOPHOBIA
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BELIEVE IN YESTERDAY [8553] Não temos muito tempo, minha amiga. Você me desejou, mas eu tambem pessoas desejei, que nunca tive. E então? Que mais você quer que eu lhe diga? A vida leva a gente a que consiga diarios milagrinhos, neste Aquem, fazer. Nos renovamos, e se vive assim, entre esperanças e fadiga. Amores, que são cyclos, por intriga ou tedio, terminando vão, mas bem resiste uma amizade, 'inda que prive a gente raramente e, nessa, siga. Aos trancos e barrancos, mas sem briga, seguimos. Approveite emquanto tem sahude, mesmo sendo ja declive final nosso passeio. Faça figa. Cansaço, dor nas pernas, a barriga pesando, vamos indo mais alem. Amiga, accreditemos, inclusive, naquillo que passou, pois nos instiga.
224 GLAUCO MATTOSO
TRANSTORNO CANSATIVO REPULSIVO [8568] Vizinha, alem de immunda, bagunceira eu tenho neste predio. Não lhe basta limpar a casa toda da sujeira que a porca mesma faz em não tão vasta nem rica residencia. De primeira não sendo o condominio, aquella casta mulher, que vive só, quer ser caseira a poncto de lavar cada nefasta manchinha de cocô que vê na beira da fetida privada. Tempo gasta passando adspirador na casa inteira, de quattro em quattro dias, quando arrasta os moveis todos, peças de madeira pesada, servicinho que contrasta com uma velha fracca, verdadeira megera, bruxa, vibora, madrasta. Como é que pode haver mulher que queira fazer tanta faxina? Alguem affasta hypothese esta minha? Só me cheira a coisa duma mente iconoclasta, maluca, desastrada, desordeira, alem de porcalhona, que alli pasta tal como vacca. Vejo-lhe a caveira.
SUMMARIO DISSONNETTO INEXORAVEL [0225]................................9 SONNETTO MEXERIQUEIRO [0261]................................10 DISSONNETTO CAMUFLADO [0644]................................11 DISSONNETTO DESSEDENTADO [0738].............................12 DISSONNETTO DA FALLENCIA MULTIPLA [0810]....................13 DISSONNETTO DA TERCEIRA EDADE TERCEIRIZADA [0815]...........14 DISSONNETTO DA LUXURIA [0832]...............................15 DISSONNETTO RESIDUAL [0921].................................16 DISSONNETTO TRABALHADO [0993]...............................17 DISSONNETTO DA CANALHICE NA VELHICE [1285]..................18 DISSONNETTO DAS VIUVAS ENLUCTADAS [1290]....................19 DISSONNETTO DO PREÇO DA BANANA [1296].......................20 DISSONNETTO DO CHA SEM CEREMONIA [1299].....................21 DISSONNETTO DA CRISE DE VALORES [1301]......................22 SONNETTO DO ASSASSINO CANINO [1318].........................23 SONNETTO DOS GRUPPOS ULTRAVIOLENTOS [1320]..................24 DISSONNETTO DA ESQUALIDEZ DESQUALIFICADA [1329].............25 DISSONNETTO DA PHANTASIA SEXUAL [1410]......................26 DISSONNETTO DA BIBLIOTHECA EMPOEIRADA [1431]................27 SONNETTO DA VELHA MESMICE [1432]............................28 SONNETTO DAS VIAS DE FACTO [1434]...........................29 DISSONNETTO DA CHUVA ACIDA [1517]...........................30 SONNETTO DO BORBORYGMO E DO METEORISMO [1542]...............31 SONNETTO DA PIPOCA DANDO SOPA [1545]........................32 DISSONNETTO DO COCHILO TRANQUILLO [1546]....................33 SONNETTO DA SOLIDÃO TOCANTE [1589]..........................34 DISSONNETTO DO PAPPO DE BAR [1606]..........................35 DISSONNETTO DA SOGRA [1620].................................36 DISSONNETTO DO MAU HUMOR [1642].............................37 SONNETTO DA PARENTELA INTERESSEIRA [1686]...................38
SONNETTO DA PARENTELA ENDEMONINHADA [1687]..................39 SONNETTO PARA UMA CASTA SENHORA [1745]......................40 SONNETTO PARA UM VIUVO QUEIXOSO [1760]......................41 DISSONNETTO PARA UMA MANDIBULA INUTILIZADA [1778]...........42 SONNETTO PARA UNS ASSASSINOS MIRINS [1790]..................43 DISSONNETTO PARA UMA CAMINHADA NOCTURNA [1866]..............44 DISSONNETTO PARA UMA PACIENTE NAS ULTIMAS [1867]............45 DISSONNETTO PARA DUAS DORES [1871]..........................46 DISSONNETTO PARA UM ACCIDENTE PRAGUEJADO [1886].............47 DISSONNETTO PARA UM PAPPO ENTRE EDOSOS [1912]...............48 SONNETTO PARA OS AMIGOS DO JOVEN [2029].....................49 SONNETTO PARA UM PROGRAMMA NOCTURNO [2081]..................50 DISSONNETTO PARA UM PERIPAQUE SEM DESTAQUE [2099]...........51 DISSONNETTO PARA UMA HILARIA FAIXA ETARIA [2213]............52 DISSONNETTO PARA UMA THIA CENTENARIA [2360].................53 DISSONNETTO PARA UM ALLOPRADO APPOSENTADO [2682]............54 DISSONNETTO SOBRE UMA SENHORA ENCRENQUEIRA [2855]...........55 DISSONNETTO SOBRE UMA VELHINHA CONSERVADA [2951]............56 MYSTERIO INTERIORANO (I a III) [3131/3133]..................57 BRONCHIOS BRONQUEADOS [3172]................................59 CARISSIMO CARRINHO [3272]...................................60 DIETETICA DIALECTICA DIABETICA [3279].......................61 PONCTA QUE ADMEDRONTA [3351]................................62 SEM DÓ DA VOVÓ [3531].......................................63 COMMUNIDADE DE ULTIMA GERAÇÃO [3551]........................64 A VOLTA DO MOTTE DO MARIMBONDO [3661].......................65 TROVANDO A TROVA DA VOVOZINHA [3809]........................66 ACCIDENTE VASCULAR CEREBRAL [3935]..........................67 CHARTAS ENTRE UM JOVEN E UM VELHO BARDO (I a X) [3981/3990].68 O CAUTO CAUSO DO PROMPTO SOCCORRO [4139]....................78 O CAUTO CAUSO DO VELHO GAITEIRO [4145]......................79 O CAUTO CAUSO DA BICHANA NA BANANA [4179]...................80 O CAUTO CAUSO DA EXTERMINADORA DE MENDIGOS [4182]...........81 O VIÇO DO VICIO [4197]......................................82
SEM VIÇO NO SERVIÇO [4198]..................................83 O CAUTO CAUSO DO PENSAMENTO POSITIVO [4408].................84 O CAUTO CAUSO DA NOVELLA E DA SEQUELA [4410]................85 RITO CORRIQUEIRO [4482].....................................86 SOU GLABRO E NÃO ABRO [4483]................................87 ROSTO POSTO EM POSTER [4517]................................88 O SADISMO DO OLHO (I) [4523]................................89 O SADISMO DO OLHO (II) [4524]...............................90 PARAPHRASE DE SONNETTO SOBRE UM CONTO DE THIAGO BARBALHO....91 DOSE DUPLA (I) [4569].......................................92 DOSE DUPLA (II) [4570]......................................93 PARCERIA NA LAVANDERIA [4590]...............................94 VIOLENTO VENDAVAL [4664]....................................95 UFFANO VETERANO [4672]......................................96 MALES MENORES [4673]........................................97 TRAGICA COMICHÃO [4745].....................................98 DIA DO EDOSO [4754].........................................99 SIGNAL DE VIDA [4783]......................................100 RAPIDO REPARO [4790].......................................101 MELHOR EDADE (I a X) [4811/4820]...........................102 FICHA CAHIDAÇA (I a III) [4898/4900].......................107 SEM CEREMONIA [4921].......................................109 RABUGICE DE QUEM DISSE [4941]..............................110 LENTES INCORRECTIVAS [4942]................................111 ABBRAÇO SUADAÇO [5063].....................................112 SONNETTAR E COÇAR, EIS A QUESTÃO [5077]....................113 DENTE IMPERTINENTE [5098]..................................114 EDOSA MANHOSA [5245].......................................115 SAQUE SEM SAQUE [5266].....................................116 TARA QUE REPARA [5272].....................................117 BOCCA DO POVO [5290].......................................118 AVARIA QUE VARIA [5299]....................................119 ESQUETE QUE SE REPETE [5300]...............................120 DISSONNETTO DUM DIA DE ALEGRIA [5312]......................121
DISSONNETTO DUM CULTO TUMULTO [5317].......................122 DISSONNETTO DUMA SENHORA QUE MONITORA [5330]...............123 DISSONNETTO DUM ACCESSO NOCTURNO [5334]....................124 DISSONNETTO DUM RESERVADO NÃO VENTILADO [5396].............125 SONNETTO DUMAS MUMUNHAS NAS UNHAS [5431]...................126 DISSONNETTO DUNS CHUVEIROS ORDINARIOS [5454]...............127 SONNETTOS DUMA LOIRONA QUE SE APPAIXONA (I a III)..........128 A TESOUREIRA E O THESOUREIRO [5507]........................130 UM SATYRO SATYRIZADO [5508]................................131 SOGRA QUE LOGRA [5511].....................................132 VOVÓS DA PRAÇA DE MARÇO [5528].............................133 NEVER TRUST ANYONE OVER THIRTY [5566]......................134 DAMNE-SE A AMNESIA! [5603].................................135 VERVE QUE FERVE [5632].....................................136 PROLIXA FIXAÇÃO [5636].....................................137 NATAL MENTAL [5682]........................................138 LIVROS PRODIGOS [5733].....................................139 FIRST JUNKIE FOOD DISSONNET [5763].........................140 VELHO PROBLEMA (I) [5808]..................................141 MELHORIA EM IGUARIA [5814].................................142 TARDIA FUTUROLOGIA [5877]..................................143 MEME DO FEVEREIRO ROXO [5881]..............................144 IMPOTENTE PREPOTENTE [5889]................................145 VIVA VOVÓ [5899]...........................................146 MEME DA VERRUGA [5939].....................................147 TOO GOOD TO BE TRUE [5945].................................148 MISCELLANEA SENTIMENTAL [5956].............................149 VELHO PROBLEMA (II) [5961].................................150 MEME DA SOGRA [5965].......................................151 MISCELLANEA BOATEIRA [5990]................................152 QUEM PAGA PELA PRAGA? [5999]...............................153 MISCELLANEA SOBREHUMANA [6001].............................154 MEME DA MÃE DO PUNK [6014].................................155 MISCELLANEA DYSFUNCCIONAL [6035]...........................156
ISOLAMENTO VERTICAL [6082].................................157 COCEIRA NA BOCETA [6085]...................................158 FINO CONFINAMENTO [6090]...................................159 MATTOSALEM [6094]..........................................160 REGIME DISCIPLINAR DIFFERENCIADO [6112]....................161 EMPATHIA DUMA THIA [6126]..................................162 INCOGNITA EXCEPÇÃO [6304]..................................163 DESNUDEZ [6308]............................................164 TRAQUEJADA NADA [6368].....................................165 SEPTENTÕES [6377]..........................................166 MEMENTO HOMO [6422]........................................167 HUMOR NEGRO (I) [6438].....................................168 INADIMPLENTE PENITENTE [6448]..............................169 BOAS INTENÇÕES [6457]......................................170 CAUSÃO SEM PRECAUÇÃO [6471]................................171 INFINITO CONFINAMENTO [6508]...............................172 CHATOS BOATOS [6511].......................................173 RANCORES DE ELEITORES [6540]...............................174 VELHOTA PATRIOTA [6545]....................................175 DECREPITUDE QUE ILLUDE [6555]..............................176 JEITO SUSPEITO [6586]......................................177 PROUD MARY [6617]..........................................178 SAPIENCIA DA VIVENCIA [6680]...............................179 PARABOLA DAS GERAÇÕES [6682]...............................180 CORNOS CORONEIS [6695].....................................181 UNA GIORNATA PARTICOLARE [6721]............................182 THEMAS DE TELEPHONEMAS (IX) [6725].........................183 BROCHA DE GALOCHA [6763]...................................184 NEVER DREAMED YOU'D LEAVE IN SUMMER [6771].................185 JOIAS DE FAMILIA [6828]....................................186 VOVÓS A SÓS [6885].........................................187 CHORADEIRA COSTUMEIRA [6913]...............................188 EXAME DE FEZES [6916]......................................189 EXSPECTATIVA DE VIDA [6930]................................190
CARA E BARULHENTA [6941]...................................191 VEZEIRO CADEEIRO [7052]....................................192 PÉ DIABETICO [7086]........................................193 GERONTOPHILIA [7087].......................................194 BALDADOS CUIDADOS [7163]...................................195 SOLITARIO PRIORITARIO [7235]...............................196 COCÔ NO PIPI DO VOVÔ [7236]................................197 MOTTE GLOSADO [7266].......................................198 MOTTE GLOSADO [7357].......................................199 MOTTE GLOSADO [7449].......................................200 MOTTE GLOSADO [7490].......................................201 MOTTE GLOSADO [7548].......................................202 MOTTE GLOSADO [7620].......................................203 MADRIGAL PATRIARCHAL [7685]................................205 MADRIGAL IMMORAL [7719]....................................206 MADRIGAL HORMONAL [7729]...................................207 MADRIGAL NATURAL [7742]....................................208 GASTRICA GASTURA [8036]....................................209 INCORRECTA EDADE PROVECTA [8057]...........................210 MICÇÃO CUMPRIDA [8074].....................................211 AMENO VENENO [8081]........................................212 PHAROLEIRO MOTOQUEIRO [8082]...............................214 INFINITILHO ENVELHESCIDO [8114]............................215 INFINITILHO DA VELHICE [8117]..............................217 RHAPSODIA BASILIANA [8391].................................218 DESLUMBRANTE DESKABBALISMO [8488]..........................219 IMPOTENTE PLATONISMO [8499]................................220 O MYTHO DO "ME TOO" [8509].................................221 BELIEVE IN YESTERDAY [8553]................................223 TRANSTORNO CANSATIVO REPULSIVO [8568]......................224
Titulos publicados: A PLANTA DA DONZELLA ODE AO AEDO E OUTRAS BALLADAS INFINITILHOS EXCOLHIDOS MOLYSMOPHOBIA: POESIA NA PANDEMIA RHAPSODIAS HUMANAS INDISSONNETTIZAVEIS LIVRO DE RECLAMAÇÕES VICIO DE OFFICIO E OUTROS DISSONNETTOS MEMORIAS SENTIMENTAES, SENSUAES, SENSORIAES E SENSACIONAES GRAPHIA ENGARRAFADA HISTORIA DA CEGUEIRA INSPIRITISMO MUSAS ABUSADAS SADOMASOCHISMO: MODO DE USAR E ABUSAR DESCOMPROMETTIMENTO EM DISSONNETTO DESINFANTILISMO EM DISSONNETTO SEMANTICA QUANTICA INCONFESSIONARIO DISSONNETTOS DESABRIDOS SONNETTARIO SANITARIO DISSONNETTOS DESBOCCADOS RHYMAS DE HORROR DISSONNETTOS DESCABELLADOS NATUREBAS, ECOCHATOS E OUTROS CAUSÕES A LEI DE MURPHY SEGUNDO GLAUCO MATTOSO MANIFESTOS E PROTESTOS LYRA LATRINARIA DISSONNETTOS DYSFUNCCIONAES O CINEPHILO ECLECTICO
A HISTORIA DO ROCK REESCRIPTA POR GM SCENA PUNK CANCIONEIRO CARIOCA E BRAZILEIRO CANCIONEIRO CIRANDEIRO SONNETTRIP THANATOPHOBIA DESILLUMINISMO EM DISSONNETTO INGOVERNABILIDADE PEROLA DESVIADA O POETA PORNOSIANO BREVE ENCYCLOPEDIA DA TORTURA CENTOPÉA: SONNETTOS NOJENTOS & QUEJANDOS RAYMUNDO CURUPYRA, O CAYPORA PAULYSSÉA ILHADA: SONNETTOS TOPICOS PRANTO EM PRETO E BRANCO GELÉA DE ROCOCÓ: SONNETTOS BARROCOS MADRIGAES TRAGICOMICOS PANACÉA: SONNETTOS COLLATERAES TRACTADO DE VERSIFICAÇÃO VENENOSAS FOFOCAS BAMBOS DITHYRAMBOS
São Paulo Casa de Ferreiro 2022