HISTORIA DA CEGUEIRA
GLAUCO MATTOSO
HISTORIA DA CEGUEIRA
São Paulo Casa de Ferreiro 2020
Historia da Cegueira Glauco Mattoso © Glauco Mattoso, 2020 Revisão Lucio Medeiros Projeto gráfico Lucio Medeiros Capa Concepção: Glauco Mattoso Execução: Lucio Medeiros _______________________________________________________________________________________ FICHA CATALOGRÁFICA _______________________________________________________________________________________
Mattoso, Glauco
HISTORIA DA CEGUEIRA/Glauco Mattoso
São Paulo: Casa de Ferreiro, 2020 244p., 21 x 21cm ISBN: 978-85-98271-28-4
1.Poesia Brasileira I. Autor. II. Título.
B869.1
NOTA INTRODUCTORIA
Depois do proprio Homero, considera-se que o maior poeta cego tenha sido John Milton (1608-1674), que ficou cego em 1652, de quem recreei um sonnetto (meu numero 1059, de 2006), por signal petrarchiano e não shakespeareano (um dos vinte e quattro delle nesse molde, que reflectem a influencia recebida do foco renascentista), allusivo à cegueira como vontade divina. Era de se esperar que thematizasse a perda da visão por essa perspectiva, em tempos de puritanismo christão, e que procurasse na Biblia os modellos a serem retrabalhados, como o de Sansão, trahido por Dalilah e cegado pelos philisteus. Milton retractou-o na tragedia que chamou de “Agonista” (1671), na qual colloca o heroe judeu ja prisioneiro e escravizado, portanto fracco e indefeso, à mercê de seus captores. Ora, um dos paradigmas mythologicos que mais me fascinam é justamente a historia de Sansão, não só pela symbologia do perdedor, cuja força se anniquila simultaneamente à falta da visão, mas principalmente pela imagem do inimigo capturado e exposto ao vingativo sadismo de seus carcereiros. Occorre que a fonte biblica dedica pouquissimas palavras à narração das aggressões e humilhações soffridas por Sansão no captiveiro:
para os judeus, elle foi um heroe, cujo martyrio só serve de pretexto à resistencia contra a dominação “extrangeira” na Palestina.Para os pagãos, outrosim, o que costuma interessar é o erotismo que envolve seu romance com a sensual Dalilah. Para mim, ao contrario, interessa o adspecto sadomasochista de seu martyrio. Compuz sonnettos avulsos em torno do sansonismo, mas minha intenção sempre foi emprehender obra mais extensa e detalhada, abbordando as scenas de abuso sexual que jamais poderiam ser exhibidas na maior das versões cinematographicas: a de Cecil B. De Mille (1949), que, obviamente, se deteve mais no appello erotico do casal de actores que no tempero morbido da agonia na cegueira. Caberia a mim reinventar pormenorizadamente as scenas abusivas, restando appenas conferir até que poncto Milton teria chegado, ao explicitar a situação do prisioneiro, uma vez que o poeta britannico jamais passaria da agonia à putaria, elle que seria a unica fonte litteraria a priorizar o periodo de “inferioridade” do heroe. Na versão miltoniana, os versos são brancos e livres (reparem no inglez archaico), com poucas passagens directamente suggestivas do sadismo dos philisteus, a exemplo desta, na qual Sansão lamenta comsigo mesmo a desgraça em que se metteu, a sepultura que cavou para si, e se pergunta que prazer podem ter seus inimigos ao contemplarem a afflicção dum cego escravizado: My self, my Sepulcher, a moving Grave, Buried, yet not exempt By priviledge of death and burial
From worst of other evils, pains and wrongs, But made hereby obnoxious more To all the miseries of life, Life in captivity Among inhuman foes. But who are these? For with joint pace I hear The tread of many feet stearing this way; Perhaps my enemies who come to stare At my affliction, and perhaps to insult, Thir daily practice to afflict me more. Ou a exemplo desta outra passagem, na qual Sansão se recusa a admittir, frente ao interlocutor, que servirá como palhaço perante o publico philisteu, e que sua cegueira será motivo de diversão collectiva: Have they not Sword-players, and ev’ry sort Of Gymnic Artists, Wrestlers, Riders, Runners, Juglers and Dancers, Antics, Mummers, Mimics, But they must pick me out with shackles tir’d, And over-labour’d at thir publick Mill, To make them sport with blind activity? Do they not seek occasion of new quarrels On my refusal to distress me more, Or make a game of my calamities? Na minha rhapsodia, os sonnettos teem estrophação differente da habitual petrarchiana ou shakespeareana: divido cada um em uma decima e um quartetto. Totalizando sessenta estrophes, taes sonnettos (numerados de 4601 a 4660) formam o cyclo “São Sansão, Sancta Dalilah”, incluido no livro O POETA PECCAMINOSO, que sahiu pelo sello Lumme em 2011 e agora
reapparesce em versão orthographicamente mais appurada. Depois que os leitores conferirem a quaes sacanagens submetto o poderoso guerreiro biblico, appresento-lhes as oitenta estrophes dum inedito cyclo em oitava rhyma que desengavetei, para synthetizar a historia da occlusão como transitiva da exclusão à inclusão, passando pela reclusão e chegando à conclusão de que o caso de Sansão jamais será pagina virada, ainda que em papel-biblia, na memoria da humanidade. Tambem integra o volume a serie narrativa “A cegueira ordeira”, em sessenta estrophes, originalmente publicada em 2009 no livro CINCO CYCLOS E MEIO SECULO, que sonnettiza rhapsodicamente um caso noticiado no sudeste asiatico, para o qual a imaginação poetica contribue com metro, rhyma, licença e licenciosidade. Actualizando a obra, completam o volume uma selecção de quarenta e seis dissonnettos e outra de quarenta e seis poemas em diversa estrophação, todos compostos a partir de 2016, que retractam adspectos subjectivos e/ou objectivos da deficiencia visual. São poemas que supplementam aquelles de cunho egualmente typhlologico reunidos na collectanea DESILLUMINISMO, publicada (2016) em edição impressa, pelo sello Martello.
PRIMEIRA PARTE
“SÃO SANSÃO, SANCTA DALILAH”
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[1:1] Sonnettos teem quattorze versos, mas admittem que o poeta experimente. Assim me considero: competente tal como o concretista, que lhe faz romper a estrophação. Sou, pois, capaz de, em vez de quattro estrophes, propor cinco, dum jeito que ja fiz. Com mais affinco, agora me proponho a recontar (talvez a raccontar) esta exemplar historia em que me vejo e na qual brinco. À decima que accyma e que na frente propuz, vem com justeza se sommar a rhyma que faltou e que, em logar da chave, se complete e se accrescente.
[1:2] Composto de uma decima e um quartetto, assim faço o sonnetto, doradvante. Tal forma me permitte que lhes cante aquillo que ora canto. Não prometto à Biblia ser fiel, mas pôr o preto no branco, comprovando que Sansão, embora não canonico, foi tão sagrado, emquanto martyr, que meresce dos credulos devotos uma prece, tal qual Sancta Luzia, uma oração. Talvez não seja um cantico o bastante nem fosse o que justiça lhe fizesse, mas ouso aqui propor que a Musa cesse e assuma agora um Demo, dos de Dante.
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14 GLAUCO MATTOSO [1:3] Rembrandt e Bloch olharam-no com seus olhares illustrados, cada qual pinçando o seu, pinctando um ideal, ou elle com Dalilah, ou, ja sem Deus por perto, preso pelos philisteus. Tambem Masoch o vê pinctado, entregue àquelle que melhor ri, caso o cegue: na tela que descreve em seu romance, Sansão está indefeso e vae, sem chance, ficar cego, fazer papel de jegue. Fallando em tela, aquella principal está, nos nossos dias, ao alcance dos olhos dos cinephilos: quem lance o olhar mais nu será quem deu aval.
[1:4] Si Cecil B. De Mille o poz na tela com hollywoodiana clicheria e expoz todo o sadismo na agonia do cego em captiveiro, que revela da historia a refilmagem? Dará trella a scenas mais reaes? Será bem menos pudica? Ou pinctará com tons amenos a amarga e requinctada humilhação? Tambem exsiste em video essa versão “revista”, mas tambem com planos plenos. Nem sei si o director desta seria britannico, sueco ou allemão. Só sei que elle allivia, mesmo, a mão e nada de mais sadico recria.
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[1:5] Na mão dos philisteus deixar Deus quiz os filhos de Israel (e aos pés) durante quarenta longos annos: o bastante seria para à luz vir um juiz que iria libertal-os. Assim diz o Velho Testamento: eis que desceu um anjo do Senhor e ao povo hebreu Sansão annunciou, que nasceria do ventre, então esteril, de Maria, ou outro qualquer nome, direi eu. No Livro dos Juizes se garante, em treze, cinco, aquillo que podia ou não, que de Sansão não rasparia ninguem a cabelleira: elle era infante.
[1:6] Infante, ou “Nazireu de Deus”, dizia o Livro. Está Sansão predestinado, portanto, e estará Deus sempre a seu lado. Seria de esperar que fosse, um dia, o lider de seu povo. Qual seria, porem, esse tão grave e atroz motivo que leva um Deus tão justo e punitivo a dar uma sentença tão cruel, fazendo com que o povo de Israel se torne, desses barbaros, captivo? No Livro, esse motivo é collocado no treze, e seu versiculo fiel allude a algo de mau que gerou fel “aos olhos do Senhor”... Vago recado!
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16 GLAUCO MATTOSO [1:7] Quem eram, affinal, os philisteus? Informam archeologos que, em Gaza (a mesma faixa, agora, a ser a casa dum povo palestino), tinham seus urbanos centros, luzes entre breus: Pentapolis chamavam essa zona. Mas quem de Chanaan quer e ambiciona ser dono é o povo hebreu! Como Deus pode deixar que taes pagãos armem pagode na terra dicta sancta? Que é que abbona? A historica pesquisa não dephasa, mas poncto é ja pacifico que explode um odio contra aquelle que nos fode, si somos dominados: é o que embasa. [1:8] Quattorze: o casamento de Sansão está nesse capitulo. Crescido, engraça-se o menino (era a libido fogosa funccionando) e quer a mão da moça philistéa, extranha, e não dalguma de seu povo. O pae accapta que o joven queira a moça de Timnatha, embora os philisteus não gostem disso. Celebra-se com festa o compromisso, mas logo lhe seria a esposa ingrata. Dissera o pae ao joven: “Não decido por ti, mas somos servos a serviço de taes incircumcisos... Tu tens viço que vale uma das nossas, meu querido!”
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[1:9] Mas, antes de casar-se, Sansão macta, com suas proprias mãos, sob o poder de Deus, feroz leão, que veiu a ver no meio do caminho, por Timnatha. Voltando a tal local, elle constata que, em vez de verme ou mosca, esse leão ja podre attrae abelhas! Bebe, então, o mel que ellas produzem, mas não falla do caso aos paes. A historia, elle irá dal-a depois, como um enigma. Eis a questão: “Sahiu, do comedor, comida...” Ler conseguem a mensagem? A kabbala completa-se: “...e a doçura duma balla sahiu do forte!” Alguem vae me dizer? [1:10] O enigma foi proposto por Sansão a todo philisteu que, convidado, estava em sua festa. Ha desaggrado geral. Sansão propõe que, caso não consigam descobrir, elles darão a si trinta lençoes e, mais ainda, o mesmo em roupas novas, da mais linda textura. “Si, ao contrario, alguem a minha charada, que é tão simples, adivinha, serei eu que darei, e a troca é finda!” Irados, elles querem a seu lado a esposa: pedem que ella, que é expertinha, consiga de Sansão o que elle tinha guardado só comsigo... E elle calado!
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18 GLAUCO MATTOSO [1:11] A noiva tanto chora, tanto implora, que, emfim, Sansão lhe conta: “O que é mais forte que o rei dos animaes? E qual a sorte mais doce de sabor, minha senhora, que aquella que ha no mel?” Ella se cora, vexada, mas revela o resultado aos outros, que proclamam seu achado. Sansão se vê trahido, mas irá achar um jeito justo e, logo, dá aquillo que propoz e foi cobrado. A roupa promettida, em cada corte, dos proprios philisteus, mortos, virá! Sansão, que macta uns trinta, os despirá: assim paga o que deve, impondo a morte! [1:12] Aquelles que terão seu pagamento tambem se sentirão trahidos, mas é tarde: agora, o estrago que se faz remedio não terá... Seu juramento Sansão cumpriu todinho, cem por cento, mas odio ja gerou. Sua mulher será, pois, rejeitada: Sansão quer que seja entregue a um outro, a um companheiro, tambem hebreu... Seria este o primeiro a tel-a deflorado? Quem souber... É claro que voltar não pode attraz ninguem, mas esse caso ja tem cheiro de tragico desfecho e, por dinheiro nenhum, se salvará nosso rapaz.
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[1:13] Sansão com prostitutas se sacia, e a coisa fica clara na Escriptura. Suppõe-se que elle está de picca dura e a puta vae chupal-a. “Que alegria! (diz ella) Sem prepucio, a putaria será mais hygienica! Quando eu na bocca metto o pau dum philisteu, engulo sebo! A pelle se arregaça e solta um queijo fetido! Esta raça judaica é limpa, e nunca um pau fedeu!” E chupa (Que delicia!) aquella pura cabeça carequinha! Lambe, passa a lingua pela glande, até que faça gozar Sansão, que exporra e um “Ah!” murmura...
[1:14] Emquanto o joven trepa e se preoccupa appenas em gozar, quer com aquella ou esta, os philisteus querem é bella vingança pelas mortes! Si quem chupa só pensa em dar prazer, longe se aggruppa o exercito inimigo. Eis a vingança que está a se consummar: a tropa lança os paes do nosso heroe numa fogueira e os queima até ver morte! Essa maneira é crua: emquanto morre, um corpo dansa! Sansão fica sabendo (alguem revela) que foram seus paes mortos, e se inteira da forma como o foram. A caveira deseja do inimigo e a Deus appella.
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20 GLAUCO MATTOSO [1:15] Com Christo e com Sansão a historia, agora, em algo se differe: o assassinado pae deste se escreveu que está enterrado, com sua mãe, num tumulo de Zorah, cidade onde nasceu. Se commemora, acaso, alguma data? Esse é local de peregrinação? Qual, affinal, a grande differença? É que Sansão mactou para vingar-se, e Christo não. No mais, soffreram ambos o seu mal. Sansão foi vingativo e, por seu lado, Jesus offeresceu o que o christão não ousa offerescer: ao bofetão a face, antes de ser crucificado. [1:16] Vingança appós vingança, Sansão quer queimar as plantações dos philisteus: provoca grande estrago e, quando seus ferrenhos inimigos de mulher o privam, fica tudo de colher, do jeito que o Diabo gosta! Então, fugindo aos philisteus, chega Sansão no topo duma rocha, a uma caverna. Porem, la não terá morada eterna, pois onde elle se esconde o saberão. Mas, antes de evadir-se, pede a Deus as forças que o protegem: faz baderna nas hostes inimigas, fere perna e coxa, paus deceppa, e os chama atheus!
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[1:17] Quem paga o pato é o povo, ja dizia o Livro. Os philisteus vão se vingar no povo de Israel si, em seu logar não for Sansão entregue... E, pela via imposta, a da chantagem, a judia nação entregará seu melhor filho aos barbaros! Diz elle: “Não me humilho aos sadicos tyrannos!” Vão à grutta, admarram-no e, temendo mais disputa, entregam-no: “Mas eu me desvencilho!” A scena é bondagista, uma exemplar admostra de sadismo: elle labuta, aptado a grossas chordas. A conducta será, dos philisteus, risadas dar! [1:18] Aos homens philisteus o que jubila é ver seu inimigo alli, todinho aptado, à espera delles, no caminho. Deleitam-se com isso! Nem vacilla um delles: antes mesmo de, na villa, armarem algum circo, quer a farra fazer naquelle instante! Então aggarra Sansão, para aggredil-o, a cusparada lançar-lhe em plena face e, depois, cada um delles cuspir dentro da boccarra! Mas eis que o philisteu mais excarninho nem chega a molestal-o: Sansão brada aos céus, forças concentra, e a mão aptada se solta, o braço, a perna, até o pezinho!
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22 GLAUCO MATTOSO [1:19] Livrando-se das chordas, Sansão pega, dum burro morto, appenas a queixada: com ella mactará, brincando, cada um delles! Uns mil macta! Essa refrega é rapida: termina e nem offega! Completa seu serviço, mas está com sede, e a Deus recorre, que lhe dá o liquido, tão raro no deserto, de fonte inexsistente alli por perto, mas cuja apparição é para ja! Ah, quando essa noticia annunciada chegar aos inimigos, será certo que estejam revoltados! Mais experto, Sansão triumpha sempre e teme nada!
[1:20] Percebem os pagãos haver um meio, appenas, de pegal-o: uma cilada pensada, intelligente, planejada. O Livro diz que, até surgir um freio na folga dos judeus, Sansão, ja cheio de si, vira juiz por uns dez annos, ou mais! Ha, nesses numeros, engannos? O facto é que a comptagem parescia seguir, não a normal chronologia, mas sim a dos que fazem tantos planos. Sansão gosta das putas: sua amada ainda não se sabe si é judia ou uma philistéa, uma vadia qualquer, que bem o chupe... A puta? A fada?
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[1:21] Em Gaza, vae Sansão à zona urbana, em busca das vadias: ser chupado deseja loucamente, pois o lado mais ludico do sexo, não se enganna, é a bocca da mulher, mais do que a chana! Mal entra num puteiro, encontra aquella que é, dizem, a mulher que melhor fella na zona. Tranca a porta e se accommoda na cama, prelibando a dicta “foda homerica”, na bocca da cadella. A puta, ao ver aquelle pau tarado sem pelle, tão limpinho e liso, à roda da glande o beija e lambe: à sua moda, procura merescer um bom trocado. [1:22] Mas, antes que o caralho se introduza na bocca da mulher, algum ruido, la fora, desconcentra o heroe despido! Na certa, os philisteus sabem que abusa da puta philistéa: alguem accusa aos guardas que elle está, ja, na cidade! Assim não é possivel! Pois quem ha de foder sendo cercado? Sansão sae, então, e se retira: outra vez vae voltar, buscando aquella que lhe aggrade... Armaram-lhe emboscada, mas sentido não faz, pois, si quizesse, elle a seu Pae pedia aquella força bruta e... ai de quem tal homem queira ver vencido!
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24 GLAUCO MATTOSO [1:23] Mas eis que se appaixona nosso heroe por uma philistéa mui bonita: Dalilah ella se chama, e o Livro cita que sabe seduzir... Alguem se doe, que eu sei, si digo aquillo que destroe versões das mais pudicas, mas o facto está na habilidade, está no tacto da moça ao chupar rolla! Ella capricha melhor que qualquer outra, e não é lixa a sua lingua: é seda, ao que eu constato! Ao ver Dalilah aquella oral salsicha, tão lisa, tão limpinha... Uau! Se excita, delira e lhe declara que é bemdicta por tel-a em sua lingua, que se espicha!
[1:24] Começa a fellação. Chega Dalilah os labios ao caralho, que até dá pullinhos de alegria! Logo, está beijando desde o sacco, que destilla suor, até a cabeça, sem feril-a nos dentes, como as putas sem paixão. Aos poucos, lambe a rolla de Sansão todinha e, salivando, ella ensaboa o thallo, a glande, tudo! Ah, coisa boa! Melhor não ha que um banho sem sabão! Pensando bem, melhor coisa, sim, ha: a rolla ja bombando, e que se doa a puta! Entra, sae, entra e, quando excoa seu jorro, a bocca é rallo... Isso! Assim! Ah!
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[1:25] Do valle de Sorek ella procede, segundo cita o Livro. Alguem da terra advisa aos philisteus que ella se ferra, chupando aquella rolla, mas não cede, que nada causará que a bocca arrede daquelle caralhão, mesmo que esteja fodida até a garganta... Nessa egreja quem reza se adjoelha e perdão pede si pecca pouco e teme o pau que fede, por isso ella é feliz quando rasteja... Os principes se animam. Si na guerra não vencem, pelo amor, que tudo azede farão: chamam Dalilah, que concede em delles ouvir quanto um sacco encerra...
[1:26] Qual sacco? Não o escroto, mas de grana! Um sacco de moedas: mil e cem de cada philisteu que, nisso, tem poder de decidir! Sente na chana Dalilah uma coceira, se attazana, se afflige, mas acceita! Então retorna à casa de Sansão e, com voz morna, começa a perguntar em que consiste aquella força toda... E, si é que exsiste, qual methodo admollesce essa bigorna? Sansão, ouvindo aquillo, fica triste: achava, antes, que nada, nem ninguem, lhe tira tal segredo... Justo quem vem isso perguntar e, nisso, insiste!
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26 GLAUCO MATTOSO [1:27] Sansão umas respostas dá, mas sem a certa revelar e, cada vez que tenta enfraquescel-o, essa soez mulher nada consegue: Sansão bem se livra das admarras e ninguem lhe pode admeaçar! Então Dalilah lamenta-se ao amante. Este vacilla, mas ella chora e falla-lhe: “Não amas a tua philistéa?” “Por que tramas tu contra mim?”, diz elle, sem feril-a. Dalilah é persistente! Tanto fez, e tanto o importunou, que, ao ver que as chammas ja quasi se appagavam, ouviu: “Mammas tão bem, minha querida, que talvez...”
[1:28] Nas tranças do cabello de Sansão, que septe são, jamais passou navalha. Passasse, e elle seria o que lhe calha: um homem como os outros. Quando, então, sabendo fica disso, o tem na mão Dalilah, e advisa os seus, que seu dinheiro lhe pagam. Ella, juncto ao companheiro, o faz addormescer. Então lhe corta as tranças do cabello: agora, morta estava a sua força, o tempo inteiro! Assim que do Senhor a força falha, estão os philisteus aquem da porta, dispostos a prender quem não supporta ser feito prisioneiro, ou o que o valha.
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[1:29] Ainda accreditando ser um forte, Sansão se põe allerta e os vis enfrenta. Inutil: foi a lucta violenta, mas elles o seguram. Mesmo o porte robusto não o livra. Que supporte, agora, o que virá! Coisa primeira, arrancam-lhe os dois olhos, de maneira que fique elle à mercê do philisteu mais fracco que lhe diga: “Tu és meu escravo, meu cachorro, ou o que eu queira!” Levado para Gaza, bem lhe assenta de bronze uma corrente: agora o seu serviço é moer grãos, a ver só breu, só trevas, só negror, em marcha lenta! [1:30] Escravo aggrilhoado: obrigação tem elle de mover sempre um moinho. Trabalha nisso um cego, direitinho, andando, lento, em circulos. Lhe dão appenas agua, appenas agua e pão, alem das chibatadas que, frequentes, nas costas deixam marcas. Cerra os dentes o cego e, mudo, as soffre, até que moa os grãos da sua quota e, caso doa demais um golpe, solta uns ais pungentes. A cada volta, o cego, em seu caminho, encontra algum carrasco: uma pessoa edosa, um joven, tanta gente boa da plebe, que tirar quer um sarrinho...
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28 GLAUCO MATTOSO [1:31] Escravo fellador: obrigação tem elle de chupar. Se apperfeiçoa melhor nessa tarefa uma pessoa privada da visão, pois cede e não recusa nenhum membro, entre os que estão immundos ou fedidos. Por correntes aptado, elle interrompe os permanentes e lentos movimentos do moinho, ouvindo o que um algoz diz, excarninho: “Tu sentes esse odor? Sabor tu sentes?” Quem são esses algozes? Quem mais zoa às custas do captivo? Eu adivinho: os fraccos e alleijados, o anãozinho, o velho, o adolescente, o que anda à toa... [1:32] No engenho gyratorio, o cego emprega as forças que lhe restam: anda e empurra, mantendo o mechanismo dessa burra moenda sempre activo. Em sua cega jornada, anxeia a pausa. Então offega, descansa um pouco, senta-se no chão, emquanto os philisteus, em volta, vão tirando sarro. Quando appenas um está por perto, é certo que commum será vir lhe exigir a fellação. É um joven alleijado quem o exmurra e ordena que adjoelhe. Sem nenhum pudor, o pau expõe, cujo fartum é forte e tornará nojenta a curra.
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[1:33] Sansão, movido a golpes de muleta, a postos posiciona-se. O fedor da rolla, rente, augmenta e faz suppor um peixe podre. O coxo, antes que metta na bocca do captivo e que a chupeta exija, muletadas dá, gargalha: “Tens força? Agora a força que te calha está na tua lingua, que, de leve, terá que se mexer! Eis o que deve fazer dum cego a bocca, e bem, sem falha!” Os beiços entreabre o chupador e sente introduzir-se quem se attreve a achar-se superior. “Que seja breve! (supplica aos céus Sansão) Deus, por favor!”
[1:34] O penis, curto e fino, tem cabeça de pelle phymosada, que accumula de sebo grossa crosta. Até que engula aquillo, Sansão lambe bem a espessa camada. O leve attrito faz que cresça a rolla, tesa ao maximo. O alleijado delira de prazer. “Eu me degrado (Sansão pensa), mas faço que elle goze bem rapido e abbrevio a minha dose oral de sacrificio concentrado...” A lingua accaricia o que da mula não lembra, si é menor, mas a phymose compensa pelo nojo. Caso pose de martyr, mais do coxo o gozo açula.
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30 GLAUCO MATTOSO [1:35] Exporra, emfim, o joven philisteu, garganta abbaixo a amarga porra exguicha. Sansão engole: sabe que o barbicha magrello não tolera que esse seu exguicho cuspa aquelle que lambeu sebinho até lavar-lhe a suja glande. Depois de se exbaldar na funda e grande boccarra do captivo, o molecote retira e guarda, flaccido, seu dote, emquanto, novamente, outro pau brande. Mais golpes de cajado! Quem capricha chupando não meresce no cangote sinão a bordoada que arda e enxote! De pau appanha appós levar salsicha!
[1:36] Anões só são creanças no tamanho. No penis os anões levam vantagem, mas sentem-se enjeitados. Essa imagem, num filme, fica dubia: eu não extranho que passem uns por outros. Não me accanho, porem, ao versejar que até meninos humilhem o captivo e que seus finos pinctinhos lhe penetrem a boccona. Direi, no pormenor, como funcciona o orgasmo dos anões, como imagino-os. Mais tarde, direi como os mirins agem. Aos poucos, eu resgato e trago à tonna a forra que alguem tira si desthrona um lider inimigo em chão selvagem.
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[1:37] Naquelle tempo biblico, é banal a physica, a exterior deformidade nos homens, de nascença. Ninguem ha de negar que de Jesus a principal virtude era o milagre que, affinal, curava até leprosos... Mas Sansão é Christo? As semelhanças muitas são, decerto: ambos são martyres da fé. Comtudo, Christo lava aos seus o pé e o cego chupará rolla de anão. Não pode haver funcção que mais degrade que aquella do fortão, que macta até leões, chupando anões, levando olé dum infimo tampinha, sem piedade.
[1:38] Foi tudo planejado: os philisteus junctaram seus menores, do mais feio ao menos parescido com quem veiu da especie humana. E assim dizem aos seus nannicos: “Elle adora aquelle Deus pagão, e não Dagon! Podem usal-o da forma mais impura! Até ao cavallo Sansão será inferior! Tornem impura a bocca do animal!” E a rolla dura ficando vae do anão ja nesse emballo. Assanham-se os nannicos e ao recreio estão ja predispostos. Quem attura a rolla dum daquelles? Só quem jura servir a um outro Deus, ao Deus alheio!
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32 GLAUCO MATTOSO [1:39] Primeiro, vem o anão de perna torta, virada para dentro: tem o phallo mais longo do que a coxa. Quem chupal-o terá que ser do typo que supporta o odor de carne podre, carne morta. Um guarda põe Sansão de quattro. O anão se senta num degrau. Começa, então, a rir, pois é ridiculo o gigante prostrado, engattinhando às tontas, ante carrasco tão minusculo e mandão. “Aqui, cão! Aqui, porco! Aqui, cavallo! Rasteja, cego!”, ordena esse arrogante tampinha. Caso a perna o anão levante, a cara chutará do seu vassallo. [1:40] O pé do anão, descalço, exbofeteia o rosto de Sansão, de lado a lado. Na face a sola estalla. Enthusiasmado, o anão na brincadeira se recreia. Sansão, inerme, aguenta aquella feia e suja miniatura de pé: “Lambe!” O cego estica a lingua: elle que sambe, lambendo o pé que samba em sua cara! Diverte-se o nannico, olhando para o cego e rindo! E a scena que descambe! “Aguenta, grandalhão! Foste surrado assim na tua vida? Então prepara a bocca, que hoje eu solto a minha tara! Chupaste pau de anão? Foste mijado?”
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[1:41] Um cego acceita tudo! Que fazer? As pernas em seus hombros o nannico appoia, faz-lhe a bocca de penico, e mijo beber passa a ser dever! O penis, que fedido é ja de per si, juncta o mijo ao sebo: o forte cheiro dá nausea. Que será que o prisioneiro irá fazer agora? Dessa picca convem que o verso falle: assim se explica melhor o que Sansão sentiu primeiro... Cabeça arregaçada, forma um bicco a pelle do prepucio. O sebo fica visivel, ou cheiravel, ja que a dica do cego está no olfacto e paga o mico.
[1:42] É grossa gosma a galla do nannico, que fode, comfortavel, a boccarra. Em volta do pescoço a perna aggarra, tortinha, feito pinça. “Porra, eu fico de novo de pau duro! Pagas mico e eu gozo! Te paresce isso humilhante? O anão fodendo a bocca do gigante! É o cumulo do orgasmo! Quem diria? O homunculo fraquinho tripudia na cara do grandão! Folgo bastante!” Immovel, o gigante tem, na marra, que abrir os labios, bicco fazer, via oral deixar bombar, pois se sacia assim o philisteu na sua farra.
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34 GLAUCO MATTOSO [1:43] Trez vezes o tampinha fode e goza, usando aquella bocca como um cu ou como uma boceta. O pincto nu paresce, agora, molle. Sansão dosa, aos poucos, as lambidas, e a gostosa sessão vae terminando. A lingua um banho accaba de dar nesse pincto extranho, no sacco, no cuzinho. O anão delira de gosto: está feliz, pois exigira do cego o seu melhor, e é grande o ganho. Se livra, emfim, o cego, e escuta: “Tu não passas dum gigante de mentira! És menos que um cão! Falta que te fira, nos olhos ja furados, o urubu!” [1:44] Depois, vem outro anão, tambem marrento, mas cujo pincto é torto e pequenino. Quer banho, ja, de lingua: “Eu imagino um tigre me lambendo! Que momento! Preciso soltar ventos, não me aguento! Ahi, fortão! Cansaste? Vae, trabalha! Tens lingua para isso!” Feito gralha, o anão do verbo abusa. “Vae, me toca punheta com a lingua! Quero, em troca, gozar nella meu leite, que não coalha!” A poncta da linguona, sobre o fino caralho, movimentos faz, provoca, masturba aquella bimba! Até masoca se sente, pois foi facil o pepino!
HISTORIA DA CEGUEIRA
[1:45] Meninos, propriamente dictos, são, tambem, crueis carrascos. Elles teem prazer mais em batter, em ver alguem soffrendo dor, e açoitam um Sansão sem forças, indefeso. Alguns ja vão mettendo o pé na cara, vão chutando a bocca. Ouvindo as vozes de commando, o cego os obedesce: “Lambe a sola! Os dedos! Chupa os dedos!” Se consola Sansão si elles se vão... mas voltam quando? Retornam logo: estão por alli. Sem fazer nada, divertem-se com bolla, mas, quando olham alguem que alli se exfolla no trampo, vão fazel-o de refem. [1:46] E o pappo dos moleques é gozado: “Ei, vamos la zoar aquelle escravo?” “E ahi? Tá cego? E agora? Não és bravo?” “Não podes reagir? Bem feito! És gado! És besta de tracção! És cão damnado!” “Tu queres meu pezinho em tua cara? Pois toma! Não gostaste? Então prepara a bocca, vou chutar! Quero que laves a sola do meu pé! Quero suaves lambidas! E depois, tu levas vara!” E a vara que elle leva eu ja depravo, pois digo que provoca não só graves feridas: sim, Sansão, que te depraves desejam os garotos, como aggravo!
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36 GLAUCO MATTOSO [1:47] Risadas dando sempre, sempre a dar gostosas gargalhadas, a mirim turminha philistéa tem por fim, tambem, uma exporrada no logar mais commodo: essa bocca, a lhes mammar no pincto juvenil. E fazem fila. À bimba do garoto, antes de abril-a, Sansão uns tapas leva pela face. A lingua, então, trabalha até que a classe todinha se divirta alli na villa. E o cego, entre o trabalho e essa ruim gallera, passa os dias. Si os passasse no inferno, era melhor! Elle que admasse o pão que irá comer! Quiz Deus assim! [1:48] Pedisse agua Sansão, alguem lhe dava a urina que mijasse, si estivesse a fim de divertir-se, e nem a prece livrava de comer a bocca escrava a merda que cagassem: quem aggrava tão triste condição é a molecada, disposta a ver o escravo cego cada vez mais emporcalhado. Seu dejecto mixturam-lhe à comida, e desse abjecto almosso é que, comendo, se degrada. No Velho Testamento, o anjo que desce dirá que “coisa immunda” será veto comer-se: era prophetico, e era affecto à mãe, não a seu filho, comer fece!
HISTORIA DA CEGUEIRA
[1:49] Quem acha que eu distorço e que exaggero, fallando em fellação, convem que leia de Mailer o romance que passeia no antigo Egypto. Um preso tem severo castigo quando pego! Aqui reitero aquillo que contou: o egypcio obriga o hittita a chupar rolla, faz que siga a signa de Sansão! O fellador humilha-se e se entrega ao vencedor! Não sou, pois, quem inventa a baixa intriga! Não basta mutilar e causar dor: si vivo e capturado, o preso cheia a bocca sentirá, pois quem guerreia e perde aguentará, seja o que for... [1:50] Dalilah se arrepende, mas foi paga, não pode devolver o que ganhara. Agora ver Sansão tenta, vae para o campo dos forçados, quer que a chaga nos olhos se reverta, ainda affaga o sonho de que nasça da careca do cego a cabelleira, leve a breca o escuro que elle enxerga e a luz do dia renasça, seja aquella que elle via... O Alem, porem, não poupa mais quem pecca. De longe, lhe permittem que olhe a cara do cego accorrentado. Ella queria tocal-o, mas não deixam... Que agonia! Sansão a um animal ella compara!
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38 GLAUCO MATTOSO [1:51] Um grande sacrificio ao deus Dagon os principes planejam: gratidão por terem conseguido, em sua mão, tomar seu inimigo. E como é bom, o povo pensa, olhar um cego com maus olhos, gozar delle! Elle que danse na marra, que os divirta, si, sem chance, se presta a ser palhaço! Que deleite será ver o ceguinho alli, de enfeite, à espera do peor, do maior lance! Do carcere é trazido, então, Sansão ao templo de Dagon, para que acceite o deus essa offerenda e que approveite o povo esse espectaculo, que é tão... [1:52] Tão sadico, tão bello, tão gostoso! Mulheres e creanças tambem vão chegando, agglomerando a multidão. Aquelles anões todos, que, de gozo, fartaram-se no cego, apparatoso papel exercerão: com a chibata que empunham, quer o povo que lhe batta no lombo cada qual, ja que o captivo trazido vem de quattro, advesso, exquivo, qual gado ao mactadouro onde se macta... O povo urra, delira! A sensação do cego é de total horror, pois vivo sahir não vae, e sabe! Lenitivo seria si tivesse, ‘inda, a visão!
HISTORIA DA CEGUEIRA
[1:53] O povo de Israel, nesse interim, está desconsolado. Deus podia seu filho perdoar e a luz do dia de novo conceder-lhe... Para mim, ficou tudo bem claro: Deus a fim estava de mostrar que o ser humano é mesmo um animal e, si Fulano, Beltrano, ou si Sicrano tem poder divino, logo abusa. Que soffrer, portanto, elle terá, tambem, seu damno! De Christo o sacrificio presencia Maria; de Sansão, quem veiu ver? Dalilah, certamente, que dever terá de se exhibir, fingir ser fria. [1:54] Christãos, alem da cruz, no Colyseu conhescem outro methodo mortal que serve de espectaculo: o animal carnivoro, que os come. O philisteu não é como o romano: no judeu a fera não se emprega. O proprio cara é o bicho, a que o captivo se compara, que vae, no seu ridiculo circense, fazer rir o povão, que se convence da força de Dagon: a massa ignara. Sansão, porem, que proximo o final ja sente, no Senhor pensa... Que pense! Que peça piedade! Esse suspense não pode terminar assim tão mal!
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40 GLAUCO MATTOSO [1:55] Então, do Pae se lembra o Nazireu: “Senhor! Eu vos trahi! Me perdoae! Me destes esta força, como o Pae que sois, para que eu fosse, deste meu eleito povo, um principe, mas eu trahi vossa bondade! Forniquei, appenas, todo o tempo, e, si pequei, foi contra a castidade! Não meresço pagar, por ser chupado, esse alto preço, chupando até os anões: aos goys, um gay! Mas peço-vos, Senhor, ja que não cae do céu minha visão de volta: o advesso, ao menos, da fraqueza! Reconhesço que errei, mas minha força, ó Pae, me dae!”
[1:56] “Que eu morra! Mas que morra, aqui, commigo, a raça philistéa! É o que vos peço!” Assim mentalizando, tem accesso Sansão entre as columnas desse antigo estadio recoberto. Seu castigo será, tambem, do povo que o castiga. Sustentam os pilares uma viga que, mestra, o tecto escora. Põe Sansão a mão numa columna. Sente, então, que alcança, com a outra... Ah, si consiga... Consegue! As duas toca! Tem successo seu plano! Se concentra e, com tesão no membro descoberto, faz pressão até que se desloquem... “Me despeço!”
HISTORIA DA CEGUEIRA
[1:57] O povo o vê dansando nu, levando, dos guardas, chibatadas: nem repara que alguma coisa muda em sua cara, talvez seja o cabello que, ja quando levado foi ao templo, vae ficando mais longo... E o povo adora quando, ao vel-o chegar até um pilar, nuzinho em pello, repara que seu pau tambem cresceu... Mal sabem que o tesão desse judeu transforma carnaval em pesadello! Ao vel-o se appoiar, em scena rara, nas solidas columnas, alguem deu a dica: “Vae querer forçal-as, eu estou certa!” Dalilah é quem declara. [1:58] Dalilah percebeu que um tal captivo tão facil sua vida não entrega, que mesmo aquella victima ja cega reage e lucta: é proprio do ser vivo. Retira-se do templo: “Ou eu me exquivo a tempo, ou morrerei com elles juncto!” Difficil é saber quanto defuncto se compta na tragedia: quando a casa desaba, a todos macta, tudo arrasa! São quantos? Quem morreu? É o que eu pergunto. A cupula de pedra cede e pega, em cheio, os camarotes: morre, em Gaza, a natta philistéa. Quem se attraza, se salva, ou quem não gosta de show brega.
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42 GLAUCO MATTOSO [1:59] Não reza o Testamento sobre aquillo que occorre com Dalilah, si a saphada se salva. Os philisteus, por certo, nada mais podem sem seus chefes. É tranquillo, porem, della o destino. Ao decidil-o, Deus dica dá, que Sade corrobora: egual a lei não é, nem toda hora, a todos. Um trahiu, foi pago, e ri! Trae outro, e tem o mundo contra si! Emquanto um, vendo, goza, um cego chora! Suppondo que Dagon poder de fada tivesse, hoje Dalilah, a mim, a ti, seria, talvez, sancta! O que ja vi permitte concluir que fosse amada! [1:60] Tambem eu me colloco no logar dum joven nazireu que perde a vista. Não tive força physica: de artista foi minha inspiração. Não vim salvar meu povo, nem nasci para julgar. Dalilah não me amou, nem trahiu minha viril vitalidade. O que encaminha meu caso ao mesmo rhumo está no abysmo fatal do mundo: o sadomasochismo, que a lyra me pautou em cada linha. Assim se sente o cego masochista: em Gaza, escravizado. Emquanto eu scismo que chupo um philisteu, novo baptismo, christão, dou a Sansão: fica a fé mixta!
SEGUNDA PARTE
“HISTORIA DA CEGUEIRA”
HISTORIA DA CEGUEIRA [2:1] Desarma-se um varão assignalado por nata praga ophthalmica e se damna luctando a vida toda contra o fado cruel e irreversivel que um sacana decide ser cantavel e gozado a poncto de valer camoneana parodia, de erudita ser, com arte poetica, até quando o pau se farte. [2:2] Sacana sou eu mesmo e tal varão anonymo é qualquer cego que só meresce ser historico na mão do normovisual que quer, sem dó, rir como os philisteus ante Sansão inerme e escravizado, quando a mó movesse entre as lambadas que lhe dão. Sou cego, mas entendo os phariseus que appenas Baccho querem como deus. [2:3] Pediu a Deus John Milton que a visão, ja fracca, por um tempo conservasse, mas Elle jamais poupa um olho são que esteja condemnado numa face, ao tapa offerescida, do christão. Ainda assim, foi grato, pois quem nasce ja cego nem siquer viu tudo aquillo que Milton thematiza, a seu estylo.
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46 GLAUCO MATTOSO [2:4] Sansão, que os philisteus temiam tanto, cegado foi e assim foi que perdeu, alem da dignidade, o poder sancto. Que escravo virar teve, e um philisteu qualquer tirava sarro delle emquanto surrava: no AGONISTA, de seu breu John Milton relembrou que o povo ria daquelle que vê treva à luz do dia. [2:5] Jesus, que os phariseus queriam morto, curou quem de nascença nada via. Emquanto o flagellavam, no comforto estava quem veria a Sacra Via. Licção deixou Jesus: ver verde um horto meresce o algoz, até, si nelle fia. Portanto, quem cegar seu inimigo bem pode ser christão, tenho commigo. [2:6] Que o proprio cego queira ser curado Jesus acceita, desde que confesse peccados e arrependa-se. Seu fado, porem, se aggrava quando faz a prece não tendo, desde o berço, olho cegado. Nem sempre, então, a cura alguem meresce. Bem sabe cada cego o que perdeu si delle até Jesus risada deu.
HISTORIA DA CEGUEIRA [2:7] Historia da cegueira se affigura, assim, como phenomeno de estudo analogo ao que fazem da tortura. Si o circulo academico tão mudo tem sido sobre o thema, vou, por pura pirraça, debochar daquillo tudo. As fontes pesquisei, mas quero, em troca da chronica, ser sadico e masoca. [2:8] Por poncto de partida, de Manu o codigo menciono, pois não herda nenhum bem quem for cego: nesse hindu antigo documento, nada lerda a mão era dos outros e no cu tomava quem ficasse nessa merda. De quebra, escravizavam quem perdesse a vista, até morrer. Coitado desse! [2:9] Porem, no talionato de Hammurabi, o codigo estipula: olho por olho. Na practica, juiz si sou, não cabe appenas a quem fura, quando excolho a pena, ser cegado, ou quem enrabe tambem ser enrabado, nem ferrolho na cella de ninguem, si poderoso. Por isso cegarei Glauco Mattoso.
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48 GLAUCO MATTOSO [2:10] Si um olho basta a alguem que é rei na terra dos cegos, outra regra o povo entende: cabrito bom é aquelle que não berra. Dos males, o menor, depressa apprende um cego revoltado que se ferra: mais soffre ainda, caso não se emende! Terá que se exforçar! Elle que lave privadas! Quer serviço mais suave? [2:11] Hindus, hebreus ou arabes mais dão valor ao auditivo que ao sentido tão caro a quem ler sabe,o da visão. Ouvirmos a “palavra”, pois, tem sido virtude em taes culturas. Deus é tão abstracto, ou invisivel! Não duvido que os cegos mais expertos se salvassem, comtanto que por “magicos” se passem. [2:12] A mystica missão, que se accredita imposta, por desgraça, ao cego nato ou mesmo ao perdedor, deshabilita alguem que Deus “marcou”, por isso é facto banal que soffrer deva mais desdicta ainda, pisões leve e que o sapato que o pisa a ser lambido o obrigue e faça, pois pouca não será sua desgraça.
HISTORIA DA CEGUEIRA [2:13] Quintana diz que as tribus de outras eras vazavam do poeta os olhos sãos, que viam mais verdades que chimeras. Destarte, este daria a taes pagãos bons fluidos, ou seria entregue às feras. Si assim foi, nesses tempos, entre irmãos, calcule-se entre tribus inimigas, com tantos bons motivos para brigas! [2:14] Os nomades tribaes como castigo dos deuses encaravam tal estigma, por culpa dum peccado que comsigo trouxesse de familia. Inda por cyma, o cego abbandonavam, sem abrigo, às feras que o caçassem ou ao clima inhospito, ou ainda no dominio de tribu que o capture e que elimineo-o. [2:15] Esparta, como Athenas, elimina tambem suas creanças com defeito nascidas: nas montanhas a menina será deixada, emquanto pelo leito dos rios o menino sua signa, tragado, cumprirá, como foi feito até na Roma antiga, sacrificio melhor que mendigar ter por officio.
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50 GLAUCO MATTOSO [2:16] Poeta foi Homero, mas se diz que, embora tendo escripto uma epopéa, morreu foi miseravel e infeliz, seus versos declamando, sem platéa selecta, por esmolla, dando bis a cada moedinha que não é a cobrada por Dalilah ou pelo Judas que linguas tenham soltas e não mudas. [2:17] Propheta foi Tiresias, mas Quintana menciona que os oraculos são fructo da crença primitiva que attazana o “eleito”, olhos lhe vaza e um attributo astral compensará, de quem se damna, se fode, se deprime e fica puto, a perda da visão, quando outro dom, mais util, a seu povo será bom. [2:18] Theologo foi Didymo, mas qual seria a visual theologia? Tambem foi mathematico, mas mal alguem, na analphabeta Alexandria daquelle tempo hostil, leu, com normal visão, nem escreveu, com mão sadia, aquillo que na mente um sabio sabe, ainda que, exquescido, em treva accabe.
HISTORIA DA CEGUEIRA [2:19] Hesiodo ao Egypto o paiz chama “dos cegos”, tão frequente era a cegueira alli, mas justifica-se tal fama, por causa da desertica poeira. Eis como, dos punidos, se derrama nos olhos essa areia, si certeira será sua sequela, que os doutores de então irão chamar de “duras dores”. [2:20] De Cicero um tutor cego ficara, Diodoto chamado, de cultura eclectica, mas era muito rara, em Roma, a condição de quem, sem cura, vivesse de ensignar, tamanha a tara do povo ao ver por baixo alguem, por pura e mera crueldade: quem mendiga não ouve, entre as risadas, voz amiga. [2:21] Menino, em Roma, escravo se tornava si cego fosse, como fellador. Tambem uma menina, como escrava, se chama fellatriz, si cega for. Adultos, a cegueira lhes aggrava a vida, si de esmegma forte odor ennoja seus narizes, pois a pena será, para a recusa, nada amena.
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52 GLAUCO MATTOSO [2:22] Medievaes, as trevas da cegueira se tornam mais escuras, pois agora terá como castigo quem não queira catholico ser, esse que vigora: a perda provocada da maneira mais sadica, naquelle que ora e chora, perdão em vão pedindo, mas soffrendo, assim mesmo, um tormento tão horrendo. [2:23] Quaes eram, pois, os methodos de então? Um delles foi queimar com ferro em braza, que lesa e cauteriza: a Inquisição gostava dessa pena, que nem vaza nem todo o globo arranca. Faz questão a Sancta Madre Egreja, aquella casa divina, de exhibir a quem condemna o ferro acceso ao rubro, ultima scena. [2:24] Um outro jeito usado foi o corte, a simples incisão, que não perfura tão rapido, mas pouco a pouco, sorte que ao preso se reserva si não jura ao credo obedescer: que então supporte as dores lentamente, na tortura do sangue que se exvae, juncto ao humor aquoso, à forma, à lettra, à luz, à cor.
HISTORIA DA CEGUEIRA [2:25] Tambem se enucleava com a faca em forma de colher bem affiada nas bordas: com um gyro, se destacca o globo para fora, e eis que mais nada sobrou na cavidade. Com velhaca e experta promptidão, quem tirou cada um desses oculares organs cae na facil gargalhada, grato ao Pae. [2:26] Comtudo, o mais cruel dos meios era os olhos extrahir usando o dedo, systema byzantino que (Pudera!) causava ao condemnado maior medo. Nem sempre do carrasco o que se espera é tanta habilidade, e nem tão cedo um olho salta fora, pois se exige mais força, agora, até que o preso mije. [2:27] Quem era assim punido? O agitador politico, o falsario que a moeda quizesse fabricar, o infame auctor dalgum texto blasphemo, ou que alguem deda, ligado ao governante, ou quem lhe for perjuro, ou transgressor do que elle veda, pois entre o merovingio, o byzantino, o franco ou o germanico, esse é o tino.
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54 GLAUCO MATTOSO [2:28] E é facil de attinar que para o crime que envolva do olho o emprego tambem seja a pena a perda delle: mais sublime castigo não exsiste. Para a Egreja, si alguem mal leu a Biblia, não se exime da falta commettida: que não veja, então, mais texto algum! Assim se pune! Ninguem que aos céus offenda fica immune! [2:29] Talvez por ironia, a mesma sancta Egreja que punia foi aquella que ao cego soccorreu, mesmo sem tanta presteza. São Linneu, a quem se appella emquanto tal assumpto se levanta, fundou a mais antiga casa e nella os cegos se asylavam, mas ainda está na invalidez essa berlinda. [2:30] De invalidos as casas asylares serão “de charidade”, mas em seu fatidico interior os falsos “lares” são como calabouços. O plebeu que cegue e que alli caia taes logares verá tão infernaes quanto o seu breu. Tractado como bicho, o cego alli cocô chega a comer, bebe xixi.
HISTORIA DA CEGUEIRA [2:31] Dos guias, os primeiros a citar com emphase são um em cada cem dos quinze mil vencidos no exemplar castigo para os bulgaros, que teem seus olhos arrancados, pelo azar de ousarem combatter, mais forte, alguem: Basilio, o byzantino, que fazia tirar somente um olho a cada guia. [2:32] Assim, refere a fonte, esse um por cento conduz seus camaradas de regresso à patria, mas suppor como, nem tento. Caolhos a guiar cegos? Nem peço que alguem nisso accredite. Com o vento mais lendas circularam. O progresso, no caso dos asylos, em Paris, se deve, em outro exemplo, a um rei Luiz. [2:33] Mandou que construissem um abrigo por causa de trezentos seus soldados que voltam das Cruzadas. Só lhes digo que chegam sem os olhos, taes coitados, mas como, não se explica. Ca commigo, que alguem os guiou creio, mas os dados são parcos. Importante foi o facto de aos cegos ser alguem menos ingrato.
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56 GLAUCO MATTOSO [2:34] Começam a surgir casas quetaes por toda parte. A “Lei dos Pobres” fez que, em Londres, os mendigos fossem mais cuidados e assistidos. O burguez queria que na rua poucos ais se ouvissem de pedintes, e vocês calculam que o ceguinho, por estar “invalido”, acha alli, tambem, um lar. [2:35] Mas falta ainda muito para alguem achar que um cego “inutil” não seria. Estados europeus não estão nem ahi com quem enxerga mal e guia nem pode conseguir. Mesmo quem tem dinheiro perde tudo: se appropria de suas propriedades um parente que delle “tome compta” e que o “sustente”. [2:36] Commum, em taes hypotheses, é pôr o cego à força em carcere privado, com cynico pretexto de que por seu caso os familiares teem olhado. Ninguem suspeitará, mas sabedor qualquer um de nós é, que o resultado será que, sem adjuda, logo morra trancado quem ficou numa masmorra.
HISTORIA DA CEGUEIRA [2:37] Na Prussia, por espirito maligno suspeitam possuido o cego. Assim, terá que torturado ser, indigno de estar em sociedade. A saber vim que o queimam, cortam, furam, seu destino prolongam no supplicio mais ruim, até que, sob o olhar da populaça, aos sadicos clamores satisfaça. [2:38] No mundo oriental, por outro lado, a musica adjudava a dar sustento ao cego, que passava seu recado de ouvido e de memoria. Alguem mais lento, na China ou no Japão, era forçado a noutro officio obrar com mais talento: dos pés ser massagista a quem tem vista e nisso se tornar especialista. [2:39] Vem desde longa data, assim, aquella podologa dextreza do ceguinho que, agora “reflexologo”, revela holistica aptidão e, com carinho, tacteia, appalpa, lambe e mesmo fella, alem da sola, o penis excarninho daquelle que na cara lhe gargalha, zombando dessa classe de gentalha.
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58 GLAUCO MATTOSO [2:40] Até “linguopedal”, “glossopodal” chamei essa massagem, ja que emprega a lingua numa sola, com total effeito relaxante: ella excorrega por todos os mais sujos ponctos. Qual escravo faz melhor que alguma cega pessoa na funcção que lhe compete, à parte, é claro, o velho e bom boquette? [2:41] Na India, uma creança, quando canta bonito, esmollas ganha. Mas mais ganha si cega for. Portanto, não expanta que a cegue quem explora sua manha. Bandidos são malvados, e essa infanta se presta a tal maldade, que é tamanha a poncto de cegar! Quem utiliza um cego, quer de escravo tel-o, à guisa. [2:42] O cego thailandez ou cambojano treinado está, conforme appurei, para fazer da sua bocca vaso ou cano. Sim, tal deficiente se prepara, humilde, e attende aquelle que, sem damno nenhum nos olhos, goza com a tara de ver-se bem mammado e até de mijo encher um tubo oral com seu pau rijo.
HISTORIA DA CEGUEIRA [2:43] Nas artes, a cegueira foi motivo daquelles que a visão exploram bem: pinctores, como Bruegel, no afflictivo problema dum ceguinho pisam, sem pudor, quando o retractam (Não me privo do riso!) no ridiculo de quem se estrepa, cae na valla, se accidenta, causando gozo à plebe, que é sedenta. [2:44] Descreve Baudelaire os cegos como uns entes rastejantes na cidade, pupillas supplicando, o amargo pomo tragando da desgraça que os invade. Emquanto ri Paris, festeja Momo ou Baccho, o cego aos céus que chore e brade, que esmollas ao risonho transeunte mendigue e pela morte a Deus pergunte! [2:45] Algum nome citado exemplo bom é duma fama plena de respaldo, num Saunderson, num Euler ou num John Metcalf, um Thomas Blacklock ou o tal do Morcego Vingador, alem da Von Paradis, do Bocelli, do Adheraldo, do Borges, do José Feliciano, do Wonder, do Ray Charles, do meu mano...
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60 GLAUCO MATTOSO [2:46] Irmano-me, nas midias, com carinho, a Sergio Sa, a Geraldo (só o Magella), Jeffinho, Dudu Braga, até Paulinho Cegueta, ja que a morte nos nivela a todos, e com elles me encaminho ao limbo ou posição, talvez, mais bella nos quadros de immortal Academia que “dos Illuminados” bem seria. [2:47] Travou Cego Adheraldo, no chordel, pelleja magistral com Zé Pretinho, mas, antes de vencel-o, de cruel maneira foi tractado, no excarninho estylo do sertão, pois fez papel de “loser”, condição à qual me allinho, de esparro, de capacho, de penico, character que commigo identifico. [2:48] Ja Borges, em palestras, se illudia dizendo que era “dadiva” a cegueira, que até ficava grato a Deus si o dia não via mais nascer! Seu caso beira a farsa, como o vate em poesia! Cegueira é lucidez? Creia quem queira! Brancura viu na treva e fez-lhe affago, num pessimo romance, o Saramago.
HISTORIA DA CEGUEIRA [2:49] Poetas incorrectos que um cegueta encarnem, não os vejo historiados, por isso me dispuz, numa punheta mental, a ser harauto desses brados de sadomasochismo, nem que metta demais a mão na massa e dos tarados a synthese eu transforme em personagem symbolico de como os homens agem. [2:50] Sinão, vejamos: Khoro faço agora com normovisuaes e com os taes exclusos “portadores” -- com quem chora a perda e com quem rindo está dos ais daquelles que perderam. Noves fora, vocês perceberão quão deseguaes são elles, comparados, e terão noção de quanto dista um são dum não. [2:51] Total escuridão! O cego indaga: “E agora, o que é que eu faço? A vida é dura!” Alguem lhe diz: “Peccados você paga! Meresce, então, passar por essa agrura!” “Mas quem irá pagar-me uma bisnaga de pão? Sou incapaz!” Chora, sem cura. O cego se convence, emfim: o fracco e invalido que caia no buraco!
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62 GLAUCO MATTOSO [2:52] “Si tudo que accontesce Deus deseja, até sua cegueira foi castigo. Encare essa verdade, nem que seja preciso ser mais duro no que digo. Então direi que, emquanto alguem festeja a vida (o que se dá sempre commigo) e tudo de bandeja quer servido, os cegos que padesçam, eu decido.” [2:53] “Ficou cego? O problema não é meu! A minha vista é boa! Eu approveito a vida como quero! Se fodeu, você, perdeu a pose! Foi bem feito! Tá achando tudo escuro que nem breu? Tem mais é que soffrer! Eu me deleito sabendo que não tenho esse problema nos olhos! Cê que chore, cê que gema!” [2:54] “Emquanto eu vejo o mundo livremente, você tem que chupar a minha rolla calado! Si eu gozar, você que aguente! E tire da cabeça a idéa tola de que outros vão ter dó! Cê tá impotente! Quem pode põe-lhe a picca, e eu posso pol-a!” Assim diz quem visão tenha normal ao cego, que levar nem pode a mal.
HISTORIA DA CEGUEIRA [2:55] “Você nem tem prazer! Só tem consolo! Si chupa a minha rolla, eu que desfructo!” Bem sabe o cego, ouvindo isso, que o bollo é grande, mas seu naco é diminuto. “Eu gozo duplamente: ao meu pau pol-o na sua bocca e ao ver que o que perscruto você não pode ver! Si for prudente, relaxe, cego, e minha rolla aguente!” [2:56] Achava-se que pedra, si attirada num cego, attrahiria a maldicção, mas hoje não influe a praga em nada. Ao menos é o que pensa o marmanjão que adora appedrejar-me: aguento cada cascalho! E o cara a rir, como dum cão! Que posso retrucar? Só fico mudo. Diz elle: “Sou marrento! Sou marrudo!” [2:57] Chupar, a quem é cego, significa contacto com o mundo que o rodeia e humilha: o sujo gosto duma picca se torna o paladar que saboreia. Apprende a dar prazer assim, e applica a technica sem nojo: mal tacteia a rolla, sente o cheiro, mas não para e, muda,sua bocca traga a vara.
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64 GLAUCO MATTOSO [2:58] “Eu proprio me declaro perdedor por ter ficado cego. Este instrumento celebra que quem vê pode me impor tarefas, a partir deste momento. Com bocca e mãos farei seja o que for, até satisfazer seu mais nojento prazer. O gosto, o odor, qualquer que seja, calado eu chupo e cheiro, amen à Egreja.” [2:59] Perfeita, entre dois homens, a ballança: um delles cego e um outro vendo bem! O cego ja enxergou. Dura cobrança lhe impõe quem a visão ainda tem: terá de se humilhar, mais do que alcança o estoico, ou o christão dizendo “amen”! Ao nivel do animal será, dum mestre, cavallo ou cão, servindo a quem o addextre. [2:60] Àquelle que perdeu, tudo é castigo; ao outro, é como um premio usar um cego: não corre o mundo, assim, nenhum perigo. “As coisas se equilibram: eu carrego o peso da cegueira e, então, me obrigo, chorando, a ouvir-lhe o riso, ao qual me appego. Dependo disso, amor si tenho à pelle, ou nunca faltará quem me flagelle.”
HISTORIA DA CEGUEIRA [2:61] “Um chora (o cego), si outro enxerga e ri. Assim a relação entre os humanos, na logica, equilibra-se por si, cumprindo universaes papeis e planos. Um outro é ganhador porque perdi. Agora que não vejo, soffro os damnos, emquanto zomba alguem do meu azar e tenho os desengannos que tragar.” [2:62] “Emquanto chupo, penso: Assim é o mundo! Prazer a dar me obrigo e estou no escuro, soffrendo a privação! No mais immundo caralho é mais sensivel meu appuro. Do velho obeso ao joven vagabundo, disponho-me a fellar o pincto duro, pois sabe quem me fode: o cego pode pagar, expiatorio, como bode.” [2:63] “Materia nas revistas diz que gente que tem deficiencia sexo faz, mas vê tal inclusão meio excludente. Um cego efficiente é bem capaz de fodas encarar, pois quem se sente fodido, como o bardo aqui, tem gaz appenas para achar-se, de quem bem enxerga, chupador, seja la quem.”
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66 GLAUCO MATTOSO [2:64] “São feitos prisioneiros, si a battalha perderam. Perderão, tambem, seu olho. Não foge nem se insurge, só trabalha, o escravo cego: excusa até ferrolho. Debaixo de chibata, qualquer falha se pune e aqui, de medo, ja me encolho. Me sinto assim, punido por ser cego. Forçado, é de chupar que me encarrego.” [2:65] Ouvi dum indiano este preceito implicito: um perdido, dez é nove: “Cegueira é perfeição? Não: é defeito! Defeito inferioriza, não promove, e um cego tem dever, não tem direito! Ninguem, em meu paiz, pois, se commove!” Razão tem o guru para dizel-o e para, sem pudor, quebrar o gelo: [2:66] “Dever tem de servir aos outros, como callista, massagista ou fellador! Aguente elle o sabor do amargo pomo! Usando a bocca, as mãos, esse inferior que, como um animal, eu treino e domo, prazer me causa, emquanto aguenta a dor!” Perfeita conclusão, digna dum mestre hindu, que no Occidente assim palestre.
HISTORIA DA CEGUEIRA [2:67] Voltando aos europeus, ja na Moderna Edade, aos humanistas é devido o advanço das sciencias. Quem governa ja pensa na assistencia ao desvalido e entende que, affinal, ja não se interna o cego num asylo, si apprendido tem elle a ler, nos dedos, pela esmolla dum tactil alphabeto, numa eschola. [2:68] A Louis Braille o methodo se deve, mas é rudimentar, pois poncto é poncto, não lettra. Si com isso o cego escreve, as folhas se advolumam... Nem lhes conto qual seja o tamanhão daquelle breve volume da Vulgata quando o monto em forma de caderno e quando ao cego destina-se e tal methodo eu emprego! [2:69] Um Alvares, que até foi de Azevedo, não sendo o tal poeta, foi quem fez aqui, durante o Imperio, e ja bem cedo, do braille introducção. Tambem vocês conhescem a Dorina Nowill, dedo que teve nesse campo, em portuguez. Bastou? Claro que nunca basta, mas faz muito quem aos cegos algo faz.
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68 GLAUCO MATTOSO [2:70] Mas falta muito, ainda. Cabaceiras, no mythico sertão parahybano, é prova disso, sendo verdadeiras as graves allusões, às quaes me irmano, à puta que, ceguinha, das maneiras mais torpes é fodida, pelo cano entrando, ja que sempre o freguez bruto abusa della, em tudo quanto imputo: [2:71] Obrigam-na a chupar caralho sujo, fedido, gonorrheico, gallicado, pois nojo causa a rolla dura cujo prepucio de sebinho accumulado transborda. Nem a lingua do sabujo mais manso ou mais sarnento de bom grado acceita tal tarefa, mas a cega não pode reagir e não se nega. [2:72] Pois ella que se attreva a reclamar, que leva pelas fuças a porrada! Lhe resta, de joelhos, seu logar saber qual é, calando-se, exporrada no fundo da garganta. Seu azar, comtudo, não termina ahi, pois cada buraco penetrado é pelo cabra mandão, que dor lhe impõe quanto mais abra.
HISTORIA DA CEGUEIRA [2:73] De quattro, a cega aguenta no cu grossa piroca, que lhe arromba, prega a prega, o musculo rectal. Caso uma poça de sangue não derrame, deve a cega ao céu as mãos erguer, pois nessa nossa ingrata condição a gente entrega o rego a cada cabra truculento, que fode mais ao jeito dum jumento! [2:74] Tambem si for fodida na boceta a cega passa appuro, pois cliente nenhum de dor a poupa caso metta inteiro o caralhão. Ella que tente pensar no padre Ciço, na gorjeta, no pratto de pheijão que, ingenuamente, suppoz que ganharia, si a promessa cumprisse quem por ella se interessa. [2:75] Porem, depois da foda, a cega appanha ainda boa surra, arrebentada ficando, sem sentidos. Si a piranha que della for collega ouvir, a cada freguez alli attendido, sua manha exhausta e em seu soccorro vier, nada mais ouve da ceguinha que um logar commum na zona: “Eu quero é me lascar!”
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70 GLAUCO MATTOSO [2:76] Tractado fui assim, ja, qual si fosse um cego prostituto. Quem me fez chupar, ironizou: “Da picca doce está sentindo o gosto?” Dos buquês tambem me perguntou, quando a rir poz-se da minha bocca cheia, da mudez da lingua a trabalhar e da azulada pupilla a olhar em torno, vendo nada. [2:77] Ainda rindo, ordena-me que engula mais fundo. Quando engasgo, me pergunta si estou ouvindo nitida a voz chula chamando-me de tanta coisa juncta, “cegueta”, “porco”, “inutil”, “trouxa”... Nulla resulta a minha lagryma e, emquanto uncta um phallo com saliva, a lingua muda nem disse “Me lascar não quero! Accuda!” [2:78] Em summa, o cego, alem dum incapaz, carrega a marca atroz do peccador que foi seu pae, avô, tempos attraz, por cuja culpa attura a dura dor. Malgrado todo o exforço que se faz em termos de “inclusão”, ninguem suppor irá que possa haver “cidadania” a alguem de cujo azar haja quem ria.
HISTORIA DA CEGUEIRA [2:79] Aos cegos assistencia em instituto é coisa comezinha, alguns dirão. Em termos de occlusão, quem fica puto é sempre algum “maldicto” em reclusão. Um bardo, como eu mesmo, foi, ao bruto leitor, mais da “exclusão” que da “inclusão” cantor, e a conclusão é que quem leu meus versos divertiu-se com meu breu. [2:80] Caralho! Musas, chega! A penna tenho ja flaccida, de tanto que exporrei! Que importa si, sem arte ou sem engenho, com mais um heroicomico accabei? Appenas desabbafo o meu ferrenho dever de confessar tudo o que sei accerca da cegueira que invalida aquelles que Sansãos nem são na vida.
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TERCEIRA PARTE
“A CEGUEIRA ORDEIRA”
HISTORIA DA CEGUEIRA
[3:1] Emfim a traducção alguem me deu à typica expressão que, no Camboja, no Laos ou na Malasia, tanto ennoja um cego americano ou europeu. “Ordeiro” é como chamam quem perdeu a vista ou nasceu cego e, em vez de soja colher, ou seu arroz, se expõe, na loja de artigos masculinos, caso meu. Aquelle que alli passa nota e pensa: “Fodeu-se! Utilidade elle só tem si saiba chupar bem e engula a offensa...” Resolve pôr à prova o que ninguem duvida: si a cegueira elle compensa fazendo buccalmente um bom vaevem. [3:2] Meu caso é quasi egual ao de quem era, ha pouco, entrevistado em Bangkok. A midia concentrou no cego o enfoque pragmatico: ninguem milagre espera. Do cego a conclusão é bem sincera: ou chupa com empenho quem convoque seus prestimos buccaes, ou nenhum choque trará um “emprego” a menos que se gera. O cara se subjeita, até se exmera, para que a lingua practica provoque deleite em quem ser sadico quizera. Nem chia, caso o cara lhe colloque mais fundo a rolla suja, que libera sebinho: um toque perfido, esse toque.
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76 GLAUCO MATTOSO [3:3] Talvez a traducção que me foi dada venha de “orderly blindness”. No idioma local, donde a palavra oral se toma, não sei si “orderly” está bem applicada. Ingleza ou cambojana, a coisa é cada vez mais exclarescida: de glaucoma, de berço, de accidente, ou duma somma fatal desses factores, é “roubada”. Quem tenha esse apanagio da cegueira decide entre dois termos sua sorte: a dicta “revoltada” e a dicta “ordeira”. Um cego que, na America do Norte, recuse a humilhação, talvez nem queira saber como o asiatico a supporte.
[3:4] Ordeira ou revoltada, a condição do cego não permitte que elle tenha direitos num paiz que desempenha papel de miseravel, justo ou não. O cara é conduzido pela mão só nos primeiros dias. Ou se empenha e apprende direitinho qual a senha, ou breve não terá siquer seu pão. E a senha, sem euphemica figura, traduz-se por “chupar”, com muito affinco, a rolla de quem só prazer procura. Por dia, chupa o cego uns quattro ou cinco clientes, ou patrões, dos quaes attura o chiste: “Você trampa; eu folgo e brinco!”
HISTORIA DA CEGUEIRA
[3:5] Quem deu, ao Occidente, essa entrevista foi muito franco, ou “graphico” (os inglezes assim o rotularam): chega, às vezes, a inveja provocar num masochista. - Nasci quasi normal, mas minha vista durou até meus vinte, só. Os freguezes costumam perguntar: “Faz quantos mezes que está cego?” Freguez é bem sarrista! Adoram quando o cego diz que está assim ha pouco tempo! Dão risada gostosa! É raro o cara que não dá! É sempre assim: eu, antes da chupada, respondo que me sinto um bicho e, ja de cara, o freguez cae na gargalhada!
[3:6] - Camboja é minha patria. Mas creança, por la, por qualquer dollar é vendida. Trazida para ca, só ganha a vida servindo como escrava. Sinão, dansa! Commercio sexual: a gente cansa de se prostituir para quem lida com traffico de gente. Dão comida e cama a quem tem peso na ballança. Vendi droga na rua, pedi esmolla... emquanto ‘inda enxergava. Mas, depois que a vista peorou, foi-se a viola! Fallaram: “Quem ficou cego e não poz a bocca à venda, logo degringola e morre. Vendeu, come algum arroz!”
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78 GLAUCO MATTOSO [3:7] Prosegue o entrevistado: - Ninguem dá dinheiro para mim, na minha mão. Um cego chupador só ganha o pão da mão do cafetão com quem está. Eu tive que pedir adjuda, ja que um cego la na rua é que nem cão sem dono: vae morrer de inanição. Trouxeram-me, por sorte, para ca. Primeiro, me rasparam a cabeça. Depois, eu fui treinado para dar o maximo de gozo a um pau que cresça. Sentado, o treinador adjoelhar me fez na sua frente. “Só obedesça!”, fallou, me collocando em meu logar.
[3:8] Perguntam-lhe quem era o treinador. - Não era o cafetão. Um adjudante da loja, um typo bruto que, durante o dia, era, na rua, entregador. À noite, elle dormia, de favor, na loja onde eu seria, doradvante (mas nada se promette nem garante), mais um dos serviçaes a alli se expor. “Você levou porrada?”, é perguntado. Responde elle: - Porrada e chicotada! Só si não desse compta do recado! “Deu compta?” - No começo, dei foi nada! Senti nojo, vergonha... Mas, treinado, eu fui me accostumando ao que degrada.
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[3:9] “Como era o treinamento?” Elle detalha: - Primeiro, me ensignou a posição. Curvar-me, adjoelhar, sentar no chão... Em frente, na cadeira elle se expalha. “E quando commettesse alguma falha?” - Levava ponctapés, um bofetão, um murro na cabeça. Com a mão me faz ir appalpando. Si errei, ralha. Sem jeito, lhe seguro no caralho, ainda molle. O cara está pellado, eu só de calção curto. Me attrapalho. A cada instrucção nova, golpeado vou sendo. Finalmente, no trabalho do tacto, appalpo o pau com mais cuidado. [3:10] - Me manda arregaçar a pelle. Sinto um cheiro repulsivo, mas me ordena o cara a, bem de perto, uma dezena de vezes, cafungar no sujo pincto. Depois de reluctar, emfim consinto em pôr naquillo a lingua. Nada amena tarefa, reconhesço. Ri da scena o cara, e me golpeia com o cincto. Começo a lamber. Sebo accumulado debaixo do prepucio. Vae grudando na lingua. Mas não cuspo, ja escholado. O pau enduresceu. Novo commando, e desço com a lingua, pelo lado da rolla, até seu sacco. Está suando.
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80 GLAUCO MATTOSO [3:11] - Salivo-lhe nos bagos, levemente, até que elle se sinta satisfeito e mande retornar, com calma e jeito, à rolla fedorenta e repellente. De novo, aquelle sebo! Não contente que eu lamba e engula aquillo, esse subjeito me faz mostrar a lingua. Tem effeito hilario o gesto: alegre elle se sente! Sarcastico, gargalha, ao ver que minha linguona recoberta está de massa ja meio diluida, amarellinha. Então eu recomeço. Elle acha graça si, quando uma lambida lhe exquadrinha a glande, eu de ennojado cara faça. [3:12] “Você fallou do esmegma amarellado. Recorda-se das cores?” - Sim. Baseio o delle na lembrança que me veiu do meu, quando enxerguei. Estou errado? “E appós o penis ter abboccanhado, qual methodo se exige?” - O manuseio do thallo, emquanto a lingua, sob o freio da pelle do prepucio, faz o aggrado. O labio eu movimento devagar, em volta da cabeça, sem pressão. Evito, por emquanto, accelerar. Si o cara me ordenar, retiro a mão e, quando preferir me penetrar, seguro a nausea ao maximo, sinão...
HISTORIA DA CEGUEIRA
[3:13] “E é rapido um orgasmo? A fellação demora quanto tempo?” - Bem, varia, é claro, mas tem base a theoria que adjuda e explica a desinhibição. Em media, é nos minutos que a sessão se mede. O que deleita e delicia qualquer freguez é que eu não poderia saber que cara tem, si é feio ou não. Alem do mais, presume-se que o cego concentra-se melhor no paladar, no olfacto, e é bom no tacto. Isso eu não nego. O nojo a gente apprende a controlar e, quando não for rapido, eu me entrego, pensando: é meu destino, é meu logar... [3:14] “O esperma é degluttido?” - Com certeza! É nossa obrigação não cuspir nada que saia do caralho! Nem mijada podemos recusar, na sobremesa! Às vezes, elle urina, de surpresa, mal para de exporrar. E dá risada de ver a nossa cara appatetada, mijada pela rolla ainda tesa! Nem sempre conseguimos engolir o mijo todo. O cego é preparado: de panno e de agua tem que se munir. É pouco, mas paresce até um boccado de tempo a duração. Mesmo um fakir teria essa impressão! Trampo suado!
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82 GLAUCO MATTOSO [3:15] “É como, a clientela? Rotativa? Captiva? Reconhesce algum cliente que volte com frequencia? Elle se sente mais solto e comfortavel, ou se exquiva?” - Tem, como a gente diz, quem na saliva nos deixa seu gostinho. Alguns a gente recorda, mesmo quando não frequente a casa, pois deixou a chaga viva. São typos mais sacanas, que teem gosto, não só pelo boquette, mas tambem em sarro usufruir do nosso rosto. Si querem nos curtir, direito teem: estão no seu papel. Eu bem disposto me mostro a responder tudo que vem... [3:16] - Alguns até simulam sentir pena da gente, perguntando si a cegueira tem sido supportavel ou si beira o horror duma infernal vida terrena. Divagam, philosophicos, que, em plena virada do millennio, haja quem queira dum cego desfructar e encontre inteira licença, sem dar trella a quem condemna. Mas tudo é puro pappo. No momento seguinte, ao ser chupado, elle ironiza a gente e tripudia em nosso alento. É desse o pau mais duro, o pé que pisa na cara, e seu prepucio o mais sebento de todos, si eu fizesse uma pesquisa.
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[3:17] “Qual foi a situação mais revoltante vivida por você com um cliente?” - São varias. Mas me lembro que, na frente dum delles, passei raiva, um estudante. A voz reconhesci, pois foi durante a curta adolescencia que seu dente quebrei, quando ficou o tempo quente na rua onde eu trampava de ambulante. Me vendo alli, quiz elle uma desforra curtir em grande estylo. Pouca grana teria, mas qualquer grana se torra. Entrou surpreso, rindo. Bem sacana seu tom de voz soava: “A gente exporra na bocca desse cego? Achei bacchana!”
[3:18] - Difficil um rapaz da minha edade ter grana para entrar, mas elle quiz gastar: isso o deixava mais feliz que ter o que comer, era vaidade. Terei que fazer tudo que lhe aggrade, pensei. Si me recuso, meus gentis patrões me põem na rua. Então eu fiz das tripas coração, aos pés dum Sade. Assim que me aggachei, senti seus pés nos hombros se appoiando. Um tennis sujo empurra minha cara. Que revez! “Tá vendo, cara? Agora ja não fujo nem perco de você! É nota dez que quero esse boquette, hem, seu sabujo?”
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84 GLAUCO MATTOSO [3:19] - Mandou que eu descalçasse o tennis. Fez então que eu lhe chupasse cada dedo do pé, lambesse a sola. Menos medo que raiva me causava um tal freguez! Tirei-lhe aquelle tennis japonez fingindo conformismo. Talvez cedo o cara goze e suma daqui... Ledo enganno! Elle gastou tempo por trez! “Tá forte o meu chulé? Cheira, ceguinho! O cheiro você sente, né? Não vê mais nada? Ah, não me conta! Eu adivinho!” E ria infantilmente. “Então você só sente agora o gosto? O meu gostinho é ver você mammar que nem nenê!”
[3:20] - Seu pau estava duro ja de cara na hora em que o senti me penetrando a bocca. Não foi elle nada brando no gesto: approveitava a chance rara. O facil ritual que eu costumara nos outros practicar foi se tornando inutil, pois o algoz ia bombando meu rosto, como a chota aberta à vara. Às vezes, elle espera, para um pouco, até sentir que a lingua ‘inda procura na pelle deslisar. Mas geme, rouco. “Sentiu, cego, o gostinho? Hem? Que doçura! Engole, cego, engole!” E, feito louco, bombava, a prolongar minha tortura.
HISTORIA DA CEGUEIRA
[3:21] - Por fim, ejaculou. Tão forte o jacto, que engasgo, resfollego, mal respiro. Mas tracto de engolir. Depois do tiro, relaxa meu algoz. Gozou de facto! Fallou “Agora, calça o meu sapato, ceguinho! Vae lembrar de mim?” Suspiro de allivio. E, quando ao cara me refiro, agora, ‘inda é com odio que eu relato. Sahiu tirando sarro, voz marrenta: “Tá vendo? O mundo é justo: só castiga aquelle que meresce! Agora aguenta!” Voltei para o meu cantho. Ninguem liga si um cego passou cerca de quarenta minutos a chupar picca inimiga. [3:22] “Voltou la muitas vezes o rapaz?” - Não. Só comparesceu daquella vez. Mas, si tivesse grana, elle talvez quizesse se tornar meu capataz. Depois de pouco tempo, alguem me traz para outra loja. Passa mais um mez, e levam-me de volta, que um freguez pediu minha presença, questão faz. “A loja é especialista em que sector?” - Artigos masculinos. Tem de tudo: vae da cueca até o barbeador. Meninas de programma são mehudo serviço, como um cego chupador: as drogas dão o lucro mais polpudo.
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86 GLAUCO MATTOSO [3:23] (Quem acha que exaggero si discorro accerca dessas coisas degradantes, calou-se: la em Goyania, dos chocantes detalhes de sadismo me soccorro. Ingere urina e fezes de cachorro aquella menininha que foi, antes, forçada a, com a lingua, nos pisantes e pisos dar limpeza, sob o exporro. Si alguem da sociedade foi capaz, aqui neste Brazil, de subjeitar àquillo uma creança, tanto faz. Ao cego fora sorte ou fora azar servir de fellador? Sei la! Veraz, ao menos, elle fora ao relatar.)
[3:24] Voltando ao que depõe o rapazelho cegueta na Thailandia, perguntado foi elle si o bordel é frequentado por jovens ou adultos, si ha fedelho. - Na maioria, é sempre alguem mais velho. Procuram as meninas. Pro meu lado só chega quem se sente rejeitado, sei la, si é gordo, esqualido ou parelho. Chupei, dum gordo anão, até o pentelho, a curta e grossa rolla. Elle fallava num tom muito exigente, de conselho. Dizia “Lava tudo, cego, lava!”, bem serio. E eu la dobrado, de joelho, ouvia a voz severa, grave e brava.
HISTORIA DA CEGUEIRA
[3:25] “Anão? (diz o reporter) Você nota assim tão facilmente uma estatura de alguem? Como percebe si a figura do cara é grande ou não? Só pela bota, sapato, tennis?” - Ah, mal elle bota a perna no meu hombro e me segura o queixo ou as orelhas, sua altura calculo. E errar é chance bem remota. “Me conte mais do anão. Sabe quem era?” - Freguez habitual. Sempre me tracta com birra, e só total faxina espera. “Faxina?” - Sim, que eu dê banho de gatta dos pés até o colhão. Ninguem se exmera melhor que um cego, na medida exacta. [3:26] - Na cara elle me joga, com humor amargo, que fiquei cego movido por força do destino, e meu devido logar é trabalhar de chupador. Questão faz que eu concorde que um favor até me está fazendo. Diz: “Duvido que à fome cê tivesse resistido, não fosse a ser ordeiro se propor!” Então me faz lamber, bem lentamente, seu fetido suor, que lhe humedesce a sunga e empappa a meia grossa e quente. Botinas calça, como si estivesse num clima menos torrido. Se sente mais macho, e de seu porte até se exquesce.
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88 GLAUCO MATTOSO [3:27] - Se veste num estylo occidental, de terno, e, quando chega, está suado. Exige que eu lhe tire, com cuidado, as calças, a camisa, dobre, e tal. E logo se accommoda na fatal poltrona. Appoia um aspero solado no meu peito, no rosto. Seu recado é claro: vou sentir sabor de sal. Descalço-lhe a botina. A meia está molhada e fedorenta, mas eu tenho que usar a bocca, e quasi que não dá. O panno eu abboccanho e, com empenho, retiro emfim a meia. A lingua ja degusta seu chulé. Cerro meu cenho.
[3:28] - Percebe elle meu nojo. Rabugento, pergunta: “Ainda não se accostumou? Meu banho não sou eu mesmo que dou, é obrigação dum cego lazarento! Não tem nada que achar sujo ou nojento, moleque! Quero ver cê dando um show de como um corpo macho que suou se lambe com vontade!” E eu bem que tento! No pequenino pé, por entre os vãos dos dedos redondinhos, eu lhe passo a lingua, removendo os negros grãos. Deleita-se que eu lamba e, quando faço na sola alguma cocega, nas mãos lhe sinto o pé tremer, folgado e lasso.
HISTORIA DA CEGUEIRA
[3:29] - Depois lhe subo a perna, até a virilha, que fede fortemente. Lhe introduzo a lingua pelas dobras. Si eu recuso, o anão me exbofeteia e mais me humilha. No sacco me demoro. A mesma trilha percorro, habituado com o abuso. Nos masculos testiculos, reduzo a pressão, do contrario o cara estrilha. Seus bagos são maiores que o caralho, que é grosso, porem curto. Fica erecto ja desde que eu começo meu trabalho. “Tá muito suja a rolla?”, elle, directo, pergunta. “Então me lava!” O quanto eu valho depende desse instante predilecto. [3:30] - Primeiro, eu lhe ensaboo a volta toda da rolla com saliva. Se arregaça a pelle por si mesma, emquanto passa a lingua pela glande larga e gorda. Prohibe, taxativo, que eu lhe morda, ainda que de leve, aquella massa de carne. Só permitte que eu lhe faça attrito labial, caso me foda. Nem sempre quer foder minha garganta: às vezes, elle goza simplesmente emquanto a lingua a picca lhe levanta. A porra, muito espessa, é como um quente mingau de leite azedo. Minha janta não fica muito attraz, infelizmente.
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90 GLAUCO MATTOSO [3:31] “Que mais lhe diz o anão?” - Sempre o sermão repete: fiquei cego porque alguem mais alto decidiu. Devo ser bem aggradescido pela escuridão. E devo aggradescer por não ser tão marcado como o surdo-mudo, nem como esses paralyticos que veem [vêm] morrendo na sargeta, de montão. Emfim, por lhe poder chupar o pau eu tenho de ser grato, ja que o cara está me promovendo a melhor grau. “Não é qualquer ceguinho (elle compara) que tem casa e comida!” E o cheiro mau do corpo delle é minha bençam rara. [3:32] “E todo esse sarcasmo não seria signal de bom humor? Você fallava que a communicação com elle trava por causa do azedume... Que advalia?” - Mas elle explica a sua theoria naquella voz monotona, até brava, e não de quem debocha e se deprava, que nem os outros, cheios de alegria. Paresce que accredita mesmo ser dotado duma força superior, alguma alta missão, algum poder. Si quer me expezinhar, devo suppor que meu papel no mundo, meu dever, é honrar-me por ser delle o chupador.
HISTORIA DA CEGUEIRA
[3:33] “Talvez elle descompte num ordeiro seu proprio sentimento, o de seu ego frustrado, e você serve, por ser cego, de bode expiatorio... Hem, companheiro?” - Aquillo que faria num puteiro qualquer outro cliente, elle, não nego, prefere em mim fazer. Mas eu me entrego sem delle duvidar o tempo inteiro. Si sou requisitado, é porque faço direito o meu serviço. Não me cabe julgar, nos meus freguezes, qualquer traço. Por mais que um convencido aqui se gabe, me cumpre concordar, nem que o cabaço não tenha ‘inda perdido. Elle é que sabe!
[3:34] “Alguem mais lhe tem feito algum sermão?” - Diversos. Eu me lembro até dum pae que tem um filho cego e que alli vae querendo que eu lhe chupe e dê attenção. Seu filho, por ter posses, claro, não ficou morando aqui: bem joven, sae para estudar chinez. Mora em Shanghai, bem longe desta torpe escravidão. O pae, porem, negocios tem aqui e fica. Nos visita quando quer gozar. É o pau mais duro que senti. Mas antes, me acconselha a ter mulher, casar, formar familia. Nunca ri nem batte, si por bem tudo eu fizer.
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92 GLAUCO MATTOSO [3:35] - Diz elle que seu filho tem a minha edade, é intelligente e estudioso. Mas quer de mim sentir “esse gostoso boquette, porque a rolla está durinha”. Pergunta si eu estudo. Ja adivinha qual é minha resposta, mas seu gozo está em me comparar com seu dictoso filhão, livre do horror que me expezinha. “É pena que você, nessa pobreza, não tenha a mesma sorte!”, elle lamenta. E logo me offeresce a rolla tesa. “Me chupe, meninão!” Si está sebenta a rolla, elle me cobra uma limpeza total, bem caprichada, longa e lenta.
[3:36] “Um tanto quanto cynico, elle, não?” - Paresce-me sincero. Da cegueira do filho elle tem pena, e da fuleira gentalha não tem tanta compaixão. Emquanto eu vou mammando, elle o sermão prosegue: claro está, por mais que eu queira daquillo me livrar, não ha maneira de um pobre cego a chance ter à mão. O jeito, elle commenta, é chupar bem chupada cada rolla que me ponham na bocca, e aggradescer que venha alguem. Respondo com a lingua: os que não sonham demais e se conformam graças dêem àquelles que a fodel-os se disponham!
HISTORIA DA CEGUEIRA
[3:37] “Tem sido mui commum que alguem lhe urine na bocca?” - Felizmente não é todo freguez que quer mijar, sinão me fodo dobrado! Mas a gente se previne. Alguns vão mijar antes. Que elimine tudinho eu bem que torço, quando o gordo caralho nem pergunta si de accordo estou que a bocca a vaso se destine. O anão primeiro mija, depois vem limpar na minha lingua o que gotteja ainda do caralho, e eu limpo bem. Mas outros se alliviam quando esteja a foda terminada. Ora, ai de quem reclama dessa dose de cerveja!
[3:38] “Algum caso especifico?” - O subjeito que falla abertamente: “Vim aqui p’ra ver você beber o meu xixi!” Fazer o que? Que faça bom proveito! Preciso demonstrar que não enjeito nenhuma gotta, nada. Mal abri meus labios, elle mette, e ja sorri pensando no que, em breve, será feito. Exporra. Engulo tudo. Então espero, de bocca excancarada, o novo jacto, mais liquido. É difficil, mas tolero. Assim que fica a bocca cheia, eu tracto de, rapido, engolir. Sendo sincero, o gosto é bem peor que a porra. É chato!
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94 GLAUCO MATTOSO [3:39] “E quanto às dimensões de cada membro?” - Nenhum é muito grande. Mas inteiro é raro algum caber, por mais ordeiro que seja o cego. Dum menor me lembro. Foi bem num finalzinho de dezembro que o cara approveitou, pois, em janeiro, iria viajar ao extrangeiro. Seu caso em duas partes eu desmembro. Primeiro, conversou. Si tenho excolha, pergunta, ou si tamanho não discuto, quer cresça cada membro, quer encolha. Depois que respondi que um cego puto não pia, nada resta que lhe tolha o gozo, e elle penetra, resoluto. [3:40] - Então nem me dá chance de applicar os methodos de praxe: de saliva o banho, a lambidella mais lasciva. Dispensa elle qualquer preliminar. Mal abro a bocca, e sinto, no logar da lança costumeira, uma furtiva settinha que, la dentro, não se exquiva e força faz na lingua até exporrar. Minusculo, o pinctinho endurescia, comtudo, pois um cego não opina accerca do que nelle se sacia. Chupei até o pentelho, mas a fina piroca meu gogó nem attingia. Gozou, porem, e o jacto me fulmina.
HISTORIA DA CEGUEIRA
[3:41] “Ainda não fallamos da massagem. Ordeiros cegos podem ser, tambem, eximios massagistas, não é? Nem só chupam, não é? Fallo uma bobagem?” - Nem todos os ordeiros cegos agem appenas como putas. Alguns teem preparo no shiatsu, fazem bem a reflexologia, e com vantagem. O cego appuro tactil tem de sobra. Por isso, quando ordeiro, se dedica melhor, si algum cliente delle cobra. Nem todos se apprimoram, mas a picca dos caras não é tudo que desdobra meus dotes, e a massagem bem explica. [3:42] “Dos casos relatados, houve algum que fosse por você massageado?” - Sim, claro! O pae, o anão, cujo trocado me livra de passar maior jejum. Lhes manipulo as costas, o bumbum, as coxas... Faz questão o pae, deitado de bruços, que eu lhe mexa no cansado trazeiro e, relaxado, solta um pum. “Durante uma sessão, fica o cliente erecto? Ha fellação concomitante?” - Às vezes. Mas ha coisa differente... “Que coisa?” - Ora, anilingua! Si, durante o tracto, o cara manda, tem a gente que chupitar-lhe o cu, mammar bastante.
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96 GLAUCO MATTOSO [3:43] “Explique isso melhor.” - Bem, elle deita na maca ou no divan, querendo appenas massagem. Mas, é claro, aquellas scenas de sexo oral serão cabeça feita. O pae do cego rico se approveita de mim dessa maneira: appós amenas pressões em suas nadegas pequenas, ordena-me o cunnette que o deleita. “Menino (elle me falla), agora ponha a bocca no buraco, metta fundo a lingua, num vaevem, feito uma bronha!” Estou ja preparado: mesmo immundo, seu anus não me causa mais vergonha nem nojo. Peor coisa ha neste mundo... [3:44] - Separo-lhe os dois lados com o dedo, expondo um sujo rego, cujo cheiro percebo até de longe. Mas exgueiro la dentro meu nariz, sem pejo ou medo. As pregas vão se abrindo, e seu segredo desvendo a cada passo: algum inteiro fragmento de excremento, o costumeiro bulbinho hemorrhoidal, que sangrou cedo. A lingua eu vou passando, e a movimento em circulos, nas bordas, no começo. Depois introduzil-a mais eu tento. Difficil não será, pois pelo advesso paresce o cu virar! Vento appós vento, com gazes sou brindado e pago o preço.
HISTORIA DA CEGUEIRA
[3:45] - Aquelle homem maduro, que o paterno cuidado com seu filho jamais poupa, relaxa, alli prostrado, sem a roupa, emquanto outro menino entrou no inferno. Em casa, tracta a esposa com um terno sorriso, ao lhe pedir que sirva a sopa. Aqui, porem, grosseiro como estoppa, seu cu me tracta como um subalterno. “Mais fundo, meninão! Chupe la dentro!” Assim me geme, e entrei tudo que posso. Mais entro, e do intestino chego ao centro! Me exforço, todavia. Feito um troço que inverta a direcção, tão longe eu entro, que quasi a sua prostata ja coço! [3:46] “São muitos os clientes que teem essa curiosa preferencia?” - Felizmente, são poucos. Do contrario, estava a gente fazendo aqui papel que nem confessa! “De que?” - Papel hygienico! Tem pressa, porem, a maioria, caso sente no vaso e alli defeque. Esse cliente gozou quando a chupeta mal começa. Portanto, eis o perfil da clientela: adultos, em geral, com seus defeitos e vicios, sem pudor nem cara bella. Ao cego cabe appenas, sem direitos nem choro, ser humilde ante quem fella, chupal-o e cumprir todos os seus pleitos.
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98 GLAUCO MATTOSO [3:47] “E a reflexologia? Ha quem frequente a loja só disposto a desfructal-a?” - Sim. Sempre chega algum que appenas falla: “Tem cego aqui que tracte o pé da gente?” Podologos frequenta, no Occidente, aquelle que, aqui, pode achar senzala composta pelos cegos, a vassalla ralé que ralla a lingua no battente. A lingua, sim, senhor! Até na sola, alem da digital, tradicional, lambendo o cego segue a sua eschola! Paresce confirmar, mas não faz mal, que estamos sem visão porque quem bolla o mundo quer nos ver como o animal! [3:48] “Funcciona como, a lingua sob o pé?” - Fazendo uma fricção e uma pressão capazes, como a technica da mão, de estimular um poncto e dar-nos fé. Os ponctos energeticos, até banaes na acupunctura que ja são, o corpo representam, pois estão, num todo, interligados. Simples, né? Si a mão do therapeuta tem poder de cura ou tractamento, faz egual papel a minha lingua, ha de fazer. Não faz, porem, qualquer profissional aquillo que um ceguinho tem dever fatal de executar, por bem ou mal.
HISTORIA DA CEGUEIRA
[3:49] “Sessões de lambeção, em summa, então? Será que seu cliente só procura no cego um tractamento ou visa a cura? Ou quer usufruir, sentir tesão?” - Respondo simplesmente que eu ja não questiono meu freguez. Mesmo quem jura querer só variar da acupunctura para algo alternativo, ergue o pezão e diz: “Capricha ahi, ceguinho, cae de bocca! Relaxar eu quero! Andei bastante esta manhan! Meu pé dóe, ai!” E eu digo: sim, patrão! Fallou, é lei! Gostoso, com certeza eu sei que vae ser, pode crer! Irá sentir-se um rei! [3:50] - O cara é como aquelle que, outro dia, chegou até mancando. Nem athleta seria, mas, usando a bicycleta no trampo, esta cidade percorria. Deitou-se e foi dizendo: “Que agonia! É duro pedalar! Isso me affecta da sola até a columna! Uma completa massagem no meu pé ja me allivia! Não é mesmo, ceguinho? Experiente ja sei que você está, né? Vamos la! Trabalhe com vontade! Encare e aguente!” Senti que a obrigação seria má e dura, mas o mal que um cego sente é seu problema, appenas. Guardei ca.
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100 GLAUCO MATTOSO [3:51] - Seu tennis, bem surrado, eu lhe descalço com toda a lentidão. Meu delicado e leve toque o deixa relaxado. Menor, e muito, é o numero que eu calço! Na minha mão, aquelle Nike falso tem forma dum caiaque detonado: a sola descollando está dum lado e, doutro, o dedo o fura. Ao nariz alço-o. Que cheiro de carniça! Agora entendo o que elle quer dizer quando me allerta accerca do que deve estar fedendo! Agora percebi como se apperta um pé trabalhador, ou, neste horrendo destino de lambel-o, a lingua experta!
[3:52] - A meia suarenta, felizmente, me poupo de beijar! O pé, no entanto, me causa ja da vida o desencanto, pois temo o que me exbarra pela frente! Ainda do calçado sinto o quente bafejo nas narinas, sob o manto da meia. Quando, finalmente, planto na planta a lingua, é amargo o que ella sente! Appós ter appalpado a sola chata e o dorso, à volta toda, chega, emfim, da tragica tarefa a hora exacta. Repito mentalmente: para mim é não contrariar quem me maltracta meu unico recurso... Antes assim!
HISTORIA DA CEGUEIRA
[3:53] - Talvez por ser tão chato, o pé do moço padesça de cansaço... Nelle minha bem callejada lingua ja exquadrinha, centimetro a centimetro, o mais grosso dos couros. Nos artelhos, um caroço ponctua cada vão. Uma casquinha escura de sujeira ja se anninha nos labios, mas tem gosto mais insosso. Sabor mais salgadinho vem do vão que abriga uma frieira renitente em cada pé, do minimo ao dedão! Saliva em abundancia é o detergente que tenho para usar: seja o sabão, portanto, que alli falta, e lavar tente! [3:54] - Exfrego, exfrego a lingua, até cansal-a. Pressiono cada poncto dessa planta tão plana que tentar nem addeanta achar um arco, emquanto a língua a ralla. Desliso, sem topar cova nem valla, do artelho ao calcanhar. Elle levanta, às vezes, a cabeça: sente tanta delicia, que quer ver-me humilde, a dal-a. Contempla meu serviço e até commenta que o cego ja nasceu, mesmo, p’ra isso: “Ninguem mais um trabalho assim enfrenta!” Me curvo, concordando: meu serviço é proprio para a sola chulepenta e, para um cego, o justo compromisso.
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102 GLAUCO MATTOSO [3:55] “Seria interessante saber mais daquillo que lhe disse esse freguez: por que de achar um cego questão fez e não desses podologos normaes. Talvez pelo chulé? De facto, os taes podologos não são como vocês, os cegos, que supportam tudo, em vez de achar taes coisas antinaturaes.” - Você bem collocou. Eu não questiono nem cobro algum asseio de quem vem aqui, pois elle é como que meu dono. Callistas? Pedicuros? Ah, ninguem acceita taes freguezes! Esse throno é só para quem muita grana tem!
[3:56] - Porem você me indaga do que diz alguem que me procura com o ficto de estar, não com seu callo mais bonito, e sim com a libido mais feliz. Varia muito pouco esse matiz usado no discurso que aqui cito. Insiste sempre, o cara, que é maldicto um cego. Mas que mal, Senhor, eu fiz? Então elle responde: “Você veiu ao mundo p’ra cumprir uma missão sagrada, a quem enxerga ser recreio.” Não cabe discutir: quem tem razão é sempre o meu cliente. Sendo feio ou sujo, o que interessa é seu tesão.
HISTORIA DA CEGUEIRA
[3:57] - Um pé sujo é detalhe. Um pau fedido é mera circumstancia. Na cegueira, a gente concluiu desta maneira calada e conformista: estou fodido. Assim, jamais retruco nem revido a offensa, a gozação, que alguem me queira fazer. Vamos que eu diga alguma asneira, num gesto de revolta... Faz sentido? De nada me seria proveitoso. Até pelo contrario: corro o risco de ser abbandonado. É perigoso! Me ordenam: “Abra os olhos!” Eu nem pisco! Me ordenam: “Chupa aqui!” Eu a dar gozo me ponho, ‘inda a soffrer num olho o cisco!
[3:58] Em “off”, o jornalista até piada commette ao perguntar si o cego não teria ainda alguma restricção em dar, nalguem da midia, uma chupada. O cego se dispõe, é claro: nada impede que, por ter a profissão de tudo investigar, um rapagão de fora curta aquillo que lhe aggrada. Mas, rindo, o gringo exquiva-se: brincando estava. Não faria com um tal rapaz deficiente esse desmando. Abbraçam-se, amigaveis. É normal, comtudo, que um pau duro, advolumando as calças do reporter, caia mal.
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104 GLAUCO MATTOSO [3:59] Então diz o reporter: “Obrigado! Você fallou sem pappas, hem, rapaz? É raro um responder quando se faz pergunta deste typo! Estou chocado! O maximo de informes que arrecado é appenas um laconico e mendaz pretexto de que um cego está incapaz de fornescer à midia qualquer dado.” Responde assim o cego: - Só declaro aquillo que deixaram que eu fallasse. Não sei si meu patrão lhe cobrou caro. Tambem eu aggradesço à sua classe por ter documentado o meu, que é raro, retracto de quem mostra a sua face.
[3:60] Assim encerra o cego uma entrevista polemica, mas franca. Cada phrase que aqui transformo em verso fica quasi egual à que colheu o jornalista. Me vi no logar delle, pois a vista perdi: não foi durante minha phase mais joven, mas seu caso a que eu embase taes theses me dá chance e me contrista. Tambem sou seu collega neste officio difficil de chupar e de lamber paus, pés, lhes degustando o maleficio. Si o cego for poeta, outro dever terá: testemunhar qual o resquicio deixado em sua lingua, ao se foder.
QUARTA PARTE
DISSONNETTOS DESILLUMINISTAS
HISTORIA DA CEGUEIRA
COCEIRA NA SOBRANCELHA [5609]
Ainda sou dos olhos soffredor. Um globo vem doendo muito, mas demais mesmo. Nem posso mais, em paz, coçar a sobrancelha, que dá dor. O outro olho ja murchou e de suppor seria que me desse tregua. Faz que quieto fica agora, mas la attraz ardia. Admanhan, torna a arder... Que horror! Suppuz que, consummado o seu estrago, cegando-me, faz tempo, por completo, o sadico glaucoma agora quieto deixasse meu olhinho, mas divago. Não basta nos cegar, commigo trago a dura conclusão. Do que interpreto me resta só mais isto de concreto: Da vida não fugi porque sou mago.
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IDYLLICO COLLYRIO [5611]
Que bello pesadello, gente, eu tive! Paresce paradoxo, mas explico: sonhei que eu enxergava bem e rico de cores era o bosque em que eu estive. De verdes, tons diversos, inclusive nas aguas da lagoa, verifico que tingem esse parque. Perto, um picco rochoso o delimita, no declive. Não quero despertar, pois si desperto percebo que estou cego de verdade. Sim, quero me mactar, e ninguem ha de fazer-me desistir, eu lhes allerto! De novo ja addormesço. Ja bem perto estou de libertar-me desta grade maldicta da cegueira. Ja me invade o verde do jardim, a céu aberto.
HISTORIA DA CEGUEIRA
MARRENTOS CEM POR CENTO [5613]
Adeptos dum accordo que, por bem, no sadomasochismo tenha base, practicam tudo aquillo que essa phrase “Só mando quando pedem!” de mau tem. Bem sadico precisa ser alguem que queira ter prazer completo, ou quasi, embora ninguem haja que extravase de facto seus desejos num refem. Pudessemos fazer aquillo tudo com outrem, que quizessemos, talvez ninguem sobrevivesse, pois vocês noção teem dum mandão ou dum marrudo! Commigo mattutando, não me illudo. Pudessem me cegar, como o marquez de Sade diz em these, em tempos trez eu era, alem de cego, surdo-mudo!
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FEEDBACK IN BLACK [5618]
Não basta ficar cego! Você tem bastante que soffrer! Vae sentir dor, ainda, para sempre! Por mais zen que seja, será sempre soffredor! Ha duas longas decadas ja sem visão, cê não fallou que ver a cor podia de memoria? Pois tambem da dor se lembrará si sonhar for! Bem feito, Glauco! Ou acha que irá alguem dizer “Coitado!”? Ommitte-se o doutor que tracta do seu caso? Legal, hem? Nem elle quer fazer algum favor! Pois é, meu caro: foda-se! Estou nem ahi para você! Lhe fallo por nós todos, que enxergamos muito bem e somos, um por todos, seu leitor!
HISTORIA DA CEGUEIRA
GESTO INDIGESTO [5623]
Baratta voadora? Disso Zeus me livre! Caso desses, outro dia, na casa dum ceguinho uma agonia damnada provocou, amigos meus! Contou-me esse coitado: deu addeus a todas as visitas, pois queria curtir a solidão, mas a alegria durou pouco, foi coisa de plebeus. Entrou pela janella, a desgraçada, em tudo se chocando! Um cego não consegue, nesses casos, fazer nada! Na boba mão lhe exbarra a peste, então... Na testa, nas orelhas, quasi em cada centimetro daquelle cabeção! Por sorte, elle, com uma só palmada, mactou-a! Mas na bocca accerta a mão!
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NOJENTO CORRIMENTO [5628]
Chupei, ja cego, um gajo que, de idéa, bem sadico seria, que me fez tragar um pau que tinha gonorrhéa corrente. Dessa rolla fui freguez. Houvesse me filmado, da platéa infantojuvenil hoje talvez eu fosse epico meme. Que geléa corria! Que patê! Que sordidez! Emquanto me fodia, ainda ria, mandando que engolisse esse seu puz com gosto de manteiga, de ambrosia salgada! Até doente me suppuz! Provei que, quando orgastica a agonia, um cego se degrada, se reduz a bicho com um furo onde lhe enfia a rolla alguem que ainda advista a luz.
HISTORIA DA CEGUEIRA
BONS DONS [5631]
{Pertences, Glauco, a alguma dessas seitas? Que tu te julgas bruxo ou mago, ja fallaste disso muito. Mas vem ca, responde então: Por que não te approveitas? Protege-te! Te vinga das Te cura da cegueira, que tornou a tua vida! Jeito na cama que te cabe e em
desfeitas! tão má dá que te deitas!
A fama que meresces, por que não a crias? Por que editas sempre por pequenas editoras? Hem, Glaucão? Serias o maior, hoje, escriptor!} -- É facil explicar. Minha visão perdida compensar vou no que for possivel. Tu não notas, mas estão commigo os deuses. Tenho um defensor.
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ENTREGA CEGA [5633]
{Faz tempo que, sarrista, não domino alguem que a mim, de quattro, dê e, vendado, se deixe castigar. Mas um menino achei que se subjeita de bom grado. Alheio olho cegar, do meu aggrado, é practica frequente: eu determino que, sem me conhescer, algum veado masoca a venda ponha. Ahi, lhe brado: “De quattro! De joelho!” Olho o fulano sem follego, offegante, ja fodido na bocca, a se engasgar. Então decido si exporro ou si lhe mijo. Que tal, mano?} -- Cegueira temporaria, pelo panno da venda, dá tesão, mas mais soffrido meu caso será: a perda do sentido eterna torna a graça do meu damno.
HISTORIA DA CEGUEIRA
AZEDA TANGERINA [5642]
Urina allaranjada, muito forte seu cheiro. De proposito, o subjeito não dá a descarga, deixa alli. “Bem feito!”, commenta. Alguem exsiste que o supporte? Exsiste, sim. Um cego, cuja sorte virou thema de chiste: “Eu me deleito sabendo que não tenho o seu defeito nos olhos!” O mijão não é de morte? Sarrista que só elle, quer que tenha para algo utilidade a bocca muda do cego, penetrada com ferrenha dureza pela rolla, que é grahuda. Só resta que obedesça. Assim, se empenha o cego, ouvindo: “Invalido! Caluda! Se exforce! Chupe! Lamba! Antes, saccuda meu pau mijado! Chega de resenha!”
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ATTIRADORES DE ELITE [5646]
{Mal posso crer, Glaucão! Ouvi fallar que cegos ja ficaram muitos, em chilenas ruas! Todos, por azar, nos olhos balleados! Graça tem? São ballas de borracha, no logar daquellas que, de chumbo, leva quem guerreia por ahi, mas vão cegar uns olhos si pegarem nelles bem! Não, Glauco! Ja pensou? Que legião de cegos repentinos, na agonia das dores e das trevas! Como vão fazer? Como voltar ao dia a dia?} -- Lamento, sim, mas tanta compaixão ninguem teve, na phase em que eu perdia a vista. Algum chileno mais irmão, si fosse masochista, meu seria.
HISTORIA DA CEGUEIRA
EGUALITARIA DESEGUALDADE [5672]
Que somos differentes, eu entendo, mas não no plano physico. Sem nós mentaes, os homens vejo, todos sós na sua solidão. Sim, condescendo. Não vendo os olhos cegos e, não vendo, os olhos mais enxergam pela voz dos outros, que me contam como nós eguaes a todos somos, vamos sendo. Ao cego, não exsiste velho, novo, magrella nem gorducho, preto ou branco. Exsiste um tom vocal que, falso ou franco, traduz o que, em commum, entende o povo. Não posso ser racista, nem promovo viés que discrimine. Quando banco o vate intolerante, topo um tranco levar e, excarmentado, me commovo.
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AGGRACIADO SENTENCIADO [5690]
Ao lado do doente terminal, quem cego na prisão ficasse iria direito ter à proxima amnistia vigente, o tal “indulto de Natal”. Sciente disso, um chucro marginal, cumprindo pena até distante dia, cegou-se de proposito! Queria dalli sahir bem antes do final... Soltura conseguiu, mas não será tão facil a missão do nosso amigo. Alguem ficou sabendo que um mendigo da praça foi bandido ousado, ja. Agora abusam delle. Quem lhe dá porrada acha que vale esse castigo. Dos outros o pau chupa, pois perigo exsiste de ser morto. Ô vida má!
HISTORIA DA CEGUEIRA
CEGADO E EMMUDESCIDO [5692] (ao Fabio, que bem soube me tractar)
Você não vê nadinha mesmo, cara? Então va pelo cheiro! Ahi! Tá forte? Não lavo o pau, ceguinho! Que supporte você! Cego qualquer perfume encara! Regace devagar! Ahi! Deu para sentir o queijo, cego? Um roquefort com grãos de parmezão, hem? Não entorte o seu nariz, não! Cego não se enfara! Não, cego não excolhe! Com a sua babosa lingua, quero que dê banho bem dado! Tá assustado c’o tamanho? Vae ter que engolir tudo! Cego sua! Ahi! Mais fundo! Cego não recua! De novo! Mais depressa! Ah! Quando ganho chupeta assim, exporro bem! Tá fanho? Cansou? Depois a gente continua...
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CHORO HUMORISTICO [5700]
“Não chora! Si chorar é que peora! Acceita, que dóe menos teu castigo!”, disseram ao me verem cego. Agora os chupo e “Sim, Senhor!” ainda digo. Quem disse taes verdades commemora o facto de enxergar bem e commigo poder zoar. Humilde é quem só chora calado e chupa. Aos poucos, eu consigo. Depois de certo tempo, me convenço de que tudo depende do momento. Alguns mais se divertem quando tento chorar, lacrymejar, usar o lenço. Me dizem esses, rindo, que eu immenso prazer lhes proporciono si lamento meu drama, si calado não aguento ficar, pois seu humor ganha mais senso.
HISTORIA DA CEGUEIRA
GUSTATIVA FRUSTRAÇÃO [5701]
Diz “Abra a bocca e feche os olhos!” quem convida alguem que estima a ganhar balla ou doce que deleita. Mas se cala o cego que entendeu nisso um porem. Quem ganha de surpresa, qual nenen, aquelle pirolito que regala, idéa nem esboça do que eguala um cego ao mais ridiculo refem. Seus olhos nem precisam se fechar emquanto sua bocca aberta fica exposta, dum mandão, à dura picca que irá forçal-a a, soffrega, fellar. Ao maximo terá seu maxillar os dentes affastado. Mais se estica a lingua sob a glande que, impudica, evita addocicar o paladar.
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WHEN A BLIND MAN CRIES [5703]
O cego do Deep Purple, quando chora, dá dica de ter sido abbandonado, fechado no seu quarto, mas tal fado envolve o que meu caso corrobora. Um gajo, que era amigo, foi embora, mas fez com elle coisas que me enfado, até, de repetir, tendo versado bastante sobre alguem que rememora. Tambem, no chão jogado, rastejei aos pés dalgum “amigo” gozador que fez chacota sobre minha dor, impondo, por prazer, a sua lei. Um cego não será feito de gay nem deve ser de rollas chupador appenas por ser logico suppor, mas pelo testemunho que ja dei.
HISTORIA DA CEGUEIRA
PEOR CEGO [5714]
Um cara, analysando para mim o sadico proverbio, foi bastante feliz, ao fallar tudo o que me encante, embora alguns contestem. Falla assim: “Um cego, para mim, si nada ver quizer, na sua teimosia, na vontade de ir assim
será ruim pois se garante constante até seu fim.”
“O cego bom será quem ser refem não queira da cegueira, quem se faça rebelde contra a sua van desgraça, sabendo que dó delle ninguem tem.” “Ahi, sim, mais gostoso o tesão vem, pois, vendo um impotente, no que passa de extrema dor, ainda mais devassa é minha picca, que elle chupa bem!”
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TERRA DE CEGO [5715]
Tambem outro dictado um gajo leu à sua firme e sadica maneira, na qual, tirando sarro da cegueira, papel faz do mais puro philisteu: “Em terra de ceguetas, se fodeu aquelle que beijar o pé não queira de quem for rei caolho, ja que inteira razão todos lhe deram!” Fallei eu: Qual é, pela visão de quem só tem um olho, o tractamento que deseja o rei daquella terra, sem que eleja o povo livremente, emfim, alguem? O gajo respondeu: “Quererá, sem pudor nenhum, punir quem não rasteja a seus pés, quem gostinho de cereja não acha no seu pau, nem diz amen!”
HISTORIA DA CEGUEIRA
BUQUÊ DE BUKKAKE [5776]
Contado por um cego japonez, o facto me empolgou! Elle ficava aptado, de joelhos, numa trava de chordas, o “shibari”, olhem vocês! De sadicos diversos foi freguez, que nelle ejaculavam! Mais escrava tornavam sua bocca, que chupava caralho por caralho, vez por vez! Seu halito, me disse elle, fedia tal como uma privada sem descarga! Na sua lingua a baba achava amarga, mas tudo supportou, no dia-a-dia! Pensei sobre commigo o que faria um sadico nipponico! Que carga nos hombros eu teria! A sola larga e chata que, na face, eu sentiria!
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EXTRACONJUGAES FUNCÇÕES ORAES [5786]
Lembrando do solteiro, o cego pensa: “Si ainda não casei, rolla eu chupei-a por cego ser; si estou casado, offensa maior será chupar quem me corneia.” Um caso de contar me dá licença meu critico leitor? Pois uma aldeia nas selvas amazonicas dispensa preambulos: um cego massageia. Casado, ficou cego. Seu vizinho na hora approveitou-se. Ja comida a sua mulherzinha, teve vida de escravo massagista, coitadinho. Por certo o Ricardão foi excarninho e quiz mais que massagem. Quem duvida consulte-me e direi que, bem lambida, qualquer rolla perfaz novo caminho.
HISTORIA DA CEGUEIRA
ORATORIO OROTURBATORIO [5863]
Fazei, Senhor, que um cego utilidade consiga triplamente exercer em quem pode, felizmente, enxergar bem! Fazei, Senhor, que eu nunca desaggrade! Fazei que minha bocca se degrade trez vezes: nos dois pés, lambendo, sem nenhum nojo, o chulé; fazei tambem que eu limpe, do cu, toda a sujidade! Por ultimo, Senhor, de mim fazei um prompto fellador! Não me deixeis de esmegma sentir asco, si quereis que eu seja cumpridor da vossa lei! Fazei que, num irmão, tudo o que sei fazer eu oralmente faça! Reis serão meus, dos sessenta aos dezeseis, os bons irmãos dum util cego gay!
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MEME DO MIMIMI [5890]
{Sem essa, Glauco! Um cego não tem nada que estar se lamentando! Por aqui fiquei depois que tanto pappo ouvi de gente se dizendo desgraçada! É só saber levar! Capaz é cada ceguinho de fazer tudo o que vi fazerem, de evitar fazer xixi no dedo ou para fora da privada! Não acha, cara? A gente até se enfada com esse repetido mimimi! Conhesço um conformado, que sorri de tudo, faz comsigo uma piada!} -- Bem, quando de mim riu a molecada, não pude rir tambem. Nem chorei si mandaram-me chupar. Só consegui, calado, ouvir dos gajos a risada.
HISTORIA DA CEGUEIRA
BLUES DOS MEUS BREUS [5900]
Dormi. Quando accordei, esta manhan, achei extranho: triste nem fiquei. Dormi. Quando accordei, esta manhan, mais triste nem fiquei. Por que? Ja sei! Alegre estou. Nem penso nessa van carencia da visão, em ser o rei na terra dos ceguinhos, pois Satan commigo fez um pacto, uma astral lei. Si sinto muita falta da visão, tacteio o meu sapato, onde procuro a meia que está dentro. Nesse escuro, do cheiro della augmenta a proporção. Blueseiros, muito tristes todos são. Lhes falta alguma coisa? Alli, no duro, não falta, mas precisam do perjuro motivo p’ra fazer uma canção.
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ACCERTO DE TRACTAMENTO [5921]
Hem? Como cê se sente, infeliz? Hem? Responde, infeliz! Cego cê se diz? Então vae se foder só porque eu quiz! Ahi, cara! Adjoelha! Muito bem! Assim que eu gosto! Sabe chupar sem ter nojo? Vae saber! Lambe, infeliz! Vae, passa a lingua porca no que eu fiz! Xixi tem gosto bom? Que gosto tem? Engole, infeliz! Abre bem a sua boccona de ceguinho! Quem mandou perder sua visão? Agora sou quem manda! Chupa, cego! Soffre! Sua! Assim, vae! Vou gozar! Ah! Continua! Ah! Tem que engolir tudo, ou eu lhe dou porrada! Ah! Gostou, cego? Não gostou? Azar! Bebe meu mijo! Não recua!
HISTORIA DA CEGUEIRA
NOITE SOB AÇOITE [5930]
{Pensei commigo, Glauco: um bom tesão seria açoitar, como foi Jesus surrado, mas tambem, como suppuz, cegal-o ja durante essa sessão. No filme do Mel Gibson, elles vão battendo até que um olho perde a luz, vazado pelo relho. Sua cruz podia ser assim, não é, Glaucão? Que tal, hem? Ser cegado como Christo! Si elle sobrevivesse, poderia tornar-se escravo desses que, no dia da surra, deleitavam-se com isto!} -- De facto. Ja seus pés eu tendo visto emquanto da chibata padescia, depois de cego os paus eu chuparia. Em sonho, só, taes rollas eu enristo...
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DOSE EXACTA (II) [5988]
Eu sempre tive medo da cegueira e, desde adolescente, esse temor deixava-me impedido de suppor que um cego pornofilmes fazer queira. Ouvindo o cantador que vae à feira contar historias sobre sua dor, allivio senti sempre, portador que sou de vista nitida, certeira. Em summa, de visão é que se tracta. A minha propria louvo, por ser boa, melhor até que um olho que só doa e pouco veja, coisa que acho chata. Por isso mesmo, gozo com a grata imagem do rival de quem caçoa a gente appós cegal-o. Coisa à toa ser elle e não nós. Chupa! Dose exacta!
HISTORIA DA CEGUEIRA
MEME DO BICCO LARGO [6092]
Barulho que moedas fazem. Isso me irrita. Mais ainda a canequinha do cego. Elle a chacoalha, me apporrinha e faz com que eu me torne irritadiço. Mas eu desforro, porra! Si me ouriço, eu chuto esse caneco! Ora, adivinha a cara do ceguinho, que ja tinha junctado tanto! Presto um desserviço? Magina! Acho bem feito! Quem mandou o cego me irritar? Um ponctapé e voa a canequinha! Ah, mas não é gozado? Dou meu troco ou não lhe dou? Precisa ver! Filmaram o meu show! A bota attinge em cheio! Pega até na cara do coitado! Seu bonné tambem cahiu! Riu muito quem filmou!
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SATYRESIAS [6095]
Facillima se faça a prophecia na bocca do ceguinho que propheta se torna si tambem for bom poeta. Componha pessimista a poesia! Si for hoje à de hontem bem facil o a mesma dor
peor nossa agonia comparada, se interpreta porvir: mais nos affecta um dia appós um dia.
Si fosse exactamente a mesma dor, nos accostumariamos ao mal. Da proxima vez, nunca a dor egual será, porem mais forte, é de suppor. Sinão, não tinha graça! Assim, si for auctor dalgum oraculo fatal, você exaggere muito o mau signal, ou não será das trevas portador.
HISTORIA DA CEGUEIRA
MEME DO ABRIL AZUL [6096]
Sabia, Glauco? Tenho, ó meu, tamanha repulsa da cegueira, que você nem pode imaginar! Até bebê ceguinho me dá raiva si faz manha! Sim, dou cacete em cego! O caso ganha contornos de comedia! Nada vê, mas age elle tal como si lhe dê vontade de dansar! Então, appanha! É como um João Bobo numa pista de dansa, feito um pendulo! Lhe batto, mas elle foge e volta ao meu contacto, querendo, na porrada, que eu insista! Só pode ser um cego masochista, Glaucão! Que nem você, que meu sapato adora lamber! Cegos, eu constato, são mixto dum tapete e dum... autista!
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GENUINA DISCIPLINA [6100]
Bons tempos, Glauco, quando se podia punir com castração e com cegueira alguem que, na segunda, até primeira vez, tenha demonstrado rebeldia! Depois de cego, fica a autonomia do gajo reduzida a verdadeira prisão sem grade. Mesmo que elle queira fugir, não pode, noite sendo, ou dia. Você bem sabe, Glauco. Um prisioneiro cegado obedescer vae, sem direito a queixa, ao carcereiro. Me deleito com isso. Do que rolla bem me inteiro. É pena que não rolle em brazileiro presidio, mas, emfim, acho bem feito. Você não vae dizer que é preconceito, não é? Não fosse, Glauco, um punheteiro!
HISTORIA DA CEGUEIRA
FODIDO E BEM LIDO [6105]
Alguem tem que ser cego, tem alguem que ser esse fodido nesta vida. Cegueira foi desgraça decidida de cyma, pelos deuses, vem do Alem. Alguem tem que ficar cego, mas nem por sonho serei eu. Ha quem decida cegar-se? Não, jamais! Um suicida faria bem melhor, pensando bem. Por isso me divirto com você, que sem visão ficou e me deleita no livro que estou lendo. Certa feita, sonhei que cegaria alguem que vê. Quiz muito ter a chance, mas cadê que posso me vingar de quem desfeita me fez? Então a gente se approveita dum cego que é poeta. A gente o lê.
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MICHETAGEM SEM IMAGEM [6119]
“Um cego entre inimigos...” Ja lhe disse alguem tal phrase, Glauco? Claro, né? Por SEM OLHOS EM GAZA tambem fé meresce um Aldous Huxley na mesmice. Hem? Pode-se esperar que alguem não risse dos medos dum cegado? Vão até rir delle caso um carro marcha à ré dê para assustar, para que se attice! Cachorros ja attiçaram em você, Glaucão? Ja lhe jogaram pedra, meu? Alguma coisa assim, ah, tambem eu queria lhe fazer, logo que dê! Mas, como perspectiva não se vê da volta à normal scena, você deu é sorte! Nem bancar o philisteu eu posso! Só por phone sou michê!
HISTORIA DA CEGUEIRA
MEME DA CORRIDA A COMBINAR [6131]
Desculpe perguntar, mas o senhor é cego de nascença? Não? Caralho! Nem posso imaginar, nesse trabalho de taxi, que sou disso um portador! Nem oculos eu tenho! Nem suppor eu quero, porra! Ainda bem que eu calho bem para dirigir! Pego um attalho e estou, livre do transito, onde for! Tesão, diz o senhor? Ah, que engraçado! Pensei foi justamente nisso! Sinto bem isso por poder enxergar! Minto si digo que não sinto! Olho o meu lado! Sim, penso no senhor, que está ferrado, mas não cheguei a achar que chupou pincto na vida, ja! Bem, como disse, instincto não falta! Adoro mesmo ser chupado!
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NEGOCIAÇÃO AMIGAVEL [6133]
Onde é que ja se viu, Glauco, um cegueta querer de mim cobrar um aluguel que está attrazado? Chega aqui e papel fazer quer de mandão, causando treta! Fodeu-se! Foi bem feito! Quem se metta commigo uns trancos leva! Meu fiel e joven enteado foi cruel com elle... Mas quem manda ser ranheta? Eu mesmo comecei a dar porrada no velho, mas jogado foi ao chão por elle, esse moleque, tão machão que logo lhe deu bella botinada! O cego, que não pôde fazer nada, chutado foi, pisado foi, Glaucão! Você, que ja levou muito pisão, bem sabe como abusa a molecada!
HISTORIA DA CEGUEIRA
HASHTAG DEU RUIM [6153]
Não era para azar egual ao seu nós todos termos, Glauco, porra! Ah, va tomar no cu! Você, que cego está, saudade tem daquillo que perdeu! Mas eu, que me julguei ser philisteu em vez de ser Sansão, me vejo ca em casa confinado! Porra, dá mais raiva de quem vive no seu breu! A mim, que sempre achei ser mais experto que um misero ceguinho, tão chinfrim que mais paresce um bicho de mim perto, foi muito vergonhoso, pô! Foi, sim! A todos que teem olho bem aberto, não era para estar a coisa assim! Devia, sim, ter dado tudo certo! Sahiu bastante errado! Deu ruim!
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HASHTAG VAE MELHORAR [6162]
Glaucão, vae melhorar para teu lado! Fiquei sabendo -- Puxa! -- que ja alguem inventa, para os cegos, o que vem trazer-lhes visão nova! Puta achado! No cerebro collocam, implantado, um troço leve, electrico! Sim, sem usar seu olho cego, o gajo tem imagem duma lettra! Foi testado! Não achas que esperança a coisa traz? Não ficas optimista, meu amigo? Ainda festejar eu vou comtigo! Percebo que animado agora estás! No seculo vindouro, tu serás vidente novamente! Teu castigo findou! Reencarnado, sem perigo dirás que ja não temes Satanaz!
HISTORIA DA CEGUEIRA
HASHTAG PRAGA DE CEGO PEGA [6167]
Vivias a fallar, Glauco, que estavas no seculo dezoito ou dezenove, não só pela graphia que te move a verve em varias quadras ou oitavas... Agora as nações todas são escravas da tua praga! Até que se comprove haver cura que a vida nos renove, mandamos o futuro para as favas! Vivamos no passado! Ninguem mais viaja de avião! Para a doença não temos mais remedio! Resta a crença nas lendas e nos mythos ancestraes! Avós seremos, como nossos paes! Seremos saudosistas! Ninguem pensa no novo, só no velho! Recompensa terás, Glauco, mas caro sae, demais!
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COVARDIA [6196]
Batter num cego muito facil é! Fazer o que quizermos elle irá sem mesmo ser surrado, mas que dá vontade de batter, dá! Muita, até! Batti ja num, Glaucão, só com o pé! Mandei que rastejasse, fosse la e para ca voltasse! Kakaká! Morri de rir, meu caro! Bote fé! Até que nem chutei muito! Pisão levou, porem, bastante! Elle pedia que eu fosse mais clemente e covardia achava aquillo tudo, olhe, Glaucão! Covarde, eu? Só sorrindo! Você não achou gozado? Um desses eu fodia na bocca só depois que rebeldia mostrasse! Esse é que é mesmo o meu tesão!
HISTORIA DA CEGUEIRA
HYDROXYCHLOROQUINA [6197]
Um grave effeito ouvi, collateral, da tal da chloroquina, Glauco! Ouviste fallar? Causa cegueira! Quer mais triste destino, quando alguem nem está mal? Tomar por prevenção a quem nada pegou e De quem se recupera por ter sahido cego
será fatal bem resiste! farão chiste do hospital!
Pensaste, Glauco? O gajo nada tinha! Siquer elle infectado fora, mas tomara a chloroquina! Agora, attraz dos oculos escuros, ja definha! Ficou cego! Peor que tu, que minha risada despertou ja, tão mordaz! Terá que implorar graça a Satanaz até para achar uma moedinha!
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AGONISTA [6214]
Sardinhas todos puxam para o lado que querem, mas, Glaucão, exaggeraste! Sansão ja, no cinema, como um traste por Cecil B. De Mille é retractado! Ainda nos quarenta, resultado pomposo o filme teve! Que te baste não fez o director grande contraste com esse millennar texto sagrado? No filme, foi Sansão bem humilhado depois de cego, Glauco! Delle ria o povo philisteu! Que mais queria o publico? Não foi de teu aggrado? Entendo... Tu querias que, coitado, o cego rastejasse, que lambia o chão saber querias! Agonia tamanha, nem em Milton! És damnado!
HISTORIA DA CEGUEIRA
MALUCO DA CABEÇA [6229]
Um cego com poder de decisão? Um cego que ‘inda autonomo paresça? Estás mas é maluco da cabeça! Um cego só tem uma posição: Abbaixo de quem vê com olho são! Debaixo dos pés! Que elle não se exquesça! Qualquer abuso oral que lhe accontesça tem elle que engolir, Glaucão! Ou não? Tu sabes que estou sendo o mais sincero possivel, Glauco! Sabes o que passas si ficas à mercê dumas devassas vontades, dum castigo mais severo! Eu mesmo ja abusei dum cego! Quero em horas taes dizer, a rir, que graças a Zeus eu bem enxergo! Tu que faças teus versos, mas que chupes, sem mais lero!
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TALHE NO DETALHE [6240]
Gravura vi, Glaucão, que lhe interessa. Carrascos trez accabam de cegar um homem, cujo oval globo ocular tirado foi da cara, mas sem pressa. Seu outro olho sahir tambem vae, nessa sessão de cegação. Falta passar a faca, que dum delles a brincar está na mão e quasi que a attravessa. Detalhe interessante que, evidente, nos salta à vista: algozes de pau duro estão, fora das calças. Glauco, juro! Aquillo mexe mesmo com a gente! Mais um detalhe: rosto sorridente exhibem elles. Quasi ja no escuro total, o desgraçado mostra puro terror no olhar que resta. A gente sente.
HISTORIA DA CEGUEIRA
COMMISERAÇÃO [6250]
Eu, toda vez que vejo um alleijado andando de muleta, me condoo, pensando no coitado que, no voo dum salto, nunca pode ir n’agua a nado! E quando vejo um ‘inda mais ferrado, um desses cadeirantes, nem caçoo do gajo, pois até jaula de zoo tem bicho mais feliz, mais bem tractado! Até, Glaucão, si vejo um surdomudo fazendo umas caretas de quem não entende porra alguma, dou razão àquelles que o problema acham agudo! Mas, quando vejo um cego, não o accudo nem delle sinto pena! Não, Glaucão! Me lembro de você, que de Sansão é fan! Meu pau se entesa! Me desnudo!
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CEGADO E CAGADO (I) [6251]
Bengala ainda nova, vem o cego battendo o troço deste e doutro lado. Alguem que se irritou, ja bengalado que fora, quer vingança: “Ah, ja te pego!” Glaucão, que isso diverte, meu, não nego! Um trecho da sargeta está tomado de merda! Algum exgotto vazou! Dá, do fedor, enjoo! Penso nisso, offego! Num tranco, o gajo obriga aquelle chato cegueta a mergulhar na cocozeira! Depois de chafurdar, elle está à beira da valla, procurando pelo tacto! Perdeu sua bengala! Até desapto a rir! Ninguem adjuda a quem mal cheira! Só ficam rindo! Glauco, não me queira mal, ja que de empurral-o foi meu acto!
HISTORIA DA CEGUEIRA
CEGADO E CAGADO (II) [6252]
Não posso ver um cego de bengala que fico ja com raiva! Aquella vara o cara vae battendo, sempre para la, para ca! Que sacco! Me resvalla! E mesmo que não pegue em mim! De olhal-a batter, ja me emputesço! Porra, cara! Meresce essa licção sahir bem cara! Lhe ensigno que a mim cego não se eguala! Ah, Glauco, ja tomei a vara dum, joguei longe e fiquei alli, curtindo a sua reacção! Achei que lindo foi disso o resultado! Foi pa, pum! Pisou bem no cocô, que é tão commum haver pela calçada! Foi bemvindo seu tombo! Se borrou! Glaucão, eu brindo à dor dum cego! Sem problema algum!
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CEGADO E CAGADO (III) [6253]
Ja devem ter descripto para ti o video. Pediu sopa, ao restaurante, o cego, mas um passaro, durante a pausa, passa e caga por alli. Cocô cae noutra sopa, mas eu vi que, rapido, o garçon ja se garante. O pratto sujo passa, astuto, addeante e serve ao cego o caldo! Ah, como eu ri! Ah, Glauco! Precisavas ver a cara de gosto do ceguinho! O desgraçado pensou que estava super temperado o liquido cocô que degustara! Um dia, satisfaço minha tara e enganno um cego assim! Mais eu me aggrado si a merda for a minha! Estou errado? Magina! Adoro quando alguem se azara!
QUINCTA PARTE
OUTROS CASOS TYPHLOLOGICOS
HISTORIA DA CEGUEIRA [5:1] RONDÓ DO CORRÓ Um homem, quando perde a liberdade e sua independencia, se reduz àquillo que se applica a quem faz jus a alguma punição da sociedade, na ronda do rondó correccional. Não basta estar recluso attraz de grade! Ceguemol-o! Privado elle da luz, se torna obediente! Até suppuz jamais haver um cego que se evade, na ronda do rondó correccional. Com minha experiencia de jurista, constato que cegal-o é o melhor meio de fugas evitar! Si perde a vista, alem do mais, subjeita-se ao que leio accerca da cegueira: quem resista não ha, quanto ao castigo e quanto ao freio, na ronda do rondó correccional.
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156 GLAUCO MATTOSO [5:2] ODE INELEGIACA Nas lendas da Policia Militar figura um Major Solon, que não é com outros confundido e se destacca por nunca ter postura molle ou fracca; que, alem do treinamento proprio, até nas artes marciaes foi exemplar. Elites commandou na tropa, a dar severas instrucções! Si punha o pé na cara do opponente, “macho paca”, a zero o reduzia, sobre a maca levado, inconsciente! Era um ballé seu agil ponctapé, subindo ao ar! Num caso de sequestro, Solon fez seu ultimo espectaculo, pois quiz agir pessoalmente. Sem que sangue corresse, pretendeu cercar a gangue, livrando seus refens! Foi infeliz, cahindo, por azar, na mão duns trez! Sim, muitos libertou, mas mais de mez passou num hospital! Os bisturis salvaram-no dos tiros. Não se zangue, leitor, mas a peor no bangue-bangue levou Solon: armados de fuzis, crivaram-no! Viveu, mas hoje é um ex!
HISTORIA DA CEGUEIRA
Mactou dois delles, sendo que um terceiro, sem certa identidade, foragido ainda está. Dos tiros, uma balla entrou-lhe na cabeça e, ao retiral-a, tiraram-lhe a visão! Bem, não duvido dos medicos, num caso “corriqueiro”... Porem, me surprehende que um guerreiro tão bravo como Solon tenha sido num monge transformado! Sua falla, agora, é pacifista, pois se eguala ao khoro dos ceguinhos com quem lido, humildes, trabalhando o tempo inteiro... Tornou-se massagista de pés, facto a todos impensavel para alguem altivo e superior. Ao vel-o alli, curvado ante os clientes, ja sorri, de pena ou gozação, quem o pé vem tractar, um pé calloso, largo e chato... Na clinica em que Solon é cordato peão, quem comparesce não quer nem saber si elle enxergou (como eu, que vi durante um tempo): curte mesmo é si bem dextro é o massagista e jeito tem na sola que bem tracta com seu tacto.
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Não é que seu freguez, agora, é um certo bandido foragido? Como não será reconhescido, o “mano” visa checar si é o cego aquelle que, em pesquisa na rede, achou ser Solon! Folgadão, reclina e se accommoda, riso aberto. O cego, que o pezão tem de si perto, chulé sentindo, cala-se. Com mão suave, accaricia quem lhe pisa nos brios. Uma sola nada lisa deleita-se! Eis, pois, como um olho são castiga um cego e, em ode, eu ca me apperto!
HISTORIA DA CEGUEIRA [5:3] ROMANCILHO SEM DEIXA NEM QUEIXA Minha lingua, antes que a queime, a serviço alheio puz. Massagista sou, de truz, e entre os cegos colloquei-me. Fui à clinica que faz propaganda em grande estylo, practicar de novo aquillo que apprendi tempos attraz. Recyclei-me e, agora, faço meu dever “linguopedal” com empenho, até si mal cheira o pé mais suadaço. Me chegou logo um cliente se queixando de canseira. Dei-lhe a dica mais certeira: relaxar experimente! O ceguinho aqui lhe fez o serviço por inteiro. Sim, lambi; porem, primeiro, meu ropteiro abro a vocês.
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Reclinou-se elle na maca. As botinas, descalcei-as, junctamente com as meias, e elle, olhando, curtiu paca. Não passei ainda o creme. Para unctal-o, só preciso de saliva. Lhe hygienizo o suor, e elle ja geme. “Ah, ceguinho, eu conhescia sua fama! Agora vejo como é justa!” E eu vou, sem pejo, comprovando a theoria. Mais que os dedos, pode a lingua percorrer do calcanhar aos artelhos e allisar toda a sola. A baba, pingo-a. Goles d’agua, si ella secca, rehydratam-me e, lambendo, friccionando vou. Entendo si elle até cae na somneca.
HISTORIA DA CEGUEIRA
Cada poncto que pressiono dá-lhe allivio num logar de seu corpo e pode dar ou tesão ou, mesmo, somno. Passo, então, à nova phase da sessão e creme passo. Com os dedos, passo a passo, suas dores sano, ou quasi. O dedão quasi punheto e os demais accaricio. Seja somno ou seja cio, seu prazer será completo. Si gozar, depois relaxa. Si dormir, vae relaxar egualmente e, assim, baixar dos maus fluidos a alta taxa. No final, elle commenta que meu drama é bem peor que o seu proprio. Eu ja de cor sei nos olhos a pigmenta.
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Voltará, diz, porque quer repetir esse deleite. E eu: “Às ordens! Approveite! Passe aqui quando quizer!”
HISTORIA DA CEGUEIRA [5:4] MOURÃO MOUREJADO Fallando ao cellular, elle mantem contacto com a firma onde trabalha. Grosseiro, reprehende, apponcta a falha dos seus subordinados, com desdem. Sentindo-se estressado, sempre vem aonde ganha a vida essa gentalha que a vista ja perdeu e duro malha. Agora, alli na clinica, está bem tranquillo, relaxando. A seus pés, quem, humilde, os massageia, é um cego. Calha aos cegos tal serviço, que o canalha exige caprichado, pena sem: (Ao cego) Vae, capricha ahi, ceguinho! (Ao phone) Alô! Quem falla? Ah! Tudo bão? Pois é! Tou arejando o chulezão! (Ao cego) Pega leve, com carinho! Sem pressa! Isso! Trabalha direitinho! (Ao phone) Ah, si relaxa! Você não sabia? Sim, são cegos! Todos são! (Ao cego) Andei demais! Peguei caminho errado! Tá doendo esse mindinho! (Ao phone) Experimenta! Os cegos vão deixar até melhor o teu tesão! (Ao cego) Vae, deslisa de levinho!
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O cego, que a massagem executa, comsigo philosopha: “Esse subjeito é sadico, mas olho tem perfeito e pode desfructar, como desfructa, a vida, emquanto um cego, na labuta, prazer lhe causa! Eu nunca me deleito, mas elle, só de olhar-me, tem proveito! Commigo seu logar jamais permuta, mas minha bocca é quasi a duma puta, suppondo que elle tenha algum direito de usal-a, seu dedão pôr nella, feito um penis, que não chupo, mas me chuta...”
HISTORIA DA CEGUEIRA [5:5] REZANDO OS TERÇOS CERTOS Garanto ser verdade! Nos noventa, assim que totalmente eu ja cegara, meu guia a um indiano me appresenta. Ao ver que é masochista a minha tara, o typo me confirma a informação que tenho: a um servo o cego se compara. A ser o que, na India, os cegos são dispõe-se a me treinar: irei chupal-o tal como os KAMA SUTRA dão noção. Me ensigna a lhe engolir, a fundo, o phallo e apprendo a lingua e labios empregar com arte, em toda a glande e em todo o thallo. Aos poucos, seus commandos meu azar realçam na cegueira. Mentalizo aquillo que o guru quer acclarar. Emquanto ganho practica, elle diz o que devo imaginar. Concomitantes na mente estão trez ponctos, que emphatizo: Primeiro, que não sou o que fui antes, humano ao todo e autonomo. Segundo, servir devo aos normaes, da vida amantes.
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Terceiro, deve a lingua, ao mais immundo sabor, corresponder com toques taes que façam quem enxerga amar o mundo. Em mente os trez eu tenho e, quanto mais concentro o pensamento, mais a fria verdade se appresenta ante meus ais. Durante a fellação, meu mestre via um filme, si quizesse, mas me diz que os olhos fecha emquanto se ecstasia. E explica: “Momentaneo cego eu quiz ficar mas, desse incommodo, em seguida, livrei-me, vi de novo e fui feliz!” “Você, que cego está por toda a vida futura, os abre appenas mentalmente, a cada movimento de lambida!” “Suppõe-se em meu logar, como eu, na mente, estive em seu naquelle momentinho. Entende? Minha sorte é differente!” Ja nesta oral missão não engattinho. Tornei-me especialista em chupar, como qualquer cego indiano... ou veadinho.
HISTORIA DA CEGUEIRA
E, emquanto eu, cego, amargo como o pomo devido, um guru sadico aos céus ora por não tomar na bocca como eu tomo. Poupado da cegueira, commemora a graça que recebe, pois da benta bondade, em qualquer fé, fiquei de fora.
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168 GLAUCO MATTOSO [5:6] AUDIODESCRIPÇÃO DA IRRUMAÇÃO Um video me descrevem como sendo dos cegos prototypico: o subjeito, vendado, engole um penis. Eu me vendo e sinto penetrado, com effeito. O cego não excolhe: seu horrendo breu tolhe os movimentos. Eu me deito de costas appoiadas e vou tendo a bocca a lhe servir de furo estreito. Gorducho, o fodedor diz: “Me deleito assim, entrando fundo!” E me segura os braços, as orelhas. Seu proveito eguala-se ao da foda simples, pura. Bombando, movimenta-se. “Bem feito!”, escuta o cego e um “Foda-se!” da dura voz ouve. Na garganta me subjeito ao gozo. A porra engasga-me e amargura. Vendar, na enscenação, faz a figura mais sadomasochista ter funcção didactica. Outros videos à postura recorrem e descriptos tambem são. Me cabe, como cego que sem cura ficou, compenetrar-me dessa tão veridica filmagem. Quem me fura os olhos tem o olhar dum olho são.
HISTORIA DA CEGUEIRA [5:7] DEFICIENTE UTILITARISMO Um cego me contava que o basset não serve de cão guia, por andar somente em ziguezague. Si à mercê ficasse do cachorro, seu azar se multiplicaria. “Quem não crê (diz elle) no que digo, basta olhar sargetas, postes, muros... Vê você que varios attractivos vão mudar a ropta do basset!” Dar um rollê com elle significa “bassear”, jamais guiar alguem que ja não vê e escuta a rir o povo alli no bar.
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170 GLAUCO MATTOSO [5:8] TRIUMPHANTE TOTALITARISMO Os cegos, neste seculo, serão milhões, uns cem milhões, no mundo inteiro. Appenas no Brazil, mais de um milhão! Pensou no que eu pensei alguem primeiro? Exacto! Uma abnormal população! Metropole, no caso brazileiro! No caso mundial, uma nação das grandes! Saramago bom ropteiro perdeu: em vez daquella engannação chamada “Ensaio”, que obra de barbeiro sahiu, podia achar melhor ficção na pura realidade... Um verdadeiro romance escreveria! Um mundo cão, calculem, si o nazismo, appós guerreiro conflicto, triumphasse e a “solução final”, mas não judaica e sim terceiromundista, confinasse os que visão normal não tenham, nesse captiveiro de cem milhões, um unico e grandão paiz! Um gigantesco e derradeiro ghettão, um territorio onde Sansão é o povo e philisteu o carcereiro reinante, ou commandante de plantão, zarolho zelador que, com ordeiro exercito zarolho, em condição canina manteria num puteiro ceguinhas e ceguinhos que ao tesão
HISTORIA DA CEGUEIRA
dos guardas serviriam, sob o cheiro de mijo, a practicar a fellação submissa, obrigatoria, em roptineiro serviço e na total escravidão! Não acham tal scenario o mais certeiro? Jamais um Saramago ou Orwell tão concreta dystopia achou, e eu beiro tal obra em minha lyra, ja que não me canso de cantar este cegueiro prognostico que os numeros me dão. Congresso ophthalmologico ou olheiro do mundo, seus participes farão dos dados estatisticos o argueiro...
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172 GLAUCO MATTOSO [5:9] GRATIFICANTE OPPORTUNISMO Herdaram, elle e ella, a propriedade. Tambem dos paes herdaram a cegueira. Agora ambos estão orphans e Sade achar não ia historia tão certeira. Um primo sem escrupulos invade a casa e se appropria, de maneira covarde, do inventario: persuade os cegos, que lhe outhorgam quanto queira. Aos poucos, tyranniza os dois. Quem ha de suppor que estão captivos? Fazendeira, a sede está distante da cidade. Escravos lhe serão a vida inteira. Farão, agora, tudo que lhe aggrade. O primo os invejava, pois, sem eira nem beira, nada tinha. Utilidade dois cegos terão logo, à putanheira. Amigos dessa laia, si o malvado lhes conta, se divertem, e eu me inteiro: “Ah, como me vinguei! Eu os degrado, os faço sentir gosto, sentir cheiro!”
HISTORIA DA CEGUEIRA
“A cega a me chupar eu persuado na base da chibata! Seu fuleiro irmão dos pés me cuida! Bem treinado, tambem se accostumou ao captiveiro!” “Me tracta elle, a lamber, do callejado e fetido pezão! Ja meu leiteiro caralho, ella me mamma, bem mammado!” Será que falla a serio o trappaceiro? Prefiro accreditar que tal legado do sadico não seja verdadeiro trophéu, mas, quanto aos cegos, sou levado a crer que não trabalhem por dinheiro.
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174 GLAUCO MATTOSO [5:10] SUFFICIENTE SADOMASOCHISMO Sedento e sedentario, elle digita desejos de vingança ao cellular. Maldiz as suas mãos, acha maldicta a patta que permitte engattinhar. Curtindo a crueldade, eis que lhe excita, ao joven cadeirante, meu azar de cego. Sim, compenso-lhe a desdicta. Seu gozo, urgentemente, um cego dar precisa, antes que, em versos, elle accabe querendo mutilar-se. A adjoelhar se obriga o cego, lambe e chupa, sabe usar a bocca, a lingua. O calcanhar do torto pé se banha do que babe alguem que não enxerga, a rastejar. Diz elle que a uma hyena se assemelha, que assiste à sordidez e que gargalha, ja quasi ejaculando e, como ovelha, do lobo eu à mercê fico e trabalha a minha lingua nesse pé que espelha aquillo que meresço, por migalha: tractal-o com carinho, não de esguelha.
HISTORIA DA CEGUEIRA
Teem, dois deficientes, infinita e sadomasochista relação de dor que se completa, dor afflicta, mas proxima ao prazer. Ambos estão no mesmo barco, ou quasi: elle vomita seu asco, o cego o engole. Com tesão, “Banquete escatologico!” elle grita.
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176 GLAUCO MATTOSO [5:11] COMMOVENTE HUMANISMO Em alta voz, alguem lê para mim noticia dos castigos no instituto de cegos juvenis, que teem por fim melhor disciplinar e como puto ter cada meninão que for ruim. A dura punição funcciona assim: Os cegos engattinham. Mais astuto, um delles pelo faro chega, emfim, ao pratto de cocô, que come. O ducto oral deglutte tudo, por tintim. Mais rapido quem seja, a saber vim, se poupa de soffrer o tracto bruto: açoite, expancamento, que seu rim extoura, o pulmão fura... Ao cabo, escuto que, alli, os rebeldes chupam pingolim.
HISTORIA DA CEGUEIRA [5:12] IMPOTENTE PLATONISMO Na praia, o senhorzinho fica olhando de longe a mulherada, todo dia. Nenhuma vae dizer que elle a assedia. Jamais dos machos juncta-se elle ao bando. O velho tem desejos. Porem, quando se sente incommodada quem p’ra thia ficou, elle cae fora. Não iria ser chato. Se tocou e foi andando. Não sou como esse velho. Não commando meus passos na cegueira. Só queria ver chatas, largas lanchas. Mas quem ia deixar-me vel-as? Fico desejando. Só vejo pelo tacto. Mas no brando exame dos meus dedos não confia ninguem que tenha chatos pés e fria tem sido a reacção delles, negando. Não quero lhes propor nenhum nefando peccado, ora! Appalpar eu não podia pezões taes? Não entendo tal phobia! Meresce um cego carcere quejando?
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178 GLAUCO MATTOSO [5:13] EXCITANTE HUMORISMO Dois cegos battem bocca. Ja me ligo de prompto no motivo dessa briga. Alguem viu e brincou sobre o perigo de um delles ser ladrão. A turma instiga: “Ahi, ceguinho! Então você não liga si o seu collega rouba a esmolla? Amigo, não quero provocar nenhuma intriga, mas isso é feio! Escute o que lhe digo!” A briga ja se aggrava. Até consigo ver ambos frente a frente. “Duma figa! Ladrão!” Da accusação cada mendigo, sabendo-se innocente, o outro fustiga. A turma se diverte: “Aquelle cego puxou a faca! Agora é que o collega se ferra!” Eu, ca commigo, logo offego de medo, no logar de quem se pega. Os dois saem correndo, e aqui me pego tambem a gargalhar com quem se entrega àquella diversão. Mas não sossego até que, em verso, invente o “Faca Cega”. Fixei o personagem, que meu ego ao menos desaggrava, pois navega o caso pela rede. Mas não nego que segue me escitando esse humor brega.
HISTORIA DA CEGUEIRA [5:14] MERDA FEDE A COMEDIA Commigo vendo um video do Paulinho Cegueta, alguem me conta como faz um cego ao se limpar: depois que passa no rego, o papel cheira, até que reste appenas o perfume do papel. Na duvida, só mesmo na lambida dará para saber si merda alguma ficou, residual... Não é perfeito o methodo? Successo garantido, ao menos à comedia do “standup”... Paulinho ja morreu e eu adivinho que sejam os que riram delle eguaes a tantos que risada dão, de graça, ao lerem os meus versos, pois o teste tambem ja fiz, ao caso fui fiel. Aquillo que o ridiculo valida é facil de entender: tudo que estruma a bocca dum ceguinho é bom proveito àquelle que visão tenha. Duvido que ao riso dos normaes um cego excappe...
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180 GLAUCO MATTOSO [5:15] ATTRITOS E CONFLICTOS No pateo do internato, o cego mais novato aos demais cegos, que são menos scientes da questão, expõe seu poncto de vista sobre a perda da visão: “Sim, temos, nós tambem, nosso direito! De sermos bem tractados! Sim, de termos funcção, utilidade, serventia perante alguem que enxerga normalmente!” “Nós somos tão capazes quanto alguem que enxerga! Precisamos é que nosso direito reconhesçam! Sim, feliz um cego quer ser, ora! A gente pode!” “Humanos tambem somos, creou nossos irmãos! O é a falta de respeito, de amor e de comforto!
como Deus que eu discuto de cuidado, Isso é o que exijo!”
Alguem até propõe que o gruppo vote e eleja tal rapaz como de fé amigo ou portavoz, e ja se aggruppa mais gente ao seu redor, qual numa egreja.
HISTORIA DA CEGUEIRA
Teem dura disciplina, porem, taes asylos e punidos por pequenos delictos os ceguinhos são. Confronto de idéas? Mais crueis penas terão! {Eu sou o monitor aqui! Respeito exijo! Quer mais relho? Meça os termos da sua falla, cego! Cê queria molleza? Ja, adjoelha aqui na frente!} {Ser util, quer você? Pois chupe, bem gostoso, o meu caralho, que eu lhe addoço a lingua! Ahi, sentiu? Então cê diz que um cego sonha? Cego só se fode!} {Você quer ser feliz, seu trouxa? Seus deveres ja lhe mostro, cego puto! Aqui sou eu que enxergo! Ser chupado meresço! Cê só chupa e engole mijo!} Depois de boa surra de chicote, o cego rebellado ja não é. Agora a Deus é grato quando chupa sem relho levar, maximo que almeja.
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182 GLAUCO MATTOSO [5:16] IMAGEM E SEMELHANÇA Ao verem o pornô video que linko, mostrando a irrumação dum cego por um gordo pelladão, amigos meus estão inconformados: “Glauco, porra, aquelle gordo é um nojo, um horroroso exemplo de sadismo! O cego está debaixo da barriga desse cara, fodido até no fundo da garganta, e está você curtindo ainda a scena?” Respondo que o gordão ja não seria objecto de repudio si vestido se achasse e não gozasse num ceguinho. Explico-lhes que, em verso, jamais brinco em falso quando almejo um fodedor gozando-me na bocca. De meus breus quem tira sarro, em ampla e total zorra, nem sempre é gordo. Pode em mim ter gozo um manco, um magricella, alguem gagá, feioso, fedidão, voz de taquara rachada, leporino labio, tanta mazella quão possivel, mas é plena a minha sensação de serventia. Importa-me, masoca, que a libido preencha quem me nega algum carinho.
HISTORIA DA CEGUEIRA
Si cego sou, com todo o meu affinco demonstro-me incapaz ou inferior. Só tenho utilidade aos philisteus, inerme e fragil, caso não recorra a Deus emquanto fode-me gostoso o mais fraccote delles, que fará soffrer qualquer Sansão que escravizara. Por isso o meu leitor ja nem se expanta si algum desses amigos me condemna. Cuidado teem commigo, mas eu ia dizendo que em punheta é que consigo servir a algoz tão proximo ou vizinho.
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184 GLAUCO MATTOSO [5:17] RHAPSODIA PARABOLICA Um cego me contou que teve um guia bem sadico que, emquanto pela rua, em meio à multidão, o conduzia, deixava que exbarrasse na perua, na velha, no gordão ou no vigia, na puta que, rampeira, se insinua e, caso alguem xingasse, delle ria. Mais ria si battesse com a sua bengala no cachorro, que o mordia, ou quando um desses carros que recua, sahindo da garagem, o colhia. Sacana, ria até da pelle nua do braço do ceguinho (Que agonia!) raspando num espinho. Dessa crua conducta é que os effeitos eu queria!
HISTORIA DA CEGUEIRA
Fallei ao meu collega: “Numa boa, commigo um gajo desses gozaria ainda mais! Garanto que elle zoa dum cego chupador! Ah! Me battia, mandava adjoelhar, tudo que doa fazia em mim com maxima alegria! Um typo assim judia da pessoa inerme ou indefesa! Eu lhe teria que ser o lambedor do que se excoa da rolla que mijou e putaria peor ‘inda viria!” Si em canoa furada ambos estamos (Que ironia!), seria de suppor, e não à toa, que coisas mais o guia lhe fazia. Confessa-me o collega e me attordoa:
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{Mas Glauco, meu, você nem tem idéa de tudo que na mão delle eu soffria! Si nada lhe contei dessa epopéa, por causa da vergonha é que eu não ia tocar nesses assumptos! Mas platéa nenhuma riu do jeito que riria alguem que me escutasse, ao ver qual é a historia do ceguinho! Quem expia peccados não padesce dessa athéa noção de soffrimento que nos cria o vicio de chupar bem fundo, até a garganta, a rolla fetida! Nem chia quem leva a porra dentro da trachéa!} De inveja morro delle, mas, por via das duvidas, chulé não é geléa...
HISTORIA DA CEGUEIRA [5:18] MADRIGAL SUPRACONSENSUAL Si for para “lacrar”, então eu “lacro”! O sexo não é sancto nem é sacro! Si pecco, assumo: odeio o simulacro! Sim, sempre questionado sou accerca dum pacto que se quer “consensual” no sadomasochismo. Que “seguro” e “adulto” o tal “accordo” ser precisa, e porra e tal... Caralho! Mas que raio de jogo ou de brinquedo acham que estão fingindo performar? Vão se foder! “Seguro” contra que? Contra algum “crime”? É nojo da sujeira, algum resguardo da lingua contra as coisas mais immundas? “Adulto” por que, si era eu um menino emquanto me curravam os da minha edade? Isso é que guardo e que me fez masoca, que podolatra me faz!
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Agora vão querer que masochista eu seja como o auctor da linda Wanda, que “suprasensual” qualificava seu acto de humildade ante a “belleza”? Ah, fodam-se! De Sade é que sou fan e quero que a tal ethica, ou esthetica, se foda! Sade exalta a feia, a suja, a crua, a cruel cara de quem tem poder de dominar! Escravo não excolhe seu algoz! Por isso é bom vendal-o, até cegal-o, pois assim mais facil um abuso é commettido! Ao menos na punheta assim eu gozo, sabendo que veridico foi tudo! Ao sadico é melhor que o servo perca de facto a visão, vendas sendo, em tal hypothese, sem uso! Quando atturo alguem que assim me zoa, sou, à guisa de misero Sansão, fodido e caio do fragil philisteu, facil, na mão! Assim vejo do sadico o prazer! Que graça tem um acto que reprime qualquer delirio orgastico do bardo? Que graça teem na lingua as limpas bundas? Sem merda alli grudada, fescennino poema nem exsiste! Me expezinha alguem sem violencia? Alguem cortez espera seja a bota dum rapaz?
HISTORIA DA CEGUEIRA
“Politico” e “correcto”, quem insista na porra desse “pacto”, pense! Expanda limites, seja escravo ou seja escrava, assuma-se indefeso ou indefesa! Um cego será sempre aquella van figura, sempre fragil e pathetica, tal como si menino fora, cuja cegueira servirá de sarro a alguem! Por isso o masochismo em mim é tão intrinseco e me empresta a verve, o dom poetico, que humano faz de mim no corpo, mas a mente não duvido que seja demoniaca! Não poso nem brinco de escravinho: não me illudo!
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190 GLAUCO MATTOSO [5:19] EDADE PROVECTA Diversos pornovideos para mim ja foram bem descriptos. Nos que são mais fortes, o ceguinho que a ser vim supporta pisoteio ou fodeção na bocca. A melhor scena foi assim narrada nos momentos de tesão. {Um video me descrevem como sendo dos cegos prototypico: o subjeito, vendado, engole um penis. Eu me vendo e sinto penetrado, com effeito. O cego não excolhe: seu horrendo breu ttolhe os movimentos. Eu me deito de costas appoiadas e vou tendo a bocca a lhe servir de furo estreito.}
HISTORIA DA CEGUEIRA
Poemas meus vão nisso por tintim: Em “Audiodescripção da irrumação”, “Imagem/semelhança”, entre outros, fim coital tem quem é cego e está na mão, sinão no pé, dum typo tão ruim quão sadico, disposto à diversão. Treinei bastante a scena. No commando, o gordo me introduz o seu biscoito canino, fedorento, grosso e pando. Engasgo, mas não posso ser affoito. Emquanto vae a rolla penetrando, relaxo. Meu gogó se presta ao coito tal como uma boceta. Assim, expando limites, ao fazer sessenta e oito.
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192 GLAUCO MATTOSO [5:20] ODE CEARENSE De videos pornographicos me falla, em audiodescripção, quem classifica o cego como objecto de total e oral humilhação. Um delles ja virou meu “cult movie”: o do gordinho que irruma, até a garganta, alguem que venda nos olhos tem, mas fica combinado que assim os videos mostram o subjeito, si é cego, prompto para a putaria. Vão outros indo nessa direcção. O cego um faz chupar e lamber galla pingada, appós, no piso. Em vez da picca, num outro o cego lambe colossal pé nu que o pisoteia. Lamberá, no proximo, botinas que caminho rueiro percorreram. Que se entenda por cego quem, num outro, está vendado emquanto bebe mijo, o que eu acceito mais como condição que se annuncia a quem se escravizou sob olho são.
HISTORIA DA CEGUEIRA
Então eis que me conta alguem na salla um caso verdadeiro. O cego fica parado, a mendigar, num terminal dos omnibus, na praia. Ao Ceará refere-se quem narra. Alli pertinho, alguns jovens malandros offerenda lhe fazem no trajecto: attravessado a rua tendo, o levam e proveito farão de seus trocados. Antes, ia alguem querer brincar. Que diversão! Levado para a praia, nem à balla precisam coagil-o. Sua zica começa quando, roupa sem, o tal malandro brincalhão quer que elle va rollando pela areia. Qual pezinho pisou mais em seu rosto? Então alguem da turminha quer gozar mais no coitado, cobrando-lhe boquette. Seu defeito nos olhos dá maior tesão ao guia fingido que lhe dera conducção.
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Sem roupa, sem esmollas, sem bengala, o cego chupa rolla. A gangue estica o tempo: photos battem, digital filmagem fazem. Logo se verá na rede esse espectaculo excarninho. Tirado do youtube, quem se offenda não falta com o video. Revoltado nem fico, pois senti no proprio peito os pés da molecada. Quem iria dizer que eguaes os jovens todos são?
HISTORIA DA CEGUEIRA [5:21] ODE GOYANA Um caso que, escabroso, me contou lettrado professor la de Goyaz tambem tracta do cego como objecto de sarro, curra, surra, até tortura. Foi este, embora pobre, dono duma pequena rural granja. Apposentado ja por invalidez, ficou da irman inerme dependente. A mulher tinha dois filhos, jovens sadicos que, como recreio ou brincadeira, começaram a achar no cego um optimo motivo de estupro ou pura practica nojenta. Cegado em accidente, elle ficou invalido, sem animo, das más pessoas bom refem. No seu trajecto obstaculos armavam. Queimadura causavam-lhe nos dedos quando alguma bituca de cigarro, pelo lado contrario, lhe extendiam. Mais affan achavam cada dia. Da gallinha cocô punham no rango. Cada gommo de bosta de cachorro! Mas não param ahi taes aggressões, ja que, passivo, o cego as supportava. Alguem aguenta?
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Appós tudo tomar-lhe, como sou sciente, terra, grana, a mana nas mãos deixa aquelle cego, como abjecto brinquedo, dos moleques. Quem attura tortura, attura foda. Quem resuma o caso, diz, por alto, que estuprado foi elle. Mas os jovens, admanhan, dirão que foi treinado numa linha bem sadomasochista para pomo comer, do mais amargo. Que o forçaram ao coito oral aqui nunca me exquivo de, em gozo, repetir. Mais se accrescenta? Escravo dos sobrinhos, rendeu show de scenas pornographicas, pois gaz tiveram elles para armar, sem veto moral, uns pornovideos que a censura cortou da rede. Importa que eu assuma a minha posição. Jamais me evado de dal-a. A molecada folgazan foi, como no meu caso, uma excarninha faceta social que às demais sommo. Hypocritas aquillo condemnaram, mas lavam as mãos. Eu, que não me privo do orgasmo, em ode exalto o que me tempta.
HISTORIA DA CEGUEIRA [5:22] MADRIGAL TRIUMPHAL Um normovisual, por mais reaça que seja, pouco caso da desgraça não faz como pretendo que elle faça. Na clinica, freguez sou de invidente collega que, sentado, massageia meus pés. Eu numa maca deito. À frente da sua cara, a minha sola. A meia descalça-me elle, humilde e efficiente. Commigo, confidente, elle pappeia. Assim, fico sabendo que cliente é delle um militar de bocca cheia, rapaz bolsonarista que se sente feliz e victorioso. Na cadeia quer este ver quem seja dissidente. Do drama dos ceguinhos só se alheia. Combino com o cego: “Você mente, fingindo estar ausente e, nessa meia horinha, seu logar eu tomo! Invente que sou bom nisso! Espero que elle creia!” Chegando o sargentinho, servilmente me exponho, nem que faça cara feia.
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O cara acceita minha competente tarefa de allisar-lhe cada veia do dorso, cada callo que, bem rente à minha cara, quasi me tonteia por causa do chulé que, sorridente, percebe que senti. Nem se chateia. {Ahi, ceguinho! Aguente firme! Tente ser util, superar os traumas! Eia!} Ironico, o subjeito! Si a tenente chegar, como, sem duvida, elle anxeia, mais sadico será, naturalmente! Mas sua sola, em minhas mãos usei-a!
HISTORIA DA CEGUEIRA [5:23] ODE CONSEQUENTE Na bota, que tem sola de borracha, a lingua que lamber vae, como flecha se estica, sae da bocca, a poncta espicha. Quem calça a bota zomba, ri, debocha do cego, cuja lingua virou bucha. O gordo, que é baixote, a rir excracha do cego a posição. Elle desfecha commandos humilhantes, pois, sem rixa, dum cego faz escravo, que a galocha lambeu e, com os labios, chupa, puxa. Tirada a bota, appós ser baba a graxa, na chata sola o cego, que se vexa, pejado do vexame, lambe e lixa chulé de casca grossa. Alli se attocha a lingua, que mais lava que uma ducha. Ao gordo, superior que, claro, se acha, um cego meresceu levar a pecha de macho deshonrado. O algoz só picha a falta da visão e, rindo, arrocha quem beija mais sujeiras que uma bruxa. Só mesmo sendo cego alguem relaxa a poncto tal a lyra, que lhe fecha com aurea chave, e euphorica, a mais micha das odes, pois jamais o bardo brocha si mesmo o astral mais baixo desembucha.
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200 GLAUCO MATTOSO [5:24] MANIFESTO EXPRESSIONISTA {Será que ‘inda se lembra, Glauco, dessa particularidade da pinctura moderna? Formas sempre distorcidas, as cores alteradas, confusão causando na visão de quem observa! Perdendo sae você, Glauco! A cegueira, eu acho, prejudica a percepção de tudo na memoria! Como vae lembrar-se dos detalhes, si o pinctor moderno os distorceu? Cê tá fodido, amigo! Realmente, é de dar dó!} -- Verdade? Dó cê sente? Mas que impeça não ha nada que eu pense na fofura do pé no “Abaporu”, nas tão battidas botinas do Van Gogh ou no dedão mais curto, em Portinari, que preserva os pés dum camponez quando peneira, descalço, o seu café! Si tantos são, na mente, taes detalhes, mais me attrae seu pé, querido amigo! Por favor, me deixe comparar o seu fedido pezão com elles, deixe! Um delles só!
HISTORIA DA CEGUEIRA [5:25] ODE ONIRICA No sonho recorrente que tem, ella odeia cegos. Fica tão irada com minha condição, que até congela a scena que sonhou. E conta cada... Contou que, por exemplo, na calçada vem ella a correr. Corre com aquella folgada calça, Adidas no pé. Nada lhe pode estar na frente, que attropela. E estou eu, bengalando. Vem a bella, trombando, derrubando-me, irritada, chutando-me, sem pena da sequela que pode me causar cada pattada. Agora até diverte-se, eis que brada: “Ahi, ceguinho! Chora! À sancta appella!” Eu peço por favor, mas a damnada não para de chutar minha costella. Detesto o que ella conta, que revela total intolerancia. Condemnada devia ser por isso, numa cella ficar por um bom tempo, desgraçada!
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Faltou num pormenor tocar. A amada moçoila não correu pela viella sozinha, mas estava accompanhada do joven namorado, um magricella. Occorre que o moleque refestela seu pé na minha cara alli na estrada, emquanto ella me chuta. Ja querella não faço deste caso. Ja me aggrada...
HISTORIA DA CEGUEIRA [5:26] MANIFESTO HEDONISTA “Não vale punhetar-se, Glauco! Agora adulto, sou correcto e não faria de novo tudo aquillo que fiz quando de cegos monitor fui no instituto. Contar lhe posso, Glauco, mas não vale tocar punheta, vamos combinar!” -- Me conte, então. Não vamos fazer hora. Apposto que dos cegos você ria com gosto, pois conhesço o seu desmando no tracto com os outros, sempre bruto. Ao menos eu lhe peço que me falle sem pappas como agiu em tal logar. “O cego tinha a minha edade, embora menor e mais franzino. Delle, um dia, ouvi resposta torta. Ja fui dando porrada, até fazer aquelle puto pedir perdão! Agora, que se ralle! Primeiro, elle terá que adjoelhar!” “Mandei-o pôr a lingua para fora. Tirei o pau, a pelle puxei. Via seu nojo do sebinho. Ao meu commando, lambeu toda a cabeça: -- Chupe, ou chuto a sua bocca! Quero que se eguale ao cão, ao veadinho mais vulgar!”
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204 GLAUCO MATTOSO
-- Então elle sentiu, antes da tora na bocca, algo na lingua? Que seria? Ja sei. Você exfregou, foi deslisando o pau na baba delle. Até lhe escuto as ordens de lamber aquelle braille de ponctos amarellos, sem parar... “Foi mesmo assim! Emquanto um cego chora e chupa, a gente goza de alegria por ter boa visão! Mas va tirando da chuva o cavallinho! Nem discuto! Sem chance! Com você, mesmo que estalle a lingua, nada faço similar!”
HISTORIA DA CEGUEIRA [5:27] ALVO DOS ALVOS O cego, andando a pé pela calçada, está subjeito a trancos e barrancos, degraus, buracos, postes e pestinhas que, sadicos, lhe jogam de banana as cascas aos pés, quando não na cara lhe pisam, caso caia exborrachado. Si de omnibus ou trem viaja, aggrada ao Demo que, occupados sendo os bancos, em pé fique, escutando umas gracinhas, levando saphanões dalgum sacana, alem de ter battida a sua avara charteira pelo cara alli do lado. Andando de carona na admassada perua dum parente, pelos flancos levar pode encontrões doutras mesquinhas e velhas lotações, ou da bacchana Mercedes bem blindada. Caso para a pista caia, morre attropelado. Normal será. Mas quando um negro, nada de errado tendo feito, de dez brancos soldados, ou tambem negros, das linhas de tiro virou alvo, não se enganna ninguem: a dictadura nos azara de novo e tudo está, de novo, errado.
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206 GLAUCO MATTOSO [5:28] MANIFESTO UTILITARISTA {Fallar vou o que eu acho, Glauco, e prompto! Por serem portadores dessa... dessa... fatal “necessidade especial”, os cegos ter ja pensam um direito maior do que os normaes, que estão accyma de taes defeituosos! Veja só! Ninguem de “especial” não tem é nada appenas porque nasce com defeito ou, muito menos, sendo perdedor dalgum sentido, um membro, uma funcção! O cego necessita ser mais util àquelle que visão tem, isso sim! Precisa compensar a charidade que ganha, apposentado ou mendigando! Precisa trabalhar dalguma forma! Fallei besteira, Glauco? Por acaso você vae se sentir mais offendido por causa da franqueza dum leitor? Offenda-se com Elle, então, que fez tal coisa com você! Commigo, não!}
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-- Podia me offender, mas dou descompto, tractando-se daquillo que interessa a mim como poeta que abnormal se julga. Masochista, me subjeito a alguem que pensa assim, só pela estima que nutro por um sadico sem dó, sincero, ou espontaneo. Estou é cada vez mais accreditando num subjeito assim como você, caso suppor eu possa que lhe causo algum tesão, ainda que capricho mero, futil, preencham-lhe meus actos, no que vim faz tempo practicando. Que lhe aggrade ha coisa que eu capaz seja, a seu mando, de bem executar? Que bem performa tarefa alguma a bocca deste raso ceguinho -- ficaria convencido você disso, talvez? Si Zeus me for punir, mais do que ja puniu, talvez melhor me fosse dar-Lhe mais razão...
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208 GLAUCO MATTOSO [5:29] CHAVECO DE BOTECO -- Tá vendo aquelle cego alli? Coitado! Mal pode se virar com a bengala... Mas antes enxergava! Até se eguala, agora, a algum leproso, a um alleijado! {Coitado nada! Deve é castigado ter sido pelos deuses! Ja se falla que até defendeu sua casa a balla... Levou o que meresce, está ferrado!} -- Então deve ser elle que tem dado motivo ao riso, ao povo que propala a fama dum escravo na senzala, por causa dos boquettes do veado! {O proprio! Chupador virou! Culpado foi elle da sargeta em que se ralla! Pensando bem, sabia que me estalla na mente puta idéa? Acho um achado! Podiamos cegar todo saphado que fosse indesejavel numa salla de gente de familia! Todo mala devia ser cegado! Sim, cegado!}
HISTORIA DA CEGUEIRA
-- É mesmo! Que barato! Não me evado da sua suggestão! Quem não se cala na certa concordar vae: quem cegal-a reduz logo essa gente ao grau fadado! Seriam nossos bichos, que nem gado no pasto! Chupariam nossa galla! Seriam, emfim, uteis! Se regala quem goza numa bocca de azarado!
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210 GLAUCO MATTOSO [5:30] LICÇÃO DE RUA A gorda, que perdeu os olhos, é bonita, Andando na calçada, com sua bengalinha,
recentemente mas bobinha. ella apporrinha, muita gente.
Ainda que medir os passos tente, não sabe caminhar em recta linha. Dois brutos marmanjões, que ella ja tinha trombado, vão parar na sua frente. Fingindo offerescer adjuda, dão o braço, mas a levam a local fechado, onde estupral-a acham “legal”, pois querem que ella “apprenda uma licção”. Na bocca a fodem fundo, gozação fazendo: “Engole, cega! Ahi, que tal?” A gorda, adjoelhada, grunhe e mal consegue, mas curtindo os dois estão. Na rede virtual, a dupla posta o video que gravou, no qual a gorda se fode. Todos acham bom expor da coitada a bocca cheia. A turma gosta. A cara lembra alguem que comeu bosta. Os jovens, sem deixar que a cega morda a rolla que lhe mettem, ao sabor da sucção junctam sebinho, em grossa crosta.
HISTORIA DA CEGUEIRA [5:31] CASCA GROSSA Accabo de saber: um cego tão usado quanto eu digo ser ficara submisso aos proprios primos! Tinha avara mania aquelle cego, quando são da vista fora. Quando sem visão ficou, sem mais parentes vivos para cuidar delle, aos primões cedeu a cara mansão e lhes passou procuração. Ficou, pois, de dois sadicos na mão. Alem de usarem tudo que junctara, puniram o ceguinho. Um tinha tara podolatra: queria no pezão a lingua do coitado, pois cascão bem grosso sua sola se tornara, de tanto andar descalço! Quem compara a pelle com a lixa sabe quão difficil é lamber um pé que não se lava com sabão! Historia rara, não acham? Qualquer cego não se azara assim, mas deu tal sorte, em mim, tesão...
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212 GLAUCO MATTOSO [5:32] THESE CORROBORADA {Tu leste, Glauco, o texto? Os homens agem assim na Antiguidade! Sim, refere o estudo que a menina cega à zona estava destinada! Sim, fatal funcção, a da ceguinha que, bollachas levando, chuparia rolla à bessa! Menino cego tinha seu medonho destino, tambem, pelo que ja leio: viver escravizado! Tens notado, Glaucão, como tractados feito gado humano os cegos foram? Eu attesto: não vejo differença num plebeu moleque desse tempo, si estivesse vivendo no presente! Sim, até que podia ser peor hoje! Que pensas?}
HISTORIA DA CEGUEIRA
-- Ja muito li, reli, sim, tal passagem do texto scientifico, bem serio e grave, por signal. Mais me impressiona o caso do menino, com o qual melhor me identifico. Ora, não achas que “escravo” significa, tambem, essa funcção de prostituto? Ja supponho, por minha propria compta, sem receio de errar, que esse menino está fadado a ser bom fellador, pois que treinado será para chupar, por todo o resto da vida, maior prazo do que meu destino permittiu. Não te paresce que devo ter inveja do moleque? Convem analysar as differenças...
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214 GLAUCO MATTOSO [5:33] HYPOTHESE SUGGESTIVA {Então, Glaucão, na certa te provoca angustia a proporção em que a cegueira usada fora para a punição ou para a represalia, quando o globo podia ser queimado pelo ferro em braza, ser furado ou simplesmente tirado com os dedos, imagino que sem anesthesia... Ja pensaste, Glaucão, si tu vivesses nesse escuro regime? Bastariam teus poemas mais leves para à pena costumeira tu seres condemnado! Ouso dizer que, quando teus dois olhos prestes ja a serem arrancados estivessem, verias do carrasco o olhar risonho e, logo appós a barbara extracção, risadas ouvirias, nada mais podendo divisar na cara assaz cruel e zombeteira do rapaz, suppondo-se mais joven o carrasco...}
HISTORIA DA CEGUEIRA
-- Mais longe vou, si scena tal te choca: Alem duma agonia, da caveira me sendo retirados como são os olhos, e de estar eu, feito bobo, causando o riso delle, mal meu berro cessasse de echoar, esse inclemente carrasco quereria meu destino mais cedo completar. Esse contraste do cego, para aquelle que fez furo nos olhos seus, daria bellos themas poeticos. Supponho que elle queira usar-me como objecto de prazer, fazendo-me chupar, o que lhe dá tesão mais requinctado. Não se exquescem os sadicos de serem, no meu sonho, rapazes caprichosos. O tesão, tu sabes, mais augmenta si normaes os olhos do oppressor forem e más as chances do opprimido. Não estás a achar graça do lance em que eu me lasco?
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216 GLAUCO MATTOSO [5:34] SYNTHESE POETICA {Não, Glauco! Pensa assim: si Baudelaire julgou os cegos como seres tão humildes e inferiores, foi devido ao vago olhar dos olhos azulados que ficam parescendo olhar só para os céus, pedindo um pouco de divina justiça, de exemplar misericordia! Melhor não te seria a cara dum subjeito mais altivo, o olhar de cor bem verde e transparente, sem aquella pathetica apparencia de quem não consegue bem dormir? Vae, me responde! Talvez o olho de vidro te melhore ao menos essa cara de defuncto!} -- Quem disse que ser bello um cego quer? Crendice tua! A nossa maldicção é termos mesmo cara de bandido, de monstro, de zumbi, desses coitados que vagam, mortos-vivos, essa cara de gente que delira, que imagina as scenas mais satanicas, que morde a maldicta, a propria lingua, que fartum fareja, que acha magico o sabor do vicio, da miseria, da mazella! Percebes por que os cegos todos são perdidos, ou parescem, sem ter onde dormir, sonhar, ouvir alguem que chore por elles, que com elles chore juncto?
HISTORIA DA CEGUEIRA [5:35] INCORRECTA EDADE PROVECTA Eu vivo me queixando, reconhesço. Mas velho soffre mesmo dum montão de dores, de symptomas aggravantes, de males que, ja chronicos, são como um fardo que, coitados, carregamos. Mas claro que a você nem me comparo, ceguinho, pois está bem mais fodido quem perde seu sentido mais vital. Por isso vou tirar o meu proveito da sua condição que, sim, compensa um pouco dos problemas que eu enfrento. Você, que se subjeita a tal abuso, se empenhe e faça tudo o que me aggrada, sem nada discutir. Appenas faça. Agora vae você pagar o preço da porra da cegueira. Meu tesão demora, aguente firme. Vae ter, antes da galla na garganta, que dum pomo maduro o mel sugar. Com calma, vamos! Appalpe com o labio. Ja seu faro notou que na cueca arde incontido fedor de mijo, certo? Menos mal que pouco xixizinho tenho feito nas calças. Va lambendo minha pensa piroca até que esteja no momento de, fora, algo pingar, pois ja confuso estou si mijo, semen, ou de cada um pouco. Que sabor o pau lhe passa?
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218 GLAUCO MATTOSO [5:36] PARTES PARCIAES {Estão muito folgados, Glauco, os taes ceguinhos modernosos! Querem dar nas artes marciaes um ar da graça! Não, Glauco, ja pensou? Cegos luctando judô, no karatê dando porrada! Quem pensam que são? Lembra até piada antiga, dos dois cegos frente a frente e alguem gritando “Faca não, ceguinho! Não vale faca, cego!”, só p’ra rir dos dois, no desespero, ja da lucta fugindo! Mas, na boa, Glauco, pode? Os cegos estão muito folgadões! Usando cellular fallante, tendo direitos de egualdade, emprego, como qualquer gajo normal! Onde é que vamos parar, Glauco? Você tem parte nisso?}
HISTORIA DA CEGUEIRA
-- Não tenho parte nisso, não, jamais! Conhesço bem (Magina!) meu logar! Ja muito descrevi como desgraça tremenda a minha perda, qual nefando destino o meu! Não mudo, jamais, nada daquillo que fallei! Me vejo cada vez menos competente e independente! Não só não lucto, como dum pezinho appanho de qualquer moleque! Vir qualquer um pode, pela força bruta ou pela auctoridade, e ser quem fode a minha bocca, aquella que Camões prophana, de Bocage faz horrendo papel e de Delphino o melhor pomo defeca no poema! Si fallamos de cegos, na real, eu sou submisso!
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220 GLAUCO MATTOSO [5:37] JUDÔ PORNÔ {Bollei este espectaculo, você dirá si gosta. Assistem na platéa mais homens que mulheres. Num tablado, dois cegos se engalfinham no judô. Quem perde vae chupar o vencedor. Quem vence chupará qualquer subjeito do publico que queira tirar sarro na frente de pessoas tão sacanas. Hem, Glauco? Ja pensou? Até mulheres berrando “Chupa ahi, ceguinho, chupa!” Você, que nada lucta, perderia, teria que chupar seu opponente, depois de levar surra bem levada. E então? Topava, Glauco? Que me diz?} -- Caralho, meu! Que scena! Que me dê maior tesão não penso noutra idéa. É claro que dois cegos, de bom grado, excepto si masocas, num pornô show desses não entravam sem suppor a gente que na marra, sob effeito de muita coacção. Mas mais me admarro em tal ou qual hypothese. Bananas ja dei aos correctinhos, mas suggeres tu coisa differente dessa lupa politica. Suppuz com alegria que estive nessa arena condizente com muita diversão da molecada que curte enxergar longe e ser feliz.
HISTORIA DA CEGUEIRA [5:38] MICÇÃO CUMPRIDA Queixava-se o velhote de infecção nas vias urinarias. Se tractava fazia tempo. Nada, todavia, aquillo resolvia duma vez. A todos lamentava-se. Razão lhe davam. “O problema mais se aggrava por causa dessa dor. Nada allivia!”, dizia. Da pharmacia era freguez. Comtudo, o velho tinha diversão, fallava-se. Risada sempre dava em pappo occasional na padaria, no bar, com dois amigos ou com trez. Foi visto conduzindo um cego. “Tão christão, tão charidoso!”, commentava o povo. Mas ninguem alli diria que fosse tão cruel na sordidez. Do cego o velho usava, com tesão, na rolla porcalhona a bocca escrava. Fazia que chupasse puz, fazia que tudo elle engolisse, sem porquês. Pergunta-se: por que o cegueta não pedia por soccorro, não chamava ninguem, nem a policia. A covardia se explica si masoca for, talvez...
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222 GLAUCO MATTOSO [5:39] INFINITILHO IMPATRULHAVEL {Glau, sabe o que rollou em Curityba? Pegaram os collegas um ceguinho, alumno que ja bullying atturava, levaram ao banheiro do collegio, fizeram que chupasse e em plena cara mijaram! Do occorrido foi lavrada a queixa na policia, mas... Seria capaz aquella victima de ter alguem reconhescido? Ficou tudo pendente, Glauco, nada se appurou! Depois, aquelles mesmos que na curra gozaram, gozariam mais ainda, zombando delle, em khoro gargalhada lhe dando pela frente! Sรณ por voz ninguem indiciado poderia ser como auctor do trote no ceguinho, siquer das piadinhas, Glauco! Pode?}
HISTORIA DA CEGUEIRA
-- Não ha patrulhamento que prohiba tal trote, nem a curra. Ja adivinho o gosto que sentiu, de quem não lava a pelle, esse ceguinho. Privilegio assim eu tive. Nada se compara a tal humilhação. Somente cada um pode saber como uma agonia transforma-se em prazer, mas num prazer masoca. Não, nem todos desse mudo boquette fallarão tal como vou fallando. Uma fofoca appenas burra noção expalhará. Jamais bemvinda, a triste experiencia desaggrada a muitos moralistas, mas a nós, os cegos, restaria a poesia, retracto do oppressor mais excarninho, que nossa voz não prende emquanto fode.
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224 GLAUCO MATTOSO [5:40] PORN FOR THE BLIND {Sabias tu que exsiste ja na rede noticia sobre cegos que pornô procuram material? Não só papaemamãe, não só normaes penetrações, mas todo typo, claro, de fetiche, de sadomasochismo ou perversão. Notei que, em testemunhos, os ceguinhos allegam que, entre eguaes, codigos ha que tudo facilitam, mas no caso dum normovisual que abborda um cego, ainda faltam codigos capazes de dar plena noção do que se quer fazer para que tenham um prazer total, justo, reciproco. Que pensas?} -- Ao pote não irei com essa sede dalguns principiantes. Ja cocô comendo sei de cegos, mas não sae nadinha disso nessas descripções que muitos consideram mau pastiche daquillo que se verte em bom calão. Só posso confirmar que, com carinhos e gestos mais gentis jamais se dá qualquer encontro fertil. Só num raso e grosso pappo à foda não me nego. É simples: com as phrases mais mordazes, o gajo de mim faz o que quizer, humilha-me, demonstra seu poder de quem pode gozar com taes offensas.
HISTORIA DA CEGUEIRA [5:41] SEGUNDA RHAPSODIA AUGUSTIANA {Lembrei-me de você, Glauco: fallava dos methodos usados para alguem cegar alguem. Usando o dedo, só, tambem se exvaziava do buraco um olho! Não é mesmo? Mas não sei por qual motivo nisso penso quando Augusto leio, para ser exacto, naquelle seu sonnetto, o “Soliloquio”. Talvez por que devore elle seus dictos “crus” olhos, eu suppuz que se cegara usando o dedo... Posso viajar um pouco, né, Glaucão? Falle-me disso!} -- Comel-os crus, na certa, a coisa aggrava, si Indiana Jones sopa disso nem tomar quiz. Sim, veridico é, sem dó, o methodo citado, mas destacco ter sido mais usado pela lei antiga, em européas terras. Mando que leiam obras technicas e tracto do caso em verso, havendo quem colloque-o em prosa. Acho opportuno que os maldictos versejem sobre cegos, e tomara que vejam mais leitores meu logar de falla, de escriptor e de serviço.
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226 GLAUCO MATTOSO [5:42] BALLADA DA MOLECADA Primeiro, elles bullyingam o collega ceguinho, que chamaram de Mané. Dão gritos perto delle, com um “Pega!” simulam que um cão quasi no seu pé está, ficam a rir si elle excorrega. O cego não reage, docil é. Indaga a Deus por que seus olhos cega. Depois, passam a dar-lhe tapas por detraz, depois até lhe dão rasteira. Cahido, alguem no rosto o pé lhe pôr é facil. Lhe caçoam da cegueira, dizendo que distinguem cada cor. O cego de chorar ja fica à beira. Alguns o chamarão de Chupador. Um dia, a molecada delle quer que chupe, que a chupar caralho apprenda. O cego quer fugir, mas nem siquer dois passos dá. Por baixo na contenda, accaba adjoelhado. O que puder fará com sua bocca, até que attenda a todos e se exmere em seu mester.
HISTORIA DA CEGUEIRA
Agora, Chupador ja nem discute nem tenta fugir. Chupa alguem que mande. Não chora nem se queixa caso escute piadas dum piá, pequeno ou grande. Lembrar-se de quem delle bem desfructe irá, pois logo uns versos elle escande, cantando que levou pisão e chute.
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228 GLAUCO MATTOSO [5:43] INFINITILHO DO CARALHO QUE NOS CALHA (ao Sylvio, bordeleiro que eu respeito)
{Você sonnettizou, Glauco, que quem é muito feio puta nem consegue capaz de bem chupal-o. Namorada, então, mas nem pensar! Ahi você affirma que ceguinho não excolhe ninguem, nem pela cara, nem caralho. Pequeno, grande, sujo, torto, ja chupou sem reclamar. Pois muito bem! Eu ca lhe digo, Glauco: sim, sou feio, mas putas eu excolho porque pago e exijo que me chupem. Dou gorgeta àquella que chupar com mais capricho. Appenas um detalhe, Glauco, para você se estimular: para gozar melhor, eu fecho os olhos. Tanto faz, portanto, si quem chupa seja a puta ou seja algum ceguinho. Só me importa que saiba dar o maximo de si!}
HISTORIA DA CEGUEIRA
-- Detalhe addicional: no caso, eu nem cobrar suppuz. Eu sonho que me cegue um typo philisteu e bem treinada se faça a minha bocca. Que lhe dê vontade, espero. Pena que quem olhe as coisas do seu jeito nem meu galho quebrar possa, pois mora para la das bandas do sertão... Fiquemos, sem problema, a fazer disso um devaneio, talvez masturbatorio. Não estrago a sua phantasia, pois boceta você ja dispensou. Pense num bicho, talvez um macaquinho: se compara o cego com o bicho. Meu logar eu sei e você sabe. Sou capaz de ver-me lhe chupando. Si fajuta não for a scena, creio que comforta alguem como você, que de mim ri.
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230 GLAUCO MATTOSO [5:44] REMOTO DEVOTO Extranho joven, esse. Casto, crente, mas tem idéas proprias do que seja jejum ou castidade. Nem punheta batter quer todo dia. Se isolou no sitio que deixou seu pae. Só mora com elle um primo cego, orpham, de quem cuidado, christanmente, tem, mas não tão charidosamente quanto crê a rasa vizinhança. Tem sisudo adspecto o joven, pouco dado às fallas. Bollou elle conceito differente daquillo que se julga, alli na egreja, “divina providencia”. Que commetta maldades com um orpham dar não vou certeza. Mas me dizem que elle ignora o choro dum cegueta que só tem um dom: “obediencia cega”. São deveres deste, excolha sem, que dê de lingua banho nesse pé cascudo do primo, fora arcar com suas gallas.
HISTORIA DA CEGUEIRA
Lamber, chupar, sem asco ou repellente noção, nem dignidade. Quem não veja tem essa vil missão, reza a canneta divina, diz o primo. Si ficou sem gozo uma semana, acção agora, no sabbado, quer elle. Eis que lhe vem um cego bem na hora do tesão. Agora não importa qual buquê terá seu pé, seu pau, seu anus, tudo que nunca suspeitou quem chupa ballas. Perguntam-me si exsiste quem aguente viver em tal estado. Quem esteja, ha pouco, sem visão e se submetta às ordens dum parente, me contou mais gente, não é raro. Só peora no caso desse primo, pois ninguem suppõe um cara assim, que bom christão se julga, que jejua. Acha você que desse caso valha algum estudo fazer? Ou nem tal thema chega às sallas?
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232 GLAUCO MATTOSO [5:45] INFINITILHO DA BRAGUILHA -- Preciso lhe dizer, si você quer saber: minha cegueira não é só problema de visão, mas accarreta innumeros incommodos, tambem. Nem sei si com os outros cegos ha taes dramas. Equilibrio, por exemplo. Depois de tantos annos sem ver nada, paresce que perdendo vou o senso de estar em pé, de estar em terra firme. Me sinto sem appoio, como si suspenso num espaço sem limite em todos os sentidos. É terrivel, sabia? Dá tontura! Nem bengala dá compta da vertigem, porra, meu! {Problema seu, Glaucão! Eu, si quizer, saltito qual sacy, nas pernas nó consigo dar! Eu planto (sou athleta) perfeita bananeira! Cê não tem nenhuma segurança quando está andando ou paradão? Chegue num templo subindo de joelhos pela escada! De quattro fique! Pense no que eu penso! Rasteje nos meus pés até subir-me de bocca pela perna p’ra xixi sentir nesta braguilha, a meu convite! Sim, fique engattinhando, no seu nivel rasteiro! Sem siquer sahir da salla, você que em si se perca! Se fodeu!}
HISTORIA DA CEGUEIRA [5:46] INFINITILHO AGGRILHOADO {Te sentes victimado, Glauco? Pois então pensa naquelles que, em qualquer nação, regime ou epocha, serão cegados na prisão, suppostamente a fim de doar corneas, mas tambem por uma disciplina commodista por parte do regime: quem não tem visão difficilmente foge, não reage nem recusa quando o novo e rude carcereiro nelle busca alguma diversão impiedosa. Que pensas disso, Glauco? Não te sentes, às vezes, invejoso desses presos? Não queres masochista ser, Mattoso?} -- Amigo, nem calculas! Os meus dois globões glaucomatosos nem siquer dariam boas corneas, porem não me falta phantasia nesta mente devassa. Me imagino, sim, refem dum joven carcereiro, que da vista perfeita bem desfructa. A rir, me vem o agente exigir prompta fellação, applica bofetões. Si me commovo por outros, por mim nunca. Me chammusca o joven, me machuca. Por fim goza gostoso, bocca addentro. Dos agentes, aquelle não deixou jamais illesos os cegos. A sonhar, vejo o seu gozo.
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AUCTOR E OBRA
Glauco Mattoso, academicamente estudado como um caso “queer” de poeta satyrico e fescennino, é auctor de mais de seis mil sonnettos e mais de sessenta livros de poesia, alem de ficção e ensaio, de um tractado de versificação e de um diccionario orthographico, este systematizando sua reacção esthetica às reformas cacophoneticas soffridas pelo portuguez escripto. Paulistano de 1951, perdeu a visão nos annos 1990 devido a um glaucoma congenito que lhe ensejou o pseudonymo litterario. Sua producção mais volumosa occorre appós a cegueira, graças a um computador fallante. HISTORIA DA CEGUEIRA é titulo que melhor baptiza esta collectanea de trez poemas longos e varios curtos, em differentes estrophações (mas mantendo predominancia de metro e rhythmo decasyllabos), que synthetiza o barbaro retrospecto da humanidade quando se tracta de segregar ou expurgar gruppos minoritarios. Resgatando fontes biblicas, folkloricas, juridicas e jornalisticas, o poeta reconstitue a trajectoria do deficiente visual numa sociedade suppostamente civilizada mas hypocritamente intolerante. O tractamento pornographico do thema contribue para potencializar a denuncia duma impactante realidade politica e psychologica.
SUMMARIO PRIMEIRA PARTE: “SÃO SANSÃO, SANCTA DALILAH”........... 11 SEGUNDA PARTE: “HISTORIA DA CEGUEIRA”.................. 43 TERCEIRA PARTE: “A CEGUEIRA ORDEIRA”................... 73 QUARTA PARTE: DISSONNETTOS DESILLUMINISTAS............105 COCEIRA NA SOBRANCELHA [5609].........................107 IDYLLICO COLLYRIO [5611]..............................108 MARRENTOS CEM POR CENTO [5613]........................109 FEEDBACK IN BLACK [5618]..............................110 GESTO INDIGESTO [5623]................................111 NOJENTO CORRIMENTO [5628].............................112 BONS DONS [5631]......................................113 ENTREGA CEGA [5633]...................................114 AZEDA TANGERINA [5642]................................115 ATTIRADORES DE ELITE [5646]...........................116 EGUALITARIA DESEGUALDADE [5672].......................117 AGGRACIADO SENTENCIADO [5690].........................118 CEGADO E EMMUDESCIDO [5692]...........................119 CHORO HUMORISTICO [5700]..............................120 GUSTATIVA FRUSTRAÇÃO [5701]...........................121 WHEN A BLIND MAN CRIES [5703].........................122 PEOR CEGO [5714]......................................123 TERRA DE CEGO [5715]..................................124 BUQUÊ DE BUKKAKE [5776]...............................125 EXTRACONJUGAES FUNCÇÕES ORAES [5786]..................126 ORATORIO OROTURBATORIO [5863].........................127 MEME DO MIMIMI [5890].................................128
BLUES DOS MEUS BREUS [5900]...........................129 ACCERTO DE TRACTAMENTO [5921].........................130 NOITE SOB AÇOITE [5930]...............................131 DOSE EXACTA (II) [5988]...............................132 MEME DO BICCO LARGO [6092]............................133 SATYRESIAS [6095].....................................134 MEME DO ABRIL AZUL [6096].............................135 GENUINA DISCIPLINA [6100].............................136 FODIDO E BEM LIDO [6105]..............................137 MICHETAGEM SEM IMAGEM [6119]..........................138 MEME DA CORRIDA A COMBINAR [6131].....................139 NEGOCIAÇÃO AMIGAVEL [6133]............................140 HASHTAG DEU RUIM [6153]...............................141 HASHTAG VAE MELHORAR [6162]...........................142 HASHTAG PRAGA DE CEGO PEGA [6167].....................143 COVARDIA [6196].......................................144 HYDROXYCHLOROQUINA [6197].............................145 AGONISTA [6214].......................................146 MALUCO DA CABEÇA [6229]...............................147 TALHE NO DETALHE [6240]...............................148 COMMISERAÇÃO [6250]...................................149 CEGADO E CAGADO (I) [6251]............................150 CEGADO E CAGADO (II) [6252]...........................151 CEGADO E CAGADO (III) [6253]..........................152 QUINCTA PARTE: OUTROS CASOS TYPHLOLOGICOS.............153 [5:1] RONDÓ DO CORRÓ..................................155 [5:2] ODE INELEGIACA..................................156 [5:3] ROMANCILHO SEM DEIXA NEM QUEIXA.................159 [5:4] MOURÃO MOUREJADO................................163 [5:5] REZANDO OS TERÇOS CERTOS........................165
[5:6] AUDIODESCRIPÇÃO DA IRRUMAÇÃO....................168 [5:7] DEFICIENTE UTILITARISMO.........................169 [5:8] TRIUMPHANTE TOTALITARISMO.......................170 [5:9] GRATIFICANTE OPPORTUNISMO.......................172 [5:10] SUFFICIENTE SADOMASOCHISMO.....................174 [5:11] COMMOVENTE HUMANISMO...........................176 [5:12] IMPOTENTE PLATONISMO...........................177 [5:13] EXCITANTE HUMORISMO............................178 [5:14] MERDA FEDE A COMEDIA...........................179 [5:15] ATTRITOS E CONFLICTOS..........................180 [5:16] IMAGEM E SEMELHANÇA............................182 [5:17] RHAPSODIA PARABOLICA...........................184 [5:18] MADRIGAL SUPRACONSENSUAL.......................187 [5:19] EDADE PROVECTA.................................190 [5:20] ODE CEARENSE...................................192 [5:21] ODE GOYANA.....................................195 [5:22] MADRIGAL TRIUMPHAL.............................197 [5:23] ODE CONSEQUENTE................................199 [5:24] MANIFESTO EXPRESSIONISTA.......................200 [5:25] ODE ONIRICA....................................201 [5:26] MANIFESTO HEDONISTA............................203 [5:27] ALVO DOS ALVOS.................................205 [5:28] MANIFESTO UTILITARISTA.........................206 [5:29] CHAVECO DE BOTECO..............................208 [5:30] LICÇÃO DE RUA..................................210 [5:31] CASCA GROSSA...................................211 [5:32] THESE CORROBORADA..............................212 [5:33] HYPOTHESE SUGGESTIVA...........................214 [5:34] SYNTHESE POETICA...............................216 [5:35] INCORRECTA EDADE PROVECTA......................217 [5:36] PARTES PARCIAES................................218
[5:37] [5:38] [5:39] [5:40] [5:41] [5:42] [5:43] [5:44] [5:45] [5:46]
JUDÔ PORNÔ.....................................220 MICÇÃO CUMPRIDA................................221 INFINITILHO IMPATRULHAVEL......................222 PORN FOR THE BLIND.............................224 SEGUNDA RHAPSODIA AUGUSTIANA...................225 BALLADA DA MOLECADA............................226 INFINITILHO DO CARALHO QUE NOS CALHA...........228 REMOTO DEVOTO..................................230 INFINITILHO DA BRAGUILHA.......................232 INFINITILHO AGGRILHOADO........................233
AUCTOR E OBRA.........................................235
SĂŁo Paulo Casa de Ferreiro 2020