INCONFESSIONARIO

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Padre Feijó INCONFESSIONARIO



Glauco Mattoso

Padre Feijó INCONFESSIONARIO

São Paulo Casa de Ferreiro 2021


Inconfessionario Glauco Mattoso

© Glauco Mattoso, 2021

Revisão Lucio Medeiros

Projeto gráfico Lucio Medeiros

Capa Concepção: Glauco Mattoso Execução: Lucio Medeiros ______________________________________________________________________________

FICHA CATALOGRÁFICA

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Mattoso, Glauco

INCONFESSIONARIO/Glauco Mattoso

São Paulo: Casa de Ferreiro, 2021 128p., 21 x 21cm ISBN: 978-85-98271-28-4

1.Poesia Brasileira I. Autor. II. Título. B869.1


NOTA INTRODUCTORIA Padre Sade Feijó Serra Virol é um dos anagrammas de José Sylveira da Pedra-Ferro, ou de Pedro José Ferreira da Sylva, obscuro poeta paulistano do qual pouco se sabe alem do facto de ter adoptado varios heteronymos e ser herdeiro de Gregorio de Mattos e Bocage na satyra fescennina. Inscripta no INDEX LIBRORUM PROHIBITORUM e notabilizada pela excommunhão do auctor, a volumosa obra sacrilega do padre Feijó tem nesta anthologia um appanhado de seus mais peccaminosos sonnettos, agora reestrophados como dissonnettos, em quattro quartettos. Confundem-se, entre outros, os anagrammas Padre Sade Feijó Serra Virol, Vereador Jilder Posse Faria, Josias Levi Ferrado Pedrera, Israel David Jeferre Raposo, Adderval Rijo Freyre Pessoa, Pedro José Ferreira da Silva e José Sylveira da Pedra-Ferro, e pairam duvidas accerca do baptismal orthonymo do auctor que tambem assigna como Glauco Mattoso sua volumosa obra poetica.



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EPIGONOMASTICO [4036] Brincando de anagramma, fiz um rol das possibilidades do meu nome civil, e este nenhuma lettra come: Padre Sade Feijó Serra Virol. Tentei outros primeiro, mas, em prol do genero que os versos me consome, achei um virulento, que me tome por clerigo e, pois, sadico de excol. Serei Glauco Mattoso sempre, é claro, mas, quando necessario for, terei um typico heteronymo, um mais raro, com cara de villão, fora da lei. Em meio a tantos outros que eu encaro, talvez mais proprio seja o que encontrei, talvez mais legendario, até, do faro podolatra, cruel, masoca, gay.

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DISSONNETTO CHRISTÃO [0032] Do Christianismo aquillo que seduz um cego pervertido assim como eu é o que na Sancta Ceia accontesceu: a maxima humildade de Jesus. Lavou, seccou, beijou Elle os pés nus de cada secular seguidor Seu. O gesto em tradição se converteu e eu proprio a repetil-o me propuz. Segui o exemplo audaz do Cardeal, que tantos meninões desencaminha e faz questão de pé de trombadinha, na cor, edade e numero ideal. Porem prostrei-me àquelle que bem vinha: mais um deficiente visual que, embora consciente do seu mal, tem verve e perversão egual à minha.


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DISSONNETTO SACERDOTAL [0098] Bocage e um mixto Desprezo e inveja

Sade tinham pelo de desprezo e de pelo mal que nos à perversão, que

clero despeito. tem feito batte Nero.

Porem, aqui deixar bem claro quero que contra a fé não nutro preconceito. Ja sobre o sacerdocio, não tem jeito, tambem dedico a elle odio sincero. Mas todos somos como frei Thomaz, a propria encarnação da falsidade. Passar sem fingimentos? Hem? Quem ha de? Finjamos não fazermos o que faz! Assim sou eu, tal qual Bocage ou Sade: Embora não adore Satanaz, encaro as religiões de pé attraz, mas lambo, si puder, o pé dum frade.

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DISSONNETTO DEMONOLOGICO [0175] Alguem tem dom de pôr o crente em panico. É o Anjo Mau; é o Bode; é o Belzebuth; É o Lucifer; é o Principe; é o Exu... Como denominar o Ente Satanico? Diversos gestos teem poder xamanico. Diversas liturgias são tabu. Mas no Sabbath se beija bem no cu, que é o poncto donde sae o odor titanico. Fazendo a algum bom senso ouvido mouco, as bruxas ao inferno vão de Dante. Do “beijo negro” ja fallei ha pouco, um acto que envilesce o executante... Mas deixa quem o ganha quasi louco. A propria fellação, sempre excitante, capaz de provocar gemido rouco, não é, para Satan, tão importante...


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DISSONNETTO THEOLOGICO [0176] Si exsiste Deus, de onde é que vem o mal? Si não exsiste, de onde vem o bem? Resposta: exsiste o Demo, e Deus tambem, e aqui reside o poncto principal. Divide-se o poder de egual p’ra egual e omnipotente ja não é ninguem. Colloca-se o dilemma: orar a quem? Quem vae nos proteger do seu rival? O jeito é accender vela para os dois, uma p’ra cada um, sinão dá briga, e piccuinha a gente não instiga. O resto a gente deixa p’ra depois. Na hora do suspiro, é fazer figa, orando sem dar nome, em vão, aos bois, p’ra que o placar nos seja dois a dois e que ninguem de fora faça intriga.

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DISSONNETTO INJURIADO [0616] É facil explicar por que algum padre, causidico ou psychologo accarinha com tanto enthusiasmo um trombadinha grahudo que, na lei, “menor” se enquadre. Ainda que eu, um “leigo”, allerte e ladre, são elles caravana que caminha na ropta do “direito”, emquanto a minha denuncia é só fofoca de commadre. É claro: phantasiam no “menino” o orgasmo inconfessavel que, occorrendo na practica, dispensa algum addendo, pois coitos dum pedophilo imagino. Tambem é claro: vão dizer que horrendo é só o juizo morbido e maligno, accerca dalgum padre ou dum rabbino, que faço, mas sou eu que mais me offendo.


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DISSONNETTO PODOLATRADO [0739] Pedophilos, os padres na christan paixão do lavapés buscam ensejo de beijos exbanjar, como eu almejo, sem perto estar de Sade ou de Satan. Relembro um sacerdote, em seu affan, e a sola dos pupillos ‘inda o vejo beijar, no ardor de “Em nome do desejo”, a inquieta inquisição de Trevisan. Na America, arcebispos massageiam pezões de menininhos, cujo penis levanta si no artelho os saboreiam e gozos exguichados são, infrenes. A Egreja os indemniza e os boys, indemnes, são anjos (que os ingenuos nisso creiam) solteiros, solitarios e solennes, que a propria consciencia mais receiam.

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DISSONNETTO DA CONFRARIA SECRETA [0798] Ja li num desses livros de exorcismo que, muito vivo, o lider duma seita sagrada (a da Familia) se approveita dos jovens que em seu culto teem baptismo. Suppondo que do Inferno evita o abysmo, o casto rapazola ao chão se deita e deixa que em seu rosto uma insuspeita e sancta sola pise, tal qual fiz-m’o. Depois se inverte a coisa: o sacerdote, deitado, estica os labios para cyma, sussurra a sacra formula, se anima e pede que o rapaz seu pé lhe bote. Delira de humildade, emquanto intima ao novo baptizado: “Não devote o espirito ao Demonio!” Feito um trote solenne, o rito é farsa que sublima.


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DISSONNETTO DA DEVOÇÃO [0839] Exsistem quattro typos de peccado, segundo o catecismo: o venial, mortal, original e capital. Tem cada qual seu serio e hilario lado. Quem cae num venial tá perdoado. Si contra um mandamento, a falta é tal que só no Inferno expia-se seu mal. Em septe é o capital capitulado. Porem “original” é mesmo o meu, que, embora preso ao sexo, ao pé se liga, tachando de “podolatra” um atheu que alguns chamam de “excoria duma figa”. Coitado do pagão, si for plebeu! Mas, caso o pé de Christo alguem persiga, de “excentrico” o fiel passa a ter seu desvio acceito sob a sola amiga.

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DISSONNETTO PASTORAL [0971] Os padres que se occupam do menor de rua, do infractor ou do carente (o nome não importa), acham que a gente é tola e pensa delles o melhor! Discursos como aquelles sei de cor: Jesus diz “Vinde a mim”” ao innocente. Mas sabe-se o que rolla de indecente por traz, por cyma, em baixo e em deredor! Começa que “innocentes” são bem poucos, tractando-se da carne e da trepada: malicia é o que não falta à creançada, ainda mais si puberes e roucos! Depois, de mestre ou pae não teem é nada taes padres que, fazendo ouvidos moucos à voz prudente, babam como loucos p’ra dar num pingolim uma chupada!


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DISSONNETTO DA GRAÇA PROPHANA [1168] Na quincta-feira sancta, o padre lava os pés da bandidagem, beija cada um delles. Claro está que se degrada, a exemplo do que Christo nos pregava. Extranha charidade, essa que crava punhaes de moralismo na manada, beijando, ao mesmo tempo, a desgarrada ovelha na pattinha, e se deprava! O cravo, a Rebanhos e Castiga-se Na duvida,

ferradura, a rez, o gado. ovelhinha que dá mico. a virtude ou o peccado? como é que nisso fico?

Com fé, sem fé, por pés eu me degrado. Prefiro um caso à regra, e me dedico ao typico fiel malcomportado, que seja pobre em fé e na graça rico.

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DISSONNETTO DO PECCADO NATURAL [1216] Achei muito engraçado quando o Papa condemna o casamento entre dois gays e affirma que um aborto é contra as leis divinas, que ao Senhor ninguem excappa. Discursos desse typo são um tapa na cara de seu proprio e bom freguez: o povo mais catholico, que, em vez de “sancto”, com peneira o sol não tapa. Si insiste elle, ferrenho, nessa linha, devoto não verá que se confesse. Punheta, camisinha, chupetinha, nenhuma dessas coisas reconhesce... O Papa, alheio à Egreja que definha. O crente, mesmo, em casa faz a prece, emquanto chupa rolla, e diz: “Ó minha Senhora, deixae duro o que admollesce!”


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DISSONNETTO DO CONGRAÇAMENTO CARNAVALESCO [1227] A nadega ballança, Milhares de outras se embollam e, sem desfilam p’ra quem

se saccode. bundas vão no emballo, pausa ou intervallo, paga e p’ra quem pode.

Immensa, bem maior do que um pagode, a festa enche o sambodromo. O gargalo formado na sahida deixa callo pisado e contusão que não se accode. Mordaz, vou dando tractos ao bestunto emquanto da discordia apponcto um pomo: Curioso é o samba-enredo e seu assumpto: o Papa e a fé catholica! “Mas como?” “Mixturam bunda e Christo?”, é o que pergunto. Aqui, rendem as nadegas a Momo pomposas homenagens, porem juncto a Deus vem Satanaz, aos quaes me sommo.

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DISSONNETTO DO SANCTO REMEDIO [1236] O effeito é milagroso, e quem a toma recebe alguma graça, caso tenha bastante fé. Crendice assim ferrenha accaba dando certo e aggrada a Roma. Refiro-me à tal pillula, que somma nenhuma de dinheiro paga. A senha do bom funccionamento é que contenha a phrase: “Ó Mãe, livrae-me do glaucoma!” Dei credito, engoli daquella grossa, capaz de até engasgar um avestruz, e appenas me tornei alvo da troça! A toda piadinha ja fiz jus! Sim, quasi vomitei aquella joça! Tossi, me arrependi de quando a puz na bocca, e não supplico mais a Nossa Senhora que devolva minha luz.


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DISSONNETTO DA ORGIA NA LITURGIA [1239] As bichas charismaticas defendem, na vida do catholico, um regime de fé com bom humor: que “missa” rhyme com “piça”... e a São Francisco graças rendem. Que ao Leonardo “Bofe” se encommendem pedidos p’ra que a Egreja se approxime dos homos: assim ella se redime de tanto perseguir os que a transcendem. Com tantas tradições ja carcomidas, mais coisas adventar eu nem arrisco... As hostias como pizza são comidas e a choreographia, ao som de “disco”... Dos cultos tira scenas divertidas! De freira a phantasia é mesmo o risco maior, mas outro sonho em suas vidas é achar, de anjo vestido, um macho arisco.

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DISSONNETTO DA MÃO ESQUERDA [1241] Punheta-se escondido, mas declara que agora converteu-se à fé christan. Embora muito novo, acha que é san a rigida moral que recusara. Coitado do “teenager”! Tudo é tara perversa e demoniaca! A maçan mordida continua sendo, e van a predica attirada em sua cara! Trepada? “Só depois do casamento e, mesmo assim, é para ter nenen!”, affirma o adolescente, ao Papa attento. Suppõe elle que enganna, agora, a quem? Faltava aqui mais solido argumento. Escuto o que me conta, e digo “Amen!”, mas rio-me por dentro. Ao pau sebento com mão direita a esmolla dou, tambem!


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DISSONNETTO DO TRACTO INTESTINAL [1243] Mal sento e, ao me adjeitar, rezo contrito: “Fazei que este intestino, emfim, se mova!” Pedir que, num deserto, a chuva chova mais facil é que orar pelo que cito. Viver tão constipado deixa afflicto o ventre dum christão! O meu desova sem data certa; a merda entope a cova e, quando sae, mais fina é que um palito! Assim não dá! Será que me converto ao Demo? O cu lhe beijo e o Cão, em troca, meu rabo abre e a cagada molle verto! Até que meu bom senso não se choca... Com esse excentricissimo concerto. Mas, em compensação, quando se invoca Satan, sempre perdemos nesse accerto de comptas: sae a merda, entra a piroca!

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DISSONNETTO DO AVARENTO CASTIGADO [1244] Gravura bem extranha foi aquella que lembro de ter visto num volume de textos sacros: pune-se o costume avaro do usurario na goela! Explico: ja no Inferno, dentro della um Demo bem caprino caga o estrume em forma de azeitona, e o réu que arrhume logar no bucho! A scena expanta e appella! Deitado, elle abre a bocca. O bode humano se aggacha a certa altura e lhe defeca, pingando, as gottas pretas de seu cano! No nitido desenho, nem cueca... Usava o condemnado, e um ar prophano de riso obstenta o bode a quem depreca! Eguaes scenas em verso sempre explano, sabendo haver leitor que se melleca.


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DISSONNETTO DO CINEMA BLASPHEMO [1365] A scena, no cinema, que define melhor o sacrilegio, e que me assomma à mente, é uma visão de Pasolini nos “Cento e vinte dias de Sodoma”. Emquanto vi, não vi nada no cine mais sadico: ao banquete, a moça embroma na hora de comer... Você imagine aquillo que se espera que ella coma! É Sade quem tal rango corrobora. Cocô, naturalmente! “Não consigo!”, diz ella, e alguem lhe dá o conselho amigo: {Supplique, tenha fé em Nossa Senhora!} A moça, appavorada, appenas ora: “Ah, Sancta Mãe, fazei com que eu consiga!”, supplica a voz chorosa e, antes que diga “Amen!”, um cocozão ella devora!

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DISSONNETTO DA PAROCHIA DE PERIPHERIA [1411] No na ao um

bairro, a “missa joven” exaggera parte musical: o padre traz palco a banda punk! O povo espera clima alegre, mas com menos gaz.

Nem fecha o padre as phrases, e o battera ja marca: um, dois, trez, quattro... A banda faz seu numero, a velhinha recupera o follego, e então tudo volta à paz. Mais umas orações, de novo explode (Coitada da velhinha, que se estaffa!) aquelle som pauleira, que saccode paredes e vitraes, e o khoro abbafa. Termina a missa. Dados os advisos, o povo ja dalli, feliz, se sapha. O gruppo punk attacca uns improvisos e o padre mamma o vinho na garrafa.


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DISSONNETTO DA MANIFESTAÇÃO MALEFICA [1493] Na sexta-feira, treze, o que se espera, à meia-noite em poncto, que accontesça é transformar-se um homem numa fera e erguer-se dum cadaver a cabeça. Embora alguns de morbida chimera taes coisas classifiquem, não se exquesça o incredulo leitor que exacta e vera é a falla do Propheta, e não travessa. Eis que circula a formula funesta! Que diz o Mestre? “Irmãos, não duvideis daquillo que tem numero em trez seis: de muita forma o Mal se manifesta!” É clara a tal Si alguem não direi que, em e exhibe dois

mensagem que elle attesta. percebeu de quem se tracta, vez de pé, tem elle patta chifrinhos sobre a testa.

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DISSONNETTO DA DUPLA IDENTIDADE [1637] Si tem poder o Demo para, em forma de Deus, ser confundido, então questiono: Não tem tambem poder, não se transforma em Demo esse Senhor, que é nosso dono? E, si um pode ser outro, qual a norma que irá dar ao theologo seu monotheismo authenticado e sem reforma capaz de obstar da fé meu abbandono? Não ha! Não ha parametro! Esse Deus não passa dum disfarse de quem meus mais feios pesadellos revisita, em sua sanha cynica e maldicta! O modo como tracta o ser humano, causando e desfructando de seu damno, comprova que é Satan quem tudo dicta e tudo appenas segue a sua escripta!


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DISSONNETTO DA COMMUNHÃO NO BODUM [1657] Perfumes só disfarsam nosso cheiro normal e natural... Naquella egreja lotada é que, na missa, alguem primeiro notou que a fedentina alli sobeja. Mulher ou homem, velho ou moço... Inteiro, aquelle ambiente fede e nos enseja a reflectir accerca do chuveiro na vida das pessoas, dicto seja. Uns gastam agua à toa e ficam horas debaixo da fatal ducha acquescida, mas outras dessas fetidas senhoras se lavam no bidê, dando em seguida... Então por que será que, alli na missa, que sempre nos paresce tão comprida, se fede por egual? Será a justiça divina entre os mortaes, fedendo em vida?

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DISSONNETTO PARA UM IRMÃO EM CHRISTO [1743] O gajo rouba, estupra, macta e, então, não mais que de repente, arrependido está! Se converteu, e bom christão agora se tornou! Eu, hem? Duvido! Irmãos, compadescidos, do bandido teem pena illimitada: caso não se emende e reincida, teem ouvido mouquissimo à geral opinião. “Errou, sim, meus irmãos, mas elle acceita de novo o Salvador, e recomeça! Devemos perdoar! Ninguem suspeita nem pode suspeitar de quem confessa!” Si entrou para a politica... Ah, menino! Licença de roubar vae ter à bessa! Ahi que pode ser mesmo assassino, ladrão, estuprador... que excappa dessa!


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DISSONNETTO PARA UMA SACERDOTIZA HUMILDE [1753] Os titulos de “bispa” ou de “papiza”, por si, ja são ridiculos, mas ha quem queira até chamar-se, desde ja, de “nuncia” ou de “vigaria”... Mas precisa? Pretensos sacerdotes, são, à guisa de novos fundadores, quem nos dá a nitida impressão de alguem que va, mais tarde, andar na duvida indecisa: “Será que hoje serei deusa? Serei a dona la de cyma e la do fundo, maior que qualquer deus, que qualquer rei? Terei plenos poderes neste mundo?” “Primeiro, fundarei a nova egreja e os dizimos recebo, com que inundo de notas meu colchão, até que esteja riquinha, e com demonia me confundo...”

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DISSONNETTO PARA UM VOTO DE HUMILDADE [1811] O dicto diz que “o habito não faz o monge” mas que “fal-o parescer de longe”. Quando não está na paz do mosteiro, podemos perceber. Nas ordens regulares, o rapaz se calça com sandalias, e dever tem elle de mostrar-nos ser capaz de, em jubilo, sem banho o pé manter. Levando em compta todos os percalços, applaudo, enthusiastico, esse voto e affirmo que sou ‘inda mais devoto dos frades duma ordem dos “descalços”. Meus olhos cegos, para os céus eu alço-os! Seu pé deve ser sancto, sola grossa, ferido e poeirento, para nossa noção de que os terrenos bens são falsos.


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DISSONNETTO DA MORTE DE PEDRO JOSÉ CONSTANCIO [1818] Que conste, não ha nada mais que admanse-o: está completamente doido! Fica parado na janella, esse Constancio, sem roupa, a se exhibir, mostrando a picca! Bocage não tem, claro, quem alcance-o nos taes sonnettos sujos, mas indica a historia litteraria que um Amancio qualquer attraz, em taras, não lhe fica. Até dentro da egreja viu cachorro trepando, sob o altar tendo regalo! Damnado, o meu xará! Si lhe recorro ao thema, é por pisar, do clero, o callo. Foi preso, e seus sonnettos se attribuem, agora, ao Manuel Maria, abballo causando desde então: por mais que suem, os outros não conseguem superal-o!


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DISSONNETTO PARA UM PADRE NOTORIO [2026] Saphado, aquelle padre! Ou um rabbino, um pae-de-sancto, algum pastor! Que sacco! É, quando não gravata, algum menino no matto, um trombadão, bofe e velhaco! Em canna, um hebiatra seu destino sellou porque filmou-se no seu fracco: chupar adolescentes. Que divino pretexto tem um padre, intacto, opaco? Si é bicha, que excancarem seu segredo! Por que com elle estão cheios de dedo? Procurem no seu cu, que alli está a prova, ou elle a levará comsigo à cova! É O é e

livre, quem quizer, para ser puto! caso que questiono e que discuto quando a Egreja nelle a fé renova nunca seus maus methodos reprova!


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DISSONNETTO PARA A MENINADA DESAMPARADA [2036] -- Eu sou um padre! Tenho que ter fé nas boas intenções! Fui extorquido por esse meninão, a quem até agora só adjudei! Mas é um bandido! Não guardo magoa, a offensa não revido! O que elle affirma? Claro que não é verdade! Esses meninos com quem lido precisam de carinho! Entende, né? Levei um tempo até denuncial-o, mas nada consegui nesse intervallo. Não houve jeito! Agora não me calo e quero que a chantagem, emfim, cesse! “Que nada! O padre é bicha! Me chupava faz tempo! Sempre teve mente escrava! Eu provo! Tenho a fita: a gente grava tudinho, desde quando a rolla cresce!”

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DISSONNETTO PARA UMA SAGRAÇÃO DE GRAÇA [2064] No espelho ao se rever, de manhan cedo, o gajo diz comsigo: “Ora, a partir de agora, serei bispo! E me concedo ainda o grau de apostolo, a seguir!” “Não posso ser guru nem ser fakir, mas, como bom christão, não tenho medo que a lei dos homens possa me punir, si contra mim nem Deus apponcta o dedo!” “Chamando-me de bispo, como bispa, àquella que commigo é cama e mesa, à minha mulher, peço que se dispa sem pejo em minha frente, mesmo obesa!” “Sagrado será tudo que toquemos! Ao toque nem a picca fica illesa! Si grana a dividir c’o Demo temos, os dizimos compensam a despesa!”


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DISSONNETTO PARA A QUINCTA-FEIRA [2125] Si é Sancta, a quincta enseja aquella scena fatal do lavapés: dum trombadão o padre uma chulapa, que pequena não é, beija, em signal de humilhação. Si a quincta é dos infernos, nem dá pena daquelles que ao trabalho, às pressas, vão. A chuva a contratempos os condemna: no minimo, um banhinho levarão. Tem gente que, no caso, quasi infarcta. O gajo vê que a nuvem aziaga lhe paira na cabeça, e roga a praga: “Que chova la no raio que te parta!” Tem gente que o peor nunca descharta. É tiro e queda: o extrondo que se segue vem como si o diabo que o carregue desague o que accumula desde a quarta.

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DISSONNETTO PARA UMA FÉ TIDA COMO FETIDA [2136] Fallei ja muito sobre um pé de ex-voto, lavrado na madeira, nordestina e antiga tradição, na qual só boto meu credo si a intenção for fescennina. Fallei do lavapés, gesto que adopto não só nas quinctas-feiras, e em bolina converte-se, pois lambo, e até na photo estou, a salivar na fedentina. Com practicas christans me identifico! Chulé que nem aquelle do romeiro que, sob o sol, caminha o dia inteiro, é coisa que venero e glorifico! Por minha propria crença pago o mico! Christão nem sou, mas, cego, só me humilho: lavar, lambendo, os pés dum andarilho, é estar do pobre abbaixo, alem do rico.


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DISSONNETTO DO EDIFICANTE THOMISMO [2208] Da mente aristotelica se tira a logica que faz Thomaz de Aquino tomar conhescimento do que gyra em torno deste mundo pequenino: A dadiva sagrada! Consentira a fé christan que o Verbo, antes divino, se torne racional e que a mentira se apparte da Verdade pelo tino. Perfeito raciocinio, mas um cego chegou para dizer: “Thomaz, não nego seu credo, appenas toco num detalhe que, caso não lhe aggrade, não expalhe: Emquanto você pensa, eu sinto e canto o cheiro que a sandalia tem dum sancto e ao faro dum podolatra bem calhe, ainda que o sermão eu advaccalhe...”

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DISSONNETTO PARA A CREAÇÃO DO MUNDO [2301] Nem sei si foi Deus Pae ou foi Deus Filho quem mais cagou no mundo a merda toda. Só sei que quem creou quiz ver-lhe um brilho da cor de merda molle em toda a roda. Com tudo que Elle fez me maravilho: o Sol, a Lua, a Terra... Me incommoda appenas o que entrou de affogadilho quando Elle disse, exhausto: “Que se foda!” Por isso sua força a gente teme-a: Nas plantas, caprichou; nos bichos, quasi; somente advaccalhou quando, na phase final, creou o Macho e deu-lhe a Femea. Prevendo o que será vida bohemia, do fructo os prohibiu provar e, puto por tel-os pego em flagra, eis que Lhe escuto um “Puta que os pariu!” como blasphemia.


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DISSONNETTO PARA O DIA DO JUIZO [2302] Anjinhos lindos sopram as trombettas e vão annunciando um dia feio. Convocam todo mundo: quem punhetas batteu, quem deu o cu, quem poz no alheio... Da tumba emergem ossos: em bocetas e rollas se transformam, de permeio a bundas, saccos masculos e tetas... Até ter visto boccas alli creio. Um anjo mais mandão separa e aggruppa aquella carne toda e se perturba a turma peccadora: quem só chupa, quem dá, quem come, e quem só se masturba. Ao Céu os punheteiros vão. No Inferno irá parar o resto, que suburba necropoles à bessa. Ao fogo eterno excappa a bocca, em toda aquella turba.

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DISSONNETTO PARA O MANJAR PARADISIACO [2304] Depois de haver creado, num só dia, o certo e seu antonymo, Deus quiz num gancho pendurar o que seria presuncto de primeira. Aos casaes, diz: “Meresce cada esposa uma fatia comer, com este pão que Eu mesmo fiz, do magico presuncto! Mal sacia a fome, ainda pode pedir bis!” “Mulher qual não deseja tal presente? Mas tem que ser fiel a vida inteira ao mesmo maridinho!” {Que besteira!}, comsigo mesmo pensa, ja descrente. Não foi esse sermão sufficiente, pois desde aquelle tempo até o momento, nenhuma “irman” provou do succulento manjar, mas cada “irmão” palita o dente.


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DISSONNETTO PARA O APOSTOLO, APPÓS TEL-O VISTO [2305] Estavam animados p’ra caralho, ao ver resuscitado Jesus Christo, seus credulos apostolos. Foi falho, porem, a São Thomé, o effeito disto. “Commigo, é ver p’ra crer! Eu não expalho a porra da noticia sem ter visto com estes meus olhinhos!” Quebra o galho do incréu o proprio Christo: {E eu não exsisto?} {Como é que alguem taes duvidas provoca? Me negas, cabeçudo? Então segura aqui na minha rolla, que está dura, de tanto que soffri, feito um masoca!} Não ha como outra coisa ter em troca. Thomé, muito cabreiro, experimenta e sente que a sagrada ferramenta mais cresce quando um dedo nella toca.


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DISSONNETTO PARA UMA MIJADA ARRISCADA [2307] Estava eu a mijar, noite passada, no escuro becco, alli na lateral da gothica e gigante cathedral da Sé, quando recebo uma porrada. Ao guarda que me aggarra não aggrada que, logo entre uma egreja e um tribunal, meu pau mostre o que penso da moral. Me dá mais socos, antes que eu me evada. Sahir dalli bem rapido decido. Mal ponho o pau p’ra dentro emquanto corro, e o guarda vem attraz, exbaforido, chamando-me: “Não fuja, seu cachorro!” Emquanto toda a praça ja percorro, ainda escuto “Venha ca, bandido!”, mas ja sem intenção de dar exporro: “Ei, vamos tomar uma? Eu que convido!”


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DISSONNETTO PARA O PORTEIRO DO MOSTEIRO [2309] Me chama o padre Hilario? “Agora, não!” Por que? “Precisa ouvir quem se confessa!” Mas e depois? “Tem missa! E está com pressa, não pode se attrazar na confissão!” Depois Talvez eu não que eu

da missa, dá? “Não, meu irmão! só p’ra admanhan!” Porra, com essa comptava! É coisa que interessa trago, porra! Perco o tempo, então?!

“Que traz nessa saccola?” Chocolate! Fiquei devendo ao padre esta encommenda! Si não entrego em mãos, mamãe me batte! Tomara, aqui, que alguem me comprehenda! Não quero ser mais tempo quem empatte! “Ah, bom! É bem difficil que elle attenda alguem, mas dá, sim, desde que se tracte de urgencia! Eu vou chamar, tá? Não se offenda!”

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DISSONNETTO PARA O TRACTO DUM TRACTANTE [2310] A filha do alfaiate faz favor ao padre: ir passar roupa lhe promette. Cumprido o tracto, ao menos um boquette o padre pede à moça, sem pudor. Moedas lhe gentil: um “São suas, na bocca a

offeresce si ella for monte dellas! E repete: todas!” Ella acceita: mette picca e prova-lhe o sabor.

Appós gozar, e tendo a joven puta cuspido a porra, o padre um nickel só na mão lhe deposita. Ella relucta, ainda achando um gosto no gogó: {Mas... uma só, depois dessa labuta? Não eram todas minhas? Tenha dó!} Responde elle: “Serão, sim! Não discuta! Serão, uma por vez, é claro! Tó!”


INCONFESSIONARIO

DISSONNETTO PARA A BUÇA E A CARAPUÇA [2311] Um padre, exaggerando no sermão que costumeiramente faz, se exalta emquanto à mulherada apponcta a falta maior no matrimonio dum christão: “Trahir! Nada peor que a trahição!” No pulpito, exbraveja, pulla e salta. Suando, a cruz empunha, que é bem alta e grossa, admeaçando as que la estão: “Cês acham que esta porra é só de adorno? Não é, não: é porrete na cabeça da puta que o marido faz de corno e minha mão pesada aqui meresça!” Peor é tal palavra que suborno, pois quem àquella egreja comparesça verá que estão, bastando olhar em torno, com medo todas que o bastão lhes desça.

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50 GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO PARA A EDUCAÇÃO DO CHRISTÃO [2318] Meu filho, veja la, não faça feio! Não deixe que ninguem lhe dê porrada! Si alguem lhe der, você dá, para cada porrada, um ponctapé la bem no meio! Si algum filho da puta ja lhe veiu pegar no pé, cagando regra, nada accapte e uma resposta dê, bem dada, mostrando que ja está de sacco cheio! Si apposta uma cerveja, ou si for vinho, não pague! Si pagar, beba primeiro, não deixe a “irmão” nenhum nem um golinho! Podendo, um garrafão cê seque inteiro! Não, nunca arrede pé do bom caminho! E, para ser christão, mas verdadeiro, no bolso leve sempre, bem junctinho ao terço, uma navalha de barbeiro!


INCONFESSIONARIO

DISSONNETTO PARA UM ABRIGO AMIGO [2352] Em summa: quer livrar-se da megera sem risco de castigo? É facil, cara! Mactal-a em plena praça e correr para a egreja é a solução que você espera! Que importa que o pae della vire fera ou que a policia finja que dispara? A porta do refugio se excancara e accolhe até quem não se regenera! Quem tenta alli prendel-o em flagra não consegue, pois o padre os admeaça até com a temida excommunhão! Assim, você excappou de quem o caça! Que importa aquella absurda commoção? Que importa si o povão, enchendo a praça, reclama para o “monstro” a punição? Você, graças a Deus, peccou de graça!

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52 GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO PARA UMA CONFISSÃO PERDOAVEL [2353] Ai, padre...! (a peccadora diz) Eu fiz besteira! “Então, que foi que você fez?” Xinguei o meu marido, desta vez! “De que?” De corno manso! “Que me diz?! Só isso?” Sabe, padre? Eu tambem quiz mactar o meu gattinho siamez... “Por que?” Quebrou meus potes de patês! “Que mais?” Bem... practiquei uns actos vis... “Quaes actos?” Eu... trepei com um rapaz... “Rollou tudo?” O senhor mesmo deduz... “Então foi pela frente e foi por traz? O gajo comedor será de cus?” Perdão eu peço pelo obsceno, mas... Até na bocca, padre! “Oh, meu Jesus! Peccou demais, menina! Va em paz, mas volte à noite: eu deixo accesa a luz...”


INCONFESSIONARIO

DISSONNETTO PARA UM INFERNO INTERNO [2354] Christãos, vou lhes contar o que se entende, de facto, por inferno: um inferninho sem cama, sem cozinha, e até sem vinho, que um kalendario eterno nos agende! Quem cae alli, meus caros, se arrepende até de ter xingado seu vizinho ou ter com a mulher sido mesquinho, p’ra não fallar de quem a Deus offende! Por fora do puteiro, está um lettreiro dizendo: “Sempre!” Dentro, outro dizendo: “Jamais!” E aquelle a gente lê primeiro. Entendem o que eu deste estrepe entendo? Entendem o que disto ja me inteiro? Jesus! Desse supplicio, tão horrendo, nos poupe! Ja pensaram? Sentir cheiro de assado e nenhum pratto estarmos vendo?

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54 GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO PARA MAIS UM VOTO DE HUMILDADE [2355] Escutem essa: havia num convento humildes freiras, cujo mau costume estava em permittir que se consumme um acto limpo como algo nojento. Comiam com as mãos, e esse alimento na bocca punham sem usar o gume da faca e sem que um naco se advolume no garfo ou na colher! E eu não invento! Aquillo impressionou tão mal, que o Papa mandou que ellas mandassem o tal voto à merda: “Assim um pratto não se rapa! Jamais esse mau habito eu adopto!” “Ah, puta que pariu! Dou cara à tapa, caralho! Por acaso, si as mãos boto no rango, aggrado a Deus? Ninguem Lhe excappa do olhar, mas cubro a bocca quando arrocto!”


INCONFESSIONARIO

DISSONNETTO PARA UMA DURA ESCULPTURA [2356] Você vae me entender, sendo europeu. Disseram que não ha, na cathedral da Sé, nenhum triforio, e até que mal se nota o arcobotante... É nada, meu! La em cyma até tem gargulas! Correu a lenda que um fazia sexo oral em outro, e que essa estatua, de immoral que estava, o cardeal a removeu. Mentira! Ella está la! E até ja deu motivo para verso censurado! Mas foi ja comprovado o que occorreu de lubrico, de torpe e depravado. Segundo a lingua suja do plebeu, um bispo alli foi visto, bem do lado do gargula que chupa, e não sou eu quem nega que um pau petreo foi chupado.

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56 GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO PARA UMA VIDA DE CACHORRO [2357] Mas como, seus nojentos?! Que é que estão dizendo ahi vocês? Que é vagabundo o Papa? Não me deixem iracundo! Cuidado, hem? Para o inferno vocês vão! Quem é que com Deus falla, e a gente não? Quem é que absolve tanto “irmão” no mundo? Quem vende as indulgencias para o fundo manter do Vaticano, e eu sem tostão? Quem anda em carruagem, abbençoa a gente pela rua e nos quer bem? Quem compta toda a grana que admontoa qual fosse arroz, pheijão, em armazem? Quem falla dos direitos da pessoa? Quem faz os cardeaes? E o trampo, quem trabalha duro? Nunca fica à toa quem rasga nossas preces para o Alem!


INCONFESSIONARIO

DISSONNETTO PARA UMA INCULTA MULCTA [2368] É facto conhescido: os padres dão valor damnado à grana. O meu, astuto, a mulcta instituiu de meio puto àquelle que disser um palavrão. E minha vez chegou, pois, quando não ganhei uma partida que disputo nas chartas, eu ja xingo e já discuto, soltando um “Va tomar no cu, me’rmão!” É foda! Na parochia, cada filho da puta é um dedo-duro: do que eu jogo e fallo o padre chato ouviu e logo ficou sabendo que eu sahi do trilho. Vou la, chamo o vigario e dialogo, mas, p’ra pagar-lhe um puto, ja engattilho o rispido e anecdotico estribilho: “Ah, va você tambem, padre, eu lhe rogo!”

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58 GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO PARA OS AFFAZERES DO PAPA [2372] Que faz o Papa? Estica-se na cama depois da refeição, antes da qual fez hora, debruçado no beiral, olhando, da janella, o panorama. De Roma faz capacho e a ninguem ama. Sem filhos nem mulher, é natural que nunca se preoccupe. Falta sal na sopa? Chama o chefe e lhe reclama. Pretende governar o Céu e a Terra. Comsigo diz: “São meus, são todos meus!” O tempo elle accelera ou elle emperra. Dispõe dos bens de ricos ou plebeus. Adjuda-nos só quando não nos ferra. Ninguem tem mais poder, excepto Deus. Mas Deus teve trabalho e, às vezes, erra. Ja o Papa mais accerta que os atheus!


INCONFESSIONARIO

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DISSONNETTO PARA OUTRO CONGRAÇAMENTO CARNAVALESCO [2398] Nos palcos ao ar livre, a enscenação de actores voluntarios tem mostrado um Christo bem gordinho que, pellado, estraga certas scenas da Paixão. Alguem se importaria? Eu, mesmo, não. Mas outros que escutei teem allegado que, si um rei Momo magro é um attemptado à logica, Jesus não é leitão. E agora? Que fazer? Si é magro o Momo, dirão que contra o gordo ha preconceito, que estão discriminando o tal subjeito. Si gordo o Christo, entende um magro como? Pensando christanmente, dá-se um jeito, dizer não poderão que eu os embromo: Jesus carnavaliza e morde o pomo. Perdão o Momo pede, e bom proveito!


60 GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO PARA UM VENTO CONTRARIO [2556] Bem feito! Mas achei mesmo bem feito! Em vez de baptizar e rezar missa, ao padre uma vaidade tanto attiça que quer angariar fama e proveito! Pendura-se em bexigas e, direito, aos céus elle se eleva. Por justiça divina, todavia, falha e enguiça o exotico projecto, e eu me deleito! Pensando que o levava a ventania até certa cidade doutro estado, mais longe que um recorde registrado, levado foi aonde não queria! Cahiu em em forma ao menos ao pobre

alto mar! Serviu, coitado, de boccado ou de fatia, como exotica iguaria tubarão, não baptizado...


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DISSONNETTO SOBRE UM PEREGRINO RECOMFORTADO [2917] Cansei! Sinceramente, ja cansado estou de padescer! Alem do Alem dispuz-me a percorrer, a ver si alguem podia me adjudar! Tudo baldado! Então, de Deus recebo este “Emquanto me endereças teu terás alguma adjuda! Porem cogites que Satan veja teu

recado: amen, nem lado!”

Assim quiz o Destino: de esperar cansei por um auxilio do Senhor e ao Demo lamentei-me deste azar, de tudo que me faz tão soffredor. Queixei-me deste fardo cavallar. Batata! Nem accabo de lhe expor meu drama, Satanaz vem me adjudar e, em troca, quer, dos pés, só meu fedor!


62 GLAUCO MATTOSO

MYSTICA GALHOFA [3139] Attraz do bis, o tetra, o pentavô... Dos taes “estercoristas” é o costume: a merda ensalsichada se resume no horror de haver chouriços de cocô! No culto a Belphegor, quasi pornô é o acto de adorar, alem do estrume, o aroma flatulento, esse perfume do qual todo escatologo diz “Pô!” Si ao peido sacro sempre fui ommisso, Do troço o cheiro quasi não aguento. Jamais provei do mystico chouriço, mas rezo a Belphegor quando me sento... No vaso, ja que soffro assaz com isso. Do peido até o tolete fedorento, são muitas orações e, si o serviço demora, um destes faço... e o chamo “bento”!


INCONFESSIONARIO

MASOCHRISTICAMENTE IRMANADO [3528] Irmãos meus, em verdade é que vos digo: calae-vos, acceitae o soffrimento! Vos digo que o Senhor fallou commigo e, logico, confirma o que eu sustento! Affirmo: do mais perfido inimigo, sim, deste soffrereis o mais nojento, mais sadico, mais sordido castigo possivel: comereis seu excremento! Reitero, meus irmãos, este recado humillimo! Humilhae-vos sob a sola suada, suja e grossa, que elle atola mais fundo nas pocilgas do peccado! Sim, como vosso irmão é que vos brado e insisto: si estiverdes, de joelhos, com practica, a chupal-o até os pentelhos, é certo que estarei do vosso lado!

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64 GLAUCO MATTOSO

PECCADO VENIAL [3956] Quer dizer que a gente pecca e será “Desta vez passa!” a resposta, em vez de “Neca! Sem perdão!”... Vejam que graça! Si eu exporro na cueca, não ha padre que me faça crer que a mancha que alli secca é immoral, torpe, devassa! Mattutei, ca no meu cantho: Si um peccado mal não fez, certamente uns dois ou trez não farão, não é, meu sancto? Meu astral eu ja levanto! Ai, que bom! Si batto bronha toda hora, com vergonha eu até nem fico tanto!


INCONFESSIONARIO

PECCADO MORTAL [3957] Quer dizer que, caso a gente peque, está ja condemnada a morrer? Mas alguem tente me explicar! Não manjo nada! Morrer, todos, certamente, morreremos! Mas, si cada um de nós morrer somente por peccar... Hem? Que enrascada! Fatalmente me incrimino! Uma mancha na cueca incrimina alguem, que pecca ante o codigo divino! Sou peor que um assassino! Ai, que horror! Si for assim, está proximo o meu fim, pois “precoce” me imagino!

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66 GLAUCO MATTOSO

PECCADO ORIGINAL [3961] O peccado contagia, pois, si um fode, outro tambem se fodeu numa “philia”, dentre as tantas do vae-vem. Um prefere a mulher fria; outro quer, queimado, alguem; um na bocca o phallo enfia; outro o cu quer que lhe deem. Cada qual prefere cada. Tudo, em copulas, é copia. Ninguem bolla a foda propria, differente e inusitada. Insistir até me enfada. Nem o cego, que não quer pé cheiroso ou de mulher, inventou, no orgasmo, nada!


INCONFESSIONARIO

PECCADO CAPITAL [3962] Capital, mesmo, só vejo um peccado: o da avareza. Este, sim, é malfazejo, não o orgasmo e a rolla tesa! Quem dinheiro tem, sobejo, mas não quer fazer despesa, este é cego, pois, sem pejo, poupa até na luz accesa! Nem conhesço outro peccado. Quem bem come ou bem fornica não peccou: appenas fica mal, depois de saciado. Tambem vale este recado: Quem seu gosto satisfaz, com mulher ou com rapaz, a mais sempre dá um trocado.

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68 GLAUCO MATTOSO

SAGRADA CAGADA [4003] Um hindu, caso me mande ir à merda, eu não entendo que me offende, e sim que expande gentileza, assim dizendo. Sabiamente, ao proprio Gandhi aggradava alguem fazendo seu cocô, pois tinha em grande compta a merda que eu não prendo. Tudo disso me deriva: Quando expulso a fedorenta merda, Gandhi cumprimenta meu exforço e me diz “Viva!” É verdade collectiva: Uma prece todos nós deveriamos, appós a cagada, alçar, festiva.


INCONFESSIONARIO

UM MAGOTE DE CAMAROTE [4027] Demora no banheiro. Ou caga, ou toca punheta. A mãe advisa: “A Virgem tá te vendo, hem? E Jesus, hem? Olha la!” Pellado, elle se encolhe em sua toca. Demora mais um pouco. A mãe provoca: “Cuidado, hem? Satanaz tá vendo!” Dá nos nervos e elle quasi que diz “Va tomar no cu!”, mas cala-se, o boboca. Depois elle mattuta: “Porra, é todo um bando me assistindo? Que platéa! Quem é que pode nelles levar fé? Ah! Eu quero ter sossego e só me fodo!” “Estavam, junctos, tendo a mesma idéa? A Virgem e Satan? É porra a rodo! Então a sanctidade é puro engodo! Quem sabe si é mamãe a mais athéa!”

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70 GLAUCO MATTOSO

ARCHIVO VIVO [4031] Fechada a decada, um cyclo encerro e expurgo livros, pois falta espaço. Mas, quando as ultimas pilhas faço, um anagramma me chama, ao berro: “Você me exquesce, mas eu não erro seu nome, Pedro José! Devasso fui como auctor deste grosso maço: José Sylveira da Pedra-Ferro!” Lembrei-me, então, do meu velho nome de guerra em lettras, jamais usado, entre mil outros de falso fado, pois surge o Glauco e o ciphrado some. Talvez mais tarde esse occulto lado resurja e ao Glauco o logar lhe tome, até na mesa em que o bardo come, mas Pedra-Ferro, esse está archivado.


INCONFESSIONARIO

ORAÇÃO DO PAGÃO [4117] Satan, que estaes no Inferno, seja o vosso prophano nome egual a zero e esteja bem longe o vosso reino desta egreja na qual rezo, desfeita, ja, em destroço! Pão fresco, todo dia, não vos posso pedir, que não me venha, de bandeja, aquelle que admassastes, nem cereja no bollo pedirei, Padrasto Nosso! Tambem não vou pedir que perdoeis as dividas que temos pactuado ha seculos, por meu antepassado, tamanha a temptação que offeresceis! Só peço, ó Satanaz, estar zerado: livrar-me de cumprir as vossas leis; trocar, por meia duzia, seis seis seis; quitar, ficando cego, o meu peccado!

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72 GLAUCO MATTOSO

VERDADE REVELADA [4118] Cagar inspira o espirito do crente: Luthero ouviu fallar-lhe a voz divina emquanto evacuava na latrina e exemplos outros muitos veem à mente. Dom Pedro deu seu grito independente por causa duma pausa vespertina à beira do riacho, o que elimina hypothese mais nobre que eu advente. As grandes decisões da humanidade, no fundo, são tomadas na privada, em meio à corporal necessidade, a cada cagalhão, tolete a cada. Portanto, me permittam que lhes brade: de extranho, de expantoso não ha nada si faço uns dissonnettos quando, ja de pau duro, gozo appós uma cagada.


INCONFESSIONARIO

PEDROS NO CAMINHO [4135] Sou Pedro, sim senhor, e si você tambem é Pedro e orgulho tem de si, será, como poeta, alguem que ri da propria sorte e em nada serio crê. Embora eu seja alguem que ja não vê, bastante coisa neste mundo vi. Que um Pedro foi apostolo ja li, alem de imperador... É o que se lê. Mas temos um xará, tambem pornô, tambem prophano arteiro do tabu, que, assim como Bocage, pau no cu metteu da sociedade, outro Rimbaud. Constancio é o sobrenome desse cru cantor, Pedro José, feito um avô dos Pedros actuaes, que fez cocô em publico e se expoz, posando nu.

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AOS HOMENS DE BOA VONTADE [4149] Ah, como é bom cagar! Não era à toa que Gandhi, alliviado, então sahia, a todos dando aquelle seu “Bom dia!” Sabia o Mestre o que era coisa boa! Talvez bem conhescesse o que a pessoa padesce com prisão de ventre! Um guia do povo hindu terá sabedoria maior do que a que tanto se appregoa! Diz elle: “Então, meninas? Como estão passando esta manhan? Cagaram bem?”, ao ver que todo mundo está bem zen. “Cagamos tudo, Mestre!”, ellas dirão. Ah, como eu desejava, em vez de “Amen!”, que a bençam na cagada um bom christão, sem culpa e sem temor de punição, pudesse declarar, aqui tambem!


INCONFESSIONARIO

DISSONNETTO ORAL SEM SER VERBAL [4165] Assim, “Ora, meu filho...”, por escripto, paresce até que o padre recommenda que sua ovelha reze. Não se offenda, portanto, quem tiver fervor convicto. Ouvindo, porem, soa-me exquisito, pois ha quem “Ora, bollas!” nisso entenda. Si alguem houver trilhado errada senda, na certa supporá que leva um pito. O padre a voz varia: ora diz “ora” dum jeito que impressão boa nos passe, em tom agudo, como si affirmasse a crença; ora, em tom grave, quasi chora. Que tudo é fingimento, em sua face está patenteado. Resta, agora, daquella mais catholica senhora que o padre escute “É foda!” e se embarace.

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76 GLAUCO MATTOSO

PROPRIEDADE DE EXPRESSÃO [4404] Um padre não diz “Ui!”, siquer um “Ai!”. Jamais exclama “Porra!” nem “Caralho!”, siquer numa afflicção, num acto falho. São taes interjeições offensa ao Pae! Será mais impensavel dizer “Vae p’ra puta que o pariu!”, mesmo si o ralho for contra, entre os pestinhas, o pirralho que empurra a estatueta, e o sancto cae. No exacto instante, um padre só diz “Oh!”, que, alem de ser euphonico o tal brado, é termo mais solenne e mais sagrado, quer seja de alegria, dor ou dó! Diria o padre Sylvio, o padre Amado, ou mesmo o Julio um “Oh!” discreto, um só, que vem de la, de dentro do loló, si fosse no local massageado.


INCONFESSIONARIO

BOBAGENS CONSAGRADAS [4456] Catholicos duvidam que alguem possa zombar da mãe de Deus, Nossa Senhora, a quem o peccador, em prantos, ora e muita procissão o povo engrossa. Porem o cineasta disso troça, pois vemos um actor, quando decora dialogos, sorrindo: é que, na hora do expanto, encontra escripto “Minha nossa!” Roptina nas dublagens, essa linha traduz nossa pobreza creativa. Pergunta-se: affinal, a “nossa” é “minha” appenas, ou a “minha” é collectiva... A poncto de ser “nossa” essa abobrinha? Si digo “Nossa minha!”, alguem me criva de appartes e quinaus, mas não me vinha ninguem antes gastar nisso a saliva!

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78 GLAUCO MATTOSO

CASO VAZADO [4743] Que o padre era pedophilo, na villa sabia todo mundo. O que ninguem siquer imaginava é que tambem coprophilo elle fosse! E nem vacilla! Até que descobriram que perfila seu typo de tarado o de alguem sem escrupulo nem nojo, que, nem bem a merda sae, se appressa a degluttil-a! Convida um garotinho a fazer tudo que quasi que a cueca ja lhe empappa, num pratto e não no vaso! Depois, pappa aquillo na presença do “menudo”! Segredo a todos pede, mas excappa, emfim, do padre o podre cabelludo: entrando no quartinho, um abelhudo o flagra, de marron coberta a nappa!


INCONFESSIONARIO

TOLETE NO BANQUETE [4924] Não ha scena mais torpe, em todo o cine, que aquella do banquete sadeano no filme que o camufla de italiano: “Salò”, na direcção de Pasolini. Quem são os commensaes? Ha quem opine que está representado alli, com panno de fundo antifascista, esse mundano estrato social que o cu define. De merda elles se servem! Satanaz veria com prazer essa nojenta sequencia coprophagica e mordaz que estomago quem só tem forte enfrenta. Convem mais um porem dar, aliaz. Si alguem comer aquillo não aguenta, commenta outro conviva: “É facil! Faz pedido à Virgem Sancta! Reza e tenta!”

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80 GLAUCO MATTOSO

CONFESSIONARIO PRIMARIO [4940] Preciso confessar, padre! Eu, que pecco demais, depois me afflijo e me arrependo! Pequei de novo, agora, mas me rendo aos sanctos mandamentos, meu padreco! Sim, padre, é sempre assim: quando eu defeco, planejo torturar alguem, só vendo! É como si o cocô que estou fazendo alguem deva comer e tenha um treco! É foda, meu padrinho! Eu imagino que obrigo a comer tudo um inimigo! Padrinho, eu cago assim desde menino! Precisa accreditar, meu, no que digo! Então não sou assim tão... tão... maligno? Padreco, então não pecco? Nem castigo meresço? Sou, de facto, bem franzino! Por isso almejo a forra, aqui commigo.


INCONFESSIONARIO

VOCAÇÃO INVOCADA [5015] A freira, do convento no jardim, costura, sentadinha, ouvindo o canto dos passaros. Naquelle logar sancto paresce tudo a prece ter por fim. Mas ella espeta o dedo... e grita assim: “Ai, merda!” Desboccada foi, e tanto, que fica emmudescida até, de expanto, com medo de que escutem. “Ai de mim!” “Caralho! Fallei merda!”, a freira brada comsigo, inconformada. Mais se expanta a cada palavrão, blasphemia a cada, embora sua fé nem seja tanta. Ja nem está, de facto, tão chocada. “Ah, foda-se!” A freirinha se levanta. “Eu nunca quiz ser freira, porra!” Irada, excarra o catarrhinho da garganta.

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82 GLAUCO MATTOSO

SENSAÇÃO E TEMPTAÇÃO [5035] O padre está sentado na privada, pellado. Nem tomou seu banho ainda. Lembrou-se da mulher que, loira e linda, temptou-o, mas com ella não quiz nada. Medita, emquanto agguarda que a cagada comece: appós trez dias, é bemvinda. Emfim, a Natureza vibra e brinda! Afflicto, o padre offega e um “Oh!” ja brada. Segura o barrigão e mais um “Oh!” lhe excappa: eis que expelliu o cagalhão maior, cujo diametro era tão demais, que em suas tripas dava um nó. Emquanto mais toletes, “Oh!”, lhe vão sahindo, elle repete: “Oh!”... Falta um só. Supplica, “Oh! Virgem Sancta! Oh! Tenha dó!” “Oh!”, geme, “Oh! Vade retro, temptação!”


INCONFESSIONARIO

EXAME DE CONSCIENCIA [5280] Pae nosso, que no Inferno estaes, que nome vos posso dar? De sancto, não, é claro! Não venha o vosso reino a nós, meu caro Papae, si infernal fogo vos consome! Vontade, caso seja a vossa fome de sadicas vinganças, eu declaro que tenho medo della! Não é raro topal-a pela frente! E o bicho come! Aqui na terra, a gente pede pão e leva pau no rabo! Eu devo o cu e os olhos, propriamente, em termo cru, mas, quando vos imploro, choro em vão! Cahir em temptação virou tabu! Peccar não tem siquer a redempção! Que faço, então? Vos peço algum perdão? Ou mando-vos dar rabo a Belzebuth?

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84 GLAUCO MATTOSO

FEDORENTO E FERVOROSO [5294] Fez força. Soltou gazes, mas daquillo que importa, mesmo, nada sahir quiz. Tentou de novo. Aos poucos, veiu o bis dos peidos. Tudo estava mais tranquillo. Mas era allarme falso. Ao seu estylo, o estupido intestino do infeliz e afflicto constipado foi juiz dos factos e negou-se a bem servil-o. Sem outra solução que lhe viesse, appenas transcendente é o que se enseja. Restou ao enfezado aquella prece rezar: “Nossa Senhora, me proteja! Me adjude! Meu cocô, porra, não desce!” Immediatamente, la da egreja, se escuta o som dos sinos... E accontesce a graça: as fezes descem! Assim seja!


INCONFESSIONARIO

DISSONNETTO DUMA FÉ DE MENOS [5343] Eu rezei, ja, certa vez, quando ainda visão tinha. Implorei, vejam vocês, pela graça da sanctinha! De orações fiquei freguez e a fazer promessas vinha. Mas a propria vida fez que eu mudasse depressinha. O glaucoma se aggravando, em quem tantos males barra eu ainda creio, quando a cegueira, emfim, me aggarra! Crente a gente teima em ser no que a Biblia sempre narra, mas Satan tem o poder de meu olho abrir na marra!

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86 GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO DUM MARTYROLOGIO MUNDANO [5345] Na folhinha todo dia tem um sancto e todo sancto padesceu duma agonia, que dó causa em qualquer cantho. Quando joven, eu só lia de martyrios caso tanto para olhar como soffria cada sancto, com expanto. Admirava-me a assumida penitencia, que commento tantas vezes, de quem lida com o proprio soffrimento. Hoje assumo: sou masoca. Disso faço assumpto bento. Si me pisam, lambo, em troca, mas ser sancto eu jamais tento.


INCONFESSIONARIO

DISSONNETTO DUM PECCADO PERDOADO [5346] Confessei-me, sim, confesso. Ja contei ao padre minha fetichista tara: “Peço perdão pela acção damninha!” Rindo, o padre, sem successo, perdoava o que eu ja tinha commettido. Mas progresso eu fazia nessa linha. Vou aqui rememorando... Quanto mais me confessava, mais a minha lingua escrava dum pezão ia ficando. Fica ainda, vez em quando... Menos mal que eu, hoje em dia, pés prefiro à putaria e ao peccado mais nefando.

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88 GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO DUM PHARISEU QUE NEM EU [5347] Ao rezar a Ave Maria, eu pensava num collega que, rezando, só fingia, como eu mesmo, uma fé cega: “Que saphado! Balbucia a oração como quem nega ser um sadico, mas fria tem a mente, si me pega!” Mal sahiamos da egreja, elle, que era bom de briga, me mandava: {Ahi, rasteja, seu cegueta duma figa!} A seus pés, eu mattutava: “Si um ceguinho aos maus instiga, elle em publico me aggrava, mas ninguem tem dó nem liga!”


INCONFESSIONARIO

DISSONNETTO DUM PHILISTEU SÓ MEU [5348] Um moleque que rasteja humilhado, doutro, aos pés, não espera que alguem seja piedoso, entre mil fés. Masochismo lhe sobeja si ficou, do chão, no rés. Que, ja cego, nada veja gostariam disso uns dez. Ser Sansão ante a turminha e soffrer como o judeu sempre fora tara minha, mas maior tesão foi meu: Quando um delles se fechava só commigo e do meu breu abusava, a bocca escrava mais servia ao philisteu.

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DISSONNETTO DUMA ESCRAVA QUE POSAVA [5349] Ler a Biblia muita coisa. por exemplo, foi bastante

nos ensigna Magdalena, libertina e se condemna.

Percebeu que era divina de Jesus a sola? Ou plena consciencia teve e fina syntonia nessa scena? Eu direi que fez eschola. Não beijou somente o dorso do pé delle: sem exforço, lambeu ella a suja sola! Muita coisa agora rolla! Ser christão más fés despista e accoberta um masochista, mas, a mim, só fé não colla!


INCONFESSIONARIO

DISSONNETTO DUMA PAUSA PARA MEDITAÇÃO [5373] Punhetava-se na cella do mosteiro um monge, quando se lembrou, feliz, daquella oração. Gozou, arfando. Exquescida estava a bella prece antiga. Ao monge, pando, relaxado, ella revela seu poder de oral commando. Eu a rezo quando batto. Si rezada emquanto alguem batte bronha, a prece tem seu effeito immediato. Ah, funcciona, sim, de facto! Faz jorrar a porra até de quem ja não tem mais fé num caralho molle e ingrato...

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92 GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO DUMA VOCAÇÃO EM CRISE [5374] No convento, o Demo invade duma freira o coração. Ella tem necessidade, ja, do penis dum christão. O que importa é que ella aggrade sua vulva afflicta. Não quer saber si vem dum frade ou dum padre o membro irmão. Que immoral concupiscencia! Sim, fremente, sae a freira à procura de quem queira defloral-a com urgencia! Que pathetica carencia! Acha o abbade velho e brocha que a linguona nella attocha e a accalmar-se, emfim, convence-a.


INCONFESSIONARIO

DISSONNETTO DUM PASSAPORTE QUE COMFORTE [5375] Vocação religiosa é difficil ser mantida. Um noviço ja não goza ha semanas, nessa lida. Preces canta. Firme, posa de abstinente, mas a vida na clausura é tediosa e é Satan quem o convida. Que convite demoniaco! Acha, dentro dum volume de orações, uma que assume seu poder aphrodisiaco. Quem não fica, assim, maniaco? Logo, em ecstase, o noviço vê que só depende disso o prazer paradisiaco.

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94 GLAUCO MATTOSO

DISSONNETTO DUMA CAUSA INADDIAVEL [5384] Que é Donde Perco E meu

que eu faço? Estou afflicto! tiro esse dinheiro? o emprego? Me demitto? carro? Encontro inteiro?

Candomblé? Não accredito! Mago? Bruxo? Feiticeiro? Chamarei Sancto Expedito! Esse é mesmo milagreiro! Admanhan, si não me enganno, delle é dia, meu irmão! Com fervor, aqui me irmano aos fieis que pedir vão. Não! É hoje! É para agora! Corra! Faça-lhe oração! Quem adjuda não demora! Quem demora adjuda ao Cão!


INCONFESSIONARIO

TREZ DESEJOS [5565] Ouvi de meu demonio: “Tu possues direito a trez desejos!” Da primeira vez, classico pedi para ser. Crus calões poz-me Satan na penna arteira. Pedi, pela segunda vez: “Jesus, som quero nos meus versos, com inteira orchestra philharmonica!” Fiz jus ao peso dum rockeiro na pauleira. Restou-me um só pedido. Ja deduz alguem que aos céus pedi que de maneira nenhuma me cegassem. Urubus mais sorte teem, visão teem mais certeira. Castanhos os meus eram. Os suppuz azues, si cor pedido for: “Zeus queira!” Quiz Juppiter: meus olhos são azues, opalla, mas opaca, na cegueira.

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96 GLAUCO MATTOSO

ETERNO CALOR MATERNO [5651] A minha mãe morreu soffrendo. Tento lembrar-me disso o quanto menos, mas me lembro quando as coisas andam más. Ninguem meresce tanto soffrimento. Coitada, agonizou. Eu não aguento soffrer nem a metade do que, nas semanas terminaes, ella, tenaz, passou. Ja passei, acho, uns dez por cento. Mas, quando supportando não vou mais, não rezo, propriamente, nem levanto as mãos ao céu. Appenas, no meu cantho, concentro-me e, por ella, choro uns ais. Milagre não direi, mas cruciaes symptomas cessam. Para meu expanto, meus ais escuta alguem que, tanto quanto sei, vive eternamente entre os mortaes.


INCONFESSIONARIO

PARA JUBILO DE JUPPITER [5675] A Zeus eu rezo, um dia appós um dia, emquanto, ainda lucido, me deito (mas ja sem ver nenhuma luz) no leito e peço que me macte. É o que eu queria. Me macte ‘inda dormindo, Zeus! Podia ser desse modo magico. Meu pleito não é tão descabido: tinham feito os deuses coisa assim, sem agonia. Fallar ouço dum gajo que se deita sem nada sentir, mesmo sem ter dor nenhuma, sem ter sido portador da chaga, sem de cancer a suspeita. E morre elle, feliz! Si Zeus acceita a minha prece, eu juro: quando for, a hora de encontral-o, “Meu Senhor! (direi) Ja de Satan não sou da seita!”

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98 GLAUCO MATTOSO

CEGO PUTO NADA REZA [5710] Cada fé seu deus festeja. Eu festejo até na dor. Grato, alguem que ja não veja Oração faz ao Senhor: “Pae, cegaste-me! Assim seja! Um pedido só, si eu for Te pedir, é o que me enseja: Olho tens? No cu vae pôr!” No cu, sim, Anda ja bem Dou razão a A rosquinha

Senhor! O meu castigado! quem fodeu dum veado!

Rogo a ti, Senhor! Atheu Eu não posso ser chamado! Zeus tambem ja respondeu, Attochando-me o cajado!


INCONFESSIONARIO

PEIXÃO DA PAIXÃO [5730] Si em dois mil e dezesepte treze é quincta-feira sancta, peccadilho não commette quem beijar uns pés à janta. Si será de algum pivete ou dum preso, não faz tanta differença, pois me mette sobre a cara a sua planta. Mas em sonho, pois não sou padre, bispo ou cardeal. Mais eu lucro, porque dou lambidellas nesse sal. É salgado, ja fallou disso o bardo, o pé do tal pivetão que celebrou semaninha tão paschal.

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100 GLAUCO MATTOSO

PERSIGNOU-SE E RESIGNOU-SE [5803] Cruz carrego e della fallo, neste ensejo, com franqueza. Oxalá levasse um phallo, uma grossa rolla tesa! Fiz signal ja, quando ainda a ver podia, mas me dóe hoje, e

vou fallal-o, luz accesa o callo a merda presa.

Quiz fazer signal da cruz o ceguinho condemnado ao castigo que reduz quaesquer sonhos seus, coitado! Pesadellos teve, Exus lhe espetaram o surrado trazeirão. Nem jus Jesus fez ao symbolo sagrado.


INCONFESSIONARIO

IMMISERICORDIOSA GLOSA [5824] Celebrar Nossa Senhora é costume, a plebe endossa. Não exclama só quem ora, todavia, “Minha nossa!” Quem exclama commemora quando advista a grana grossa numa mala, si assessora um politico e a mão coça. Quem rezou pelo dinheiro attendido foi, talvez. Mas si alguem pensou primeiro na sahude, perdeu vez. Eu fiquei foi prisioneiro da cegueira, que me fez ser da Sancta derradeiro devedor, como freguez.

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LEUCOPROPHILOS THEOLOGOS [5845] {Hem, Glauco? O “beijo negro” não é dicto da bocca duma bruxa alli no rabo do Demo? Ora, pensando nisso, accabo chegando a reflexões que não evito... E o cu de Deus? Ninguem beija? Accredito que delle só beijaram a mão! Brabo ficou si lhe quizeram dar no nabo um beijo que entesasse... Estraga o rito! Hem? Thema theologico, Glaucão! Você não acha authentica a proposta de nisso nós pensarmos? Não apposta que muito se discuta tal questão?} -- Apposto. Mas não vejo um bom christão querendo do Senhor provar a bosta. Talvez um peccador queira, si gosta de caro pagar, antes do perdão...


INCONFESSIONARIO

ORATORIO OROTURBATORIO [5863] Fazei, Senhor, que um cego utilidade consiga triplamente exercer em quem pode, felizmente, enxergar bem! Fazei, Senhor, que eu nunca desaggrade! Fazei que minha bocca se degrade trez vezes: nos dois pés, lambendo, sem nenhum nojo, o chulé; fazei tambem que eu limpe, do cu, toda a sujidade! Por ultimo, Senhor, de mim fazei um prompto fellador! Não me deixeis de esmegma sentir asco, si quereis que eu seja cumpridor da vossa lei! Fazei que, num irmão, tudo o que sei fazer eu oralmente faça! Reis serão meus, dos sessenta aos dezeseis, os bons irmãos dum util cego gay!

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104 GLAUCO MATTOSO

MEME DA UNCÇÃO [5896] Fallar dos “pés ungidos” dum pastor faz jus à minha lingua, assaz “ungida”, tambem, mystico thema que convida o crente à servidão, mas com amor! Quem mais predestinado será, por vontade do Senhor, para a devida lambida, a divinissima lambida no pé do mais prophano peccador? Tal lingua appenas eu, o mais punido de todos, é que tenho! Ja lambi o pé de quem peccou, de quem sorri peccando, quem jamais foi convertido! Mas lambo, porque tenho uma libido sagrada, consagrada, piriri, direi, e pororó! Ninguem aqui duvida, né? Nem eu de mim duvido!


INCONFESSIONARIO

VIGARIO SOLITARIO [5948] Peccado Aquelle ou quem nenhuma

por peccado, quem mais pecca? que peccou battendo bronha trepou com outro, sem vergonha si na rolla alguem defeca?

Sozinho quem peccou mella a cueca, no maximo. Assim, culpa quem lhe ponha esteve exaggerando no que sonha de casto ou de manchado quando secca. Alem do mais, quem pecca a dois se presta a alheio julgamento do que seja peccado, numa egreja ou noutra egreja. Quem pecca a sós se basta em sua festa. Se pune elle, si culpa achar que resta punir, mas não entrega de bandeja a sua confissão a quem esteja babando de tesão, suando a testa.

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106 GLAUCO MATTOSO

MISCELLANEA THEOLOGICA [5989] Quem é que responsavel foi por isto? Alguem precisa estar por traz de tudo que pode accontescer si eu não me adjudo. Mas nem por isso um deus será bemquisto. Appenas por ser Pae, que foi de Christo, não acho omnipotente esse marrudo Senhor que nos opprime. Não me illudo. Em seitas doutrinarias não invisto. Não posso responder pelo que quero mas nunca realizo, ou por aquillo que evito mas occorre. O risco zero jamais exsiste, como o mar tranquillo. Si penso eu temo; Si fallo mas algo

no poder dum deus severo, si não penso, me horripillo. como bardo, sou sincero, eu exaggero, ao meu estylo.


INCONFESSIONARIO

ALLEGRO MA NON TROPPO [6066] Emquanto pisco um olho, o ser humano trabalha por mim, cumpre meu intento. Accabam de inventar, neste momento difficil, mais um virus que faz damno. Assim que eu gosto! Os gajos do mundano planeta jus me fazem! Me contento com isso! Tanto forjam o tormento ao jeito meu, que delles eu me uffano! Admasso-lhes o pão, mas elles -- Porra! -não comem conformados! Uma vela accendem para mim, outra alguem zela a fim de que qualquer sancto os soccorra! Então, nem sempre exguicho minha porra com todo o tesão, mesmo si me fella a bocca desse cego que faz bella e docil oração, antes que morra!

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108 GLAUCO MATTOSO

HASHTAG CHRISTO SALVA [6159] Hem, Glauco, quer dizer curando gay mas, quanto de cura? Que engraçado! pastor uma desculpa dá,

que tem egreja ao virus, nada Como cada que seja?

Então um pastor desses exbraveja só contra gays, mas delles a manada ninguem será capaz de ver curada? Faltava, a elles proprios, quem proteja! Não era Christo, Glauco, quem dizia que enxergam elles cisco no olho alheio e fingem que não viram, bem no meio do proprio, um travessão? Hem? Que ironia! Puzeram um adviso onde se lia: “Devido ao virus, hoje, com receio de encosto, não teremos templo cheio nem cura programmada.” Quem diria?


INCONFESSIONARIO

MORAL (II) [6192] Familia christan, porra! Jesus, porra! Valores moraes, porra! Religião, caralho! Deus, caralho! Você não entende que eu a nomes taes recorra? Chamar Nossa Senhora de cachorra jamais irei! No funk é que elles vão fazer isso, caralho! O palavrão quem usa assim eu quero que elle morra! Que bosta! Aquella bosta de jornal fodeu minha familia, porra! Sou christão, tenho principios, e não vou xingar tal como xingam, affinal! Não sou como você, Glauco, que mal emprega a nossa lingua! Não dou show de exporro, de barraco! Quem fallou besteira foi você, que é sem moral!

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110 GLAUCO MATTOSO

MENINOS [6194] Jesus não foi appenas flagellado. Soffreu humilhações diversas. Para quem Anna Catharina leu, a cara sagrada do Senhor foi chão pisado. Pisaram-no os carrascos. O solado grosseiro das sandalias lhe exfregara os labios ja sangrentos. Gargalhara quem delle tinha feito um pão sovado. Meninos, sim, meninos tambem disso risada deram muita. Quem espinho junctou, para a coroa de excarninho proveito, foram elles. Que serviço! E, para não dizer que fui ommisso, Jesus lhes rastejou aos pés. Caminho fizeram com seu passo os do gruppinho no sancto rosto. Orgastico feitiço!


INCONFESSIONARIO

PRESENÇA DE ESPIRITO [6239] Meu pae dizia: “Christo vem ahi!” Viveu elle septenta annos, mas nem siquer sombra de Christo viu do Alem surgir! Nem eu, tampouco, sombra vi! Ninguem que eu conhescesse e que não ri de tantas prophecias dizer vem que viu Christo chegar, Glauco, ninguem! Estou descrente, Glauco! E quanto a ti? Quem sabe si elle esteve mesmo, mas ninguem o percebeu, ou ninguem deu ouvidos, ja que encontra a gente atheu por todo lado, ouvindo um Satanaz... Até suspeito, Glauco, que, aliaz, eu seja Jesus, juro! Sim, pois meu recado ninguem ouve! Me entendeu errado o povo! Tantas mentes más!

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112 GLAUCO MATTOSO

JACULATORIAS [6246] Glaucão, o Padre Sade ja me disse que fosse devagar com a punheta. Então prolongo, sempre que commetta aquella natural semvergonhice. Tambem Padre Feijó fez que eu seguisse a practica christan mais obsoleta: Queria que eu evite dizer peta! Então fallei-lhe logo que é crendice. Glaucão, tambem fallou o que é feio ser discipulo que pecca quem falseia a Então fallei: quem morre

Padre Serra de Onan, fé christan. não mais erra.

Tambem tu, Glauco, dizes que na Terra pó somos e qualquer vaidade é van. Então não vou deixar para admanhan meu gozo, si o tesão logo se encerra.


INCONFESSIONARIO

ESTIMULO [6267] Paresce que esse heroe, Demolidor, ao padre confessou-se, ‘inda menino, depois de ficar cego. Ora, imagino que tenha lamentado sua dor! Teria dicto: “Como um peccador serei? Um cego, pelo seu destino, não pode fazer nada! Não attino que possa, assim, peccar! Que vou suppor?” Que bella deducção! Não é, Glaucão? Então mais innocente eu sou e fico tranquillo p’ra sentar a mão, o bicco da bota num babaca sem visão! Ah, Glauco! Desse heroe cegueta não senti misericordia! Acho tão rico de estimulo um gibi no qual o Chico appanha do Francisco, ou batte, então!

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114 GLAUCO MATTOSO

PSYCHOGRAPHANDO ALBERTO DE OLIVEIRA [6323] Jesus invoca Alberto de Oliveira, depois de morto, para semear amor, louvar conducta que exemplar se diga, tolerante, irman, parceira. Não é que contestar o vate eu queira, mas isso dum christão a face dar a toda bofetada ja logar não pode ter, é cynica besteira! Alberto quer que evitem a vingança os vivos, que não paguem mal com mal! Mas como, caro Glauco, si normal é a gente se vingar, desde creança? Jamais da forra alguem aqui se cansa! Eu quero ver ferrado o meu rival! Só mesmo você, Glauco, não tem tal recurso! São os cegos gente mansa!


INCONFESSIONARIO

PSYCHOGRAPHANDO AUGUSTO DOS ANJOS [6330] Estou chocado, Glauco! Como pode o Chico Xavier compor sozinho sonnettos que retractam direitinho o Augusto? Como lyra tal accode? Glaucão, é natural que se incommode a gente com o Alem! Eu, no caminho da vida, me fodi! Nem adivinho o jeito como um cego, então, se fode! Comtudo, bardo sceptico suppuz que seja Augusto! Occorre que não é! Depois de morto, obstenta a sua fé na these mais espirita, na luz! Sim, Glauco! Reconhesce elle Jesus! Você tambem podia, cara, até seguir do bardo os passos, sem do pé abrir mão! Pense, em Christo, nos pés nus!

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116 GLAUCO MATTOSO

AMEN DO ALEM [6343] É o cego um ser vendado, que não passa de escravo, si for util para scenas de sadomasochismo, onde elle appenas trabalha, a remoer sua desgraça! Assim é que elle encarna, Glauco, a raça de todos que ahi pagam suas penas! Melhor considerar que te condemnas, na Terra, a só chupar quem te desfaça! Dahi ja me livrei! Estou agora num plano superior, bem mais ameno! Ainda purgarás o teu veneno em muitas outras vidas, Glaucão! Ora! Sim, ora! Vae chamar Nossa Senhora, São Pedro, São Thomé! Nem te condemno por teres feito versos de pequeno valor, o lado oral que pões p’ra fora!


INCONFESSIONARIO

CRENÇA QUE COMPENSA [6374] Ouvindo um barulhinho no porão, rezei, Glauco, rezei ao padroeiro. Mas nada addeantou. O que primeiro baixinho foi, virou um barulhão. Rezei, quando um phantasma fez clarão. Chamei Nossa Senhora. Aquelle cheiro de incenso senti. Nada mais certeiro. Agora fede enxofre a assombração. Ainda rezei quando no meu pé tocou o poltergeist endiabrado. Pedi para Jesus, mas o meu lado ninguem olhou. Perdi todinha a fé. Emfim, rezei a Lucifer. Pois é. Não vejo mais espiritos, coitado de mim. Mas peorou o resultado. Commigo o Demo mora, agora, até.

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118 GLAUCO MATTOSO

CONFIDENCIA DA CONFISSÃO [6376] Egrejas reabertas, outro dia tractei de confessar-me. Glauco, sabe que foi que perguntou (veja si cabe) o padre? Si pequei na pandemia! De tudo me indagou! Da putaria todinha: quem eu coma, quem enrabe, quem não, mas, de comer, caso me gabe, emfim, tudo onde entrou pornographia! Que chato, né, Glaucão? Padre insistente! Será porque eu fallei que, em quarentena, a gente incrementou aquella scena na qual maior tesão, lembrando, sente? Mas eu não confessei tudo! Somente aquillo que lembrei e que me antenna! Faltou reconhescer que tive pena de não foder alguem tambem doente!




SUMMARIO EPIGONOMASTICO [4036]...................................9 DISSONNETTO CHRISTÃO [0032]............................10 DISSONNETTO SACERDOTAL [0098]..........................11 DISSONNETTO DEMONOLOGICO [0175]........................12 DISSONNETTO THEOLOGICO [0176]..........................13 DISSONNETTO INJURIADO [0616]...........................14 DISSONNETTO PODOLATRADO [0739].........................15 DISSONNETTO DA CONFRARIA SECRETA [0798]................16 DISSONNETTO DA DEVOÇÃO [0839]..........................17 DISSONNETTO PASTORAL [0971]............................18 DISSONNETTO DA GRAÇA PROPHANA [1168]...................19 DISSONNETTO DO PECCADO NATURAL [1216]..................20 DISSONNETTO DO CONGRAÇAMENTO CARNAVALESCO [1227].......21 DISSONNETTO DO SANCTO REMEDIO [1236]...................22 DISSONNETTO DA ORGIA NA LITURGIA [1239]................23 DISSONNETTO DA MÃO ESQUERDA [1241].....................24 DISSONNETTO DO TRACTO INTESTINAL [1243]................25 DISSONNETTO DO AVARENTO CASTIGADO [1244]...............26 DISSONNETTO DO CINEMA BLASPHEMO [1365].................27 DISSONNETTO DA PAROCHIA DE PERIPHERIA [1411]...........28 DISSONNETTO DA MANIFESTAÇÃO MALEFICA [1493]............29 DISSONNETTO DA DUPLA IDENTIDADE [1637].................30 DISSONNETTO DA COMMUNHÃO NO BODUM [1657]...............31 DISSONNETTO PARA UM IRMÃO EM CHRISTO [1743]............32 DISSONNETTO PARA UMA SACERDOTIZA HUMILDE [1753]........33 DISSONNETTO PARA UM VOTO DE HUMILDADE [1811]...........34 DISSONNETTO DA MORTE DE PEDRO JOSÉ CONSTANCIO [1818]...35


DISSONNETTO PARA UM PADRE NOTORIO [2026]...............36 DISSONNETTO PARA A MENINADA DESAMPARADA [2036].........37 DISSONNETTO PARA UMA SAGRAÇÃO DE GRAÇA [2064]..........38 DISSONNETTO PARA A QUINCTA-FEIRA [2125]................39 DISSONNETTO PARA UMA FÉ TIDA COMO FETIDA [2136]........40 DISSONNETTO DO EDIFICANTE THOMISMO [2208]..............41 DISSONNETTO PARA A CREAÇÃO DO MUNDO [2301].............42 DISSONNETTO PARA O DIA DO JUIZO [2302].................43 DISSONNETTO PARA O MANJAR PARADISIACO [2304]...........44 DISSONNETTO PARA O APOSTOLO, APPÓS TEL-O VISTO [2305]..45 DISSONNETTO PARA UMA MIJADA ARRISCADA [2307]...........46 DISSONNETTO PARA O PORTEIRO DO MOSTEIRO [2309].........47 DISSONNETTO PARA O TRACTO DUM TRACTANTE [2310].........48 DISSONNETTO PARA A BUÇA E A CARAPUÇA [2311]............49 DISSONNETTO PARA A EDUCAÇÃO DO CHRISTÃO [2318].........50 DISSONNETTO PARA UM ABRIGO AMIGO [2352]................51 DISSONNETTO PARA UMA CONFISSÃO PERDOAVEL [2353]........52 DISSONNETTO PARA UM INFERNO INTERNO [2354].............53 DISSONNETTO PARA MAIS UM VOTO DE HUMILDADE [2355]......54 DISSONNETTO PARA UMA DURA ESCULPTURA [2356]............55 DISSONNETTO PARA UMA VIDA DE CACHORRO [2357]...........56 DISSONNETTO PARA UMA INCULTA MULCTA [2368].............57 DISSONNETTO PARA OS AFFAZERES DO PAPA [2372]...........58 DISSONNETTO PARA OUTRO CONGRAÇAMENTO CARNAVALESCO [2398]..59 DISSONNETTO PARA UM VENTO CONTRARIO [2556].............60 DISSONNETTO SOBRE UM PEREGRINO RECOMFORTADO [2917].....61 MYSTICA GALHOFA [3139].................................62 MASOCHRISTICAMENTE IRMANADO [3528].....................63 PECCADO VENIAL [3956]..................................64 PECCADO MORTAL [3957]..................................65


PECCADO ORIGINAL [3961]................................66 PECCADO CAPITAL [3962].................................67 SAGRADA CAGADA [4003]..................................68 UM MAGOTE DE CAMAROTE [4027]...........................69 ARCHIVO VIVO [4031]....................................70 ORAÇÃO DO PAGÃO [4117].................................71 VERDADE REVELADA [4118]................................72 PEDROS NO CAMINHO [4135]...............................73 AOS HOMENS DE BOA VONTADE [4149].......................74 DISSONNETTO ORAL SEM SER VERBAL [4165].................75 PROPRIEDADE DE EXPRESSÃO [4404]........................76 BOBAGENS CONSAGRADAS [4456]............................77 CASO VAZADO [4743].....................................78 TOLETE NO BANQUETE [4924]..............................79 CONFESSIONARIO PRIMARIO [4940].........................80 VOCAÇÃO INVOCADA [5015]................................81 SENSAÇÃO E TEMPTAÇÃO [5035]............................82 EXAME DE CONSCIENCIA [5280]............................83 FEDORENTO E FERVOROSO [5294]...........................84 DISSONNETTO DUMA FÉ DE MENOS [5343]....................85 DISSONNETTO DUM MARTYROLOGIO MUNDANO [5345]............86 DISSONNETTO DUM PECCADO PERDOADO [5346]................87 DISSONNETTO DUM PHARISEU QUE NEM EU [5347].............88 DISSONNETTO DUM PHILISTEU SÓ MEU [5348]................89 DISSONNETTO DUMA ESCRAVA QUE POSAVA [5349].............90 DISSONNETTO DUMA PAUSA PARA MEDITAÇÃO [5373]...........91 DISSONNETTO DUMA VOCAÇÃO EM CRISE [5374]...............92 DISSONNETTO DUM PASSAPORTE QUE COMFORTE [5375].........93 DISSONNETTO DUMA CAUSA INADDIAVEL [5384]...............94 TREZ DESEJOS [5565]....................................95


ETERNO CALOR MATERNO [5651]............................96 PARA JUBILO DE JUPPITER [5675].........................97 CEGO PUTO NADA REZA [5710].............................98 PEIXÃO DA PAIXÃO [5730]................................99 PERSIGNOU-SE E RESIGNOU-SE [5803].....................100 IMMISERICORDIOSA GLOSA [5824].........................101 LEUCOPROPHILOS THEOLOGOS [5845].......................102 ORATORIO OROTURBATORIO [5863].........................103 MEME DA UNCÇÃO [5896].................................104 VIGARIO SOLITARIO [5948]..............................105 MISCELLANEA THEOLOGICA [5989].........................106 ALLEGRO MA NON TROPPO [6066]..........................107 HASHTAG CHRISTO SALVA [6159]..........................108 MORAL (II) [6192].....................................109 MENINOS [6194]........................................110 PRESENÇA DE ESPIRITO [6239]...........................111 JACULATORIAS [6246]...................................112 ESTIMULO [6267].......................................113 PSYCHOGRAPHANDO ALBERTO DE OLIVEIRA [6323]............114 PSYCHOGRAPHANDO AUGUSTO DOS ANJOS [6330]..............115 AMEN DO ALEM [6343]...................................116 CRENÇA QUE COMPENSA [6374]............................117 CONFIDENCIA DA CONFISSÃO [6376].......................118


Titulos publicados: A PLANTA DA DONZELLA ODE AO AEDO E OUTRAS BALLADAS INFINITILHOS EXCOLHIDOS MOLYSMOPHOBIA: POESIA NA PANDEMIA RHAPSODIAS HUMANAS INDISSONNETTIZAVEIS LIVRO DE RECLAMAÇÕES VICIO DE OFFICIO E OUTROS DISSONNETTOS MEMORIAS SENTIMENTAES, SENSUAES, SENSORIAES E SENSACIONAES GRAPHIA ENGARRAFADA HISTORIA DA CEGUEIRA INSPIRITISMO MUSAS ABUSADAS SADOMASOCHISMO: MODO DE USAR E ABUSAR DESCOMPROMETTIMENTO EM DISSONNETTO DESINFANTILISMO EM DISSONNETTO SEMANTICA QUANTICA


São Paulo Casa de Ferreiro 2021




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