INDISSONNETTIZAVEIS

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glgGLAUCO MAT TOSO

INDISSONNET TIZAVEIS

São Paulo Casa de Ferreiro 2020


Indissonnettizaveis Glauco Mattoso © Glauco Mattoso, 2020 Revisão Lucio Medeiros Projeto gráfico Lucio Medeiros Capa Concepção: Glauco Mattoso Execução: Lucio Medeiros

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Mattoso, Glauco

INDISSONNETTIZAVEIS/Glauco Mattoso

São Paulo: Casa de Ferreiro, 2020 108p., 21 x 21cm ISBN: 978-85-98271-28-4

1.Poesia Brasileira I. Autor. II. Título.

B869.1


NOTA INTRODUCTORIA

Esta anthologia selecciona, dentre os poemas que compuz em 2019, aquelles que, como o titulo suggere, não se enquadram na estrophação do sonnetto, melhor dizendo, do dissonnetto, ou seja, do molde dividido em quattro quartettos, que adoptei desde 2017, quando reiniciei a producção interrompida em 2012 com o sonnetto 5555. Tampouco abbastescem esta collectanea os poemas que foram incluidos nos volumes dedicados a outros generos especificos, taes como os intitulados ODE AO AEDO E OUTRAS BALLADAS, RHAPSODIAS HUMANAS, MANIFESTOS E PROTESTOS ou INFINITILHOS EXCOLHIDOS. Contorno, destarte, as inclusões repetitivas, inevitaveis nos casos de volumes thematicos, e me restrinjo aos exemplos mais representativos do experimentalismo que practiquei emquanto empregava o decasyllabo fora de quaesquer parametros previamente pensados como possiveis formulas recorrentes. Ainda assim, resalve-se, restam preservados os eschemas rhymaticos e a predominancia da composição isostrophica. O resultado final vem a ser uma admostragem da poesia sempre satyrica e fescennina que integra os volumes da serie “Neomattosiana”, taes como CRYSTALLINO CRYPTOGRAMMA, AMOR CORRESPONDIDO, CIRCUMSTANCIAES, ININTELLECTUAES e outros.



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VICIO DESVIRTUADO [0501] Poema lembra lettra de canção, que lembra as porcarias actuaes. Funkeiro lembra droga, que jamais deixar vae de lembrar uma poção. Lembrou o philtro magico um machão brochando. Um impotente não tem mais tesão. E quem não goza, só dos ais se lembra. As dores lembram afflicção. Angustia lembra as trevas da cegueira, que lembra a alva bengala, que calçadas nos lembra, de buracos attulhadas. Buraco lembra a atroz caranguejeira. A aranha chama a morte, eis que a caveira é symbolo das coisas ja passadas. Azar é o que nos lembram as más fadas, que lembram, de creanças, brincadeira. Brinquedo lembra a vida sem problema. Problema lembra prova que elimina. O zero lembra a facil sabbatina. Não ha cuzão que notas más não tema.

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As notas lembram musica. Cinema, na trilha musical, climas culmina. A linha alli de cyma aqui não rhyma. A rhyma lembra, às vezes, um poema.


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CUIDADO COM O RABO! [0017] Ouvi do Ministerio da Sahude o “allerta nacional” que me horroriza: está de escorpiões, como ja pude notar, tudo infestado! Uma pesquisa revela que é na infancia e juventude que está a lethalidade mais precisa! Piccado um molequinho, a mãe se illude achando que um antidoto ameniza as dores e o veneno, mas que mude o drama não ha nada! Agora, à guisa de espirito de porco, eu digo: estude você si dum politico a mais lisa e branca pelle quebra esse tabu de piccada ser jamais! Quem indecisa noção tem a respeito? Ao attahude que fosse um delles, logo se immuniza a nobre clientela que admehude não fica exposta ao bicho, e só se advisa à plebe que “se allerte”, mas no cu, de mactar, leve um ferrão que se eterniza...

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A ROSA AZUL E A ROSA ROSA [0020] Das cores a memoria mais amada é nitida ao ceguinho que perdeu aos poucos a visão, mas soffro, a cada manhan, quando desperto em pleno breu. Eu sonho colorido, sim! No sonho tem trajes polychromicos a fada madrinha que me assiste e mais medonho é o sonho quando accordo sem ver nada. Num desses pesadellos, quem me aggrada é minha namorada que, na phase hetero, presenteia-me, coitada, com uma rosa azul, perfeita, quasi. Em outro assustador sonho, quem traz a rosa azul ja minha namorada não é, mas sim um timido rapaz, coitado, de maneira desastrada. Aquella rosa azul, do Alem me brada alguem, é muito rara! Ao accordar do sonho, a tactear na mais cerrada e triste escuridão, falta-me um par.


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Então, eis que a fadinha, emfim, me attende e o cego companhia tem na estrada. No meio do caminho, o par, alem de guiar-me, dá-me a rosa à beira achada. Primeiro, eu cheiro a flor, que perfumada paresce-me. Depois, dedos lhe apponcto, Appalpo suas petalas. Me enfada saber da cor. Que importa? É minha, e prompto!

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OCULOS COR DE ROSA [0021] Mais vão se encarniçando aquellas taes mulheres “feministas” contra o dicto “machista”, hostilizando mais e mais os homens em geral... e aquelle mytho de “eguaes direitos” cumpre-se jamais! Eu fico imaginando si, bonito ou feio, magro ou gordo, ainda hetero eu fosse e a mulherada tal attrito creasse pro meu lado... Chance zero teriam! Chance zero, lhes repito! Em breve, outros heteros, eu espero, tambem repudial-as todas vão e, assim, accabaria o lero-lero das guerras conjugaes! Ja sem Adão nem Eva, um paraiso até tolero! Sem homens, ellas mesmas se unirão em lesbicos arranjos! Os casaes de machos crescerão! Mais união! Si, graças à sciencia, mães e paes não faltam, tudo finda bem, então!


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VERANEIO SEM DEVANEIO [0023] Verão! Calor! A praia! A cervejinha gelada! A cor marron! O sorvetinho! Chavão é o tal do “tempo bom”, mas minha exhausta paciencia rapidinho reclama da questão que me apporrinha: Suor! Como é nojento! Como é chata a roupa a se encharcar! Não me acclimato jamais! Que exsudação, ah, Zeus, que ingrata urina pelo corpo, sem que o jacto do penis saia! A pelle é que dilata! Dos poros brota mijo! Me abbespinho com essa fedidissima morrinha! Si fosse só o sovaco, só o vãozinho do artelho ou da virilha! Mas eu tinha tirado ja da chuva o cavallinho! Me fede o corpo inteiro! Deshydrato de tanto transpirar! Não ha quem batta o cego no cecê! Banho de gatto nem quero mais, só ducha, mas na latta lhes digo: pegajoso sou ao tacto!

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SOLO DE STAND UP [0026] Usei constantemente a forte scena da pena de “excarmento”, em que o subjeito, de cara para cyma, se condemna a merda receber por ter mal feito. Mas era na privada que tal pena teria seu logar, ja que me deito pensando estar debaixo da pequena bacia, à qual se senta algum “eleito”. Agora me inteirei de que, na arena lotada de islamitas o conceito fecal de punição se concatena melhor com shows de publico proveito. A arena se resume a uma latrina no andar de cyma. Appenas o maldicto punido, mais abbaixo, se illumina exposto ante os olhares, tenso, afflicto. Em pé, fica admarrado sob urina e fezes que, cahindo, dão bonito effeito sobre o rosto que se empina na marra, alçado o queixo. Ouve-se o grito:


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“Cocô! Meu Deus! Cocô!” Mais se hallucina o povo, que hurras berra, em khoro. O rito consumma-se tambem na Palestina, na Syria, no Sudão, como no Egypto.

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BOLLETIM DE OCCORRENCIA [0029] Mandei emmoldurar um quadro. O cara da loja prometteu que ficaria promptinho em quattro dias: “Ligo para você!” Nem suspeitei da porcaria. Dez dias, e eu ligando, que uma arara fiquei. Mas o serviço não sahia! Voltei pessoalmente. Não comptara, porem, com tanta falsa cortezia... Pagara antecipado, eu. Só se azara quem essa confiança teve um dia. Pensei commigo: “Trouxa! Agora cara ficou-me tão vulgar mercadoria!” Me pede novo prazo, pequenino, o cynico! Ah, menino! Não sossego emquanto não reclamo! A tão ladino lojista, dar razão? Ah, não! Me nego! Ja puto, lhe pergunto si outro fino freguez passou na frente e ja no prego seu quadro pendurou: “O otario aqui no final da fila fica?” Abri meu ego.


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Pois vejam o character do cretino! A phrase delle é o pullo onde eu o pego: “Quem, eu? Magina! Nunca discrimino ninguem, por nada! Até si for um cego!”

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LOGAR DE FALLA [0031] Estava accostumada a meretriz ao coito vaginal. Acha prudente jamais levar no rabo. Ai, que infeliz vivencia teve um dia! Algum cliente mais rico a convenceu. Ella então quiz saber si isso doia realmente. Foi como penetrar, ella assim diz, alguem por traz com grosso ferro quente! Agora nem fallar quer desses vis freguezes! Orificios, só os da frente! O macho garanhão, que mui cortez nem era mas ganhava todas, mente accerca de seu caso, pois ja fez alguma concessão ao repellente peccado sodomita. Acham vocês que está traumatizado? Nada! Aguente alguem o que enrabou seu cu! Talvez por isso mais gostou: enormemente dotado foi o activo! Taes porquês segredos são. Ninguem sabel-os tente!


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A bicha ja levou no cu, mas faz questão de só chupar, pois prazer sente “mental” e seu desejo satisfaz, conforme diz a todos francamente. Chamada ao thema em pauta, que ja gaz consome tanto à toa, disse: “Gente, só tem auctoridade nisso e paz propor pode a um assumpto tão urgente um homosexual, pois nossa assaz cabal vivencia anal é convincente!”

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FOLLOW THE MONEY [0037] Mais de uma capital ninguem extranha que varias nações tenham. Maravilha tem uma; outra tem grana; nem se accanha aquella onde o dinheiro mais se pilha. Dinheiro é o que em São Paulo mais se ganha, no Rio o que se gasta e que em Brazilia se rouba. A proporção é que é tamanha. Não só por ser São Paulo natal minha cidade e ser no Rio que trabalha o Glauco quando joven, mas eu tinha inveja de Brazilia, a mais bandalha. Um dia, a bandalheira mais mesquinha percebo ser geral e que algo valha ter grana ja não creio, ao fim da linha.


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MUSEU A CÉU ABERTO [0041] A lama se derrama como lava vulcanica que excorre sobre a bella Pompéa, mas não é da forte clava juridica a justiça que congela os bens dos responsaveis, pois conchava a mafia do minerio, na sequela dum crime que o mineiro ja apponctava. Museu de Brumadinho, a lama leva, no bojo da ruina, à mesma valla commum dos cemeterios: só se eleva o numero dos corpos e se cala a midia, dentro em breve, quanto à treva, na ausencia da Alvorada. Quando a balla impera, do Vesuvio a lava neva.

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VANGUARDA CONCRETISTA [0042] Si cada viaducto que se eleva por sobre esta cidade nos desaba em cyma da cabeça ou uma leva de carros traga, asphalto addentro, accaba que, dentro em breve, a altura do que neva nas frias capitaes, aqui na taba tupy, será de excombros! Bella treva! Dystopica visão, que se renova a cada construcção que se derruba, a pedra paulistana será prova de como o arranhacéu, por mais que suba, um dia cahirá, vertical cova de tantos habitantes! Ubatuba será São Paulo, um dia? Alguem approva?


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LANÇA-FARTUM [0043] No tempo dos entrudos, reza a lenda, jogava-se agua suja de xixi na roupa do burguez. Quem mais se offenda meresce ser mijado, disse alli, naquella phase, o Momo dessa agenda anarchica, segundo o que ja li. Progride o carnaval? Peor emenda! Agora, muito bloco, muita banda supera aquella eschola que o vovô curtia nos desfiles. Quem commanda a festa é o proprio povo, mais pornô e porco, sem cheirinho de lavanda que exguicha de frasquinhos. De cocô, tambem, eis a fragrancia, nada branda!

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ADVISO AOS NAVEGANTES [0056] É sempre assim! Gratuito se appresenta algum sitio na nuvem e você la posta seus archivos. Ja noventa pastinhas fez subirem, quando vê, attonito, um adviso! Essa avarenta empresa a dez limita o que se lê na tela! Alem da quota, você enfrenta a taxa que cobrarem, ou... Cadê seu lindo repertorio? Quem o tenta baixar ja nada accessa! Seu basset, nas photos, deletaram! Sua attenta agenda, seus poemas, o erregê, até, que escaneou! Sumiu? Aguenta! Se ferra quem na rede gratis crê! Mas tudo pifará, mesmo! Mais lenta será a velocidade, até que dê total panne e voltamos aos oitenta!


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RHAPSODIA PARABOLICA [0057] Um cego me contou que teve um guia bem sadico que, emquanto pela rua, em meio à multidão, o conduzia, deixava que exbarrasse na perua, na velha, no gordão ou no vigia, na puta que, rampeira, se insinua e, caso alguem xingasse, delle ria. Mais ria si battesse com a sua bengala no cachorro, que o mordia, ou quando um desses carros que recua, sahindo da garagem, o colhia. Sacana, ria até da pelle nua do braço do ceguinho (Que agonia!) raspando num espinho. Dessa crua conducta é que os effeitos eu queria!

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Fallei ao meu collega: “Numa boa, commigo um gajo desses gozaria ainda mais! Garanto que elle zoa dum cego chupador! Ah! Me battia, mandava adjoelhar, tudo que doa fazia em mim com maxima alegria! Um typo assim judia da pessoa inerme ou indefesa! Eu lhe teria que ser o lambedor do que se excoa da rolla que mijou e putaria peor ‘inda viria!” Si em canoa furada ambos estamos (Que ironia!), seria de suppor, e não à toa, que coisas mais o guia lhe fazia. Confessa-me o collega e me attordoa:


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“Mas Glauco, meu, você nem tem idéa de tudo que na mão delle eu soffria! Si nada lhe contei dessa epopéa, por causa da vergonha é que eu não ia tocar nesses assumptos! Mas platéa nenhuma riu do jeito que riria alguem que me escutasse, ao ver qual é a historia do ceguinho! Quem expia peccados não padesce dessa athéa noção de soffrimento que nos cria o vicio de chupar bem fundo, até a garganta, a rolla fetida! Nem chia quem leva a porra dentro da trachéa!” De inveja morro delle, mas, por via das duvidas, chulé não é geléa...

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OXYMORO DO OXYGENIO OU VICE VERSA [0061] Si tudo que é politico e correcto reprime e robotiza, disso a gente careca de saber está. Me inquieto, porem, com a razão desse evidente repudio que sentimos quando o veto dos chatos nos patrulha justamente naquillo que, mais sadico ou abjecto, nutrimos pelo proximo. Não mente a nossa natureza: sou o netto do Demo, não de Adão! Nossa carente humana raça, digna, não de affecto, mas odio, passará por este quente planeta mais depressa que um insecto. Sim, somos mesmo monstros. Ninguem sente a nossa falta. A fauna tem completo destino sem o “sapiens”. Mas quem tente pensar, concluirá: nesse concreto scenario, do bem resta uma semente, pois tenho consciencia e me interpreto com toda essa autocritica. Contente me sinto si me julgo predilecto dos deuses, luz mantendo em minha mente e, quando achei que irei ao céu directo, da morte sinto medo e pela frente não quero o mau momento. Qual o tecto e o piso da autoestima? Simplesmente o nivel do chão, pó do nosso feto.


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AMOR CORRESPONDIDO [0066] Daquelle que tomou a nossa vaga puxemos-lhe o tapete, la na frente! O amigo desleal foi com a gente? Amor é com amor que a gente paga! Em nós um inimigo joga praga? Em dobro ganha a praga de presente! Duvida do poder da nossa mente? Amor é com amor que a gente paga! Àquelle que zombou da minha chaga, que riu duma visão deficiente, fallei: “Ficarás cego de repente!” Amor é com amor que a gente paga! Dum gordo outrem gozou da falla gaga? Um filho este terá, bem mais doente! Ninguem testar o azar experimente! Amor é com amor que a gente paga! As luzes o appagão fascista appaga? Censuram o meu verso irreverente? As trevas passarão, e eu brilho, ardente! Amor é com amor que a gente paga!

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Politico corrupto que desbraga tentou pedir meu voto? Elle que tente! Na bocca lhe exporrei minha semente! Amor é com amor que a gente paga! Um medico o prazer da gente estraga mandando vegetaes comer, somente? Pois minto-lhe e na carne metto o dente! Amor é com amor que a gente paga! Na pizza, de mostarda si a bisnaga me expreme um carioca, eu boto o dente dum alho cru no seu cachorro-quente! Amor é com amor que a gente paga! Em campo, si attaccante sou e a zaga me para com carrinho, o delinquente fará gol contra sempre que me enfrente! Amor é com amor que a gente paga! Na fila, si a bichona que divaga espeta-nos um olho com seu pente, careca ficará precocemente! Amor é com amor que a gente paga!


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Si, um puto sem, estou naquella draga damnada e um puto nega-me, insistente, o amigo, morre pobre brevemente! Amor é com amor que a gente paga! Aquelle que bom vinho sempre traga e só nos offeresce uma aguardente barata, vae ter ulcera pungente! Amor é com amor que a gente paga! O estupido ao garçon manda que traga, mais rapido, outro pratto, e bem mais quente? Em vez vem, da cerveja, agua fervente! Amor é com amor que a gente paga! Em verso, o auctor do “Canto do Piaga” tortura o curumim? Si for valente, desforre no pagé o adolescente! Amor é com amor que a gente paga! De cyma o encanamento nos allaga o apê? Fica o vizinho indifferente? Irá ficar, de mijo, incontinente! Amor é com amor que a gente paga!

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O carro do boçal vizinho exmaga seu cão de estimação? Ah, nem exquente! Vae delle a mãe morrer desse accidente! Amor é com amor que a gente paga! Alguem do seu emprego, rindo, indaga sabendo que o perdeu recentemente? Na rua elle estará, como indigente! Amor é com amor que a gente paga! Chegando um arrivista doutra plaga, que tome meu logar alguem consente? Em breve, faltará quem os aguente! Amor é com amor que a gente paga! Fofocas sobre mim você propaga? Choquei? Pode expalhar! Invente! Augmente! Xodó sou do povão maledicente! Amor é com amor que a gente paga! Alguem que desmeresça a minha saga me chama de auctor sordido e indecente? Seu filho me lerá, concupiscente! Amor é com amor que a gente paga!


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Um critico me attacca, apponcta a adaga? Meu verso um cathedratico desmente? Irão morrer, mas vivo eu longamente! Amor é com amor que a gente paga! Mas, mesmo quando a sorte está aziaga, e pisa-nos na cara um prepotente mandão, compensação ha que se invente! Amor é com amor que a gente paga! Si os pés dum inimigo a gente affaga será por masochismo, unicamente. Gozou elle? Tesão a gente sente! Amor é com amor que a gente paga! Na bocca alguem mais sadico nos caga? Quem diz que bosta come e gosta, mente! Mas, quando revidei, fiquei contente! Amor é com amor que a gente paga!

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CORRESPONDENCIA AMOROSA [0067] Não guardo muitas chartas recebidas. Em todo caso, curtas chartas, quasi bilhetes. Mas reflectem uma phase ainda epistolar em nossas vidas. O tempo em que, na caixa, algum Adidas surrado me chegava, bota nazi, cothurno punk -- e sempre dum rapaz, e bem grande -- esse passou. São scenas idas. Invejo aquellas pastas bem polpudas de chartas, tantas folhas sobre a mesa, escriptas à mão -- desde as da nobreza às falsas, accusando alguem de Judas. Um delles me escreveu: “Jamais te illudas, meu caro Glauco! Toda a gentileza daquelles missivistas nunca illesa esteve! São perversos os que estudas!” Agora digitaes, as malfadadas mensagens internauticas, à guisa de phrases telegraphicas, quem visa guardar, as vae achar exvaziadas.


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“Pisar-te irei, em ti, que te degradas!” -é phrase em que o leitor não suaviza as suas intenções. Eis o que diz a mensagem que guardei, graças às fadas.

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WATER SPORTS [0100] Você carnavaliza quando faz em publico o que, fora do privado, é crime, mas, na data, se tolera. Si mija numa bocca algum rapaz, dá margem a quem “victima” virá, do mijão, se declarar, mas feliz era. Paresce elementar que, por detraz da porta, tudo quanto é practicado pensado foi tal como fosse à vera. Assim, imaginar que o mais sagaz voyeur politizasse esse seu lado é tiro dar no pé, mortal! Pudera! Saber que “golden shower”, ao mordaz sadista ou ao masoca, banho dado de mijo significa, nada altera. O poncto que se apponcta é si, na paz dum digno gabinete, um deputado transmitte pelas redes a paquera.


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Peor é o presidente, cujo gaz resume-se aos pudores e ao peccado, cuidar de taes questões numa tal era. Talvez meu epitaphio, um “Aqui jaz um cego que mijado foi...” usado ser possa como lemma... Quem me dera! Tirando os exaggeros, não me appraz suppor que ser masoca ou que ser sado motivo é dum folguedo que exaggera. Prefiro accreditar que essa fugaz memoria, ao resgatar o meu passado, é vida, que os neuronios recupera.

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LOVE IS ALL AROUND [0105] Os pés do adolescente americano são muito mais sensiveis ao amor. São como que uma antenna, pois, si emano fetiche, o joven capta quando eu for tocal-o nos artelhos. Todo uffano se sente de “his toes”. O adorador de pés maravilhado fica, insano até, com o que fazem presuppor as lettras dos rockeiros. Não me enganno: ouvi diversas vezes um cantor compor sobre “my toes”, quando o fulano preliba amor num gesto promissor, nalguma phrase, em lyrico ou mundano sentido. Seu suor e seu odor do sonho fazem parte e, si me irmano àquelle que assim sente, fingidor me torno desse jogo, desde o panno da meia ao tennis podre e ja sem cor.


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EXSILIO NA MORGADO [0111] Aos homens bons que achei, si me comparo, percebo que serei dos menos maus. Si em termos affectivos fui avaro, subi, na raça humana, alguns degraus. Recluso, si no escuro vejo claro, la fora meu paiz recae no chaos. Imponho-me, a mim mesmo, o mais severo exsilio na Morgado de Mattheus. Amigos me convidam, mas não quero cruzar, no quarteirão, com phariseus. Ouvindo Stones, penso não ser mero passivo observador dos dias meus. Supposta humanidade em que me inspiro, a minha, ao menestrel, faz infeliz. Sou franco attirador só quando attiro meus versos, mas não macto quem eu quiz. Quem vejo da janella, ao dar um gyro geral, são outros parias do paiz.

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Nem tudo, todavia, só deploro. Irei sobreviver, annos appós. Aquillo que suei por cada poro será, depois de morto, minha voz. Jamais, como immortal, me condecoro, mas honro a voz que herdei de meus avós. Emfim, commigo mesmo não sou duro a poncto de rasgar o que compuz. No maximo, direi talvez impuro ter sido, mas não fodo tantos cus. Ao menos a libido eu asseguro que, em sonho, libertei de alguns tabus.


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SEDUCÇÃO POR DEDUCÇÃO [0124] Você visualiza, Glauco, a minha poltrona reclinavel? Eu me sento, as costas accommodo, e se encaminha você pelo soalho, a passo lento. A passo, não: appenas engattinha. Chegando perto, ao nivel chulepento está das minhas solas, que eu ja vinha expondo à sua cara de sedento. Então a sua lingua se advizinha das solas e, cumprindo o meu intento, as lambe e massageia, como eu tinha supposto que faria no momento. Batter eu sei que sua punhetinha consegue, cego! Acho optimo, pois tempto a sua mente nesta ladainha que nunca satisfaz, mas que eu requento! Si sua poesia não definha, talvez você transforme em verso attento a scena que a cegueira lhe expezinha e excita meu mordaz divertimento...

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RISONHOS SONHOS MEDONHOS [0125] Horriveis pesadellos, eu os tenho naquellas poucas horas em que pego no somno, si meu fracco desempenho permitte e alguma porra descarrego. Num delles, pelladão, de longe venho tentando retornar e nunca chego em casa! Quando, exhausto, me detenho, alguem o dedo mette no meu rego! Num outro, perseguido por ferrenho demonio, facilmente não me entrego! Mas, quando acho que excappo e não despenho, do abysmo à beira, tropego, excorrego! Ainda em outro, attonito, me attenho à porta, si o fatal desassossego me assalta! Quer entrar, com seu roufenho arfar, um monstro acephalo, um burrego! Mas amo si em terrores taes me embrenho, pois, desde que fiquei de todo cego, as cores na memoria só retenho em sonho. Aos pesadellos, pois, me appego...


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MANIFESTO RELATIVISTA [0126] Na hora de dormir, a minha thia fervia alguma coisa a mais no cha. Si quero despertar, a luz do dia não pode me livrar da noite má. Não ha, como mamãe sempre dizia, bebê que nunca cague na babá. Quem come, nos botecos, porcaria cocô muito mais molle cagará. Vovó dizia: “A gente deveria comer muita castanha do Pará!” Mas come boia fria quem não pia tudinho em delação no Paraná. Alguem que na politica confia somente em trahidores votará. Ninguem que com hypocritas se allia dirá que um senador está gagá. Censura, por aqui, não prohibia, em vez de “camarada”, “camará”. Mas como prohibir pornographia, si fosse “p’ra caralho”... “pacará”?

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Quem pecha de incorrecto repudia não falla dum “mulato sarará”. Refere-se, porem, a quem sacia seu vicio como alguem que ao Cão irá. Sahuda cortezmente e diz “Bom dia!” quem pode se expressar com um “Olá!” Mas, entre certos cultos, ficaria melhor para saudar um “Saravá!” Não peçam que a qualquer enfermaria, nem para visitar alguem, eu va! Enganna-se quem, duma Academia fallando, diz que, emfim, me viu por la! Tem gente que, sem sorte, da magia desfaz, dum talisman, dum patuá. Eu tenho um amuleto: putaria. Não salva, mas mais damno não fará. Ja li muito gibi quando ‘inda lia. Akira lê mais livro que mangá. Aquelle que de mim biographia fizer, como pornô me pinctará.


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Guerreiros, nos momentos de euphoria, divertem-se jogando caxangá. Escravos ja perderam a mania e nunca mais um delles jogará. Um dia, quem na moda se vestia usou seu chapeuzinho Panamá. Mas hoje nem bonné tem serventia. Topete toda gente exhibirá. Melhor é ter choffer que ter um guia. Peor é ter patrão que ter crachat. Mais vale ser “modello” que “vadia”. Quem hoje me derruba, cahirá. Quem soffre duma arachnophobia não pode viajar a BH. Quem teme escorpiões depararia com tantos como nunca se verá! Carnivoro jamais se delicia com nabo, rhabanete, nem cará. Vegano vi, comtudo, uma fatia comer de mortadella, às vezes, tá?

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O velho pescador, na pescaria, se serve de canniço e samburá. Quem pega peixe em rio podre enfia no sacco o que, ja morto, pegará. Faminto, uma panella achei vazia. Pipoca não achei, só piruá. De gente sei que, farta, se enfastia de tanto comer verme, içá, gambá... Cocô por chocolate passaria. Urina ser bem pode guaraná. No sadomasochismo, de bacia si feita for a bocca, se encherá. Café, para excitar-me, é o que eu bebia e, para me accalmar, maracujá. De rubro uma bandeira coloria, mas hoje nem siquer sei si é grenat. Achei, ja, em vez, no Recheio de no frango,

vinagrette na Bahia, acaragé, do vatapá! maçan não caberia ou alho em bollo de fubá!


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Na secca do sertão, não haveria cadaver que não coma um carcará. Si gosta de buchada, todavia, o povo, ora, não façam bafafá! Quem pensa numa facil utopia creou seu paraiso ou Shangri-La. Ninguem de seu paiz se ausentaria sobrasse pheijãozinho com jabá. Diria quem conhesce economia que nada muito caro nem está. Porem, quem caviar hontem comia agora nem mais come mungunzá. Ganhar salario minimo queria quem ganha commissão de marajah? Querer vae quem só teve mordomia perder essa mammata? Kakaká! Um sitio, a mim, nenhuma companhia jamais, em Atibaya, doará. Si, um dia, commandar esta anarchia, apê nunca terei no Guarujá.

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50 GLAUCO MATTOSO

Ankara capital é da Turquia, emquanto é, da Colombia, Bogotá. Mas para que saber geographia si um cego no seu mundo morrerá? Alguns encontrarão philosophia nas phrases do marquez de Maricá. Maior curiosidade poderia causar o magistral FEBEAPÁ. Judeus, para affectar sabedoria, estudam o Talmud ou a Torah. Catholicos teem muita liturgia, que pouco, la no inferno, adjudará. O povo mussulmano, na folia, tolera as brincadeiras com Allah. Mas pede ao Padre Ciço quem expia peccados, p’ra chover no Ceará. Segundo diz Jesus, theologia é para a grana a Cesar darmos ja. De accordo com Bilac, a poesia jamais para as paixões molde achará.


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Não creio que, na midia, a maioria se importe com tamanho blablablá. Certeza tenho: falta não fazia a logica na lyrica dadá. Que possa algum poeta allegoria fazer! Um grande cedro ou baobab plantei, pois o poder da prophecia meu verso obra menor não creará. No Velho Testamento, antipathia dá para ter até por Jehovah. Ouvindo Rolling Stones, sympathia até por Satanaz para ter dá. Satan, de quem practica bruxaria, exige sacrificio no Sabbath. Mas beija cus sem nojo quem phobia não tem do satanismo, p’ra nós ca! Na mente dum atheu, questão não ia fazer ninguem de Exu nem de Oxalá. Quem fé põe no zumbi, da cova fria nem perto chega! À noite, que dirá!

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De lobo quem, cagão, se refugia affirma ser crendice o boytatá. Quem teme lobishomens diz que mia la fora mero gatto, um angorá. Na compta do Sacy, mythologia razão não dá si perna a menos ha. Nos versos do Mattoso, phantasia só vale si de sobra pés terá. Preferem uns caminha bem macia. Uns dormem na poltrona, no sofá. O cego vive insomne, em agonia que o tumulo, somente, encerrará. Dispenso o funeral. Mais me cabia alguem que celebrasse um “Ulalá!” Não quero, juncto à tumba, a prece pia alli no cemeterio do Arassá.


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PAGINA VIRADA [0130] Magina! Elle nem é lombrosiano! Appenas diz que um cara se incrimina por sua propria cara! Tal fulano entende de forense disciplina e, como psychiatra, affirma: -- Damno mental inexoravel tem, qual signa, aquelle negro typico, que “mano” se chama vulgarmente! Elle combina diversas evidencias de que insano será na delinquencia mais maligna! Caralho! O doutor acha que me enganno si amigo sou de alguem que melanina na pelle exhibe, authentico bahiano, talvez? Que maluquice! Me fascina, no negro, a sola branca num pé plano! Então o scientista, affoito, opina que identico doente sou si irmano meu gozo ao desse mano? Se previna, doutor! Pensa que aqui só dá aryano? Magina! (diz Ruy Castro) Não, magina!

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LEGITIMO INDEFESO [0132] Fallar ouço dum cara que metralha do nada: é um cidadão desrespeitado que, irado, reagira. A mim não calha. Sou contra alguem, na rua, andar armado. Mas sei que, si sahir, me desaggrado com tanta gente estupida. Gentalha me achando si sou cego, um empregado qualquer opprime, excracha, xinga, ralha. Patrão eu não sou delle, mas migalha não quero, só respeito. Não invado a alçada de ninguem, mas, qual navalha, me fere tanta falta de cuidado. Vontade eu sinto, juro, de ter dado um tiro no subjeito, que trabalha só contra a gente. Fico revoltado, mas outro typo lanço de mortalha. Só vejo uma admeaça que mais valha. Appenas lhe retruco, em tom gelado, que praga, si é de cego, nunca falha. O estupido emmudesce, preoccupado.


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BOQUETTE QUE COMPROMETTE [0137] Dizer que nos costumes elle pecca constrange, quando a mancha advermelhada se achou no collarinho. Mais degrada si a mancha de baton vem... na cueca! Caralho! Ja pensou, meu? Com a breca! Que é que isso significa? Que a damnada da bocca se exfregou numa mijada cueca? Qual mulher é tão sapeca? Mulher? Homem? Talvez Aquillo que ao pudico será porque tal nodoa está com mijo e porra

uma traveca... desaggrada mixturada que não secca?

Que falta de hygiene! Que melleca! Ainda que em linguagem figurada, a scena suggerida não tem nada de serio, quando a logica se checa! A gente, quando mija, si defeca, até, deixa a cueca ennodoada, mas duro é de suppor que inspeccionada tal peça seja pelos outros! Eca!

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POSTHUMOS OCULOS [0141] Eu tenho uma vizinha que brechós frequenta, a ver si encontra a mais barata camisa, calça, tunica que, appós morrer o portador, medida exacta nem tenha, mas que sirva, ja que nós, eternos pobretões, temos à cata de roupas que sahir. Mas minha voz embarga-se de nausea quando tracta alguem de conseguir coisa que avós deixaram para nettos, sem que batta na gente a passarinha sobre o coz da calça que emmerdou, sobre insensata que seja a percepção de mortem post naquelle mar de pannos que a baratta lambeu, traças comeram, paletós manchados de suor, virus de ingrata doença infecciosa que de atroz febrão mactou em proxima, até, data! Meus oculos de cego, quando a sós medito, quererei que muita pratta não valham, ou que gerem quiproquós?


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SUPPORTE INSUPPORTAVEL [0152] Aquillo que me disse, em tom festivo, um joven internauta, pode, incluso, ser dicto por Moreira ou por Tardivo, Diegos que me entendem como excluso. “Você digita, Glauco, quando um muso lhe inspira versos? Usa esse inclusivo DOSVOX, esse programma que eu reduzo a um treco solettrante e cansativo?” “Que troço lento, Glauco! Pelo crivo da minha mão, aquillo não tem uso a alguem que enxerga! Muito mais activo sou eu ao digitar! Que troço obtuso!” “Ainda bem, trem desses de tudo que a achar que

lhe digo, que um confuso não preciso usar! Me exquivo é precario! Me recuso um cego brilhe e seja altivo!”

Só falta ter curtido que um recluso ceguinho masochista seja! Vivo dizendo que chupava quando o abuso dum normovisual era assertivo...

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PITHECANTHROPUS ERECTUS [0153] Ulysses, que ficou famoso um dia, experto chimpanzé que vem a ser, no livro que escrevi, GRAPHOPHOBIA, vergonha nunca sente do prazer. Masturba-se sorrindo de alegria na frente de nosoutros! Quer saber? Confesso que eu tambem isso faria com gosto, si pudesse me exceder! Faria nada, porra! Me escondia, depois, envergonhado! Descrever é facil, numa audaz pornographia, a scena, mas fazer... Va se foder! Só mesmo um chimpanzé que, em theoria, mais sabe do que a gente, tem poder de desinhibição para, com fria pericia, manejado o phallo ter! Eu tenho é Punheto-me não posso, na bocca a

desbragada phantasia! em segredo. Me conter si supponho que me enfia rolla e mudo quer me ver!


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BREXITING AROUND [0170] O verbo “brexitar”, fiquei sabendo, se torna vergonhoso na cultura britannica, por causa do que entendo por “faz que sae, mas nunca sae”. É pura e simples traducção que recommendo pras nossas phrases feitas, a quem jura ser practico mas sempre deixa addendo: “Não apta nem desapta!” “A rapadura não larga nem que esteja ja mordendo faz tempo, sem quebrar a dentadura!” Alguns este refrão acham horrendo: “Não caga mas tambem não se adventura da moita a se evadir!” Deste eu dependo: “Não fode nem de cyma sae!” Attura quem queira alguem que fica lhe mettendo a picca sem que esteja a dicta dura...

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PÉ EXPALHADO [0202] Um joven pés desenha para pôr na rede virtual. Ainda diz: “Meus pés! Não se appaixonem!” Quem amor declara aos pés dum homem? Uma miss? Modello? Mistress? Seja la quem for, na certa quererá pés mui viris, porem bem lavadinhos, sem odor. Meu canto, aos quattro canthos dos Brazis, aos limpos pés irá se contrapor tal qual se contrapoz tudo que fiz em verso o tempo todo. Sem favor nenhum, posso dizer que fui feliz na lyra, não na lingua, nem na dor de nunca satisfeito ter meus vis protestos de paixão por um leitor, excepto nos delirios mais febris.


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GOTHICO FLAMMEJANTE [0213] Trez videos eu guardei. Trez versões são, contando do corcunda aquella saga romantica que occorre em Notre Dame. O gothico me empolga. As chammas não serão nada que estraga nem appaga um quadro que não vejo quem não ame. Nos gargulas obscena posição da bocca ja não vejo. Ja não paga boquette quem christão quer que se chame. Rosacea, arcobotante, ogival vão... Catholico nem sendo, como adaga me fere esse incidente. Exige exame. Na Biblia, na Torah nem no Corão não ha, nem pode haver nenhuma praga que explique um attemptado tão infame. À parte o terrorismo, um predio tão historico missão tão aziaga não pode ter sem disso quem reclame.

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Si fosse no Brazil, a appuração seria dalgum typo que não traga nenhuma conclusão ao rame-rame. Aqui, museu nós tinhamos. Questão nem faz hoje quem mente e só divaga accerca dos motivos do vexame. Na Sé, como em Westminster, num clarão as cores dos vitraes idéa vaga me deram. Notre Dame que se affame!


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RHAPSODIA DA CATHEDRAL [0262] Sonhei qu’inda visão tinha bastante e, quando no mosteiro de São Bento estava a meditar, me abbordou Dante. Surpreso, perguntei-lhe: -- Em que momento vieste para Sampa? Que te attrae aqui? Que te inspirou? Eu não attento... E Dante cochichou-me: “Ninguem vae crer, caso em ode contes. Vem commigo. Mostrar-te vou um tunnel e onde sae...” Descemos ao subsolo. Mal consigo conter-me. Percorremos a passagem que leva a mais um predio sacro, antigo. Chegamos. Vejo gothica miragem. Estamos numa crypta que dá accesso a multiplos degraus que me coagem. Subimos. Cansativo foi, confesso. Emfim, luz vemos, vinda de ogival portinha. Que me explique, então, lhe peço.

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“Estamos bem na torre. Vede! Egual a Notre Dame, Glauco! Sim, da Sé estás na paulistana cathedral!” Mal pude accreditar. Cheguei até a gargulas notar, que nunca vira da rua. Que exsistissem nem fiz fé... Tambem arcobotantes de mentira não eram, pois sob elles caminhamos até chegar à cupula, que gyra. A volta damos nella. Logo achamos degraus que ao topo levam. Na cappella que alli faz poncta findam meus reclamos. Sem follego, me sento. Refestela a bunda tambem Dante e me appresenta a alguem que pelo petreo predio zela. Um ogre vivo, um gargula, de attenta botuca, torta bocca, nariz feito um gancho. Maus intentos apparenta.


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A Dante, então, dirijo-me com jeito. -- Que vim fazer aqui? Por que me trazes? Responde elle: “Te lembras de teu pleito?” -- Que pleito? Não me lembro... “Nos rapazes buscavas feios pés. Ou não buscavas? Pois bem! Estes farão com que te abbrazes!” Lembrei-me então das taras mais escravas que tanto cultivei. Notei, emfim, que os pés do ogre eram como chatas clavas. A sós deixou-nos Dante. Para mim olhando, o ogre sorriu. Entendi tudo. Não foi o pesadello tão ruim... Que explica a cathedral? Responde, mudo, o gargula, de quem sou, doradvante, escravo: orei ao demo mais grahudo.

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“Ó, DÁ-ME, GLAUCO, O CU, ALGEMADO!” [0280] Às vezes é preciso que eu mais um pé metta, achando o decasyllabo até pequenino, ainda que este rhythmo manque qual perneta. Por isso usando estou o verso alexandrino. Occorre que um palindromo, dos de proveta, causou-me especie. É o thema, claro, fescennino: “Até cubanos mettem só na buceta.” Mas nelle comptei onze syllabas, previno. Importa pouco aqui tal metrica faceta, porem, pois quero atter-me ao caso feminino e ao coito vaginal, que chamo de careta, si formos comparar àquelle que imagino. É neste justo poncto que um rapaz cappeta chegou e no palindromo mostrou ferino tesão, pois me brindou com um bordão porreta, daquelles que me calham por fatal destino. Masoca que sou, cego servo da punheta, na mente projectei caralho nada fino na marra me enrabando appós ter na chupeta me feito fellador do sadico menino.


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IDÉA DE MEDÉA [0310] Tortura das torturas! Um leitor mais sadico me impoz cruel castigo! Terei que imaginar qual o sabor dum chico na boceta! Assim me instigo... Tormento dos tormentos! Quando for forçado à cunnilingua, mal consigo suppor o que farei! Aquelle odor ja basta p’ra noção dar do perigo... Penar dos meus penares! Chupador serei duma mulher que ao inimigo nem quero desejar! Nem sei que cor tem ella, a face... Eu, cego, o que é que digo? Mandona, gozadora, com rigor sarcastico será, para commigo, a fonte do mais torpe e vil horror! Debaixo de seus pés terei abrigo? Num impeto masoca, a meu favor supponho o senso orgastico. Me ligo na astral contradicção, na moral dor e contra tal idéa ja não brigo.

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BELIEVE IN YESTERDAY [0313] Não temos muito tempo, minha amiga. Você me desejou, mas eu tambem pessoas desejei, que nunca tive. E então? Que mais você quer que eu lhe diga? A vida leva a gente a que consiga diarios milagrinhos, neste Aquem, fazer. Nos renovamos, e se vive assim, entre esperanças e fadiga. Amores, que são cyclos, por intriga ou tedio, terminando vão, mas bem resiste uma amizade, ‘inda que prive a gente raramente e, nessa, siga. Aos trancos e barrancos, mas sem briga, seguimos. Approveite emquanto tem sahude, mesmo sendo ja declive final nosso passeio. Faça figa. Cansaço, dor nas pernas, a barriga pesando, vamos indo mais alem. Amiga, accreditemos, inclusive, naquillo que passou, pois nos instiga.


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PARNASO DE AQUEM TUMULO [0314] Pretendo requerer um attestado de bardo, mas Estado nenhum emitte aquelle documento. Quem sabe si eu não tento pedir à Academia Brazileira de Lettras? De maneira nenhuma, me responde alguem de la. Será porque não ha padrão pro documento, ou porque não meresço a distincção? Em todo caso, quero ver si ganho cadastro do tamanho da minha competencia ainda em vida, provando que quem lida ha tempos com o verso trabalhado faz jus a um attestado de eximio soprador de bolha ao vento. Appenas eu lamento que mais ninguem agora saber queira da lyra punheteira que outrora a tantos bardos fama má legou e que fará da nossa maldicção um pantheão das luctas do povão... De comptas affinal, eu não me accanho por ser aquelle extranho

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ceguinho que leitores seus convida a rir duma soffrida cegueira, pois entendo que meu brado serรก recompensado, ainda que somente pelo lado esthetico estudado.


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RHAPSODIA DO MICROONDAS [0317] Eu era de menores monitor. Lotado num presidio carioca, provei da violencia meu sabor. Quem sabe dessa scena nem se choca. Appós ver fracassado o seu motim, vae dar a molecada a curra em troca. Voltando para casa quando vim, fui por algum pivete, fatalmente, reconhescido. Quasi foi meu fim. Rendido, da pistola ja na frente, levado fui ao morro pelo gruppo daquelle vingativo delinquente. Em meio a muito riso, vaia, apupo, aptado estive em arvore e, sacando o sarro, fui pedindo: “Não! Não chupo!” Chupei, comtudo, ouvindo-lhe o commando, levando tapa, murro, cusparada de todo o jovial e bruto bando.

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Chupei, sim, o sebento pau de cada moleque da favella, pois meu medo ver era a minha pelle ser queimada. No morro, o “microondas” era, a dedo, o methodo mortal de execução, por isso, sem vacillo, a bocca eu cedo. Imploro que, na pilha de pneus, não me mettam, não me queimem devagar, servindo da platéa à diversão. Somente quando o chefe auctorizar se macta alguem assim. O joven liga e pede permissão, no cellular. O chefe não permitte, pois amiga uma alma pena teve e me poupou de martyr virar, tanto que fiz figa. Queimado não morri, mas o meu show vazou nos cellulares. Chupador virei, viralizei. Queimado estou.


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PARABOLA PARADISIACA [0335] Jesus, no Paraiso, um lindo anjinho abbraça e diz: “Por ordem do Senhor meu Pae, a dar-te tenho um recadinho. Estás vendo? Olha a Terra! Vê que horror! Ha muito sentimento mau, mesquinho! Vae la, querido, faz este favor: expalha pelo mundo o meu carinho, expalha pelo mundo o meu amor! Mas, antes que te ponhas a caminho, disfarsa-te, sinão irão suppor, por ser amargo o pão, azedo o vinho, que estás cumprindo o officio de inspector. Então, transforma as asas, com jeitinho, em longas orelhonas, muda a cor do pello, encurta as pattas, teu corpinho espicha, qual salsicha. Assim, quem for te ver, dirá: -- Que fofo! Que fofinho! Vae logo, que darás allivio à dor de muita gente boa, ja adivinho. Serás, emfim, meu anjo, um bemfeitor! Na volta, te darei um biscoitinho.

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CEGA BRONHA BREGA [0337] Si Carlos Alexandre quiz cadeia a alguem que amou bastante e, si festeja que sua trahidora, mulher feia, porem amada, presa agora seja, calcule-se, leitor, como recreia a minha lyra torpe e malfazeja que um typico politico se creia impune, inimputavel, mas esteja, não mais que de repente, numa cheia masmorra, juncto a presos que na egreja jamais se confessaram, que na veia se piccam, que são gente que fareja e fuma, que lavada não tem meia nem sunga, mas que ganha de bandeja a bocca a ser fodida, a bunda alheia, comivel à vontade! Quem calleja a mão de tanta bronha, assim que leia noticias da prisão de quem se eleja mentindo ou promettendo, sou eu, eia! Ainda que em tal cella não os veja, eu gozo quando o publico os cerceia.


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PAPPO APPRESSADO [0338] -----------------

Oi, Glauco! Como está? Levando a vida? Levando, sim, querida, a Zeus amen! Seu livro vae sahir? Cê me convida? Nem sei si lançamento o livro tem... Disseram que você ja faz comida... Magina! Cozinhar, eu? Não, mas nem... Disseram que ja teve recahida... Ué, cegueira nunca vae, só vem! Então a vida segue assim, soffrida? Eu soffro menos quando fico zen... E como vae Akira? Estou sentida! Sentida por que? Coisas disse alguem? Si dizem que ja era, quem duvida? Mas elle está commigo, mais ninguem! Vocês ainda estão junctos? Cacilda! “Ainda”, não, querida: ainda bem!

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ABSOLUTO ABSURDO [0339] Ouvi philosophia -- Quem diria? -no radio, sobre a vida e seu vão drama. “Viver, então, tem logica?” -- reclama um culto professor da academia. De facto, falta a minima alegria no tempo do viver, mas dessa chamma queremos: “Não se appague!” -- pois a cama da morte não paresce ser macia. Por que não nos mactamos, si abbrevia o prazo o suicidio? Quem nos ama meresce que vivamos? Si Zeus chama mais cedo, nós achamos covardia... Sim, quando de morrer vem vindo o dia, saudade nós sentimos e da mamma ja morta nos lembramos. Mas a fama, que é posthuma, será sempre tardia. Buscar “felicidade”, eis a valia da vida. Mas, finita, ella só trama, pois, contra nós. Somente seu programma se explica si em “missão” astral se fia...


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PARABOLA INFERNAL [0344] Satan, no Inferno, o cu dum cappetinha espeta com seu masculo tridente e falla: “Ahê, moleque! Está certinha a tua visão? Olha a Terra! Ah, gente estupida! A cambada se encaminha aos templos! Vão orar! Ha quem invente tarefa mais inutil? Me apporrinha aquella communhão de gente crente! Vae la, moleque chato, faz a minha vontade e espeta a bunda dessa ardente e casta multidão! A ladainha do povo virará ranger de dente, gemido e choradeira! Si à sanctinha rezarem, faz que nada consequente succeda! A lei de Murphy será a linha de tudo que virá daqui p’ra frente! Àquelles que duvidam da damninha funcção deste meu reino, tu somente apponcta-lhes, na charta de Caminha, a dedo o que eu ergui pelo Occidente! Verão quem sou, os trouxas, depressinha! Na volta, deixarei teu cu mais quente!”

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A SOLA DO CAROLA [0347] O lider charismatico da seita catholica apostolica anarchista promove seu melhor seminarista a um cargo superior, o que este acceita. Neophyto nenhum no clube estreita seu vinculo sinão baixando a crista, pois solas lamberá quem quer que vista a tunica que o porte mais lhe enfeita. Durante a ceremonia, elle se deita no petreo piso e, para que se invista no novo posto, um pé lhe tapa a vista, mas esse oral pisão não é desfeita. É grande privilegio, pois deleita seus labios um solado que na pista dos sanctos caminhou pela conquista da gloria, à qual só chega a alma si eleita. Em jubilo, o discipulo approveita e chupa aquella sola. Antes que insista de lingua na poeira, até despista e evita dar mais margem à suspeita.


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É sempre assim. Qualquer que se subjeita àquelle ritual entra na lista dos membros do mais sadomasochista dos cultos, e eu lhe invejo os usos... Eita!

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A SOLA DO FRAJOLA [0348] Questão de perspectiva, diz quem acha ser trumpho um sujo tennis ou sapato. Mas isso não achava quem seu fato vestia com apprumo, bella facha. Vaidoso, seu pisante só com graxa de luxo se lustrava, mas constato que todo esse elegante e fino tracto sadismo mascarava em cara macha. Um dia, a sua sola de borracha pisou no cocozinho mais ingrato que havia na calçada: seu formato grudou na sola chique qual bollacha. Mas, como um masochista ja se aggacha na sua frente, elle ergue seu pé chato e manda que o outro o lamba. Seu cordato escravo na limpeza se despacha. Lambida a sola, agora cobra taxa egual o tal mandão de todo pato que venha rastejando. O sujo facto rendeu e o “mestre” disso o bicco racha.


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CORRENTE CONDIZENTE [0371] Mulheres são luxentas quando bellas. As bellas são beijadas pelos bellos rapazes que, felizes, gostam dellas. Os bellos, que são pallidos, branquellos, chupados são por negras que, mais feias, são putas, são escravas nesses elos. As negras são amadas, nas cadeias da sadica corrente, pelos feios mulatos que, na bocca, as deixam cheias. Os brancos, quando feios, não alheios estão dessa cadeia, pois chupados serão por outros feios, sem mais freios. Aquelles bem mais feios, rejeitados por todas e por todos, negros, brancos, serão por quem chupados, hem, coitados? Nem mesmo os putos velhos, gordos, mancos, jamais os chuparão. Então, quem resta? Quem cumpre tal tarefa, aguenta o tranco?

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É facil responder. Fazem a festa taes feios com um cego que, submisso, excolha não terá: para tal presta. Eu mesmo um testemunho vou dar disso, pois feios ja chupei sem que soubesse e, claro, caprichei nesse serviço. Sabendo fico quando alguem fornesce alguma descripção do tal subjeito que visto foi commigo. Quem exquesce? “Não, Glauco! Como pode? Não acceito crer nisso! O cara muito horrivel é! Chupar um typo desses é proveito?” E eu digo: “Chupo mesmo, bote fé! Alem de lhe chupar o pau, me excito lambendo-lhe o pezão, pois tem chulé!” Entendem os amigos meu maldicto destino, então, e encaram as mazellas do cego como, em verso, tenho escripto.


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CHAVECO DE BOTECO [0374] -- Tá vendo aquelle cego alli? Coitado! Mal pode se virar com a bengala... Mas antes enxergava! Até se eguala, agora, a algum leproso, a um alleijado! -- Coitado nada! Deve é castigado ter sido pelos deuses! Ja se falla que até defendeu sua casa a balla... Levou o que meresce, está ferrado! -- Então deve ser elle que tem dado motivo ao riso, ao povo que propala a fama dum escravo na senzala, por causa dos boquettes do veado! -- O proprio! Chupador virou! Culpado foi elle da sargeta em que se ralla! Pensando bem, sabia que me estalla na mente puta idéa? Acho um achado! Podiamos cegar todo saphado que fosse indesejavel numa salla de gente de familia! Todo mala devia ser cegado! Sim, cegado!

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-- É mesmo! Que barato! Não me evado da sua suggestão! Quem não se cala na certa concordar vae: quem cegal-a reduz logo essa gente ao grau fadado! Seriam nossos bichos, que nem gado no pasto! Chupariam nossa galla! Seriam, emfim, uteis! Se regala quem goza numa bocca de azarado!


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OBSOLETA BOCETA [0385] (para Diego Tardivo)

Amigo meu diz: “Para que boceta, si tem filmes pornôs e tem punheta?” Quem vive solitario certamente concorda, punhetando-se contente. Nem todos que concordam, todavia, appenas quererão pornographia. Não fazem mais questão de penetrar, mas querem quente imagem no logar. Se tornam voyeuristas, mas não basta aquillo que ja choca a mente casta. Precisam ver tortura, sangue, morte em scena realista, clara, forte. Alguem mais solitario em desvantagem está, pois muitos traumas o coagem. É o cego, que ja fora voyeurista mas hoje só saudades tem da vista. Si fosse masochista, que nem eu, teria qual proveito de seu breu? Suggiro-lhe: imagine-se a mercê daquelle que bem vive e que bem vê. Jamais penetrará, mas sua bocca, por sua vez, não ia ficar oca. Teria que chupar, mas não appenas chupar: engoliria a duras penas. Peor: nem poderia ver a cara, o corpo de quem nelle penetrara.

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Na certa, si masoca, gozará, mas ‘inda, a alguem que assiste, gozo dá. Um outro voyeurista, ao ver a scena, gozou duma cegueira tão obscena. Assim, não é por falta de motivo que somos pouco castos, diz Tardivo.


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PHALLUCINOGENO [0399] Um cego visionario? Ou voyeurista? Disseram de mim ambos os fataes conceitos antitheticos. Si a vista perdi, sou visionario por jamais ser desses que desistem. Que eu desista espera quem duvida que aos normaes se eguale um cego sadomasochista. Mas pode alguem, que a vista não tem mais, gozar revendo scena fetichista? Sim, claro! Si as imagens são mentaes lembranças que perduram, é conquista possivel ao ceguinho ver os ais alheios como os proprios, pois na pista deixada pelos passos marciaes das botas oppressoras, ha quem vista a minha phantasia, aos carnavaes tão proxima, que della o olhar não dista.

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LICÇÃO DE RUA [0405] A gorda, que perdeu os olhos, é bonita, Andando na calçada, com sua bengalinha,

recentemente mas bobinha. ella apporrinha, muita gente.

Ainda que medir os passos tente, não sabe caminhar em recta linha. Dois brutos marmanjões, que ella ja tinha trombado, vão parar na sua frente. Fingindo offerescer adjuda, dão o braço, mas a levam a local fechado, onde estupral-a acham “legal”, pois querem que ella “apprenda uma licção”. Na bocca a fodem fundo, gozação fazendo: “Engole, cega! Ahi, que tal?” A gorda, adjoelhada, grunhe e mal consegue, mas curtindo os dois estão. Na rede virtual, a dupla posta o video que gravou, no qual a gorda se fode. Todos acham bom expor da coitada a bocca cheia. A turma gosta.


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A cara lembra alguem que comeu bosta. Os jovens, sem deixar que a cega morda a rolla que lhe mettem, ao sabor da sucção junctam sebinho, em grossa crosta.

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CASCA GROSSA [0407] Accabo de saber: um cego tão usado quanto eu digo ser ficara submisso aos proprios primos! Tinha avara mania aquelle cego, quando são da vista fora. Quando sem visão ficou, sem mais parentes vivos para cuidar delle, aos primões cedeu a cara mansão e lhes passou procuração. Ficou, pois, de dois sadicos na mão. Alem de usarem tudo que junctara, puniram o ceguinho. Um tinha tara podolatra: queria no pezão a lingua do coitado, pois cascão bem grosso sua sola se tornara, de tanto andar descalço! Quem compara a pelle com a lixa sabe quão difficil é lamber um pé que não se lava com sabão! Historia rara, não acham? Qualquer cego não se azara assim, mas deu tal sorte, em mim, tesão...


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TRANSTORNO CANSATIVO REPULSIVO [0408] Vizinha, alem de immunda, bagunceira eu tenho neste predio. Não lhe basta limpar a casa toda da sujeira que a porca mesma faz em não tão vasta nem rica residencia. De primeira não sendo o condominio, aquella casta mulher, que vive só, quer ser caseira a poncto de lavar cada nefasta manchinha de cocô que vê na beira da fetida privada. Tempo gasta passando adspirador na casa inteira, de quattro em quattro dias, quando arrasta os moveis todos, peças de madeira pesada, servicinho que contrasta com uma velha fracca, verdadeira megera, bruxa, vibora, madrasta. Como é que pode haver mulher que queira fazer tanta faxina? Alguem affasta hypothese esta minha? Só me cheira a coisa duma mente iconoclasta, maluca, desastrada, desordeira, alem de porcalhona, que alli pasta tal como vacca. Vejo-lhe a caveira.

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SIGNAL DOS TEMPLOS [0410] Egreja Local, Geral, Rural, Do da da da

Universal, Fundamental, Estadual, Espacial, Sectorial, Commercial, Municipal ou Mundial.

Reino, do Poder, do Coração, Graça, da Bondade, da Missão, Gloria, da Justiça, da Licção, Acção, do Mandamento, do Bordão.

Dum Deus, de dois, dos deuses... De qual Deus? Será de quem? Dos delles ou dos meus? Do Olympo ou não? De Juppiter ou Zeus? Que esperem d’Elle! Estou entre os atheus!


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MATTOSO VAE À GUERRA [0413] Vocês acham difficil hoje, então, haver algo na vida que emocione o publico cinephilo? Ver vão no filme esse soldado, o tal de Johnny! Tornou-se um “homem-tronco”, de explosão nos membros mutilado! Condicione um homem a viver quem vê que não enxerga nem mais falla ao telephone! Pensei no caso delle, que queria exposto ser num circo, onde o povão iria divertir-se na alegria de estar bem livre dessa posição... Me vi no seu logar! Maior orgia, porem, imaginei... Todos estão pisando no cegueta! Alguem enfia o pau na minha bocca! Que tesão! Ser util eu podia, sendo, alem de cego, um alleijado! Sem a mão, massagem não farei mais em ninguem, mas posso trabalhar na fellação!

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Na bocca aguento foda de quem tem, sujissimo, um fedido caralhão! Contorço-me, suffoco-me, e me vem a porra bocca addentro! Que sessão!


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SOMMELIER DE BOTAS [0425] No facebook, em charge a mim descripta por Sylvio, o cearense, mostra Adão, attento cartunista, como são lambidas umas botas e me incita. É bota militar que, na perita linguinha de fazer degustação, desperta alguns resaibos que me vão lembrando os que senti na cuja dicta: Marron coloração si bota for dalgum paraquedista que, collega dum certo capitão, foi na refrega com elle e conservou egual sabor. Aroma auctoritario, de suppor será. A perita lingua tambem pega as notas de censura, alem da cega noção do “retrogosto” repressor. Emfim, cothurno typico da classe, daquelles que lambi quando enxergava e quando minha lingua mais escrava foi desse “pequedê” de brava face.

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Agora que estou cego, quem entrasse no meu appartamento sรณ se dava commigo si calรงasse bota brava, que pela paz, nรฃo guerra, battalhasse.


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OCO SUFFOCO [0448] Eu nutro mil desejos excitantes causados, me disseram, pelo verme. Mas contra tal anxeio nem purgantes funccionam e me vejo (Oxente!) inerme. De doces e fricturas ja fui, antes de estar cego, freguez, mas quem puder me dar uma suggestĂŁo, por uns instantes me escute no silencio do Guilherme. PrisĂŁo de ventre tenho, sempre tive. Talvez dahi resulte essa mania de, em verso, maldizer quem preso vive sentado o tempo todo na bacia. Com medo de perder, caso me prive da merda accumulada, a poesia de corte escatologico, inclusive evito o que mais gazes geraria. Sim, antes dos laxantes, vou primeiro tentar com vermifugo fugidio livrar-me das lombrigas, costumeiro problema do qual nunca me desvio.

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Costumo compor versos no banheiro, mas quando do intestino me allivio total, completamente, por inteiro, me sinto, atĂŠ de idĂŠas, mais vazio.


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CORDIAL DIALOGO [0465] {Ahi, ceguinho! Como vae? Está difficil de ir levando? Tem soffrido bastante? Ja ficou mais conformado?} Bom dia, japonez! O senhor ja está se accostumando por ter ido a sua esposa longe do seu lado? {Estou. E nem me importo que ella va ficar la no Japão. Minha libido é que tanto não tem disso gostado...} Aqui p’ra nós, senhor: o cego ca lhe pode ser bem util, sem ruido, sem nada que perigue ser vazado. {É mesmo, cego? O que me quererá dizer você? Talvez, si me decido, você me chuparia de bom grado?} Sem duvida, senhor! Pois nada má é minha bocca para que eu, fodido, lhe engula a cabeçorra do cajado!

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{Então tá combinado! Venha la em casa à noite e deixe que eu, mettido na sua bocca, goze, seu veado!} Fechado. Nada cobro, nem será preciso dizer, sendo reduzido àquillo que me cabe, em meu estado.


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INTERESSEIRO COMPANHEIRO [0498] A propria dona delle é quem entrega o pobre do basset: diz que é saphado, que rouba, coitadinho. Que será, pergunto-me, que fez esse coitado a poncto de ser justo o que ella allega? De minha parte, em minha visão cega, appenas appalpando, sou levado a crer que esse cachorro não está ligando si tem fama de damnado, nem nada. Quer brincar com seu collega. Ou seja, quer commigo na refrega correr, pullar. Não sae mais do meu lado. Me incita, me provoca, para la e para ca me chama. Quer aggrado, quer doce, quer brincar de pega-pega. Um cego prevenido ja carrega no bolso uns biscoitinhos, resultado prevendo dum encontro, quando dá dois delles ao basset que, com seu brado mais rouco, pede bis, resmunga, offega.

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Até que, de repente, peça prega no cego: de seu bolso outro boccado lhe furta, vae comendo tudo, ja comeu, o damnadão. Mas não me enfado do cão que, emquanto o mimo, não sossega.


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MICÇÃO CUMPRIDA [0502] Queixava-se o velhote de infecção nas vias urinarias. Se tractava fazia tempo. Nada, todavia, aquillo resolvia duma vez. A todos lamentava-se. Razão lhe davam. “O problema mais se aggrava por causa dessa dor. Nada allivia!”, dizia. Da pharmacia era freguez. Comtudo, o velho tinha diversão, fallava-se. Risada sempre dava em pappo occasional na padaria, no bar, com dois amigos ou com trez. Foi visto conduzindo um cego. “Tão christão, tão charidoso!”, commentava o povo. Mas ninguem alli diria que fosse tão cruel na sordidez. Do cego o velho usava, com tesão, na rolla porcalhona a bocca escrava. Fazia que chupasse puz, fazia que tudo elle engolisse, sem porquês.

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Pergunta-se: por que o cegueta nĂŁo pedia por soccorro, nĂŁo chamava ninguem, nem a policia. A covardia se explica si masoca for, talvez...


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PESADELLO DO DESMAZELLO [0536] Estou pellado quando o feio sonho começa, num local que de trabalho paresce ser. Agora ja aggasalho vesti, mas nada ainda, em baixo, ponho. Mais tarde, estou de terno. Me envergonho, pois, todo engravatado, me attrapalho sabendo que, ridiculo, o caralho, abbaixo da camisa, sempre exponho. Tentando disfarsar, sento, levanto da mesa de escriptorio. Meu collega mais proximo notou. Sei que não pega la muito bem, mas elle exhibe expanto. Calcei sapato, meia, no meu cantho ficar discreto quero. Mas o galho não quebra a rolla à mostra. Sei que falho em tudo quanto faço. Não sou sancto. Appenas um detalhe: esse medonho e torpe pesadello ja me entrega faz tempo, desde quando, na refrega da vida, percebi que sou bisonho.

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GOTHICOS EROTICOS EXOTICOS [0701] Meus livros, que em papel sahiram, vão virando documentos digitaes. Tiragens exgottadas, edição modesta, só nas redes sociaes circulam, attachados (Dizem “Não mais usam-se esses termos...”) a banaes correios electronicos. (Estão, tambem, quasi em desuso?) Ja meus ais precisam de vehiculos que dão maior velocidade e fazem mais presença virtual: muito tesão na nuvem, no universo, nessas taes versões compartilhadas, na versão compacta, “twitteraria”, dos astraes poemas que, terrenos, ja serão, um dia, archeologicos vitraes, taes como, num mosteiro, os do artezão.


SUMMARIO VICIO DESVIRTUADO [0501].............................9 CUIDADO COM O RABO! [0017]..........................11 A ROSA AZUL E A ROSA ROSA [0020]....................12 OCULOS COR DE ROSA [0021]...........................14 VERANEIO SEM DEVANEIO [0023]........................15 SOLO DE STAND UP [0026].............................16 BOLLETIM DE OCCORRENCIA [0029]......................18 LOGAR DE FALLA [0031]...............................20 FOLLOW THE MONEY [0037].............................22 MUSEU A CÉU ABERTO [0041]...........................23 VANGUARDA CONCRETISTA [0042]........................24 LANÇA-FARTUM [0043].................................25 ADVISO AOS NAVEGANTES [0056]........................26 RHAPSODIA PARABOLICA [0057].........................27 OXYMORO DO OXYGENIO OU VICE VERSA [0061]............30 AMOR CORRESPONDIDO [0066]...........................31 CORRESPONDENCIA AMOROSA [0067]......................36 WATER SPORTS [0100].................................38 LOVE IS ALL AROUND [0105]...........................40 EXSILIO NA MORGADO [0111]...........................41 SEDUCÇÃO POR DEDUCÇÃO [0124]........................43 RISONHOS SONHOS MEDONHOS [0125].....................44 MANIFESTO RELATIVISTA [0126]........................45 PAGINA VIRADA [0130]................................53 LEGITIMO INDEFESO [0132]............................54 BOQUETTE QUE COMPROMETTE [0137].....................55 POSTHUMOS OCULOS [0141].............................56


SUPPORTE INSUPPORTAVEL [0152].......................57 PITHECANTHROPUS ERECTUS [0153]......................58 BREXITING AROUND [0170].............................59 PÉ EXPALHADO [0202].................................60 GOTHICO FLAMMEJANTE [0213]..........................61 RHAPSODIA DA CATHEDRAL [0262].......................63 “Ó, DÁ-ME, GLAUCO, O CU, ALGEMADO!” [0280]..........66 IDÉA DE MEDÉA [0310]................................67 BELIEVE IN YESTERDAY [0313].........................68 PARNASO DE AQUEM TUMULO [0314]......................69 RHAPSODIA DO MICROONDAS [0317]......................71 PARABOLA PARADISIACA [0335].........................73 CEGA BRONHA BREGA [0337]............................74 PAPPO APPRESSADO [0338].............................75 ABSOLUTO ABSURDO [0339].............................76 PARABOLA INFERNAL [0344]............................77 A SOLA DO CAROLA [0347].............................78 A SOLA DO FRAJOLA [0348]............................80 CORRENTE CONDIZENTE [0371]..........................81 CHAVECO DE BOTECO [0374]............................83 OBSOLETA BOCETA [0385]..............................85 PHALLUCINOGENO [0399]...............................87 LICÇÃO DE RUA [0405]................................88 CASCA GROSSA [0407].................................90 TRANSTORNO CANSATIVO REPULSIVO [0408]...............91 SIGNAL DOS TEMPLOS [0410]...........................92 MATTOSO VAE À GUERRA [0413].........................93 SOMMELIER DE BOTAS [0425]...........................95 OCO SUFFOCO [0448]..................................97


CORDIAL DIALOGO [0465]..............................99 INTERESSEIRO COMPANHEIRO [0498]....................101 MICÇÃO CUMPRIDA [0502].............................103 PESADELLO DO DESMAZELLO [0536].....................105 GOTHICOS EROTICOS EXOTICOS [0701]..................106


SĂŁo Paulo Casa de Ferreiro 2020




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