NECROPHILIA

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NECROPHILIA



Glauco Mattoso

NECROPHILIA

São Paulo Casa de Ferreiro


Necrophilia © Glauco Mattoso, 2023 Revisão Lucio Medeiros Projeto gráfico Lucio Medeiros Capa Concepção: Glauco Mattoso Execução: Lucio Medeiros ______________________________________________________________ FICHA CATALOGRÁFICA ______________________________________________________________ Mattoso, Glauco NECROPHILIA/Glauco Mattoso São Paulo: Casa de Ferreiro, 2023 70p., 14 x 21cm CDD: B896.1 - Poesia 1.Poesia Brasileira I. Autor. II. Título.


NOTA INTRODUCTORIA Em livro ja abbordei o horror que inspiram os mortos, quer cadaveres, quer almas penadas, a assombrar as nossas noites. Aqui seleccionei uns cadavericos exemplos, que propicios podem ser ao acto sexual, caso tarados alguns pelos defunctos sejam, fora aquelles voyeuristas usuaes, que curtem essas scenas, mesmo só escriptas, em brevissimos relances. Divirtam-se, esses morbidos leitores!



PRIMEIRA PARTE NECROPHILIA NA POESIA Necrophilo não sendo, me limito,

em versos, a abbordar o que ja li, mas, assim mesmo, tenho um poemetto ou outro para assumpto desse typo. Alguns ultraromanticos quizeram a morbidas imagens recorrer, taes como o cemeterio onde eskeletos ainda se excitassem, à procura dalgum prazer carnal, antes “ossal”. Em NOITE NA TAVERNA, Alvares foi, alem de incestuoso, um cannibal. Mas foi tambem necrophilo, o rapaz fumante, que charutos consumia, sem medo de morrer tuberculoso. Depois, os symbolistas exhumaram a Morte dos caixões convencionaes. Até parnasianos, accreditem, entraram na adventura sepulchral. Exemplo foi Raymundo (o que das pombas tirou a sua fama) neste extranho sonnetto que reli sem entrelinhas: PESADELLO (Raymundo Correa) Penetro a estancia funebre e sombria, Extremo leito da mulher amada; E ergo a loisa que a cobre -- despojada De toda a graça ideal que a revestia: Da belleza, onde um casto amor sorria,

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Pudica e doce, nada resta, nada! Nua de carnes, só a branca ossada, Que appalpo e sinto fria, fria, fria... E, o somno seu eterno interrompendo, Clamo... Da noite o vento algido corta, Cae neve e é gelido o exsplendor da lua... Então, a erguer-se, pavida, tremendo De frio e com pudor, me diz a “morta”: “Cobre-me! Ha tanto frio e estou tão nua!” RELENDO RAYMUNDO CORREA [5238] Fallando em neve e em thema sepulchral, Raymundo mais explicito foi, quando na tumba da mulher amada entrando, buscou necrophilia mesmo, e... Crau! Occorre que o cadaver ja -- Babau! -estava descarnado! Esse nefando detalhe nem perturba! Penetrando por entre os ossos, goza o pau, tal qual! Naquelle gelo? Nunca! Eu que não metto meu molle caralhinho num buraco qualquer dalgum androgyno eskeleto sem anus, sem um penis, sem um sacco! Appenas osso? Cazzo! Maledetto! Necrophilos respeito, mas... Per Bacco! Melhor, sobre o tesão, fazer sonnetto que seja mais carnal no poncto fracco!

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Os proprios symbolistas abusaram

de tumulos e tumbas, prophanando cadaveres a cada allumbramento. Reli, de Cruz e Souza, algo do typo: MUMIA (Cruz e Souza) Mumia de sangue e lama e terra e treva, podridão feita deusa de granito, que surges dos mysterios do Infinito ammammentada na lascivia de Eva. Tua bocca voraz se farta e ceva na carne e expalhas o terror maldicto, o grito humano, o doloroso grito que um vento extranho para os limbos leva. Barathros, cryptas, dedalos atrozes excancaram-se aos tetricos, ferozes uivos tremendos com luxuria e cio... Ris a punhaes de frigidos sarcasmos e deve dar congelidos espasmos o teu beijo de pedra horrendo e frio!... RELENDO CRUZ E SOUZA (4) [5221] Paresce mais do Augusto este sonnetto, que falla duma mumia mas só juncta chaoticas visões duma defuncta figura, entre um phantasma e um eskeleto. Em versos tão bons nunca me intrometto, mas noto que, aqui, cabe uma pergunta. Não falta alguma coisa? Tanto assumpta o bardo e nada branco põe no preto!

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Depois de todo o horror, da podridão completa, da cabal desesperança, pergunta-se: e dahi? Sem conclusão? Faltou, talvez, contar que uma creança sonhou com tudo aquillo porque não ganhou beijo ao dormir e não se ammansa... Eu mesmo, na cegueira, tal visão terei si for deitar de cheia pança...

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Alphonsus foi na mesma linha funebre,

por isso me dispenso de cital-o, mas cito, do seu filho, um caso bem explicito de como nos deixamos levar por pensamentos doentios:

SONNETTO PREMONITORIO (Alphonsus de Guimaraens Filho) Sobre este plano, liso chão, me deito à maneira dos mortos. Que arrepio... Que sensação extranha de outro frio, como uma unha, me excalavra o peito. Me deito aqui, no liso chão, e expreito... Guardam as coisas, que do chão espio crescerem para mim, num desaffio, não sei que grave gesto insatisfeito. Tanto me habituei a estar commigo que ir-me embora de mim me causa pena. No liso chão deitado o corpo sente um sossego de estar -- de estar somente -coisa que à grande inercia se condemna, pedra, talvez, de algum tumulo antigo.

Fiz duas releituras deste caso: RELENDO ALPHONSUS DE GUIMARAENS FILHO [5217] Foi fertil sonnettista seu pae, pelo criterio symbolista. Cede o filho à tetrica illusão de, no ladrilho

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do piso, se deitar... Que pesadello! Sentindo-se um cadaver, como gelo seu corpo se enrijesce... Ja me pilho, lhe lendo o verso, assim! Meus dentes rilho, tremores sinto, eriça-me o cabello! Extranha experiencia! Até suggiro que assim faça o leitor... No chão se deite, fingindo-se de morto, ou de vampiro. Suggiro que esse leve teste acceite. Então? Sacou aquillo que refiro? Tentou? Então, que achou? Da cor do leite não fica a sua pelle? Eu, quando viro vampiro, uso a cegueira como enfeite. PSYCHOGRAPHANDO ALPHONSUS DE GUIMARAENS FILHO [6333] De entrar no que segreda a cova fria então a fim estás, Glauco Mattoso? “Parnaso de Alem Tumulo”, o famoso livrão do Xavier, te influencia? Reler-me ja quizeste, quando, um dia, deitei-me no chão, para de escabroso proposito fallar. Não tive gozo nenhum quando fingi que ja morria. Mas fazes phantasia si vampiro suppões que eu seja, alem de teres sido. Verdade verdadeira aqui decido contar-te, caro Glauco, ou me retiro. Depois que morri, nunca me refiro às luzes dos espiritas! Cahido estive nos infernos! Sim, fedido é o cu de Satan! Cheira, te suggiro!

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Citei, postsymbolista, por Augusto

dos Anjos bem composto, um caso destes, que falla por si só, tambem relido por mim em dissonnetto, como consta: IDEALISMO (Augusto dos Anjos) Fallas de amor, e eu ouço tudo e calo! O amor da Humanidade é uma mentira. É. E é por isto que na minha lyra De amores futeis poucas vezes fallo. O amor! Quando virei por fim a amal-o?! Quando, si o amor que a Humanidade inspira É o amor do sybarita e da hetaira, De Messalina e de Sardanapallo?! Pois é mester que, para o amor sagrado, O mundo fique immaterializado -- Alavanca desviada do seu fulcro -E haja só amizade verdadeira Duma caveira para outra caveira, Do meu sepulchro para o teu sepulchro! RELENDO AUGUSTO DOS ANJOS (1) [5105] Duvida do carnal amor Augusto dos Anjos, que acha appenas verdadeira, no tumulo, a amizade entre a caveira e sua semelhante, o que acho justo. Tractando-se do Augusto, nem me assusto si appenas dum sepulchro o bardo à beira em ossos acha amor e affecto cheira no abbraço de eskeletos, busto a busto.

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Só fico injuriado quando o vate condemna o mundanismo sybarita por todo o mal que sobre nós se abbatte na vida, que é tão celere e maldicta. Ja basta que mal Juppiter nos tracte! Não creio que haja alguem qu’inda accredita em culpas e peccados, disparate que em verso, espero, nunca se repita.

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O thema dos dois corpos que se encontram na mesma sepultura deu a Judas, aquelle Isgorogota, a boa chance de entrar no necrophilico motivo que, lido por mim, como parallelo serviu para mais este dissonnetto: NÓS DOIS (Judas Isgorogota) Dois tumulos, nós dois... Ambos, ao peito, Sob a insondavel lapide marmorea, Temos sepulta a interrompida historia De um desfortunio mais do que perfeito. A nossa vida é um campo sancto feito Somente para nós e para a ingloria Magoa que sinto, a magoa intransitoria Que te traz abbattida desse jeito. Pena é que esse mysterio que nos cinge Force a vivermos ambos, lado a lado, Como uma esphinge juncto de outra esphinge... Sem que eu saiba o porque de teu cuidado, Sem que saibas que é em ti que se restringe O meu silencio de desventurado... RELENDO JUDAS ISGOROGOTA (2) [5232] O thema de dois tumulos que, lado a lado, são, de amantes, dum casal, tambem foi explorado com total pericia pelo Judas, e eu me aggrado. Poetas outros deram seu recado accerca da questão, mas é fatal

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que occorra uma lembrança: e aquella tal historia do caixão desenterrado? Eu conto. Ao exhumarem dois defunctos que em vida unidos eram, houve expanto: estavam os cadaveres, la, junctos! O tempo transcorrido? Sei la quanto! Entendam bem: num sacco, dois presunctos! Exacto: um dos caixões, vazio, emquanto rollavam ambos noutro! Taes assumptos commento com amigos, quando janto.

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Usou alexandrinos o Luiz

Delphino, meu modello no fetiche podolatra, ao tractar dest’outro thema, tambem por mim relido do meu jeito: A COVA (Luiz Delphino) Faz mais larga essa cova, estupido coveiro; Pois não vês que são dois buscando o mesmo leito? É preciso que caiba um longo travesseiro, Para dormirem face a face, peito a peito. Virei deitar-me em tempo: hoje não, não me deito Sem que nos braços meus a carregue primeiro: Quero cobril-a bem, pôr-lhe o tronco direito; Que é muito longo sempre o somno derradeiro. Guarda do cemeterio, o jardineiro ahi fica, Quero roseiras só, quero muitas roseiras; Que ardam rosas em que seu corpo multiplica. Que os passaros aqui cantem horas inteiras: Que esta leiva, em que está da terra a flor mais rica, Seja o teu ninho, amor, quando um ninho, amor, queiras. RELENDO LUIZ DELPHINO (4) [5233] Delphino mais explicito foi nisso de um tumulo servir a dois. No fim, comtudo, suaviza. Para mim, faltou mais podridão nesse serviço. Voltando àquella historia do sumiço dum corpo do caixão, achado assim que aberta fora a cova dum affim (os dois aggarradinhos), eu me eriço.

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Phantasmas se transportam: não respeita barreiras um espirito... Mas como um morto sae da cova e noutra deita? Concordam que sobre isso não embromo? Não ha, nesses rumores, a receita. Commentam que o mysterio ja foi pomo de muita discordancia e que a suspeita recae sobre um coveiro... E, à mesa, eu como.

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Rockeiro que sou, nunca poderia

deixar um Alice Cooper sem citar, pois em “I love the dead” elle fez bello e celebre hymno orgastico, que em meu poema se converte nas palavras dum lubrico leitor, se declarando: I LOVE THE DEAD [6621] Preciso confessar, Poeta: amei os mortos loucamente, como o Cooper cantava! Fui do typo que até chupa as partes dum cadaver! Confessei! Glaucão, você me entende, sendo gay! Si mesmo um symbolista nós, de lupa em punho, percebemos que se occupa dos mortos com desejo, que direi? Direi que tambem posso desejar! Direi que vejo, sim, necrophilia, até num corpo ja na cova fria, a carne ja a azular ao nosso olhar! Direi que essa libido tumular é, Glauco, mais commum do que seria a sua fetichista phantasia por pés! E os dum defuncto? Os quer cheirar?

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Um outro leitor logo me interpella

accerca dos zumbis, thema allarmante que, quando se erotiza, agoniados nos deixa, como neste dissonnetto: GLOOMY [6654] Não sentes medo, Glauco? Tu te mettes a versos fazer sobre coisas tão maccabras, tão sinistras! Do caixão irão se levantar alguns pivetes! Pensaste nisso? Caso te punhetes pensando no pezão dum molecão, um dia attrahirás, de supetão, um delles, à procura de boquettes! Taes manos morrem cedo. Um morto à balla, ainda de menor, antes de estar nas partes decomposto, si teu lar invade, essa carniça ha que chupal-a! Terás coragem, vate? Elle te falla: “Tu queres, do dedão ao calcanhar, um pé fedido? Tracta de chupar! Tá sujo, pois directo vim da valla!”

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Emquanto concluindo vou, me lembro

daquillo que Raymundo me inspirou em termos de eskeleticos caralhos, na bocca dum leitor explicitados:

PLATONISMO SEPULTADO [6598] Você, Glaucão, que sonhos interpreta, me diga de que forma analysar iria a tal visão que, tumular, eu tive em pesadello! Diga, asceta! Exacto! Si não tiro o cu da recta, a rolla do cadaver penetrar podia até bem fundo! Por azar, eu nunca que desperto! Isso me inquieta! Comtudo, o mais extranho foi que o tal defuncto um eskeleto ja virara! Mas tinha, Glauco, um osso como vara! Um penis, sim, brancão, descommunal! Então foi isso, Glauco? Que legal! Assim fico tranquillo! Quem sonhara, um dia, de caveira ver a cara daquelle velho objecto sexual!

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Em summa, a morte intriga qualquer bardo

e medo della todos nós sentimos. Em THANATOPHOBIA junctei muitos poemas allusivos ao pavor que temos duma tumba, seja a nossa ou seja de quem venha assombrar nossas, de insomnia, noites quentes de verão. Mais rara será nossa punhetinha si estamos a pensar nos mortos-vivos, alem dos mortos-mortos, como nossos parceiros sexuaes. Quem mais quizer, em outros livros meus encontrará exemplos abundantes, desde RHYMAS DE HORROR, alem de CRITICA SYLLYRICA, passando pelo olente INSPIRITISMO, que induz a psychographicos orgasmos. Disponham do ceguinho os meus leitores!

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SEGUNDA PARTE VERAZES CADAVERES VORAZES DISSONNETTO HORRORIZADO [0579] À noite a rua é calma e, em cada porta, a tranca está passada. Algo se exgueira no escuro e, ‘inda que humana alguem crer queira, aquella creatura extranha é morta! O corpo é descarnado; a espinha é torta; os pés são lodo; o rosto é uma caveira! Exhala em torno o odor de podriqueira e seu roufenho arfar o ar mudo corta. Num quarto, o penitente mortifica o espirito e castigo aos céus implora: renega a vida morbida e impudica. Podia arrepender-se, mas agora é tarde, elle presente e tudo indica. [pressente] Ouve que a porta raspa a mão por fora. Hesita, e por fim abre: o monstro estica o braço, o aggarra e os olhos lhe devora!

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DISSONNETTO SUGGESTIONADO [0662] O quarto está vazio. Assim que eu abro a porta, sinto cheiro de vellorio. Ao centro, ausente alguem que o tenha e chore-o, um morto no caixão, livido, glabro. Garrafa improvisada em candelabro, sem luxo, ceremonia ou palavrorio, o corpo agguarda o verme que devore-o, cavoque a cara e exponha o esgar maccabro. Um olho abre o cadaver, mas supponho ter sido impressão minha, que ando lendo historias desse genero medonho. Ja sei que aquelle morto-vivo horrendo virá me apparescer durante o sonho, depois que das leituras me arrependo. Passado o susto, quasi me envergonho, mas nunca, ao recordar, me surprehendo.

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DISSONNETTO BESTIFICADO [0666] De noite o cemeterio está deserto. Ficamos escondidos, de tocaya. Queremos que, ao luar, a Coisa saia e possa ser flagrada em campo aberto. Foi vista varias vezes aqui perto, mas quem depara, quando não desmaia, em vez de registrar foge da raia e a Coisa ‘inda ninguem descreve ao certo. Não somos tão valentes, mas a apposta foi só documentar, sem tel-a presa. Tem gente que de Coisas taes não gosta, mas sempre ter julguei a pelle illesa. De subito, me volto e ella me arrosta! Sumiram-me os amigos! Sem defesa, nem corro della, e quando a mão me encosta accordo, o livro aberto, a luz accesa.

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DISSONNETTO DA DANSA MACCABRA [0800] Caveiras e eskeletos dão assumpto ao morbido escriptor que, em louca historia, constroe uma atmosphera alva e phosphorea na noite appós o enterro dum defuncto. Exhuma-se o cadaver, mas quem juncto da cova está não é gente que chore-a nem quem supplique ao morto a paz na gloria, mas sim um podre e tetrico conjuncto. São outros descarnados, que ao redor da tumba veem dansar! Quem os descreve lhes põe, das caras feias, a peor! Ninguem a alli cantar jamais se attreve! Mas esses a canção sabem de cor. A musica, em si mesma, é lenta e leve, mas ossos castanholam no maior battuque sobre um nu que jaz na neve!

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[vêm]


DISSONNETTO DA VIAGEM NOITE ADDENTRO [1372] Passava o trem nocturno pelo matto cerrado, quando teve que parar. Olhei pela janella e, estupefacto, notei que me fictava aquelle olhar! Brilhantes como brazas, dalgum gatto selvagem suppuz serem, mas o esgar humano que faziam deu-me exacto contorno desse rosto tumular! Caveira! Uma caveira! Está me olhando daquelle mattagal! Como na tela do cine, ella sorriu! E justo quando ja vinha se chegando até a janella... O trem se movimenta! Essa nefasta imagem de eskeleto magricella, terrivel, lentamente, emfim se affasta do campo de visão, e excappo della!

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DISSONNETTO DO CASARÃO AZARÃO [1401] Aquillo parescia, mesmo, extranho e alguem mais fracco ja se descabella: escuta a moça, emquanto toma banho, pancadas muito leves na janella. Inquieta estava, desde que o tamanho da casa constatou: para dois, ella e o conjuge, a mansão que era seu ganho de herança ampla demais se lhes revela. Cabal explicação eu não prometto. De novo, as taes battidas! Algum galho movido pelo vento? Indicio falho foi este; a chave é o proximo quartetto: O caso ficaria, mesmo, preto. Olhava, e nada via! Mas, agora, advista na vidraça a mão la fora: são ossos! Sim, a mão dum eskeleto!

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DISSONNETTO DA GOSMA PHANTASMAGORICA [1408] Na hora de fecharem o caixão, notaram, no defuncto, que excorria da bocca a grossa baba, porem não ligaram. Foi o corpo à cova fria. Agora andaram vendo apparição e a cara que apparesce, e que os espia emquanto estão comendo, abre o boccão e pinga o escuro cuspe, que desfia. Nem cabe, aqui, fazer signal da cruz. “Que nojo!”, pensei eu, logo me pondo dos outros no logar, e não escondo: Sim, puz-me a imaginar aquelle puz. Mas novo ammanhescer nos traz a luz. Passado esse momento na memoria, exquesço totalmente a feia historia si um churro recheado me seduz.

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DISSONNETTO DA PROVA IMMATERIAL [1430] Ninguem pode dizer que não tem medo de espectro ou de eskeleto! O scientista affirma que um não mexe nem o dedo e que outro só na idéa surja e exsista. Duvidam os incredulos. Eu cedo àquillo que o bom senso dicta: a mixta noção do que é evidente e o que é segredo. Si ha logica, ha o mysterio que a despista. Ninguem de experiencias taes se prive! À noite, o cemeterio nos comprova que o medo tem sentido: em cada cova, alem dos ossos, jaz algo que vive! Alguem quer performar o detective? Coragem ninguem tem de estar alli no escuro! E quem ja viu, como eu ja vi a Morte, está commigo onde eu estive!

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DISSONNETTO DO FILME DE TERROR [1666] Discutem dois amigos. Um, que jura ter visto se mexer um dos defunctos, jamais o outro convence. Àquella altura, é tarde para a fuga. Ficam junctos. Aberta tinha sido a sepultura e o corpo alli jazia... Quaes assumptos iriam desviar o pappo? E dura aquella noite inteira, entre os presunctos. Que porre! Não é mesmo forte inhaca? Um uivo ao longe e pulla, de repente, da mesa o tal cadaver! Um crescente grunhido solta e, arfando, aos dois se attraca! Terror de sobra! Berros altos paca! Um delles excappou, mas outro fica nas mãos do morto-vivo! Tudo indica que o filme volta ao zero, àquella estacca.

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DISSONNETTO PARA O GRUPPO DO ALICE COOPER [2493] Em vez de melancholico e deprê que nem um “emo” ou “gothico”, elle quer chocar, exaggerando o que puder, e, morbido, se expondo a quem o vê. Necrophilo, simula que lhe dê vontade de trepar com a mulher defuncta e de posar, quando estiver ao lado dum satanico bebê. Das cobras elle abusa até no tom das cappas de seus discos: um vermelho, um verde, um amarello, outro marron. Esteve por aqui, mas seu conselho ninguem irá seguir. Somente o som encontra novo fan num rapazelho, tambem esse necrophilo, mas com tesão, talvez, do morto, num artelho.

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SCENA ACCELERADA [3186] À noite, passear não se acconselha. Passar do cemeterio pela porta e olhar, não é visão que recomforta. A alguem, porem, tal coisa deu na telha. Um typico cagão é justo quem advista a apparição phosphorescente em forma de eskeleto, que tambem o advista e vem correndo! E agora, gente? Correu dois quarteirões, mas a caveira sahiu attraz e, pelas ruas, corre! Não ha quem de cagaço não se borre siquer sem fazer pausa na carreira! Aquella correria fim não tem? Na exquina, elle tropeça e quasi sente pegal-o a ossada viva! Então lhe vem mais merda pelas pernas, molle e quente! O bafo da caveira arde na orelha! Não cessa o pesadello até que a morta figura o alcance! Accorda e grita: “Corta!” A um filme o horrivel caso se assemelha.

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INCREDULO NO TUMULO [4937] Magina! Que bobagem! Isso não exsiste! Ora, ter medo de caveira é coisa de maricas! É besteira! Ja disse, não exsiste assombração! Aqui, venha commigo, seu bobão! Tá certo que é fedida! A tumba cheira carniça, porra! Caso você queira perfume, va passar la no sallão! Levanta aquella tampa! A do caixão, exacto! Eu, levantal-a? De maneira nenhuma! Va você! Mais força, irmão! Você carrega caixas la na feira! Não fique ahi parado, molleirão! Que foi? Não fuja! Volte! O que se exgueira la attraz? Um eskeleto! É maldicção, só pode! Me bellisca! É brincadeira!

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RELENDO GUIMARÃES PASSOS [5152] Não sei não, mas estou desconfiado que desses menestreis a maioria compõe-se de necrophilos! Eu lia, agora mesmo, um delles, bem tarado. Sim, Passos, Guimarães, que do “Tractado de versificação” tem auctoria conjuncta com Bilac! Ora, faria sentido que um cadaver tenha amado? Pois acho que faz! Falla da “formosa” amante como “morta” e quer beijal-a, sabendo que ella gela e se necrosa, que, em breve, será forte o odor que exhala! Em verso, tal não colla, nem em prosa! Disfarsa, todavia: em vez de à valla descer, quer que ella suba, “vaporosa”, aos céus, qual uma estrella... Serio falla?

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DISSONNETTO DA CAVEIRA (RELENDO MANUEL BOTELHO DE OLIVEIRA) [5234] Nem olhos tem, nem lingua, tempo faz. Embora cega, enxerga o que ha de louco no mundo. Não faz, nunca, ouvido mouco a tanta intriga, a tantas linguas más. Jamais repousa o craneo no “aqui jaz”. Em tudo está presente e, daqui a pouco, seus dentes abrirá num riso rouco de excarneo, tão cruel quanto mordaz. Os bardos nos suggerem que a caveira, ao mesmo tempo, é symbolo do mudo cadaver e, sarcastico, de tudo de ephemero, que volta a ser poeira. E pode ser, tambem (no que eu adjudo a achar), o espelho critico a quem queira de casto puritano dar bandeira, posar de moralista e carrancudo.

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O TEOR DO TERROR [5296] Fallando de temores, eu receio aquillo que outros temem mas ninguem admitte: assombrações que, desde o Alem, nos venham demonstrar que o inferno é feio. De bem intencionados está cheio o inferno, diz o dicto. Mas, si vem puxar o nosso pé de noite alguem, na certa boa acção fazer não veiu. Não venham me dizer que, de vocês, nenhum seu pé puxado teve um dia, ou uma noite, ao menos uma vez, ao menos em secreta phantasia! À parte esses devotos do Marquez, caveiras, eskeletos, nem seria preciso termos visto, mas quem fez pesada digestão ja se arrepia!

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QUE UM DESFILE ME HORRIPILLE! [5837] Sobre mortos eu só tenho uma coisa a registrar: o perfeito desempenho dos zumbis, ao desfilar. Esse evento tem logar noite affora e, com ferrenho vigor, fujo. Para azar, devagar a accordar venho. Passeata de zumbi sempre passa à minha porta. Protecção me falta aqui, mas o Demo nem se importa. Nunca saio, mas ja vi zumbis varios. Não comforta que isso em sonho rolle: ri p’ra mim sua bocca torta!

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NOVO TERROR [6318] Horror, Glauco! Um horror é o que começa agora a accontescer! Se collecciona cadaver! Sim, aquelles do corona estão, como zumbis, à solta, à bessa! Serão “coronavivos” e depressa virão taes mortos vivos dessa zona maldicta em que, na tumba, os abbandona até sua familia! Isso não cessa! Em breve, invadirão toda a cidade! Quem é que não tem medo dum zumbi que nunca alguem ja vira por aqui e, de repente, nosso lar invade? Em vez de comer cerebros, um ha de querer nossos pulmões! Glaucão, cê ri? Pois saiba que esta noite eu, sim, ja vi um delles la no parque, pela grade!

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CORONAVIVOS [6319] Indagas-me, Glaucão, sobre essa lenda dos taes “coronavivos”, mas garanto que vejo com real e enorme expanto um facto ja bem facil que se entenda. Suppõe-se que um zumbi normal dependa de cerebros fresquinhos. Para tanto, precisa devoral-os. Padre Sancto! Não teem nossos açougues isso à venda! No caso dos coronas, do pulmão humano necessitam! Ja pensaste, Glaucão? Não ha pulmão mais que lhes baste! Os nossos fatalmente quererão! Estás contente em casa? Pois então contenta-te e te tranca! Algum desgaste soffremos, tão reclusos, mas salvaste a pelle si te tornas hermitão!

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MALDICTA VISITA [6320] Aquelle senhorzinho num sobrado enorme está morando ja, sozinho, faz tempo. Toda noite elle, a caminho de casa, por um bosque passa, ao lado. Não é que, do portão tendo passado, escuta attraz extranho barulhinho de passos? Ao voltar-se, ja adivinho que nada viu. Appressa-se, coitado. Trancou-se. Está seguro? Não, jamais! Janellas vae fechando, cada porta chaveia. Nem na cama se comforta. Ouviu, vindos de baixo, roucos ais. Tem, sob o travesseiro, uma das taes garruchas em desuso. Não importa. Usada nem seria. A bocca torta sorriu-lhe, do zumbi! Dentes mortaes!

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ZUMBIZAGEM [6322] A cara dum “coronavivo”, ou antes, caveira não de todo descarnada assusta a todos quantos vejam cada detalhe das feições agonizantes. Rasgada, a bocca abriu pelas cortantes tranqueiras invasivas na coitada. Os olhos, ja sem palpebras, que nada enxergam, nos observam, penetrantes. Nariz é cavidade ensanguentada. Bochechas são muxibas, como são os labios, as orelhas. A feição é mesmo dum zumbi: desfigurada. Mas, caso um monstro desses nos invada a casa, quererá nosso pulmão comer e compensar um ar que não lhe deu a apparelhagem entranhada.

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FUNESTA APPOSTA [6365] Gabava-se de medo não ter, mas finou-se, Glauco! Feita foi a apposta. À noite elle, sozinho, ja se posta no gothico jazigo. O que elle traz? Só traz o cellular, com o qual faz remota connexão. A turma gosta, no bar, de commentar como elle emposta, de empafia, a voz precoce de rapaz. E ficam escutando, emquanto o cara reporta: “Aqui no tumulo, ninguem ainda assombrar veiu! Olhem, e nem virá, querem saber?” -- elle declara. De subito, um berreiro se excancara ao phone, que emmudesce! Ja não vem signal nenhum, Glaucão! Ja não se tem noticia delle! Ir la? Ninguem ousara!

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SCENA AGUDA [6366] Os mortos-vivos cercam um sobrado que está de adolescentes bem repleto. Entrar os zumbis querem, pelo tecto, porão, saguão, por tudo quanto é lado. Os jovens entram quasi que em estado de choque. Em desespero, vão directo aos quartos e se trancam. Me connecto com elles. Um passou-me este recado: {Seu Glauco, ja pedimos uma adjuda local, estadual ou federal e estamos agguardando... Um entrou! Mal entrou, ja devorou alguem! Accuda! Ouviu a gritaria? Agora muda ficou a scena... Agora cada qual comido foi... Restei eu, affinal...} E nada mais ouvi. Que scena aguda!

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ULTIMA VONTADE [6367] “Eu quero ser cremado! Quem não crema seus mortos os quer vivos no postmortem! Depois os familiares que supportem as vindas do zumbi! Que ninguem gema!” Assim o patriarcha seu dilemma expoz. Porem, por mais que nos exhortem, nós somos é teimosos. Se comfortem aquelles que fugiram do problema. Agora o zumbi ronda, toda sexta à noite, a residencia da familia. Ninguem na vizinhança mais se pilha na rua por alli. Ninguem é besta. Appenas os rapazes da seresta ja viram o zumbi, que dentes rilha e espuma pelo labio. O olho rebrilha, sem palpebra. “Me cremem ja!”, protesta.

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ULTIMAS CONDOLENCIAS [6371] Estava no vellorio muita gente. Depois das dez, ainda havia quem chorasse por alli. Mas ja ninguem restava à meia-noite, excepto um ente... Querido, mas nem tanto. Tal parente brigou com o defuncto, lhe foi bem hostil em vida. Agora, triste, tem remorso. Quer rezar e mal se sente. De subito, o cadaver se levanta. Sentado no caixão, vira a cabeça à volta do pescoço, até que cresça a raiva no seu rosto. O outro se expanta. De medo, quer fugir. Ai, Virgem Sancta! Olhae por um devoto que padesça! Mas, antes que dalli desapparesça, o morto o segurou pela garganta...

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RIGIDEZ CADAVERICA [6372] Necrophilo, um veado conseguira emprego bom no Medico Legal. Serviço burocratico, mas, mal as costas vira alguem, a bicha pira! Depressa, dos cadaveres retira o penis maiorzão, descommunal, que encontra! Tem buccal, até rectal proveito! Só chupando ja delira! Nem sempre leva aquillo para casa. Às vezes, uma rolla nem amputa, appenas saboreia. Da conducta ninguem desconfiou e nada vaza. Flagrado, certa feita, a cara em braza ficou-lhe. Quem flagrou foi uma puta, tambem, vejam, necrophila, a biruta! Segredo com segredo, a dois, se casa.

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PERIGO NA VIA [6406] Garanto que um enganno não commetto, pois juro que um cadaver desses vi e não é, não, o classico zumbi, mas sim o puro e simples eskeleto! Você, Glauco, que escreve dissonnetto, na certa pouco caso faz e ri, mas, sendo de mulher, de travesti ou homem, com caveira não me metto! Difficil é saber, mas a caveira que vi me paresceu ser feminina, talvez pela risada aguda, fina, que estava a dar, alli, da via à beira! Ver ossos chacoalhando ninguem queira! À noite, elles rebrilham na neblina! De moto, o corpo morto surgir vi na estrada! Accelerei... Sem brincadeira!

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BRUXISMO AMPLIFICADO [6453] Tu, Glauco, tens pavor dessas visões phantasticas e sobrenaturaes, eguaes às que enxergamos nós, normaes? Então não estás cego, ora, trovões! Tambem tu desconfias dos colhões naquellas horas mortas, quando os ais ouvimos dos cadaveres que mais insistem em voltar? Que me depões? Não digas -- Ora, raios! -- que não sentes pavor desses defunctos a vagar! Não passas em vigilia, a meditar, todinha a madrugada, como os crentes? Confessa, Glauco! Os cegos são videntes! Talvez tenhas ainda mais azar que um normovisual, pois teu radar mais ouve quando rangem, alto, os dentes!

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TOMBSTONE SHADOW [6633] A sombra duma lapide tem seu sinistro symbolismo! Tu não pensas assim? Si nós tivermos certas crenças, até de dia a gente treme, meu! De noite, então, até quem seja atheu evita cemeterios! Caso venças teus medos, andarias nas extensas ladeiras do Arassá? Não andei eu! Mas ja fiquei sabendo dum collega que entrou alli, por gothica vontade de estar num ambiente que degrade e inquiete quem, à noite, não sossega! Qualquer pessoa, alli, seria cega! O gajo ouviu os mortos! Sim! Quem brade, nas trevas, por soccorro, ouve de Sade o riso condizente! És tu quem nega?

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HORROROSOS ODORES [6661] Fallavamos -- Né, Glauco? -- de zumbis e estive mencionando certa fita tractando dum zumbi que facilita a vida na floresta, com ardis. O morto adjuda um vivo que, infeliz, se perde pela matta. Reedita um Sexta-Feira, ao Robinson bemdicta e grata apparição, frisar eu quiz. Você foi mais sacana! Alem dos gazes peidados pelo morto, quer cheirar tambem o seu chulé! Pensou num ar tão fetido? Que taras contumazes! Vocês de qualquer coisa são capazes, tarados que são, Glauco! Um tumular chulé será peor do que fungar na meia, da caserna, dos rapazes?

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MOTTE GLOSADO (1/2) [7464] Não tem medo de caveira quem tem sancto padroeiro. (1) Nunca, mesmo que alguem queira se gabar, eu não confio que, appesar do calafrio, não tem medo de caveira! Si imagino-lhe a maneira de estar rindo o tempo inteiro, e me olhando fundo, eu beiro a loucura, pois ninguem seu sorriso exquesce, nem quem tem sancto padroeiro! (2) Me enterraram, mas agora consegui sahir da cova, aos pouquinhos... Isso prova que algum bruxo por mim ora... Procurando cahir fora, entre as lapides me exgueiro, de outros mortos sinto o cheiro... Só, do tumulo na beira, não tem medo de caveira quem tem sancto padroeiro...

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MOTTE GLOSADO (1/3) [7468] Quem partiu nos pede a prece e esperamos que descanse. (1) Na necropole, accontesce um maccabro caso: os ossos exhibindo aos olhos nossos, quem partiu nos pede a prece. Foi um sonho, mas paresce verdadeiro: antes que alcance o eskeleto, em agil lance, meu pescoço... Ufa! Me evado! Volta à cova o excaveirado e esperamos que descanse! (2) Ai, que horror! Ai, si eu pudesse evitar o pesadello! Si, porem, temo revel-o, quem partiu nos pede a prece! O eskeleto me apparesce de repente e não dá chance de excappar antes que advance e se aggarre em meu pescoço! Peço a Deus não ver mais osso, e esperamos que descanse! (3) Quando o dia ja ammanhesce eu visito o seu jazigo, pois é serio o que lhes digo: quem partiu nos pede a prece.

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Rezo muito e, si mais desse, mais rezava. Caso ammanse o eskeleto, vejo chance de dormir, sinão eu danso, pois no somno acho o descanso e esperamos que descanse.

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MOTTE GLOSADO (1/2) [7482] Morador de predio antigo se equipara ao duma casa. (1) Occorreu com meu amigo. Numa casa residia e resolve ser, um dia, morador de predio antigo. Mal mudou-se, seu castigo foi achar que cova rasa seu soalho virou! Vaza dum cadaver o odor, fado que, no apê malassombrado, se equipara ao duma casa. (2) Tal fedor investigando, elle chega à conclusão de que alguem ainda não descansou. O odor nefando começara a vazar quando um bebê morreu, e praza aos céus seja anjo sem asa! Ao saber, pensei commigo: morador de predio antigo se equipara ao duma casa.

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MOTTE GLOSADO [7489] De coveiro a profissão não desejo ter na vida. Um amigo diz que não quer funcção como esta minha, ou melhor, essa que eu tinha, de coveiro a profissão. Ja larguei tudo de mão, pois, à noite, a voz sahida dos caixões sempre era ouvida por mim, como a duma cella, e uma praga como aquella não desejo ter na vida.

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MOTTE GLOSADO [7492] O caixão está vazio! Para onde foi o morto? Um terrivel desaffio eu, que exhumo, enfrento quando, no episodio mais nefando, o caixão está vazio! Um cadaver duro e frio como pode ficar torto no caixão? Meu descomforto é peor si o corpo some! De Jesus, pergunto, em nome: para onde foi o morto?

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MOTTE GLOSADO [7493] Si o caixão vazio está, perambula algum zumbi! Eu, que exhumo os mortos, ja enfrentei tal desaffio. Até sinto um calafrio si o caixão vazio está! Não faltou vibração má no episodio: percebi que é melhor sahir daqui, pois, si o morto é foragido, pelas ruas, nem duvido, perambula algum zumbi!

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MANIFESTO SYMBOLISTA (1/2) [7922] (1) “Estou pensando, Glauco... A academia faz muita distincção. P’ra mim é tudo a mesma coisa. Só necrophilia! O Cooper, em “I love the dead” ja fez resumo da questão. Mas fazem tanto barulho com um Alvares contista de “Noite na taverna”, com Augusto dos Anjos, Cruz e Souza, com os ultra, com gothicos... Caralho, Glauco! Vão tomar no cu! Necrophilos, somente!” (2) -- Não vamos mixturar, né? Numa fria e escura sepultura jaz, desnudo, qualquer cadaver, para quem iria fazer o que quizesse. Mas freguez exsiste para tudo. Só levanto alguma differença: symbolista, romantico, underground... E não é justo junctar tudo no sacco. Que cê nutra seu nojo, comprehendo. Mas tesão aqui nem se discute, frio ou quente.

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EVANGELHO DE THOMÉ [8611] Aquelle que consegue entender este terreno ou interregno mundo nosso renova a descoberta dum cadaver. Aquelle que descobre esse cadaver será, pois, superior ao proprio mundo. Apocrypho, citou tal documento alguem que me passou a reflexão accyma, que não quero commentar. Só quero reflectir sobre cadaveres. Cadaveres não passam de eskeletos com faces de caveira, appenas. Nada mais grave e verdadeiro que esse craneo com olhos que enxergaram e com bocca que está a sorrir, ainda, como si, sem ver, achasse graça, ao seu redor, em tudo. Uma metaphora da vida terrena. Até daquillo que este mundo nos dava a pensar, mesmo na desgraça.

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“AQUI NOSSOS OSSOS ESPERAM OS VOSSOS” [8673] Ouvi fallar que exsiste essa maccabra e celebre inscripção num cemeterio qualquer de Portugal. Na quarentena inverte-se esse tetrico sentido. Aqui reclusos, somos nós que estamos chamando os eskeletos que da tumba virão a nós unir-se e, em votação symbolica, acclamar na presidencia aquelle zumbi cujo nasal furo ainda traga preso um tubo usado durante seus momentos terminaes. Ahi nos junctaremos, zumbis vivos e mortos, para darmos fim bem justo àquelle que mactou mais gente nesta infinda pandemia. Seu cadaver, agora sem cabeça, pernas finas, rhachiticas, em filme exhibirá.

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BESTIFICADO? [9666] Me expanta, menestrel, que esses babacas, bancando os valentões, passem a noite num hermo cemeterio! Ora, caralho! Depois reclamam quando um eskeleto advistam, quando um corpo descarnado lhes surge pela frente em advançado estado putrefacto! Porra, aquelle fedor, ja, de carniça não lhes basta, não, para desestimulo, Glaucão? Então nas calças elles que se caguem!

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DANSA MACCABRA? [9800] Hem? Dansa de eskeletos numa noite de sexta-feira, Glauco? Mas que tecla battida! A Morte nunca precisou de symbolos, Glaucão! Ella accontesce tal como num horrivel pesadello, porem sem as imagens sepulchraes que todos conhescemos! Só ficamos pairando numa nuvem até sermos, depois de muito tempo, conduzidos ao quincto dos infernos, onde está, ahi sim, Satanaz nos esperando!

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SUMMARIO [1] NECROPHILIA NA POESIA

RELENDO RAYMUNDO CORREA [5238]......................................10 RELENDO CRUZ E SOUZA (4) [5221]............................................. 11 RELENDO ALPHONSUS DE GUIMARAENS FILHO [5217]........13 PSYCHOGRAPHANDO ALPHONSUS DE GUIMARAENS FILHO [6333].......................................................................................14 RELENDO AUGUSTO DOS ANJOS (1) [5105].................................15 RELENDO JUDAS ISGOROGOTA (2) [5232]...................................17 RELENDO LUIZ DELPHINO (4) [5233].........................................19 I LOVE THE DEAD [6621].................................................................21 GLOOMY [6654]................................................................................. 22 PLATONISMO SEPULTADO [6598]................................................ 23

[2] VERAZES CADAVERES VORAZES

DISSONNETTO HORRORIZADO [0579]....................................... 25 DISSONNETTO SUGGESTIONADO [0662]................................... 26 DISSONNETTO BESTIFICADO [0666].......................................... 27 DISSONNETTO DA DANSA MACCABRA [0800]........................... 28 DISSONNETTO DA VIAGEM NOITE ADDENTRO [1372]......... 29 DISSONNETTO DO CASARÃO AZARÃO [1401]............................ 30 DISSONNETTO DA GOSMA PHANTASMAGORICA [1408].........31 DISSONNETTO DA PROVA IMMATERIAL [1430]....................... 32 DISSONNETTO DO FILME DE TERROR [1666]......................... 33 DISSONNETTO PARA O GRUPPO DO ALICE COOPER [2493].34 SCENA ACCELERADA [3186]........................................................... 35 INCREDULO NO TUMULO [4937]................................................. 36 RELENDO GUIMARÃES PASSOS [5152]........................................ 37 DISSONNETTO DA CAVEIRA (RELENDO MANUEL BOTELHO DE OLIVEIRA) [5234]................................................... 38 O TEOR DO TERROR [5296]........................................................... 39 QUE UM DESFILE ME HORRIPILLE! [5837]............................... 40 NOVO TERROR [6318].......................................................................41 CORONAVIVOS [6319]....................................................................... 42 MALDICTA VISITA [6320]................................................................. 43 ZUMBIZAGEM [6322]....................................................................... 44 FUNESTA APPOSTA [6365].............................................................. 45 SCENA AGUDA [6366]....................................................................... 46


ULTIMA VONTADE [6367]............................................................... 47 ULTIMAS CONDOLENCIAS [6371]................................................ 48 RIGIDEZ CADAVERICA [6372]........................................................ 49 PERIGO NA VIA [6406]..................................................................... 50 BRUXISMO AMPLIFICADO [6453]..................................................51 TOMBSTONE SHADOW [6633]....................................................... 52 HORROROSOS ODORES [6661]...................................................... 53 MOTTE GLOSADO (1/2) [7464]....................................................... 54 MOTTE GLOSADO (1/3) [7468]....................................................... 55 MOTTE GLOSADO (1/2) [7482]....................................................... 57 MOTTE GLOSADO [7489]................................................................ 58 MOTTE GLOSADO [7492]................................................................ 59 MOTTE GLOSADO [7493]................................................................ 60 MANIFESTO SYMBOLISTA (1/2) [7922]..........................................61 EVANGELHO DE THOMÉ [8611]................................................... 62 “AQUI NOSSOS OSSOS ESPERAM OS VOSSOS” [8673]............... 63 BESTIFICADO? [9666]...................................................................... 64 DANSA MACCABRA? [9800]............................................................. 65



São Paulo Casa de Ferreiro 2023




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